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sábado, 25 de agosto de 2007

O modo franciscano de fazer ecologia

Percebe-se que nos últimos tempos a sociedade, por várias razões, vem tendo uma maior preocupação com as questões ambientais, com a promoção da justiça, dos direitos humanos e da paz. E nós franciscanos, com toda certeza, podemos e devemos dar a nossa contribuição numa escala progressiva, ou seja, aumentar e qualificar ainda mais a nossa presença e atuação em defesa da vida. Faz parte do nosso carisma, temos como herança de São Francisco de Assis: o cuidado para com a vida, o respeito pelas criaturas e a fé na Trindade criadora. Pode-se dizer que é por intuição franciscana que a Igreja vem se aproximando cada vez mais da Ecologia e introduzindo-a na sua atividade pastoral.

A contribuição franciscana à ecologia despertou a sociedade, não só para a ecologia em si, mas para a sua transversalidade. A ecologia, no modo franciscano de ser, é uma ciência e uma causa universal que se relaciona com outras causas da humanidade como, por exemplo, os direitos humanos, a justiça social e a paz. A ecologia, com espírito franciscano, como a ciência e a arte das relações, deve estar presente em todas as áreas do conhecimento e da atividade humana. Este é o modo franciscano de fazer ecologia. A ecologia que relaciona o meio ambiente com o ser humano e todas as dimensões da vida humana e da sociedade. Ecologia tem a ver com a questão da paz, da saúde, da economia, da política. E tem tudo a ver com a religião. Hoje, pela gravidade da crise ecológica, ninguém pode se omitir em colaborar com a grande luta de todos que é a ecologia. Se ninguém deve ficar de fora da soma de esforços em defesa da vida no planeta, muito menos a religião, que deveria ser protagonista na luta ecológica. Porque além da preocupação com a crise, a religião tem a ver com ecologia pela fé no Criador e na Criação de Deus.

Podemos ter São Francisco de Assis como um verdadeiro exemplo de ser humano que soube respeitar e valorizar todas as criaturas. A justiça, a paz e a ecologia foram bandeiras erguidas por Francisco de Assis. Ele soube ser justo e promover a justiça, soube ser fraterno com os outros e se relacionar com as pessoas tendo a paz como um pressuposto. Foi amigo e irmão da natureza, como demonstra no Cântico das Criaturas, onde todos os seres são tratados como irmãos e irmãs. Para São Francisco as criaturas não tinham apenas um valor utilitário, mas um valor simbólico e sacramental, que lhes é inerente. No carisma franciscano está bem presente a dimensão do cuidado ético para que as gerações futuras não pereçam com a escassez causada pelo consumismo e pela degradação dos recursos naturais.

O franciscanismo defende um desenvolvimento sustentável alternativo que vai muito além do econômico, que procura promover uma qualidade de vida para todas as pessoas, sem explorar o meio ambiente, buscando de forma responsável os recursos de sustentação da vida humana. Um desenvolvimento que seja economicamente viável, político-socialmente justo e ecologicamente sustentável, levando em conta que o mundo não é só nosso, mas de todas as criaturas que hoje coabitam a Terra e das que virão no futuro. Mas, com certeza, não podemos ficar apenas no discurso, é preciso muita luta. Porque não são apenas as boas intenções que movem o mundo. As boas intenções valem mesmo quando elas se tornam presenças voluntárias e efetivas que somam força nas boas ações. Ter boa intenção é um bom começo, é o primeiro passo para ajudar a mudar o mundo. Mas quando uma boa intenção não fizer o passo seguinte, que é a prática, a boa ação, então, ela acaba indo para o começo do fim, no precipício. A ecologia nos exige o desafio de pensar e olhar de forma ampla, global e a longo prazo, mas requer um agir local e cotidiano.

Frei Pilato Pereira
freipilato@gmail.com

terça-feira, 21 de agosto de 2007

Oração pela paz

Senhor, fazei de mim um instrumento de vossa paz.
Onde houver ódio que eu leve o amor.
Onde houver ofensa que eu leve o perdão.
Onde houver discórdia que eu leve a união.
Onde houver dúvida que eu leve a fé.
Onde houver erro que eu leve a verdade.
Onde houver desespero que eu leve a esperança.
Onde houver tristeza que eu leve a alegria.
Onde houver trevas que eu leve a luz.
Ó Mestre, fazei que eu busque mais:
Consolar que ser consolado;
Compreender que ser compreendido;
Amar que ser amado.
Pois, é dando que se recebe;
Perdoando que se é perdoado;
E é morrendo que se vive para a vida eterna.

Esta oração atribuída a São Francisco é simples, bela, de espírito ecumênico e, por isso, rezada por muitas pessoas de outras religiões. Ela resume os ideais franciscanos e humanos e, ao mesmo tempo, representa uma resposta aos principais problemas da vida.

Nasceu na França no contexto da grande tensão mundial que precedeu a primeira grande guerra. Surgiu, na Normandia, num boletim paroquial com o título de oração da paz, embora depois tenha recebido outros nomes, como Oração Simples, Oração de São Francisco, etc.

Três aspectos são interessantes de observar:

1)A oração reconhece que Deus é a fonte da paz. Por isso pede para ser instrumento e não seu autor. Deus é a fonte da paz, porque quando alguém se encontra realmente com Ele passa certamente a viver segundo suas orientações e seus valores, abandonando os valores de outros ídolos. E Deus sempre pensa o bem para todos, pois todos são seus filhos e filhas, independente da religião, cultura, condição social, sexo etc. E uma vez que todos se sentem protegidos e contemplados nas suas necessidades e reconhecem que Deus quer vida digna para todos, então cessa automaticamente a discórdia, o ódio e a ofensa.

Essa convicção vai fazer com que todos despertem para fazer acontecer a transformação da realidade que nega essa condição para todos. Todos se sentirão instrumentos de paz, jogadores do time de Deus, operários de sua obra.

2)Em segundo lugar, essa oração é um grande convite a olhar a realidade para dar-se conta da existência do ódio, da ofensa, da discórdia, da dúvida, do erro, do desespero, da tristeza e da treva que existe nas relações humanas. Numa palavra, é um convite a sair de si, deixando de se preocupar quase exclusivamente com seus problemas, uma tendência que parece natural em nós. Ser humano é justamente preocupar-se com os outros. O egoísmo, em qualquer das suas expressões, diminui a grandeza de coração das pessoas.

Não se trata apenas de um ver estático. É um ver afetivo, envolvente. A oração, por isso, sempre repete em cada frase “que eu leve...”. É a súplica para superar a indiferença, para comprometer-se com a transformação.

3)Por fim, a oração, na sua última parte, conclui confirmando a lógica do viver: “é dando que se recebe, perdoando que se é perdoado, e é morrendo que se vive eternamente”.

Muitas pessoas demoram em dar-se conta deste princípio básico da vida, pois à primeira vista parece que ao dar se perde, ao perdoar se sofre um rebaixamento e ao morrer por uma grande causa (a paz) se desaparece para sempre. A oração tira o véu que encobre esta verdade e permite que sua luz ilumine os caminho de nossos pés.

Rezá-la com calma e deixar-se tomar pelo conteúdo de suas palavras é uma forma de educar o próprio coração para viver do jeito que Deus espera. Será desse modo de ser simples, altruísta, com foco no outro e não em si mesmo, assumido pela grande maioria do povo que a plantinha da paz terá condições de nascer, crescer e produzir frutos de alegria, regozijo, esperança e fraternidade.

sexta-feira, 17 de agosto de 2007

Capitalismo, pecado estrutural e a luta espiritual

Deu na Adital:
por Jung Mo Sung


Adital -
No artigo anterior, "Pecado estrutural e as boas intenções", vimos que na dinâmica social nem tudo depende de boas ou más intenções, na medida em que as estruturas sociais, econômicas, culturais e de outros tipos têm um papel significativo nos resultados das ações de indivíduos e de grupos sociais. Quando a Teologia da Libertação (TL) utiliza a noção de "pecado estrutural" para criticar o capitalismo está mostrando que as boas intenções não são suficientes para solucionar os graves problemas sociais e ecológicos que enfrentamos. É preciso modificar profundamente as estruturas do capitalismo; em outras palavras, é preciso construir uma sociedade alternativa ao capitalismo.
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Este espírito capitalista está "colonizando" as mentes e corações de quase todas as pessoas e povos do mundo. Até jovens chineses educados no comunismo ou asiáticos de tradições budistas têm como um dos seus desejos mais ardentes comprar carros novos e equipamentos eletrônicos, assim como fazem norte-americanos e europeus. Uma grande parte de experiências de fascinação e de sagrado que ocorre no mundo se dá hoje no âmbito do consumo. Podemos perceber a força disso também nas igrejas cristãs e em outras religiões: cristãos que escolhem a igreja de acordo com o seu "poder" para aumentar o padrão de consumo; ou então, padres, pastores e ministros religiosos mais preocupados com salários altos e consumo do que em servir a Deus e ao seu povo que sofre de mais diversas formas.
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Sem esta luta espiritual contra o espírito do capitalismo, não poderemos superar o pecado estrutural em que vivemos. A reconciliação com Deus e com a comunidade humana exige um novo espírito movendo a humanidade. Exige que criemos novos tipos de relações humanas e sociais e um novo sentido de vida que testemunhem a presença do Espírito entre nós. Por isso, a tarefa fundamental do cristianismo hoje é espiritual. Lutar pela vida dos mais pobres e, por isso, por uma sociedade alternativa ao capitalismo não é apenas um "compromisso social" ou uma articulação entre a "fé e política", mas é viver a "vida no Espírito" contra o espírito do "mundo".

Por tudo isso, eu penso que uma das tarefas e contribuições fundamentais do cristianismo hoje se dá no campo espiritual: no testemunho da experiência da graça no reconhecimento mútuo entre pessoas - independente do seu nível de consumo, da sua religião, etnia ou...-; e da vivência da "fé agindo na caridade" (Gal 5,6) - lutando por uma outra sociedade.

sábado, 4 de agosto de 2007

CEBs: Missão e Ecologia

Do Correio da Cidadania:

Por Roberto Malvezzi (Gogó),
coordenador da CPT


Essa nova temática – lema do intereclesial de 2009 - trás as comunidades cristãs de base para o coração dos novos desafios humanos e planetários. Esse horizonte terrível e inadiável vai trazer seiva nova para alimentar a luta de nossas comunidades. Assim elas reassumem seu papel profético, justamente quando a fé alienada e alienante voltou a ser hegemônica nas Igrejas, particularmente na liturgia.


Tive a graça de participar nesse final de semana do encontro das CEBs do Mato Grosso. Eram mais de mil, vindos dos vários pontos do estado. Como sempre celebram, refletem, assumem compromissos.


Saímos de Cuiabá para Sinop. Ao longo da BR 163, em torno da qual se dá o desmatamento do Mato Grosso, as pessoas me mostraram onde está o “divisor de águas” da bacia do Prata e da Amazônica. De resto, só a monocultura da soja, com seus caminhões atravessando as estradas, um deserto humano, sem gente, apenas algumas cidades e muitos silos da Bunge, Cargill e Amaggi. O agronegócio tem o que mostrar: silos, caminhões, dólares, um ambiente morto, sem gente, imensos desertos...


Sinop é o nome da cidade que nos acolheu, uma sigla, que significa Sociedade Industrial do Norte do Paraná. Portanto, quem destruiu a Mata Atlântica do Paraná no prazo de 30 anos, agora foi destruir a floresta amazônica do Mato Grosso. E não vai mesmo restar nada. Sinop é o exemplo. Baseada no corte da madeira, chegou a ter 280 cerrarias, agora tem apenas 28. Chegou a ter 35 mil pessoas empregadas no corte da madeira, agora tem apenas duas mil. Acabou a madeira, acabou a economia. Quando a soja fracassar, ficará para trás um deserto e um povo sem trabalho e sem rumo. Vamos apenas repetir o que aconteceu secularmente na história do Brasil, com a passagem das monoculturas, deixando atrás de si “cidades mortas”, como registrou Monteiro Lobato após a passagem do café pelo vale do Paraíba.


Assustados com a perspectiva do aquecimento global – falei da teoria de Lovelock - os presentes assumiram o compromisso da luta cotidiana, da reflexão ecológica, da catequese ecológica, das lutas concretas, de chamar suas Igrejas para a luta, de fazer a luta. Ali, o compromisso estadual foi lutar contra a redução de 50% do Pantanal, lutar contra a exclusão do Mato Grosso da Amazônia Legal – o agronegócio quer aumentar legalmente a área do desmatamento - e participar ativamente do plebiscito popular de setembro. A novidade é assumir, na perspectiva da fé, a luta ecológica pela preservação da vida e do próprio planeta.


A esperança anda curta, mas é o que resta. Meu amigo Henrique Cortez, jornalista do Ecodebate, um dia me escreveu um e-mail sem esperanças. Respondi: “concordo em 99% com você, mas dou 1% de chance à esperança, mesmo sem ver nada”. Ele respondeu: “também me dou 1% de chance, afinal, sou um cético esperançoso”.


Prossigamos. As comunidades cristãs vivas vão, sim, fazer sua parte para tentar evitar o armagedom no momento assombroso que se avizinha. Temos 1%.

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