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terça-feira, 28 de setembro de 2010

Desafios e sinais de esperança para o catolicismo do século XXI

A partir da viagem do Papa Bento XVI, entre os dias 16 e 19 de setembro, ao Reino Unido, do novo escândalo do Banco do Vaticano e da forte declaração da Comissão de Doutrina da Conferência dos Bispos dos EUA acusando dois teólogos da Creighton University, universidade jesuíta norte-americana, de distorcer a tradição moral católica em questões como a homossexualidade, a contracepção e a reprodução artificial, John L. Allen Jr. apresenta aqui três observações gerais sobre esses acontecimentos.

Duas delas falam sobre os desafios endêmicos que se colocam diante do catolicismo no alvorecer do século XXI, e uma terceira aponta para alguns sinais encorajadores.

A análise foi publicada no sítio National Catholic Reporter, 24-09-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Tensões Igreja-Estado

A investigação do Banco do Vaticano provavelmente deveria ser vista em conjunto com as blitz policiais nas propriedades da Igreja na Bélgica no início deste ano, como parte de uma investigação sobre alegações de abuso sexual, ou com as revisões dos subsídios à Igreja na Espanha e a "lei da igualdade" de 2007 no Reino Unido, que negou às agências de adoção da Igreja que recebem financiamento público o direito de se recusar a entregar crianças a casais do mesmo sexo.

Ao longo disso tudo, a tendência no Ocidente nos dias de hoje é eviscerar qualquer coisa que pareça ser um privilégio ou um "tratamento especial" para as instituições religiosas, especialmente a Igreja Católica. Os dias em que as autoridades civis trataram a Igreja com luvas de pelica basicamente acabaram, até mesmo na ultracatólica Itália.

Cada vez mais, procuradores, polícia e ativistas da sociedade civil olham para a Igreja católica aproximadamente da mesma forma com que olham para o grande negócio, para o lobby e a política, até mesmo para o esporte profissional – como zonas potenciais de corrupção que precisam ser responsabilizadas e que de forma alguma devem estar "acima da lei".

Em última análise, isso pode fazer muito bem à Igreja, induzindo-a à visão de João Paulo II articulada em 1984 – que a Igreja deveria ser uma "casa de vidro", em que todos do lado de fora podem olhar e ver o que está acontecendo. Em curto prazo, no entanto, é provável que isso signifique que os pontos de ebulição entre Igreja e Estado vão crescer tanto em frequência quanto em intensidade.

Um alerta: se uma vez a configuração padrão com relação à Igreja foi de deferência e cuidado, daqui em diante a tendência, muitas vezes, provavelmente, será a de atirar primeiro e perguntar depois.

Divisões internas

A repressão aos teólogos da Creighton University é um lembrete das persistentes divisões dentro da Igreja, que tendem a se tornar especialmente visíveis e especialmente virulentas em torno de questões da moral sexual. Os bispos estão, naturalmente, em seu direito de dizer que as posições assumidas por Lawler e Salzmann não refletem o magistério católico oficial, mas isso não significa que elas não sejam compartilhadas por uma ampla faixa da população católica.

Esse ponto foi destacado mais recentemente durante a viagem do Papa Bento XVI ao Reino Unido, quando uma pesquisa realizada pelo jornal Sunday Independent revelou que uma sólida maioria dos ingleses católicos discorda da linha oficial em todos os tipos de questões, incluindo o aborto no caso de estupro e o controle artificial de natalidade.

A manchete inflamada foi: "O senhor está errado, dizem os católicos ao Papa".

Diante dessas divisões, um grupo poderia defender revisão global do ensino da Igreja para acomodar as sensibilidades pós-modernas; outro grupo poderia defender a expulsão de qualquer pessoa que não esteja preparada para assinar embaixo; e outro grupo poderia ainda defender que se ignore o problema completamente. (Respectivamente, esses grupos seriam alguns liberais, alguns conservadores e alguns bispos).

Sinceramente, nenhuma das opções acima parece ser uma solução especialmente satisfatória.

O que é necessário é a reconstrução de um "commons católico", um espaço em que os membros das várias tribos que pontilham a paisagem eclesiástica possam se reunir e construir amizades, de modo que uma profunda "espiritualidade de comunhão" possa ocorrer. Do outro lado desse esforço, novas formas de expressar as verdades eternas podem surgir, o que pode atenuar, embora talvez nunca eliminar completamente, as linhas de falha na Igreja.

Quem puder imaginar o projeto para um novo "commons católico" pode ter nas mãos a chave para a vitalidade da Igreja no século XXI.

Raios de esperança

O sucesso da viagem de Bento XVI ao Reino Unido aponta para dois raios de esperança.

Primeiro, até mesmo naquelas que parecem ser sociedades completamente secularizadas, o instinto religioso raramente se extinguiu. As multidões ao redor de Bento superaram as expectativas, impulsionadas pela substancial participação católica. O que foi mais fascinante, no entanto, foi o apelo da viagem a outros cristãos, membros de outras religiões e pessoas seculares comuns, que de alguma forma ainda sentem o estímulo da fé.

Além dos ativistas, que têm uma reclamação específica com o Papa, a maioria das pessoas pareciam curiosas sobre o que Bento XVI dizia e fazia, e também estavam genuinamente impressionadas com a sinceridade e a boa vontade das multidões de peregrinos ao longo desses quatro dias.
Bento XVI não encheu magicamente as Igrejas ou conquistou ondas de convertidos, mas o interesse amplamente favorável pela religião que a sua presença estimulou ofereceu um lembrete de que muitas pessoas, mesmo no coração do mundo secular, ainda querem acreditar – mesmo que, como o sociólogo Grace Davies indicou, eles achem muito mais difícil pertencer.

Em segundo lugar, a viagem foi um lembrete de que, quando exercido com sabedoria, o papado ainda é um púlpito intimidador original, o único maior ativo que o catolicismo tem para moldar o debate público. É difícil imaginar qualquer outra figura no planeta que poderia ir à Grã-Bretanha e liderar um exame nacional de consciência de quatro dias sobre o papel da religião na vida pública como Bento XVI fez.

Em parte, a razão de Bento XVI ter sido capaz de estimular isso foi porque ele não deu nenhuma razão para quem estava preparado para repudiá-lo. Ele não entrou na cidade cuspindo fogo contra as leis de igualdade, o aborto, o casamento gay ou qualquer uma das outras frentes das guerras culturais. Pelo contrário, ele se dirigiu aos fundamentos da questão – o direito de cidadania das pessoas de fé em uma cultura secular que preza pela tolerância e as contribuições positivas que os fiéis podem fazer acerca das preocupações humanitárias e sociais comuns.

Posto dessa forma, era praticamente impossível retratar o Papa como um extremista, e isso fez com que a afirmação de Dawkins de que Bento XVI é um "inimigo da humanidade" parecesse um tanto ridícula. Com efeito, a viagem de Bento XVI ao Reino Unido ofereceu um modelo de como os líderes religiosos podem se engajar com sucesso em diálogos seculares, por meio do modelo da "ortodoxia afirmativa" – sem compromissos com a doutrina da Igreja, mas colocada em termos dos "sins" que a Igreja diz, em vez do seu catálogo bem conhecido de "nãos".

Essa foi 17ª viagem de Bento XVI ao exterior, e muitas delas deixaram para trás o mesmo tipo de breve luminescência, até serem rapidamente inundadas por alguma nova crise ou colapso de relações públicas em Roma. Só podemos esperar que, neste caso, o passado não seja o prólogo.

Extraído de http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=36733 acesso em 28 set. 2010.

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