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quinta-feira, 26 de junho de 2014

O HÁBITO FRANCISCANO...


A primeira coisa que chama a atenção de quem se aproxima dos franciscanos é o hábito. Porque suscita curiosidade e perplexidade, dado que a forma e a cor variam segundo as diversas famílias franciscanas, seja masculina que feminina. Por isso, uma das perguntas mais freqüentes dos peregrinos e turistas que vão à Basílica de São Francisco, onde é fácil confrontar-se, é está: porque negro ou cinza? Mas o hábito franciscano não é marrom? Neste artigo daremos uma resposta ao argumento do ponto de vista da forma e cor, sem mencionar o significado teológico-espiritual do hábito franciscano, que merece ser estudado à parte.

Hoje nenhuma das ordens ou congregações franciscanas, nem pela forma, nem pela cor, veste o hábito de São Francisco que era em forma de cruz e de cor acinzentada ou de terra, resultado da mistura, em partes iguais, de fios de lã branca e negra ou castanha escuro. Existe quem afirma que o Santo de Assis e os seus companheiros não se vestiam de forma diferente dos pobres e camponeses de seu tempo, mas em seus escritos e biografias se diz alguma coisa diferente. 

O certo é que o modo de se vestir dos frades menores (túnica longa, capuz, corda e calças) era muito mais pobre do que dos outros religiosos de então, e isto lhes permitia estar mais próximos aos indigentes e mendicantes, mas não se pode negar que foi um verdadeiro distintivo religioso, que os distinguia dos seculares. As duas regras de São Francisco e as biografias se referem em particular mais a humildade do hábito dos frades menores que da cor ou da forma da túnica e do capuz. Não negligenciando o aspecto externo, a coisa mais importante nos inícios foi à modéstia e a pobreza no vestir. Mas, quando a Regra bulada impõe aos frades de não julgar, nem desprezar “aqueles que vestem roupas suaves e coloridas”, se diz, na prática, que a cor de seu hábito deveria ser natural.
 
As biografias e as relíquias do Santo nos permitem assegurar que as túnicas tinham a forma de cruz ou de “tau”, de modo a recordar que, o irmão Menor deve exprimir em si mesmo os sofrimentos do mundo. O capuz que encontramos nas primeiras representações dos frades e de São Francisco é, de costume, pontudo e alongado, similar a estes dos Capuchinhos. Aquele conservado nas relíquias da Basílica tem exatamente o aspecto de uma manga (de roupa), de modo que muitos não concordam que se trata de um capuz, que foi posto no lugar da manga esquerda que está faltando.

Existem outros capuzes daquele período, mais curtos e com a extremidade arredondada, pelo qual não se pode falar de um único modelo de capuz para toda a ordem. Uma outra característica é que o capuz primitivo era costurado ao colo, mas bem cedo foi substituído por um capuz separado da túnica, que passava pela cabeça e apoiava-se amplamente sobre o ombro e ao redor do pescoço em modo de prega. Esta prega foi-se alargando ao longo dos séculos, até obter a forma do capuz atual dos Menores, Conventuais e Terciários Regulares. Então, desta forma, fala-se de cor. 

No Espelho de Perfeição se fala que, entre todos os outros pássaros, Francisco amava com predileção as cotovias, chamadas “de capuz” porque “tem o capuz como os religiosos e é um humilde pássaro...a vestimenta da cotovia, a sua pena, isto é, tem a cor da terra: assim oferece aos religiosos o exemplo de não ter vestes elegantes e de belas tinturas, mas de modesto valor e cor semelhante a terra, que é o mais humilde dos outros elementos” ( FF. 113).

A terra todavia, como todos sabem tem uma infinidade diversa de tonalidades. Tomás de Celano, no Tratado dos Milagres, fala de um “pano cinzento” como aquele dos cistercienses de Oltremare, que Francisco moribundo pede a Jacoba de Settesoli para o seu funeral. A referencia mais direta à cor do hábito minoritico é aquele da Crônica de Roger de Wendover (falecido em 1236) e de Mateus de Paris, onde se diz que “os frades chamados Menores... caminham descalços, com corda na cintura, túnicas cinza longas até as tornozelos e remendadas, com um capuz vil e áspero. 

Em um documento de 1223, o rei da Inglaterra ordenava ao vice conde de Londres a aquisição de certa quantidade de panos, metade de “blaunchet” ou branco para os Pregadores ou Dominicanos, e outra metade “russet” para os frades menores de Reading. O “russet” era o “rusetus pannus” o pano avermelhado, resultado da mistura natural de lã branca e marrom castanha. As Constituições de Narbona de 1260 estabeleciam que “ as túnicas externas não sejam nem de tudo negras, nem de tudo brancas”, deixando então uma ampla margem as tonalidades de cinza. 

Nos afrescos de Giotto da Basílica superior de Assis é comum encontrar em uma mesma imagem, hábitos cinza e avermelhados, sempre, porém em tonalidades claras. As Constituições Farinerie de 1354 prescrevem, no entanto, que os superiores não permitam o uso dos panos com “tinturas de diversas cores, nem muito próximo ao branco, nem ao negro”. 

A variedade de cores dos hábitos primitivos deu-se principalmente pela variedade das cores naturais da lã negra, que por vezes tendia ao marrom, e também pelo fato de que o pano para as túnicas não era confeccionado ainda expressamente para os frades. Estes, no mais eram adquiridos no mercado pelos benfeitores dos frades. Eram estes selecionados pela cor e pela qualidade, também se o pano presenteado superava o controle dos superiores, segundo os Decretos de João XXII (1317) e de Benedito XII (1336). Uma maior rigidez quanto a cor, se observa a partir da divisão da Ordem entre Observantes e Conventuais acontecida em 1517, sobretudo pelo valor simbólico do cinza, que recorda as cinzas da penitencia e o pó do qual fomos criados. O cinza foi à cor oficial de todas as famílias franciscanas até a metade do século XVIII. Tanto é verdade que, devido à dificuldade para ter um pano tal em quantidade suficiente, sucedeu que as Constituições dos Observantes e Capuchinhos dispuseram que cada província fabricasse os próprios panos para obter a máxima uniformidade. 

Assim, por exemplo, o Capítulo Geral de 1694 da Regular Observância ordenava que fabricassem “panos de tudo similar na cor e na qualidade, no entrançado e na espessura, tecidos com lã branca e negra mesclada em uma proporção tal que em juízo dos peritos resulte um pano cinza como vemos nos hábitos e mantos de N. P. S. Francisco, S. Bernardino de Sena e S. João de Capistrano, os quais, por conservando-se em diversas províncias e paises, são de uma mesma cor cinza, mais ou menos claro”. 

Nos Menores Conventuais observa-se já na segunda metade de 1700, certa tendência pelo negro, não obstante as Constituições Urbanas de 1803 que obrigava ainda o uso do hábito cinza. A prescrição veio a desaparecer na edição de 1823, em parte porque a supressão napoleônica extinguiu as corporações religiosas, os seus membros se viram obrigados a usar o hábito talar negro do clero secular. Restaurada a Ordem, os frades preferiram continuar com o hábito negro. Hoje, porém, o cinza tradicional esta retornando, de modo que já o vestem quase todos os frades conventuais da Ásia, África, Austrália e América, e algumas províncias da Europa. 

Os Frades da Observância mudaram do cinza para o marrom pouco mais de um século atrás. Iniciaram na França e foi imposto para toda a Ordem no capítulo de Assis em 1895, quando o papa Leão XIII reunificou em uma só as diversas famílias da Observância: Observantes, Alcantarinos, Recoletos e Reformados (“a cor sintética das vestes externas assemelha-se a cor da lã natural escura com tendência ao vermelho, cor que em italiano se chama marrone e em francês marron”). 

Os Menores Capuchinhos seguiram da mesma forma a evolução dos Observantes, também para evitar qualquer diferença local, em 1912 se estabeleceu que a cor do hábito devia ser castanho, como aquele dos observantes, ainda que um pouco mais amarelado (“a cor deve ser castaneum, em italiano castagno, em francês marron, na inglês chestnut, em alemão kastanienbraun, e espanhol castaño”). O hábito que mais se assemelha ao de São Francisco e dos primeiros frades menores, é aquele dos Capuchinhos, sobretudo pelo capuz alongado e costurado na gola da túnica. O hábito dos Observantes ou Menores caracteriza-se por ser mais ajustado e pelo capuz ser destacado da túnica que cai sobre o ombro em forma de manta, cortada dos lados, mais longa e pontuda atrás, até a cintura. O hábito dos Conventuais é similar ao dos Observantes, difere somente no capuz que é mais redondo e o manto mais longo, sem igualar as curvas. O hábito dos Terciários Regulares ou frades da TOR, pouco tempo faz era semelhante ao dos Conventuais pela forma e pela cor, mas recentemente retornaram ao cinza tradicional, com manto longo e pontudo nas costas. Nos últimos tempos estão surgindo outras congregações franciscanas com hábitos diversos, mais ou menos semelhantes àqueles já citados, com túnica e capuz cinza ou marrom. Existem algumas também com tendência ao azul celeste, como aquele dos Frades da Imaculada e outros de cor amarronzada clara ou creme e mesmo verde.
 
Além dessas diferenças de forma e cor, o que distingue os franciscanos e franciscanas dos membros de outras Ordens ou Congregações religiosas da Igreja, é o uso exclusivo do cordão de lã branca, que Francisco escolhe para substituir o cinto de couro em cumprimento do mandamento evangélico de Cristo aos seus apóstolos: “não levem nada pelo caminho...nem cinto...” (cf. Mt 10). Ao início não existia um número estabelecido de nós que tivesse a função prática de encurtar a corda, de modo que, não tocasse a terra. Com o passar do tempo, se impôs à tradição dos três nós, como se fosse para recordar os três votos da profissão religiosa: obediência, castidade e pobreza. 



Enfim, para aquele que trás os calçados, o Pobrezinho caminhou sempre descalço, sempre conforme o mandamento de Jesus: “não usem sandálias...” Somente nos dois últimos anos de sua vida, para esconder as faixas ensangüentadas dos estigmas dos pés, teve de usar calçado de pele ou de pano, como se vêem ainda nas relíquias da Basílica em Assis. A Regra não impõe nem de andar descalço, nem de utilizar sandálias. Descreve, no entanto, que os frades possam utilizar calçados em caso de necessidade. As sandálias, de qualquer modo, se impuseram bem de pressa na ordem, como se pode ver nos afrescos de Giotto, onde as trazem todos os frades, também São Francisco. Mais tarde, por volta de 1400, os frades das reformas que moravam nos eremitérios usavam uma espécie de sandálias com as solas altas de madeira chamadas “zoccoli”, e eis porque, na Itália, os Observantes foram popularmente conhecidos com o nome de “zoccolanti”. Mais recentemente, as diversas Constituições deixaram de impor as sandálias aos Menores e aos Capuchinhos, e os sapatos aos Conventuais, mas tais disposições só foram tiradas depois do Concílio, sendo que não é estranho encontrar Conventuais com sandálias e barba, Menores com sapatos, e Capuchinhos sem barba. 

Enfim, passada a rigidez dos últimos séculos, fazemos votos então, de não perdermos o espírito dos inícios, quando, daquela época pela forma e pela cor, se insistia no aspecto da pobreza e da aspereza dos tecidos e nas cores naturais do cinza e da terra, sinal de humildade e penitência. Mesmo que a este propósito, São Francisco escreveu na regra que os ministros poderiam proceder “diversamente segundo Deus” (RB 2). 


Por Frei Tomás Gálvez, OFMConv. (in memoriam)
Revista San Francesco – giugno 2004, p. 40-43.

quarta-feira, 25 de junho de 2014

Pobres (e Copas da FIFA) sempre tereis

Bueno... faz tempo que não escrevo por aqui... O texto a seguir foi publicado originalmente no meu blog, em 11/06/14 (confira aqui), mas, dada a relevância do assunto, resolvi compartilhá-lo também neste espaço. Vejam:

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Amanhã começa a tão falada Copa da FIFA. Embora não a reconheça como torneio mundial, não é bem disso que pretendo falar. O que tem me irritado é o cansativo refrão dos que teimam em fazer alarde sobre os gastos com a construção dos estádios. O que há de legítimo em tamanha preocupação com o dinheiro público?
Pouco antes da condenação e crucifixão, Jesus passa por uma situação onde – segundo três do quatro evangelhos – é criticado por seus próprios discípulos. A narrativa, comum e, ao mesmo tempo, muito particular a cada um dos quatro evangelistas, está em Mt 26,6-13; Mc 14,3-9; Lc 7,36-50; Jo 12,1-8. Uma mulher (anônima, dizem os sinóticos; pecadora, segundo Lucas; Maria, irmã de Lázaro e Marta, afirma João) unge a cabeça (ou os pés?) do Nazareno com um óleo caríssimo (nardo, perfume ou mirra?). Alguém (sejam os discípulos, o anfitrião, ou mais especificamente Judas Iscariotes) condena a atitude da mulher mas, principalmente, a conivência do Mestre. Exceto Lucas, a queixa é a mesma: daria para construir hospitais... digo... daria para transformar esse óleo em dinheiro – muito dinheiro – e doá-lo aos pobres. Hum... Acusação similar à de um certo refrãozinho, não!?
Num primeiro momento, a resposta de Jesus parece de um conformismo extremamente oposto ao que vinha pregando até então: “Os pobres sempre estão (estiveram e estarão) com vocês!” Por um lado, somos levadas e levados a crer que não importa o que façamos para melhorar as coisas: sempre haverá pobres em nosso meio. Mas, por outro lado – e aí é necessário pôr em prática o senso crítico para se chegar a esta conclusão – a frase enigmática do Messias pode estar a nos provocar: os pobres sempre estiveram aí, e vocês nada fizeram por eles; por que, agora, tamanha preocupação?
Paremos pra pensar em quem mais repete este refrão. Não é a oposição ao governo que está aí? E essa mesma oposição não era governo até outro dia? Essa mesma oposição não esteve anos e anos no poder? O que fizeram pelos pobres? Onde estão os hospitais e escolas que eles construíram? João, que põe a queixa contra Jesus e a mulher na boca de Judas Iscariotes, é quem melhor explica o real motivo para tanto alarde. Segundo ele, Judas era o chefe do Congresso... digo... o responsável pela bolsa comum. Com a venda do óleo, o dinheiro depositado nela poderia ser embolsado facilmente. Entendido por que tanto chororô?
Ok, sejamos francos: a construção dos estádios não tem uma função tão nobre quanto a do óleo (seja lá qual tenha sido) que ungiu Jesus. Dilma e Lula, aliás, estão longe de ser o Messias. Mas vamos procurar entender por que a oposição está fazendo tanto barulho em relação a isso. E vamos procurar pautar a crítica sobre esse megaevento pela ótica popular. É nossa missão, como anfitriões, perguntar o que essa Copa vai nos trazer e o que vai levar de nós. Alguém aí já assistiu O Banheiro do Papa? A história é interessante (clique aqui para ver o filme). Uma cidade uruguaia muito pobre, fazendo fronteira com o Brasil, prepara-se para receber a visita do Papa. A expectativa é muito grande, principalmente porque, atrás dele, virá uma multidão de brasileiros. Os uruguaios veem uma oportunidade de fazer dinheiro com o acontecimento. O protagonista, um homem muito humilde, resolve construir um banheiro. Espera alugá-lo para os romeiros. Gasta as parcas economias da família no investimento. Chegado o grande momento, a visita dura poucos instantes, ninguém lucra nada e, quando estão indo embora, os brasileiros ainda deixam atrás de si uma grande desordem e sujeira. Aos nativos resta limpar a bagunça. Para este senhor, pai de família, a situação é ainda pior, pois gastou o que não tinha e não obteve nenhum retorno. Será que não estamos indo para o mesmo caminho? Há pouco tempo, uma camiseta publicitária sugeria facilidades para o turismo sexual em nosso país. De que forma podemos nos precaver do turismo predatório? Os nossos pobres estão sendo despejados para “embelezar” as áreas por onde deverão passar os turistas e delegações. Como garantir que sejam devida e dignamente realocados? Há centenas de pessoas voluntárias trabalhando em função da Copa. Será que não se faz necessário também um voluntariado para combater, entre outros, o ambiente facilitado para o tráfico humano? A FIFA escolheu o tatu-bola como mascote da Copa 2014. Você sabia que ele é um animal com risco de extinção? Que tal solicitarmos à FIFA que aproveite o ensejo para motivar uma campanha de preservação da espécie? Essas são só algumas questões. Ao ler estas linhas, tenho certeza de que você poderá enriquecer a lista com preocupações e precauções. Mas o principal é nos perguntarmos: como combater a prática exploratória externa (a entidade FIFA e tudo o que vem junto com ela) e interna (caso dos nossos Judas Iscariotes) que oprimem e empobrecem ainda mais o nosso povo?
É disso que se trata, afinal. Como vimos, os textos bíblicos não concordam em praticamente nada. Nem em quem eram os anfitriões. No texto de João, são os irmãos Maria, Marta e Lázaro. Em Marcos e Mateus, é um tal de Simão, o leproso. Só para constar, leproso é também o significado do nome Lázaro. Mas Lucas, para garantir definitivamente o nó na nossa cabeça, nada fala sobre a doença e diz que esse Simão é um fariseu. Entretanto, apesar de tantas divergências, num ponto todos concordam: Jesus estava em Betânia, que significa “Casa dos Pobres”. Que lugar interessante para afirmar que os pobres sempre estarão conosco. É como se Ele dissesse: Só agora vocês repararam que os pobres existem? Vocês querem hospitais e escolas para eles; mas já se perguntaram o que eles querem? Vocês costumam frequentar Betânia, isto é, a casa dos pobres? Vocês conhecem a realidade dessa gente? Ou seja, quando Cristo diz que os pobres estão em nosso meio, Ele também quer perguntar: E vocês? Estão com (a FIFA ou com) os pobres?

sábado, 7 de junho de 2014

QUANDO VIER O PARÁCLITO, O ESPÍRITO DA VERDADE, ENSINA-VOS-A TODA VERDADE...


QUANDO VIER O PARÁCLITO, O ESPÍRITO DA VERDADE, ENSINA-VOS-A TODA VERDADE...

Pensar a vida sem o Espírito de Deus é pensa-la conforme o mundo e não conforme Deus. Ora, o Senhor Jesus prometeu (cf. Jo 15,26) que enviaria o Espírito Santo para nos ensinar, nos defender e nos dar todo apoio e assistência necessária para permanecermos fiéis até que se complete o tempo de sua segunda vinda e a nossa ida definitiva para a glória do seu Reino, onde não há morte nem choro nem luto nem dor (cf. Jo 14,1-4).

O Espírito Santo de Deus é o perfeito coordenador de nossas ações enquanto de nossa estadia neste mundo, basta que ouçamos suas moções e nos deixemos conduzir por Ele, como o fizeram os profetas, Maria Santíssima, os apóstolos e todos os santos. Pois assim disse o Senhor: “Quando vier o Paráclito, o Espírito da Verdade, ensinar-vos-á toda a verdade, porque não falará por si mesmo, mas dirá o que ouvir, e anunciar-vos-á as coisas que virão”. (Jo 16,13). Ora, creio que todos nós desejamos ver o desfecho final da obra da criação, isto é, a vinda da plenitude do Reino de Deus, pois do jeito que estamos vivendo atualmente, a paz entre os povos é impossível.

Então, há de se perguntar, como identificarmos a presença do Espírito de Deus em nossa vida? Ora, os meios para isto os batizados já o tem, pois quem foi batizado, foi batizado em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, ou seja, em nome da Santíssima Trindade e se tornou filho/a de Deus. Essa filiação divina nos torna aptos à esse reconhecimento, pois é a vontade de Deus que sejamos um só com Ele, por seu Filho, Jesus Cristo, no Espírito Santo. Para que isto aconteça precisamos dissipar de nossas mentes todo e qualquer mau pensamento ou vãs inclinações para o pecado; e o jeito mais preciso para isto aconteça é usar o dom da oração, pois com essa arma poderosa, podemos expulsar de nossa mente tudo o que não é do Espírito de Deus.

Sabemos, por graça de Deus, que naturalmente podemos identificá-lo em meio à criação, isto por meio da visibilidade de sua obra, pois conhecendo a obra se conhece o bem feitor que a produziu; todavia, o Senhor mesmo se nos deu a conhecer pelo seu Espírito Santo que enviou por seu Filho, Jesus Cristo, autor e consumador da nossa salvação. Quem crê no Filho de Deus tem a vida. Mas, o crê em Cristo não é algo isolado ou à mercê do querer humano; mais que isto, crê é fazer parte do Corpo Místico de Cristo, que é a sua Igreja, fundada e mantida por Ele na pessoa de São Pedro, príncipe dos apóstolos. À ela o Senhor enviou o Seu Espírito para que a nossa fé fosse uma fé carismática, isto é, dom do Seu Espírito Santo em nós.

Com efeito, Santo Hilário, escreveu a respeito dessa ação do Espírito Santo para identificarmos Deus em nossa vida e por nosso proceder; vejamos o que ele disse: “O Senhor mandou batizar em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, quer dizer, professando a fé no Criador, no Filho e no que é chamado Dom de Deus. Um só é o Criador de todas as coisas. Pois um só é Deus Pai, de quem tudo procede; um só é o Filho Unigênito, nosso Senhor Jesus Cristo, por quem tudo foi feito; e um só é o Espírito, que foi dado a todos nós.

Todas as coisas são ordenadas segundo suas capacidades e méritos: um só é o Poder, do qual tudo procede; um só é o Filho, por quem tudo começa; e um só é o Dom, que é penhor da esperança perfeita. Nada falta a tão grande perfeição. Tudo é perfeitíssimo na Trindade, Pai, Filho e Espírito Santo: a infinidade no Eterno, o esplendor na Imagem, a atividade no Dom.

Escutemos o que diz a palavra do Senhor sobre a ação do Espírito em nós: Tenho ainda muitas coisas a dizer-vos, mas não sois capazes de compreendê-las agora (Jo 16,12), É bom para vós que eu parta: se eu me for, vos mandarei o Defensor (cf. Jo 16,7). Em outro lugar: Eu rogarei ao Pai, e ele vos dará uni outro Defensor, para que permaneça sempre convosco: o Espírito da Verdade (Jo 14,16-17). Ele vos conduzirá à plena verdade. Pois ele não falará por si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido; e até as coisas futuras vos anunciará. Ele me glorificará porque receberá do que é meu (Jo 16,13-14).

Estas palavras, entre muitas outras, foram ditas para nos dar a conhecer a vontade daquele que confere o Dom e a natureza e a perfeição do mesmo Dom. Por conseguinte, já que a nossa fraqueza não nos permite compreender nem o Pai nem o Filho, o Dom que é o Espírito Santo, estabelece um certo contato entre nós e Deus, para iluminar a nossa fé nas dificuldades relativas à encarnação de Deus.

Assim, o Espírito Santo é recebido para nos tornar capazes de compreender. Como o corpo natural do homem permaneceria inativo se lhe faltassem os estímulos necessá­rios para as suas funções - os olhos, se não há luz ou não é dia, nada podem fazer; os ouvidos, caso não haja vozes ou sons, não cumprem seu ofício; o olfato, se não sente nenhum odor, para nada serve; não porque percam a sua capacidade natural por falta de estímulo para agir - assim é a alma humana: se não recebe pela fé o Dom que é o Espírito, tem certamente uma natureza capaz de conhecer a Deus, mas falta-lhe a luz para chegar a esse conhecimento.

Este Dom de Cristo está inteiramente à disposição de todos e encontra-se em toda parte; mas é dado na medida do desejo e dos méritos de cada um. Ele está conosco até o fim do mundo; ele é o consolador no tempo da nossa espera; ele, pela atividade dos seus dons, é o penhor da nossa esperança futura; ele é a luz do nosso espírito; ele é o esplendor das nossas almas”. (Do Tratado Sobre a Trindade, de Santo Hilário, bispo (Lib. 2,1.33.35: PL 10,50-51.73-75)(Séc. IV)

Portanto, eis a razão de ser de nossa fé católica e de nossa vida, deixar-nos conduzir pelo Espírito Santo de Deus, como bem escreveu São Paulo: “todos os que são conduzidos pelo Espírito de Deus são filhos de Deus”. (Rm 8,14). Porque fomos batizados para isto, como ele mesmo disse: “Ou ignorais que todos os que fomos batizados em Jesus Cristo, fomos batizados na sua morte? Fomos, pois, sepultados com ele na sua morte pelo batismo para que, como Cristo ressurgiu dos mortos pela glória do Pai, assim nós também vivamos uma vida nova”. (Rm 6,3-4). Pois: “Todo aquele que está em Cristo é uma nova criatura. Passou o que era velho; eis que tudo se fez novo!” (2Cor 5,17).

Paz e Bem!

Frei Fernando Maria,OFMConv.

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