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quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Cantico do irmão sol em alemão, espanhol, esperanto, francês, inglês, italiano, latim, neerlandês e romeno

Conversões no Ministério de Francisco de Assis

Conversões no Ministério de Francisco de Assis

Francisco de Assis era um evangelista leigo. Através de sua vida milhares de pessoas se converteram a Cristo e passaram a viver a radicalidade do Evangelho. Desejo compartilhar vários testemunhos de conversões baseados nas primeiras biografias do século XIII
Neste texto veremos a Conversão de Frei Pacífico e a libertação espiritual de um frade. Estes textos foram baseados na legenda maior (LM IV,9; LM XI,11).

Conversão de Frei Pacífico
Um famoso compositor de canções profanas, que por isso tinha sido coroado pelo imperador e então era chamado rei dos versos, resolveu ir a Francisco. 
Encontrou Francisco pregando em certo mosteiro. Deus lhe deu uma visão sobre a pessoa de Francisco. Ele viu Francisco, marcado em forma de cruz por duas espadas atravessadas e muito brilhantes, uma das quais ia da cabeça até os pés e outra se estendia de uma mão a outra, atravessando o peito. 
          Assim ele reconheceu Francisco. Nunca tinha lhe visto antes.
          Foi convencido pelas palavras de Francisco e se converteu.
         Francisco viu a conversão sincera em sua vida e lhe chamou de Frei Pacífico, pois sentiu paz em sua vida. Frei pacífico foi o primeiro ministro franciscano na França. Foi um grande homem para a obra de Deus no século XIII.

Conversão de um Frei insubmisso por causa do demônio
Francisco teve várias experiências com relação a expulsão de demônios. Ele ministrava libertação. Seu ministério também era de oração e libertação, pela graça de Deus e o poder do nome de Jesus.
Certa vez Francisco ministrou uma disciplina sobre seus irmãos. Quando um deles, cobrindo-se com certo manto de defesa, não se submeteu à disciplina, Francisco, vendo isso em espírito, chamou um dos frades e lhe disse: 
“Irmão, vi o diabo nas costas daquele frade desobediente, apertando o seu pescoço. Submetido a esse cavaleiro, desprezou o freio da obediência e se entregou às rédeas do seu instinto. Quando eu roguei a Deus pelo frade, o demônio foi embora confuso na mesma hora. Vai, portanto, e diz ao frade que submeta sem demora o seu pescoço ao jugo da santa obediência!”. Avisado pelo intermediário, o frade voltou-se imediatamente para Deus e se lançou humildemente aos pés do vigário. 

Reflexões:

Frei Pacífico viu Deus na vida e Francisco. A conversão dele veio das palavras e da ação de Deus na vida de Francisco. As pessoas tem visto Deus em nossa vida? 



Na visão, Francisco estava traspassado pela cruz de Cristo. A cruz de Cristo já dominou toda a minha vida? Já tomei a cruz que Cristo e estou seguindo o mestre Jesus?



 O Frade desobediente tinha sobre sua vida uma carga de demônios. Temos sido insubmissos para com Deus e para com as pessoas que Deus coloca como líder em nossa vida?



A desobediência a Deus é fruto espiritual da ação de demônios. Como vencer o espírito da desobediência?

  1. Rev. Edson Cortasio Sardinha
  2.  

       Pastor metodista
       edsoncortasio@hotmail.com

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

A palavra de ordem é renovar

Possibilidades e chances da Ordem Franciscana Secular

Frei Almir Ribeiro Guimarães, OFM (*)

Francisco nada quis,  a não ser o Cristo; o Cristo optando pela pobreza e pela humildade para ser homem entre os homens, o Cristo  amando os homens de muitos modos até o dom de sua própria vida na cruz, o Cristo realizando a vontade do Pai e cantando a sua glória, o Cristo ressuscitando para a vida eterna e assim passando definitivamente para o Pai. Cada dia Francisco contempla os mistérios da vida de Cristo e, assim, descobre o seu caminho. Quer seguir os traços de Cristo. Deixa-se transformar por ele. Nisto consiste sua vida (Orientações de Vida de Fraternidades Seculares anteriores à Regra de Paulo VI).

1. Não há dúvida. O tempo é de renovação, de rasgar novos caminhos, de retomar o sopro das origens, de inventar o novo. Não basta colocar remendos novos em panos velhos. Para tempos novos, novos panos. Será preciso criatividade, abertura ao Espírito, sabedoria e discernimento na leitura dos sinais dos tempos. Renovar... ou morrer.  Todos sabem disso. Hoje, fala-se muito em reciclagem, formação permanente, atualização.  Não se trata  apenas  de entregar-se afoitamente ao modismo do novo, mas ao novo que vem da eterna novidade de Deus.  A Igreja e a Ordem precisam ter um significado para os tempos modernos.  Manifestantes em Londres, por ocasião da visita do Papa  Bento XVI em setembro de 2010, mostravam faixas dizendo que não precisavam de Deus e, com isso,  exprimiam seu desagrado pela visita do Pontífice Romano e uma vontade de construir sua vida e a sociedade sem Deus, sem Cristo, sem fé. Será que a Igreja e os franciscanos temos condições contestar esses gritos com nossa vida evangélica?

2. Os franciscanos seculares sabem onde puseram o fundamento de seu caminho: “... procurem a pessoa vivente e operante do Cristo...”.(Regra n.5).  “Os irmãos que viveram com ele sabem com quanto ternura e suavidade, cada dia e continuamente, falava-lhes de Jesus. Sua boca falava da abundância do seu coração e a gente teria dito que a fonte do puro amor, que enchia a sua alma, jorrava de sua superabundância. Quantos encontros entre Jesus e ele. Levava Jesus em seu coração, Jesus em seus lábios, Jesus nos ouvidos, Jesus nos seus olhos, Jesus em suas mãos, Jesus em toda parte...” (1Celano 115).  Francisco se conforma a Cristo, se identifica ao Mestre e até realiza em seu corpo e em seu espírito todos os mistérios de Cristo.  Renovar não é apenas inventar novidades mas assumir, de fato, a novidade que é Cristo.

3. Franciscanos da Primeira Ordem, quando pensamos na Ordem Franciscana Secular, temos para com  seus membros os mesmos sentimentos e as mesmas preocupações que nutrimos pelos nossos: desejo de voltar às origens, reencontro de um novo élan, procura de  novas vocações, saudade da contemplação e urgência em tornar o Amor amado. Não se trata de teimar em continuar por continuar, mas continuar porque vale a pena, porque o carisma que nos foi dado tem sentido neste mundo que é o nosso. Não se trata de preservar custe o que custar. O importante é a verdade e não a teimosia. Temos a convicção de que o Senhor nos chamou. Trata-se de uma verdadeira vocação. Sem a vivência do chamado as coisas se tornam secas e as fraternidades vivem ressentimentos e esvaziamento.

4. Nossos tempos são de questionamentos e interrogações. Situamo-nos no coração de um Igreja que busca, nem sempre com facilidade, formar discípulos missionários e criar espaços comunitários que sejam  plataformas para a missão.  Nos últimos tempos vemos a Igreja da América Latina e do Brasil preocupada com a formação de discípulos missionários. Toda a Igreja, todas as paróquias, todos os movimentos,  todas as famílias são missionários. Necessitam ser evangelizados para serem missionários. Temos estudado com cuidado o  Documento de Aparecida.  Um outro filão de renovação da Igreja se apresenta num empenho de revitalizar a vida cristã a partir de um processo de inspiração catecumenal (Iniciação à vida cristã) ) Estudos da CNBB 97).

5. Não é aqui o lugar de elencar todas as preocupações que vivemos nós, franciscanos, o mundo e a Igreja. Há, por detrás de todos os desafios internos e externos, algumas convicções que permanecem e  questões para as quais buscamos juntos respostas que não podem demorar a chegar. Nada está terminado. Tudo está por ser refeito. Algumas dessas sombras: individualismo exacerbado, desinteresse pelo próximo, exclusão, marginalização,  drogas, adoção de uma postura de indiferença e de indiferentismo, esvaziamento de nossas paróquias e comunidades, expressões religiosas sem profundidade, proliferação de seitas, envelhecimento dos membros da Ordem,  dificuldades em alimentar, efetivamente, a fé das pessoas, implementação de pastorais que nem sempre conseguem transformar as pessoas e acompanhar seus passos e descompassos, leigos que não chegam a uma  maturidade cristã, sacerdotes sem condições de serem pastores, irmãos e irmãs que professam na  Ordem e abandonam. Há, talvez, uma pergunta mais de fundo que nos inquieta: Até que ponto os cristãos na Igreja têm expressão? Nossas fraternidades franciscanas têm um significado nas paróquias, nas dioceses ou no mundo?


6. Há algumas convicções que nos estimulam e nos fazem pessoas esperançosas. Vemos surgirem, aqui e ali, movimentos de renovação evangélica. Há fraternidades franciscanas seculares promissoras.  Há províncias dos frades menores em que os membros vivem verdadeiramente como franciscanos.  Partimos sempre da convicção de que a Regra de Paulo VI  é um ponto de referência fundamental em toda tentativa de renovação. A compreensão e a vivência de todos os tópicos da Regra colocam o movimento franciscano secular na trilha firme de levar seus membros a uma eminente santidade de vida e qualificá-os a serem missionários. Não precisamos buscar soluções complicadas. A Regra da OFS é o fundamento do caminho que os irmãos e irmãs precisam trilhar.  Infelizmente, a Regra ainda não foi assimilada.

7. Cremos que a Ordem não é nossa, nem de Francisco, mas  nasceu de uma iniciativa de Deus.  Não podemos querer ser os seus “salvadores”. A nós cabe escutar a voz de Deus e não colocar óbices à sua ação. Nada de angústia, nem desespero. O que tem surgido de proposta nova em capítulos avaliativos locais, regionais? Nada? Por quê?

8. Sempre de novo, na OFS,  somos convidados a rever a maneira com vem sendo feita a formação dos começos e aquela que chamamos de permanente.  A missão do ministro local e do formador  é de capital importância.  Inspirados  em  reflexões do  Documento de Aparecida, os formadores  se preocuparão com a formação dos discípulos missionários franciscanos.  Respeitarão o processo da formação do discípulo (cf. Doc. de Aparecida  n. 278):
  • encontro com Jesus Cristo: anunciar de verdade Cristo para propiciar o encontro com o Senhor; não supor que este encontro já se tenha dado; cultivá-lo e renová-lo;
  • verificar se as pessoas (no caso os candidatos à Ordem e os professos) estão num processo de conversão, se estão mudando a forma de pensar e de agir, de compreender o que significa carregar a cruz; seguir Cristo em todos os momentos;
  • a pessoa precisa amadurecer no seguimento de Cristo: catequese permanente e vida sacramental que permitem ao discípulo permanecer fiel no mundo que desafia;
  • “como os primeiros cristãos que se reuniam em comunidade, o discípulo participa da vida da Igreja e no encontro com os irmãos, vivendo o amor de Cristo na vida solidária... é também acompanhado e estimulado pela comunidade e seus pastores para amadurecer na vida do Espírito;
  • a missão é inseparável do discipulado... não se concebe um discípulo sem forte zelo missionário.
9. Os formadores, o  assistente espiritual ficarão atentos em verificar esses passos. Sem isto, os formandos e professos não chegam à maturidade cristã e, por motivos banais, pedem “afastamento” ou não dão o testemunho de uma vida evangélica que valha a pena ser vivida.  Análogas reflexões poderão ser encontradas no empenho da Igreja no tema da  Iniciação Cristã,  acima mencionado.  O Documento fala de uma retomada constante da descoberta do mistério cristão.  Não basta apenas que as pessoas tenham sido “sacramentalizadas”. Precisam compreender aquilo que a graça foi operando nelas no batismo, na confirmação e na eucaristia. Como é importante a presença de um assistente dedicado que acompanhe o processo catecumental dos irmãos na Ordem!

10. Durante o tempo da formação inicial, de modo especial, os membros de um  fraternidade precisam ser levados a fazerem uma profunda experiência de Deus na oração e no irmão. Uma formação livresca é insuficiente. Daí, a urgência de expedientes que levem os irmãos à fidelidade na oração não papagueada e superficial, experiência da presença de Deus em suas vidas e em momentos mais ou menos longos de contemplação. Como são nossos retiros? Qual a qualidade de nossa oração pessoal e comunitária?  Este capítulo é fundamental.  Não se pode negligenciá-lo.  Os formadores levarão os irmãos a conhecer Cristo no rosto de doentes, abandonados, marginalizados. Não basta uma formação teórica.  Renovar ou morrer.

11. Nesse empenho de renovação e revitalização das pessoas e da Ordem será fundamental que os irmãos revisitem seu interior, que não sejam estranhos dentro do próprio corpo, que se sintam bem, vivendo com uma dimensão de interioridade que se adquire com o silêncio, a leitura, a paciência e o respeito pelas lentidões da história de cada um.  Nunca perdemos de vista que a conversão começa e continua no fundo de nosso ser.  Não podemos ser pessoas derramadas nas coisas.

12. Algumas convicções:
  • Colocar no centro de tudo a figura de Cristo e levaremos as pessoas a viverem uma vida sacramental, sem sacramentalismo.
  • Velaremos sempre pela qualidade da vida da fraternidade local.  Nada de discursos intelectuais e propostas grandiloqüentes. O que conta é a fraternidade local: ministros dedicados, encontros suculentos, experiência de Deus, vontade de estar com irmãos que o Senhor nos dá. Tudo começa na fraternidade local.Tudo é possível se há vocação, se está em curso um processo de conversão. A qualidade da reunião geral é fundamental. Como fazê-la de uma forma nova, mais profunda, mais participativa?
  • Vivemos num mundo plural.  Nossas fraternidades são lugares onde discutimos os grandes temas da fé e do mundo: casamento, educação das novas gerações, novas formas de convivência (uniões homossexuais), necessidade dos sacramentos, ecumenismo, neoliberalismo, sexualidade, etc.  
  • Desta forma, a fraternidade local oferecerá a seus membros e aos que quiserem: retiros, tardes de oração, mesas redondas, propostas de livros para que as pessoas se encontrem ou reencontrem.
  • Num mundo de posturas profundamente individualistas, os franciscanos seculares primarão pelo testemunho da fraternidade em seus encontros, nos encontros com todas as pessoas e mesmo no respeito pelo criado.
  • Num mundo que se satisfaz com a mediocridade, os franciscanos seculares mostrarão que estão buscando, efetivamente, a santidade de vida de forma eminente.
  • Não podemos esperar que as pessoas venham a nós. Temos que ir ao seu encontro. Buscaremos meios e modos de atingi-los e de acenar que venham conhecer o tesouro que encontramos.
  • Não podemos imaginar o amanhã da Ordem Franciscana Secular sem a formação  de lideranças  locais, regionais e nacionais.  Precisamos de lideranças que seja capazes de refletir sobre o mundo, suas transformações, os caminhos novos a serem percorridos. Que coloquem isso por escrito. O amanhã da Ordem depende muito desses leigos que liderem  a caminhada.
  • Seja por meio da JUFRA ou por outros expedientes, os franciscanos, sejam eles da I ou III Ordem precisarão ter cuidados especiais na formação de rapazes e moças que não adiram às drogas, à colega, à mediocridade nas salas de aula, que sejam capazes de  se encantar com Francisco e optarem pelo seu seguimento.
  • Em todo o nossos trabalho evangelizador e em consonância com as prioridades do Capítulo de Manaus (2009)  parece importante que os franciscanos seculares realizem um trabalho evangelizador da família.
  • Em nossas reuniões gerais e outros eventos estarão presentes membros de nossas famílias, simpatizantes.  Sempre teremos pessoas girando à nossa volta.
  • Sem posturas românticas, será fundamental que a Ordem (I –III) trabalhe pela preservação da casa em que vivemos, esse planeta chamado terra.
Concluindo

Retomamos o texto  das Orientações de Vida, anterior à Regra da Paulo VI:
Aceitaremos com toda lucidez todas as solidariedades humanas e as assumiremos cristãmente. Não queremos ser fraternos apenas com o homem encontrado, mas cada vez mais com todos os homens. Queremos nos comprometer com todos para construir um mundo fraterno. Associar-nos-emos a todos os homens de boa vontade para lutar contra os obstáculos à fraternidade universal:  a desigual repartição dos bens da terra, as múltiplas formas de opressão e de injustiça, o racismo, a guerra, a violência, o ódio... Em nossa vida de todos os dias e na escala do mundo participaremos com todos os homens no estabelecimento da justiça, da concórdia e da paz.

(*) Frei Almir Ribeiro Guimarães, OFM
Assistente Nacional da OFS pela OFM e Assistente Regional do Sudeste III


Extraído de http://www.franciscanos.org.br/v3/almir/artigos/ofs/23.php acesso em 23 set. 2010.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Uma leitura alternativa de São Francisco de Assis

Por Frei Celso Márcio Teixeira, ofm

Uma leitura que se tornou comum desde o início do século XX é a chamada sabateriana. O adjetivo "sabateriana", termo familiar aos estudiosos de franciscanismo, provém do sobrenome de Paul Sabatier. Este pesquisador, a partir do final do século XIX, se destacou como um dos grandes estudiosos de Francisco de Assis, contribuindo decisivamente para os estudos em torno deste santo, a ponto de podermos dizer com propriedade que suas conquistas constituem um marco divisório nas pesquisas sobre o tema. Foi com Sabatier que as investigações de caráter histórico sobre Francisco de Assis ganharam notável impulso. Além de editar criticamente textos antigos sobre São Francisco, escreveu Vie de Saint François d'Assise, sua obra mais famosa e não menos polêmica. Fundou coleções de publicações sobre o santo de Assis, dentre as quais as conceituadas Collection d'Études e des documents sur l'histoire religieuse et littéraire du moyen Âge e Opuscules de critique historique. Fundou também a Sociedade Internacional de Estudos Franciscanos, com sede em Assis, aberta aos estudiosos de franciscanismo de todo o mundo, com congressos anuais. Seus méritos são incontestáveis, tendo sido ele um dos primeiros a fazer a leitura do Francisco-homem, de preferência à leitura do Francisco-santo.

Mas o que caracteriza a leitura sabateriana não é a abordagem de Francisco-homem, mas seus pressupostos. Nossa tentativa será a de fazer uma leitura alternativa à de Sabatier.

1. Leitura sabateriana 

O notável pesquisador fez uma leitura muito própria de Francisco de Assis. Pelo fato de ter sido ele o inaugurador dessa leitura ou, pelo menos, o que a aplicou a Francisco, é que preferimos denominá-la de leitura sabateriana. Ela, porém, não terminou com a morte do grande estudioso, mas foi retomada por estudiosos imediatamente posteriores a ele e ainda é praticada por estudiosos e escritores de hoje, caracterizando uma maneira muito comum de abordagem da figura do santo de Assis.

Daí as perguntas: Basicamente, em que consistiria esta leitura? Quais os seus pressupostos fundamentais? Que implicações poderia ela trazer? Comportaria uma modificação da imagem de Francisco? Que imagem de Francisco ela nos apresenta?

Sem dúvida, uma leitura ou interpretação comporta uma imagem que é transmitida. Inevitável e inconscientemente, quando fazemos uma leitura de um personagem como Francisco de Assis, acabamos por projetar nele nossas próprias atitudes, anseios, lutas, problemáticas. Colocamo-nos de tal modo na "pele" dele que o fazemos pensar como nós pensamos, desejar o que nós desejamos, julgar como e o que nós julgamos. Isto, porque nunca conseguiremos desvencilhar-nos de nosso subjetivismo. Jamais alcançaremos a pura objetividade. Importante, no entanto, é ter sempre presente que nossa leitura não coincide absolutamente com a realidade lida, mas representa apenas uma busca da objetividade, um esforço de aproximação da realidade a ser lida ou interpretada. Portanto, qualquer leitura deve ser relativizada, inclusive a que nós nos propomos neste pequeno estudo.

No entanto, embora a objetividade absoluta seja inalcançável (não é o que se pretende aqui), existem abordagens que mais se aproximam e outras que mais se distanciam da realidade lida. O que nos pode garantir uma maior aproximação da objetividade é o uso criterioso e crítico das fontes e o recurso à história, embora saibamos que estas, por sua vez, foram escritas sempre a partir de subjetividades, dentro de contextos sócio-culturais determinados e determinantes.

a) O pressuposto de Paul Sabatier
O pressuposto de Sabatier é que Francisco e a Igreja são polos diametralmente opostos e em permanente tensão. De um lado, Francisco vive de uma maneira que se contrapõe à maneira da Igreja; e, de outro lado, a Igreja procura sufocar a novidade franciscana e, não o conseguindo, faz todo o possível para dominá-la através de uma aprovação jurídica, tendo como finalidade controlá-la e manipulá-la para alcançar seus próprios interesses e colocar a nova Ordem a serviço de sua política. Nessa leitura, não é Francisco que tem a iniciativa de dirigir-se à Igreja para buscar nela proteção e orientação, mas é a Igreja que pretende absorver e neutralizar os questionamentos, contestações e impactos que esse homem pobre estava apresentando por seu modo evangélico de vida. Na busca de seus objetivos, a Igreja, na pessoa do cardeal protetor e utilizando alguns frades letrados, exerce sobre Francisco constante pressão para que o movimento franciscano se curve às pretensões dela. 

A leitura de antonímia, isto é, por meio de opostos, oferece o risco de santificação de um polo e de demonização do outro. Fundamentalmente, trata-se de uma leitura maniqueísta. Estabelece-se como método básico de leitura a oposição bem-mal, luzes-trevas, graça-pecado, trigo-joio, como se a realidade humana se dividisse nitidamente em dois campos antagônicos e irreconciliáveis e como se esses campos nunca se mesclassem e se interpenetrassem. Esquece-se que a experiência nos mostra que a realidade humana comporta contradições, que o ser humano é um ser de contradições, pois é, ao mesmo tempo, trigo e joio, luz e trevas, santo e pecador.

b) A utilização das fontes 
A partir desse pressuposto fundamental, Sabatier vê nas primeiras fontes hagiográficas surgidas no âmbito da Ordem franciscana o dedo da Igreja. Por ter sido a primeira hagiografia escrita a pedido do papa, ele de antemão a rejeita sistematicamente, bem como outras que dela dependem, sem sequer entrar no mérito delas. Pelo fato de essas hagiografias tecerem elogios ao papa e ao cardeal Hugolino e mostrarem uma imagem positiva de certos personagens da Ordem, como Frei Elias, ele conclui que elas não são fidedignas. Dá, então, preferência a fontes tardias do final do século XIII e início do século XIV que espelham não tanto o contexto de Francisco, mas o de grupos extremistas que começaram a surgir dentro da própria Ordem franciscana a partir da metade do século XIII.

É verdade que ele insiste em que a prioridade cabe aos escritos de São Francisco. Mas a leitura dos escritos de Francisco é feita por ele dentro e a partir do mesmo pressuposto. Apenas para citar um exemplo: Sabatier vê no Testamento de Francisco um inconsciente insurgir contra a Regra definitiva. Segundo seu modo de ler, a Igreja, ao confirmar a regra franciscana por meio de uma bula papal, "teria aprisionado" a iniciativa evangélica da Ordem franciscana. O Testamento de Francisco, protestando contra a confirmação-estratificação da regra, retomaria os ideais de Francisco anulados pela bula papal. Esta leitura contradiz o próprio texto do Testamento, em que o santo explicitamente afirma que este não se opõe nem se coloca acima da regra, mas é apenas uma exortação para que a regra seja mais catolicamente observada.

c) A imagem de Francisco

Uma primeira imagem que se infere da leitura sabateriana - e aqui não se compreende apenas a leitura feita por Sabatier unicamente, mas por muitos que percorrem a sua trilha - é a de um Francisco ingênuo que, em sua simplicidade e humildade, se deixa manipular pelas autoridades eclesiásticas e se lhes submete como um cordeiro indefeso diante de um lobo voraz; a de um Francisco sem fibra diante de frades que se impõem e fazem da Ordem o que bem entendem; a de um Francisco incapaz de conduzir os destinos da Ordem, o qual deve ceder às pressões dos frades, especialmente dos letrados, e modificar a regra de acordo não com sua vontade, mas para atender aos interesses deles.

Outra imagem resultante desta leitura é a de um Francisco reformador da Igreja e da sociedade, segundo o modelo de Lutero ou de Calvino, o qual, porém, não conseguiu seu intento, pois a Igreja teria sido bastante hábil, absorvendo-o dentro da "oficialidade" para anular-lhe o impulso renovador e quaisquer pretensões de reforma. Uma justificativa talvez para o fato de Francisco não ter passado à história como um crítico reformador da Igreja e da sociedade, ou como um irreverente contestador, ou talvez até mesmo como um renitente herege.

Ainda outra imagem é a de um Francisco vítima não apenas das manipulações de poder por parte da Igreja, mas também das incompreensões e rebeldia dos frades, como se estes se conspirassem contra ele, no intuito de colocar a Ordem em caminhos contrários às opções das origens. E a redação da regra bulada seria o resultado das manobras dos frades, contra a vontade de
Francisco.

2. Considerações críticas
 
Antes de apresentarmos uma leitura alternativa, faz-se necessário tecer, ainda que brevemente, algum comentário ou consideração às posições de Sabatier com relação aos três itens abordados: pressuposto, utilização das fontes e imagem de Francisco. 

a) Quanto ao pressuposto - Pressupostos podem ser evidentes, porque devidamente provados, menos evidentes e não evidentes. Nos dois últimos casos, eles têm que ser fundamentados, as afirmativas justificadas, e as conclusões comprovadas. Deve-se levar em conta aquele princípio básico da lógica que diz: quod gratis affirmatur gratis negatur. Este princípio adverte que tudo aquilo que é afirmado gratuitamente, sem comprovação, é passível de negação gratuita. Portanto, sem uma comprovação suficiente dos pressupostos, corre-se o risco de uma leitura puramente hipotética, perpassada de suspeições, na qual prevalece não tanto a realidade lida, quanto o subjetivismo de quem a lê e interpreta. E a hipótese, em qualquer campo da ciência, é "verdade" a ser comprovada.

b) No que concerne à utilização das fontes - A rejeição apriorística das primeiras hagiografias, igualmente sem uma comprovação que a justifique, negando-lhes sem mais a fidedignidade, não deixa de caracterizar-se como posição de puro subjetivismo.

E, curiosamente, as fontes tardias que a leitura sabateriana utiliza também não lhe dão respaldo em seu pressuposto fundamental.
É claro que as primeiras hagiografias, como quaisquer outras, espelham a ótica de seus escritores com todos os seus condicionamentos sócio-culturais. A rejeição de um grupo de fontes por causa de subjetivismos levaria coerentemente à rejeição de toda e qualquer fonte.

Além do mais, não se pode esquecer que os primeiros hagiógrafos estavam sob o controle da comunidade, isto é, eles não podiam inventar ou falsificar os dados, pois aqueles que viveram com Francisco ainda estavam vivos. Interessante é que Frei Leão, companheiro de Francisco e apontado por Sabatier como o legítimo hagiógrafo dele em oposição aos primeiros, em uma carta escrita em Gréccio em 1246, atesta, juntamente com Ângelo e Rufino, a fidedignidade das primeiras hagiografias.

Literalmente se diz na carta: "há algum tempo foram redigidas legendas de sua vida ... em linguagem tão verídica quão elegante".

c) Com relação à imagem de Francisco - Uma primeira consideração a ser feita é a de que Francisco era filho de Pedro Bernardone e herdara do pai a tenacidade. Se ele enfrentou o pai de igual para igual, é porque tinha a mesma têmpera, sem temer as consequências (ser deserdado pelo pai, sem sequer levar consigo a roupa do corpo). Na leitura sabateriana, não sobressai aquele Francisco vigoroso que, em 1209, ainda desconhecido, se dirigiu a Roma para pedir aprovação de sua "forma de vida" e, questionado sobre a dificuldade de seu propósito, o defendeu sem concessões, recusando com consciência e firmeza a proposta do cardeal encarregado de encaminhar ao papa os pedidos de aprovação de regras religiosas. E manteve, na mesma ocasião, esta firmeza diante do papa Inocêncio 3º, firmeza mostrada também ao bispo de Assis que lhe propusera adquirir propriedades como as Ordens monacais. A imagem de um Francisco manipulável não condiz com o que algumas fontes tardias narram sobre ele em episódio, a ser datado dez anos depois ou pouco mais, em que, diante de um pedido de alguns frades letrados com relação à regra, apresentado pelo cardeal Hugolino, o santo mostrou a mesma inflexibilidade de 1209. Noutra ocasião, ao mesmo cardeal Hugolino, que queria nomear alguns frades como prelados da Igreja, Francisco respondeu com humildade, mas também com firmeza: "Quero que meus frades deem frutos na Igreja em sua condição de menores, não como prelados". 

Com esta resposta, cai por terra também a imagem de Francisco-reformador. Se ele quisesse ser um reformador da Igreja, ele próprio promoveria estrategicamente seus frades a cargos de influência. A minoridade franciscana, de fato, não condiz com a pretensão de tornar-se reformador da Igreja ou da sociedade.

Quanto a Francisco-vítima, trata-se de uma imagem transmitida muito sutilmente pelas fontes tardias, especialmente quando estas mostram Francisco como que doentiamente ocupado em lamentar e em recriminar os maus comportamentos dos frades. Sem dúvida, havia maus frades naquela época, como sempre os houve e há. Certamente Francisco sofria ao ver abusos, ao constatar a defasagem entre ideal proposto e realidade vivida. Mas deduzir disto uma conspiração dos frades contra Francisco é tirar conclusões que as premissas não permitem. Concluir que a regra bulada foi redigida à revelia de Francisco ou por pressão dos frades é advogar um complexo de perseguição ao santo.

3. Uma leitura alternativa 
Ao iniciar seu processo de conversão, Francisco não pensava em fazer oposição a ninguém nem a nada. Motivo para recriminar a Igreja e a sociedade da época ele tinha em profusão. Ele próprio reconhecia que a Igreja tinha seus pecados e que a hierarquia estava caminhando à distância do Evangelho e, algumas vezes, na contramão do Evangelho. Ele tinha inteligência suficiente para perceber a realidade eclesial que o cercava. Prova disto é que em seus escritos ele faz alusão ao pecado do clero. Mas em lugar nenhum de todos os seus escritos se percebe qualquer indício de que ele se propunha, a si e aos frades, a tarefa de reformar a Igreja e a sociedade. Em lugar algum dos seus escritos se percebe o mínimo sinal que pudesse sugerir que ele fizesse oposição à Igreja como um todo ou à hierarquia. Pelo contrário. Chegou a afirmar que, mesmo sendo pecadores, os membros da hierarquia eram seus senhores. Aliás, se Francisco quisesse fazer oposição à Igreja, ter-se-ia tornado de início um herege, caminho mais fácil e coerente para a oposição naquela época.

Quando ele se dirige à Igreja para pedir aprovação de sua "forma de vida", tem plena consciência de que seu propósito constitui uma alternativa, não uma oposição. Se fosse oposição, como entender que pedisse aprovação exatamente ao suposto adversário? 

De sua parte, a Igreja o questiona, propondo-lhe os caminhos já existentes, a saber, que ele vivesse com seu grupo uma das regras antigas. Não se trata de querer manipular desde o início o propósito de Francisco e de seu grupo, mas de um procedimento normal, em que se questiona o que se propõe como específico e se discutem os detalhes da vida, tais como sobrevivência, trabalho, organização do grupo, possibilidades e maneiras de aceitação de novos membros, presença e atuação dentro da Igreja, etc. Trata-se de uma negociação. E é possível que em matéria de somenos importância Francisco tenha cedido às sugestões de quem o questionava. Pequenos acertos necessários para dar consistência e coesão organizativa ao grupo, uma ajuda antes que uma manipulação. Alegar que a Igreja os manipulou por se tratar de pessoas ignorantes, é desconhecer a realidade do grupo. Três dos doze frades que compunham e que estavam à frente do grupo podiam não ter grandes estudos, mas eram pessoas experientes. Francisco tinha experiência do comércio, sabia negociar; Bernardo de Quintavalle era um homem rico, certamente não devia ter sido tão ignorante; Pedro Cattani era formado em Direito.

Interessante é observar que o cardeal encarregado desses questionamentos foi considerado pelos frades da primeira hora não como adversário que os queria sufocar, mas como "cardeal protetor" da Ordem, consistindo sua ajuda não somente nesses questionamentos iniciais, mas principalmente na defesa da novidade que ele assumiu diante do colégio dos cardeais reunidos em consistório.

E a Igreja compreende e aprova o diferente de Francisco como caminho alternativo, não como oposição. Com toda a certeza, não o teria aprovado, se tivesse visto nele uma oposição. Mais ainda, teria proscrito o grupo como um bando de hereges, como soía acontecer. Pelo contrário, deixou liberdade ao grupo para que explicitasse melhor os caminhos a percorrer, pois a Igreja também era consciente de que se tratava de algo realmente novo.

A aprovação, porém, não significava ausência de conflitos. Certos setores da Igreja, como bispados e paróquias, viam o caminho alternativo de Francisco com desconfiança e suspeita. Em algumas dioceses e paróquias, os frades eram proibidos de pregar. Em outras, eram considerados hereges ou confundidos com eles. Mas isto não significa que devamos considerar a Ordem como vítima de uma oposição sistemática da Igreja. Trata-se de um processo normal. Em qualquer sociedade, o aparecimento de um grupo diferente ou de uma proposta alternativa causa estranheza a certos setores. E a inserção de um grupo novo na sociedade não se dá sem arranhões. E o grupo novo tinha a tarefa de encontrar na Igreja e na sociedade o seu espaço e desempenhar seu papel específico, caso contrário, ou se colocaria à margem da sociedade ou teria que abandonar o caminho alternativo. Trata-se, portanto, de processos históricos absolutamente normais. Com a Ordem franciscana não se deu de modo diferente.

Conclusão
 
A leitura alternativa apresenta um Francisco também alternativo, no sentido de que ele propôs um caminho alternativo de vida evangélica. Ele não pretendeu substituir nada do que já existia nem opor-se a instituição alguma; nem fazer um caminho paralelo, como foi, por exemplo, a reforma luterana, mas inserir-se na instituição existente; nem impor-se como o único caminho válido, mas respeitando a pluralidade. Ele deu sua contribuição própria, sem tornar-se reformador.

Esta leitura evita dramatizações que se criaram em torno de Francisco e liberta-o da síndrome de vítima que comumente se lhe atribui ou sob a qual ele é interpretado (vítima de conspiração dos frades e das manipulações da Igreja). Reconhece que houve conflitos nas relações com setores da Igreja, que ele sofria quando seus frades não viviam de acordo com as opções de origem, mas considera isto como processo histórico normal.

Apresenta um Francisco não ingênuo, mas inflexível no essencial; iletrado, mas suficientemente experiente e capaz de propor e de defender seu propósito diante da autoridade máxima da Igreja.

Enfim, esta leitura prefere valorizar Francisco pela sua vida a engrandecê-lo por supostas perseguições sofridas. 

Artigo publicado na Revista "Grande Sinal" (setembro-outubro/09), editada pelo Instituto Teológico Franciscano (ITF), Petrópolis.


Iluatração: Their First Quarrel, a 1914 print by Charles Dana Gibson. Disponível em http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Their_First_Quarrel,_Gibson.jpg acesso em 23 set. 2010.

Desafios e sinais de esperança para o catolicismo do século XXI

A partir da viagem do Papa Bento XVI, entre os dias 16 e 19 de setembro, ao Reino Unido, do novo escândalo do Banco do Vaticano e da forte declaração da Comissão de Doutrina da Conferência dos Bispos dos EUA acusando dois teólogos da Creighton University, universidade jesuíta norte-americana, de distorcer a tradição moral católica em questões como a homossexualidade, a contracepção e a reprodução artificial, John L. Allen Jr. apresenta aqui três observações gerais sobre esses acontecimentos.

Duas delas falam sobre os desafios endêmicos que se colocam diante do catolicismo no alvorecer do século XXI, e uma terceira aponta para alguns sinais encorajadores.

A análise foi publicada no sítio National Catholic Reporter, 24-09-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Tensões Igreja-Estado

A investigação do Banco do Vaticano provavelmente deveria ser vista em conjunto com as blitz policiais nas propriedades da Igreja na Bélgica no início deste ano, como parte de uma investigação sobre alegações de abuso sexual, ou com as revisões dos subsídios à Igreja na Espanha e a "lei da igualdade" de 2007 no Reino Unido, que negou às agências de adoção da Igreja que recebem financiamento público o direito de se recusar a entregar crianças a casais do mesmo sexo.

Ao longo disso tudo, a tendência no Ocidente nos dias de hoje é eviscerar qualquer coisa que pareça ser um privilégio ou um "tratamento especial" para as instituições religiosas, especialmente a Igreja Católica. Os dias em que as autoridades civis trataram a Igreja com luvas de pelica basicamente acabaram, até mesmo na ultracatólica Itália.

Cada vez mais, procuradores, polícia e ativistas da sociedade civil olham para a Igreja católica aproximadamente da mesma forma com que olham para o grande negócio, para o lobby e a política, até mesmo para o esporte profissional – como zonas potenciais de corrupção que precisam ser responsabilizadas e que de forma alguma devem estar "acima da lei".

Em última análise, isso pode fazer muito bem à Igreja, induzindo-a à visão de João Paulo II articulada em 1984 – que a Igreja deveria ser uma "casa de vidro", em que todos do lado de fora podem olhar e ver o que está acontecendo. Em curto prazo, no entanto, é provável que isso signifique que os pontos de ebulição entre Igreja e Estado vão crescer tanto em frequência quanto em intensidade.

Um alerta: se uma vez a configuração padrão com relação à Igreja foi de deferência e cuidado, daqui em diante a tendência, muitas vezes, provavelmente, será a de atirar primeiro e perguntar depois.

Divisões internas

A repressão aos teólogos da Creighton University é um lembrete das persistentes divisões dentro da Igreja, que tendem a se tornar especialmente visíveis e especialmente virulentas em torno de questões da moral sexual. Os bispos estão, naturalmente, em seu direito de dizer que as posições assumidas por Lawler e Salzmann não refletem o magistério católico oficial, mas isso não significa que elas não sejam compartilhadas por uma ampla faixa da população católica.

Esse ponto foi destacado mais recentemente durante a viagem do Papa Bento XVI ao Reino Unido, quando uma pesquisa realizada pelo jornal Sunday Independent revelou que uma sólida maioria dos ingleses católicos discorda da linha oficial em todos os tipos de questões, incluindo o aborto no caso de estupro e o controle artificial de natalidade.

A manchete inflamada foi: "O senhor está errado, dizem os católicos ao Papa".

Diante dessas divisões, um grupo poderia defender revisão global do ensino da Igreja para acomodar as sensibilidades pós-modernas; outro grupo poderia defender a expulsão de qualquer pessoa que não esteja preparada para assinar embaixo; e outro grupo poderia ainda defender que se ignore o problema completamente. (Respectivamente, esses grupos seriam alguns liberais, alguns conservadores e alguns bispos).

Sinceramente, nenhuma das opções acima parece ser uma solução especialmente satisfatória.

O que é necessário é a reconstrução de um "commons católico", um espaço em que os membros das várias tribos que pontilham a paisagem eclesiástica possam se reunir e construir amizades, de modo que uma profunda "espiritualidade de comunhão" possa ocorrer. Do outro lado desse esforço, novas formas de expressar as verdades eternas podem surgir, o que pode atenuar, embora talvez nunca eliminar completamente, as linhas de falha na Igreja.

Quem puder imaginar o projeto para um novo "commons católico" pode ter nas mãos a chave para a vitalidade da Igreja no século XXI.

Raios de esperança

O sucesso da viagem de Bento XVI ao Reino Unido aponta para dois raios de esperança.

Primeiro, até mesmo naquelas que parecem ser sociedades completamente secularizadas, o instinto religioso raramente se extinguiu. As multidões ao redor de Bento superaram as expectativas, impulsionadas pela substancial participação católica. O que foi mais fascinante, no entanto, foi o apelo da viagem a outros cristãos, membros de outras religiões e pessoas seculares comuns, que de alguma forma ainda sentem o estímulo da fé.

Além dos ativistas, que têm uma reclamação específica com o Papa, a maioria das pessoas pareciam curiosas sobre o que Bento XVI dizia e fazia, e também estavam genuinamente impressionadas com a sinceridade e a boa vontade das multidões de peregrinos ao longo desses quatro dias.
Bento XVI não encheu magicamente as Igrejas ou conquistou ondas de convertidos, mas o interesse amplamente favorável pela religião que a sua presença estimulou ofereceu um lembrete de que muitas pessoas, mesmo no coração do mundo secular, ainda querem acreditar – mesmo que, como o sociólogo Grace Davies indicou, eles achem muito mais difícil pertencer.

Em segundo lugar, a viagem foi um lembrete de que, quando exercido com sabedoria, o papado ainda é um púlpito intimidador original, o único maior ativo que o catolicismo tem para moldar o debate público. É difícil imaginar qualquer outra figura no planeta que poderia ir à Grã-Bretanha e liderar um exame nacional de consciência de quatro dias sobre o papel da religião na vida pública como Bento XVI fez.

Em parte, a razão de Bento XVI ter sido capaz de estimular isso foi porque ele não deu nenhuma razão para quem estava preparado para repudiá-lo. Ele não entrou na cidade cuspindo fogo contra as leis de igualdade, o aborto, o casamento gay ou qualquer uma das outras frentes das guerras culturais. Pelo contrário, ele se dirigiu aos fundamentos da questão – o direito de cidadania das pessoas de fé em uma cultura secular que preza pela tolerância e as contribuições positivas que os fiéis podem fazer acerca das preocupações humanitárias e sociais comuns.

Posto dessa forma, era praticamente impossível retratar o Papa como um extremista, e isso fez com que a afirmação de Dawkins de que Bento XVI é um "inimigo da humanidade" parecesse um tanto ridícula. Com efeito, a viagem de Bento XVI ao Reino Unido ofereceu um modelo de como os líderes religiosos podem se engajar com sucesso em diálogos seculares, por meio do modelo da "ortodoxia afirmativa" – sem compromissos com a doutrina da Igreja, mas colocada em termos dos "sins" que a Igreja diz, em vez do seu catálogo bem conhecido de "nãos".

Essa foi 17ª viagem de Bento XVI ao exterior, e muitas delas deixaram para trás o mesmo tipo de breve luminescência, até serem rapidamente inundadas por alguma nova crise ou colapso de relações públicas em Roma. Só podemos esperar que, neste caso, o passado não seja o prólogo.

Extraído de http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=36733 acesso em 28 set. 2010.

sábado, 25 de setembro de 2010

Bem-aventurado Bernardino de Feltre

Religioso e sacerdote: 1439-1494
Memória litúrgica: 28 de setembro


Martinho, como foi chamado no batismo, nasceu em 1439, em Tomo, lugarejo minúsculo, distante alguns quilômetros de Feltre (na região de Belluno, na Itália). Foi o primogênito de dez irmãos, todos filhos do nobre e abastado Donato Tomitano e de Corona Rambaldoni, prima do célebre educador Vittorino de Feltre. Criança precoce, ávido de leituras, Martinho se mostrou dotado de grande memória desde os primeiros estudos humanísticos, tanto que aos onze anos lia e falava corretamente o latim. Cresceu numa família bem estruturada e de nível culturalmente elevado e, assim, conseguiu adquirir um espírito de discernimento diante de comportamentos sociais da época.

Também em Pádua, onde estudou Direito, fez-se admirar pela seriedade de sua conduta e acuidade de suas reflexões. Profundamente tocado pela morte repentina de três de seus professores universitários, pelos quais sentia-se profundamente amado e ao mesmo tempo conquistado pela pregação que São Tiago das Marcas fazia na catedral de Pádua, Martinho interrompeu os estudos a 14 de maio de 1456 e tomou o hábito dos Frades Menores no Convento de São Francisco das mãos de Frei Tiago. Este, para honrar São Bernardino de Sena, deu a Martinho o nome de Frei Bernardino.

O pai desse jovem de 17 anos tentou demovê-lo da idéia de se tornar franciscano. Martinho, no entanto, tinha plena convicção de sua vocação, a respeito da qual nunca teve dúvidas. Em suas posteriores pregações, gostava de abordar o tema: Nolite diligere mundum. Começando um rigoroso tempo de noviciado no Convento de Santa Úrsula, fora de Pádua, Frei Bernardino se propôs a imitar o espírito do santo que era seu patrono celeste, vivendo uma vida santa e dedicando-se à pregação.

Terminados os estudos de teologia, foi ordenado sacerdote em 1463. Depois de ter ensinado gramática durante um certo tempo, a 19 de maio de 1469 foi nomeado pregador. Atemorizado com esta incumbência, pediu que os superiores o dispensassem desta função alegando saúde frágil, timidez e mesmo dizendo ser de baixa estatura. No dia seguinte, festa de São Bernardino, foi lhe solicitado que fizesse um discurso sobre o santo. Fê-lo com ardor e força a tal ponto que as pessoas ficaram admiradas. A partir de então começou sua atividade de pregador itinerante percorrendo a Itália centro e sul sem calçados, mesmo em condições atmosféricas desfavoráveis.

Defensor dos pobres, impávido combatente contra usurários e hereges, apóstolo iluminado do Monte da Piedade, era solicitado para pregar nos principais púlpitos da Itália. Causava maravilha o fato que ele, homem tão frágil, minado pela tísica, resistisse a constantes ataques, insídias e adversidades de quantos, tanto usurários quanto judeus, tentavam eliminá-lo ou fazê-lo calar. Muitas cidades o chamavam e chegavam a pedir a intercessão do Papa para que ele pregasse em suas igrejas. Em 1481 foi nomeado pregador apostólico in forma solita e, em 1484, pregador apostólico in forma maiori.

Graças à obra de seu fiel confrade, Frei Francesco Bernardino Bulgarino, foram conservados os ciclos mais importantes de sua pregação que, com as clássicas denominações Nolite diligere mundum; Attende tibi e Habe illius curam, oferecem as chaves mais significativas de sua oratória contra a corrupção, pela reforma dos costumes em todos as camadas sociais. Bernardino era um pregador vivo, corajoso, franco. Levava seus ouvintes a colaborarem na vida da comunidade, a começar pelos políticos que ele condenava cada vez que estes administravam a coisa pública em vista de seus interesses pessoais.

Partindo sempre da Sagrada Escritura, sem desprezar o testemunho do pensamento clássico, adaptava-se aos ouvintes e às circunstâncias. Prendia a atenção de seus ouvintes com exemplos da vida cotidiana, ora falando da injustiça e avidez dos ricos, ora a falta de pudor das mulheres ou da tão difundida ilegalidade.

A década de 1484-94 representa o período da mais intensa atividade oratória desenvolvida pelo bem-aventurado a serviço da solidariedade, defesa dos pobres e dos oprimidos com a fundação ou reforma dos Montes da Piedade contra a usura frente à qual foi inflexível, enfrentando lutas terríveis, como em Trento (1476), Florença (1488) e Milão (1491). Condenava sem medo e em termos atuais o exasperado individualismo, criticando a validade ética da riqueza quando esta é instrumento de injustiças sociais. No contato cotidiano com as categorias sociais da época, Bernardino havia chegado à conclusão que o monopólio do capital monetário nas mãos de alguns poucos, a qualquer denominação religiosa a que pertencessem, terminava por anular o direito de trabalho dos mais necessitados, muitas vezes paralisados em suas iniciativas devido ao alto custo do dinheiro. A esta idéia, simples mas profunda, se unia a verdadeira e específica função dos Montes de Piedade que foram um instituto caritativo e beneficente, mas sobretudo um instrumento de retificação de todo o sistema econômico, através de uma equitativa distribuição dos recursos financeiros postulados pelas sadias forças produtivas contra a erosão do empréstimo privado. Por isso, o Bem-aventurado Bernardino de Feltre é elencado entre os grandes sociólogos do Renascimento.

Em Vicenza, durante a pregação do Advento de 1492, exortou a cidade a fundar uma “Companhia” para socorrer os “pobres envergonhados”, envolvendo de modo especial no empenho os nobres e os ricos. Pregou com tanto ardor que conseguiu a fundação da Companhia do Nome de Jesus, cujos estatutos foram depois reformados por um seu confrade, o venerável Antônio Pagani. Morreu a 28 de setembro de 1494. Foi venerado ininterruptamente em Pávia e em Feltre e, em 1654, o Papa Inocêncio X decretou sua beatificação.

Tradução e adaptação do livro Frati Minori Santi e Beati, publicado pela Postulação Geral da Ordem dos Frades Menores, Roma, p. 196-199

Extraído de http://www.franciscanos.org.br/v3/almir/bau/09/04.php acesso em 04 set. 2010.

Ilustração: Bernardin de Feltre par Gonzaga, Francesco disponível em http://commons.wikimedia.org/wiki/Image:427px-Bernardine_of_Feltre.jpg?uselang=it acesso em 04 set. 2010.


sexta-feira, 24 de setembro de 2010

OFSE - Ordem Franciscana Secular Evangélica

Blog da OFSE - Ordem Franciscana Secular Evangélica:


Caros colegas: é inútil procurar a prova da existência de Deus

A ciência contemporânea inverteu este ponto de vista, mostrando como um organismo vivo é ao mesmo tempo um relógio e um relojoeiro. É uma das descobertas que mais revolucionaram o modo de pensar nos últimos cento e cinquenta anos. Entendeu-se que a grande diversidade dos viventes foi produzida pela própria vida, através de mecanismos que atualmente são bem conhecidos, graças à capacidade de cada organismo de se auto-reproduzir gerando uma cópia quase perfeita de si mesmo. Aí não é preciso levantar a hipótese de um criador eterno, pelo que não encontrareis um livro de ciência que inicie dizendo: “No princípio Deus criou o céu e a terra”, nem sequer: “No princípio Deus criou o Big Bang”.

A análise é de Marco Cattaneo, publicada no jornal La Repubblica, 18-09-2010. A tradução é de Benno Dischinger.

A ciência não é nova a descobertas “contra-intuitivas”, que desmentem as impressões mais superficiais. Hoje quase todos sabemos que um corpo mais pesado não cai mais velozmente que um mais leve, como ensinava Aristóteles, nem o Sol gira em torno da Terra, embora pareça fazê-lo a cada dia. Tocou precisamente a Darwin, grande admirador de Paley, dar-se conta por primeiro que os organismos evoluem por conta própria e não pela mão de um projetista escondido atrás dos bastidores. Estas observações inauguraram um longo e doloroso trabalho interior que o levou com os anos a abandonar a fé, com grande perturbação da mulher que temia que o marido prejudicasse seu futuro ultra-terrestre.

Os físicos, bem antes dos biólogos, se tinham dado conta que o funcionamento do mundo pode ser explicado sem precisar levantar a hipótese da existência de um Deus. Já hoje, de resto, talvez nem sequer os teólogos pensem que Deus tenha criado cada uma das espécies vivas, ou que eventualmente teria criado o antepassado a todas comum. Se neste século, como é muito provável, se conseguirá gerar a vida em laboratório de matéria não viva, a “hipótese de Deus” deverá dar um novo passo para trás. É verdade, quem quiser crer na existência de um Criador supremo, poderá dizer que Deus quer permanecer por trás dos bastidores para não interferir com a liberdade do homem. “A natureza gosta de esconder-se”, dizia Heráclito: eis uma afirmação que o homem de ciência e o homem de religião podem interpretar de modos diametralmente opostos.

Não nos parece que a existência ou não de Deus possa ser provada logicamente. Entre os cientistas também se encontram pessoas de fé religiosa. De nossa parte, o fato de que da matéria possa ter nascido a vida e que a vida tenha dado forma a si mesma em centenas de milhões de formas diversas no decurso de sua longuíssima história, é não só razão de espanto, admiração e estupor, mas nos suscita uma curiosidade inexaurível e a imensa satisfação de participar disso. Se raciocinarmos sobre nossa espécie, encontramos como entusiasmante o fato de que todo comportamento, toda ética, toda filosofia e ciência, bem como toda política sejam uma simples criação humana e sempre mais assim no decurso dos aproximadamente 100.000 anos de evolução do homem moderno. E que não exista um parâmetro divino sobre o qual mensurar-se, nem alguma verdade absoluta, mas somente a certeza de nascimento e morte. Isso investe de responsabilidade cada gesto nosso. De suas ações o homem há de responder somente a si mesmo, aos outros homens e à natureza. Depende de nós, seres humanos, fazermos da vida um paraíso ou um inferno e do planeta um jardim ou um deserto.

A responsabilidade pessoal de cada um diante de tudo e de todos é a raiz de uma moralidade verdadeira que nos abre a possibilidade de desenvolver os melhores potenciais humanos. De dar, por assim dize, novas formas a nós mesmos. Seria assim se tivéssemos sido formados por um “projeto” que nos precede? Que exista ou não exista um Deus, a humanidade tem mostrado ter disso necessidade, em geral, pelo menos no decurso dos últimos milênios. A incerteza do futuro, o medo da dor e da morte, condições miseráveis de vida, o triunfo perene da violência e da injustiça: projetamos a esperança de um resgate fora de nós e além das repugnâncias da vida, portanto além da própria vida, se esta não tem outra coisa a oferecer. A fé religiosa pode assim revelar-se uma vantagem do ponto de vista evolutivo, porque a esperança de uma vida melhor no além atenua o terror da morte e dá força para levar em frente a vida, por dura que seja, e a esperança de um juízo divino que se abaterá sobre os culpados conforta quem já não espera mais na justiça humana.

Se não ajudassem a sobreviver e reproduzir-se, de resto, as religiões teriam desaparecido a tempo da face da Terra. Satisfazem a necessidade de um pai e de uma mãe, de um guia para viver, de esperar que a sorte nos reserve algo melhor e especial. Fantasias que por milênios tem sido quase uma necessidade, mas das quais o mundo moderno tende a fazer progressivamente menos caso. A moralidade laica de quem sabe que deve prestar contas somente a si mesmo e aos outros nos parece amplamente preferível e mais avançada, do que a moralidade de quem age com base em critérios fixados por entes eternos ou, talvez, por temor de punições post mortem.

Se quisermos, a verdadeira prova da inexistência de Deus não vem da lógica, mas da história: é nos horrores, nos morticínios, nas iniqüidades sem fim de que se tem tornado responsáveis as religiões, as confissões, as igrejas. A idéia de Deus naufragou nos mares de infâmias praticadas em seu nome, com freqüência promovidas por seus sumos sacerdotes. “Alguns o chama Ram; os outros o chamam Rahim; depois se matam um contra o outro”. Assim dizia Kabir, místico indiano que viveu no século quinze, dos muçulmanos e dos hindus seus contemporâneos. Em línguas diversas, tanto “ram” como “rahim” significam “amor”.
Para ler mais:
Extraído de http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=36609 acesso em 24 set. 2010.
Imagem: Detalhe de Vitral ciência na Fuculdade de Direito da UFRGS / Eugenio Hansen, OFS. 2010. Original disponível em http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Direito-ufrgs-5.JPG acesso em 24 set. 2010.  

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Festa dos Estigmas de são Francisco – Homilia

Ga 6, 14-18; Lc 9, 23-26
Fr. José Rodríguez Carballo, ofm – Ministro geral OFM

Monte Alverne, 17 de setembro de 2010


Há poucos dias celebramos a festa da exaltação da santa Cruz. Hoje, em todo o mundo franciscano e particularmente nesta santa montanha do Alverne, santificada pela presença do Senhor em forma de serafim e pela presença de Francisco, o estigmatizado do Alverne, celebramos o mistério da Cruz que se fez visível na carne do Poverello, realizando-se em seu corpo, de forma visível, aquilo que disse o Apóstolo: “de agora em diante ninguém me moleste, pois carrego em meu corpo as marcas do Senhor Jesus”(Ga 6,17). Paulo carregava em seu corpo as cicatrizes das tribulações suportadas por Cristo (cf. 2Cor 6,4-5; 11,23ss), Francisco leva em suas mãos, pés e no lado, os estigmas da Paixão de Cristo.
As biografias do santo nos narram como aconteceu o prodígio singular dos Estigmas. Perto da festa da Santa Cruz, dois anos antes de sua morte, o seráfico pai subiu a esta montanha, para iniciar a quaresma que costumava praticar em honra do Arcanjo São Miguel. Desejando ardentemente conhecer a vontade de Deus, para configurar-se todo a Cristo, abriu por três vezes o livro dos Evangelhos em nome da santa Trindade, e encontrando sempre a narração da Paixão do Senhor, orava insistentemente para sentir em seu corpo as dores do Crucificado. Teve, então, uma visão da qual sentiu muito gozo e uma profunda dor ao mesmo tempo: era o Senhor em forma de serafim crucificado que lhe manifestava que seria transformado totalmente na imagem de Cristo crucificado. Terminada a visão apareceram na carne deste amigo de Cristo os sinais da Paixão do Senhor: os cravos que traspassaram suas mãos e seus pés, e uma chaga em seu lado (cf. LM XIII, 1ss).

Nesta memória litúrgica dos Estigmas de são Francisco, procuremos acentuar alguns aspectos importantes que nos oferecem este evento prodigioso, partindo da narração que nos oferece são Boaventura. O Doutor Seráfico introduz a narração da impressão das chagas com estas palavras: «Francisco havia aprendido a distribuir tão prudentemente o tempo a sua disposição: parte dele o empregava em fadigas apostólicas em favor do próximo, parte o dedicava às tranqüilas elevações da contemplação. E, por isso, depois de haver se empenhado em procurar a salvação dos demais, segundo o exigiam as circunstâncias dos lugares e tempos, abandonando o ruído das multidões, se dirigia ao mais recôndito da solidão» (LM XIII, 1).
Francisco nos ensina que não podemos ser todo para os demais se não se é todo para o Senhor. E não se pode ser todo para o Senhor, quem não se encontra constantemente consigo mesmo. O Poverello nos ensina a necessidade de buscar para a nossa existência, um “projeto de vida ecológico”, como diríamos hoje, onde o compromisso a favor dos demais seja acompanhado de “vacare Deo”, como diziam os antigos, ou seja, dedicar tempo para Deus, e dedicar tempo para nós mesmos. Francisco, verdadeiro “mendicante de sentido”, estava sempre a procura do homem e sempre a procura de Deus e de sua vontade, como observa São Boaventura, buscava incessantemente encontrar-se consigo mesmo e  por isso buscava e amava a solidão.

O homem é certamente um “ser social”, criado “para a relação”, porém, a experiência demonstra, que só quem pode viver sozinho também sabe viver plenamente as relações. Só quem não teme descer na própria interioridade sabe afrontar o encontro com a alteridade, com Deus e com os demais. Ao invés, a incapacidade de interiorização, de habitar a própria vida interior, se converte também em incapacidade de criar e de viver relações sólidas, profundas e duradouras com Deus e com os demais.  Claro que nem toda solidão é positiva: existem formas de fugas, que são patológicas, como o isolamento e o medo de relacionar-se com os outros. Porém entre estas patologias e o ativismo desmedido, a solidão é equilíbrio e harmonia, força e firmeza. Quem assume a solidão como fez Francisco, é quem mostra o valor de enfrentar-se consigo mesmo, de reconhecer e aceitar como tarefa própria o ser “ele próprio”. Por outro lado, se alguém, como Francisco, tem como objetivo buscar a vontade de Deus (cf. LM XIII, 1), não pode a encontrar refugiando-se no “grupo”, no anonimato da multidão e nem mesmo fechando-se em si mesmo. Oxalá não seja a solidão um dos maiores sinais do amor: para conosco mesmos, para com Deus e para com os outros.

A solidão é lugar de unificação do próprio coração e da comunhão com Deus e com os demais. Quando a solidão nos leva a encontrar-nos conosco mesmos, então é purificação das relações, e, para nós, cristãos, é também um lugar de comunhão com o Senhor.  Ao comentar o texto de João 5,13, onde se diz que o homem que foi curado não sabia quem o havia curado, já que Jesus havia desaparecido entre a multidão, Santo Agostinho escreve: “É difícil ver a Jesus em meio da multidão; necessitamos da solidão. Na solidão, com efeito, se a alma observa bem, Deus se deixa ver. A multidão é ruidosa, para ver a Deus necessitamos do silêncio”. Por outro lado, a solidão é o crisol do amor: as grandes relações humanas e espirituais não podem deixar de cruzar a solidão.  Certamente, o cristão, como Jesus, deve preencher a solidão com a oração, com a luta espiritual, com o discernimento da vontade de Deus, com a busca de seu rosto. Francisco em tudo isto se nos apresenta como um verdadeiro mestre, tendo sido um verdadeiro discípulo de Cristo.

Na verdade, o Cristo, em quem dizemos que cremos e que dizemos amar, o encontramos constantemente em lugares afastados para orar, buscando a solidão para viver a intimidade com o Abba e para discernir sua vontade. Aquele que viveu na cruz a plenitude da intimidade com Deus, conhecendo o abandono de Deus, recorda ao cristão que a solidão é mistério de comunhão e nos ensina que a máxima solidão manifestada na cruz é mistério de amor, a maior manifestação do amor do Pai para conosco. “Tanto Deus amou o mundo que deu o seu Filho único” (Jo 3,16); a maior manifestação de amor de Jesus pela humanidade: “nos amou e se entregou por nós” (Ef 5,2).

«Se alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, tome sua cruz cada dia, e siga-me” (Lc 9,23), escutamos no Evangelho de hoje. Encontramos nestas palavras um compêndio da vida cristã, o espelho da Palavra com que o discípulo deve conformar o seu próprio rosto. Como cristãos, nossa vida deve levar impressas as características de Jesus, o Filho crucificado por amor. Olhando «ao que traspassaram» (Jn 19,37), a cruz se converteu num selo de pertença a Deus em Jesus (cf. Ap 7,2ss; Ez 9,4). Levar a cruz cada dia é assumir nossos males, é morrer cotidianamente por Cristo, vivendo para ele, até poder dizer: «Estou crucificado com Cristo: vivo, e não sou mais eu que vivo, é Cristo que vive em mim” (Ga 2,20). Tomar a cruz significa sentir-se crucificado com Cristo, ser partícipes da Paixão do Senhor Jesus, sentir que somos dele e que já não nos pertencemos mais a nós mesmos. Disse Bento XVI: Para levar a pleno comprimento a obra da salvação, o Redentor continua a associar a si e à sua missão homens e mulheres dispostos a tomar a cruz e segui-Lo. Como para Cristo, assim também para os cristãos levar a cruz não é opcional, mas é uma missão que deve abraçar com amor. Em nosso mundo atual, onde parecem dominar as forças que dividem e destroem, Cristo continua oferecendo a todos, seu claro convite: “quem quiser ser meu discípulo, renegue ao próprio egoísmo e carregue comigo a cruz”. Peçamos a intercessão do Estigmatizado do Alverne, para que o Senhor nos conceda seguir com decisão atrás dEle, conformar-nos à Paixão de Cristo e ser partícipes de sua Ressurreição.

Extraído de http://www.franciscanos.org.br/v3/carisma/documentos/2010/index01.php acesso em 23 set. 2010.
Ilustração: Stained glass window depicting San Francisco receiving the stigmata at the Temple of San Francisco in Oaxaca city, Mexico / Alejandro Linares Garcia. 2010. Disponível em http://commons.wikimedia.org/wiki/File:StainedStigmataSFOaxaca.JPG acesso em 23 set. 2010.

A MORTE NÃO É O FIM...




















A MORTE NÃO É O FIM...

O que vejo no limiar da existência?
Naturalmente, nada além do limite...
Porém, não podemos esquecer:       
o futuro, Deus nos dá a viver agora...
Sem demora, em total obediência,
sob sua proteção...

Eis que os nossos dias avançam...
rumo ao horizonte existencial,
onde haverá o fim de todo limite...
e de todo o mal...
Onde nos espera a herança eterna...
Logo após o julgamento final...

Para nós que cremos em Cristo
e seguimo-lo fielmente ao devir...
Esperamos a vida que não tem fim...
A Nova Jerusalém Celeste...
Casa da Paz definitiva...
Onde em Deus seremos Um...

Portanto...
A morte não é o fim...
Porque Jesus vive, reina e é o Senhor...
Ele, vencedor do pecado e de todo mal...
Autor e consumador de nossa fé...
Cujo Reino não tem fim...

Ele, que há de julgar os vivos e dos mortos...
E recompensará a cada um conforme as suas obras...
Por isso, não temas pequeno rebanho...
O Rei está chegando, ide ao seu encontro...
Preparemos nossas lâmpadas...
o festim real está prestes a começar...

Paz e Bem!

Frei Fernando,OFMConv.

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E como será a Nova Criação?
São João a descreve em Apocalipse 7:

“Depois disso, vi quatro Anjos que se conservavam em pé nos quatro cantos da terra, detendo os quatro ventos da terra, para que nenhum vento soprasse sobre a terra, sobre o mar ou sobre árvore alguma. Vi ainda outro anjo subir do oriente; trazia o selo de Deus vivo, e pôs-se a clamar com voz retumbante aos quatro Anjos, aos quais fora dado danificar a terra e o mar, dizendo: Não danifiqueis a terra, nem o mar, nem as árvores, até que tenhamos assinalado os servos de nosso Deus em suas frontes.

Depois disso, vi uma grande multidão que ninguém podia contar, de toda nação, tribo, povo e língua: conservavam-se em pé diante do trono e diante do Cordeiro, de vestes brancas e palmas na mão, e bradavam em alta voz: A salvação é obra de nosso Deus, que está assentado no trono, e do Cordeiro. E todos os Anjos estavam ao redor do trono, dos Anciãos e dos quatro Animais; prostravam-se de face em terra diante do trono e adoravam a Deus, dizendo:

Amém, louvor, glória, sabedoria, ação de graças, honra, poder e força ao nosso Deus pelos séculos dos séculos! Amém. Então um dos Anciãos falou comigo e perguntou-me: Esses, que estão revestidos de vestes brancas, quem são e de onde vêm?          Respondi-lhe: Meu Senhor, tu o sabes. E ele me disse: Esses são os sobreviventes da grande tribulação; lavaram as suas vestes e as alvejaram no sangue do Cordeiro.

Por isso, estão diante do trono de Deus e o servem, dia e noite, no seu templo. Aquele que está sentado no trono os abrigará em sua tenda. Já não terão fome, nem sede, nem o sol ou calor algum os abrasará, porque o Cordeiro, que está no meio do trono, será o seu pastor e os levará às fontes das águas vivas; e Deus enxugará toda lágrima de seus olhos”. (Ap 7).
“Então o que está assentado no trono disse: Eis que eu renovo todas as coisas. Disse ainda: Escreve, porque estas palavras são fiéis e verdadeiras”. (Ap 21,5).



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