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terça-feira, 23 de junho de 2009

Humor franciscano: o capuchinho e o conventual

Num retiro espiritual,
um jovem capuchinho
cruza no pátio
com um jovem conventual,
ambos concentrados,
rezando o braviário.
Para admiração do capuchinho,
o conventual,
sem interromper suas rezas,
fuma um charuto.

O capuchinho,
surpreso,
espera o colega concluir suas orações
e diz:
- Perguntei ao superior
se eu podia fumar
enquanto rezava
e ele não me permitiu...

Ao que o conventual responde:
- Ah, é?
Eu perguntei
se podia rezar
enquanto fumava
e ele permitiu...

segunda-feira, 22 de junho de 2009

O JOVEM QUE BUSCAVA OS DONS DE DEUS

O JOVEM QUE BUSCAVA OS DONS DE DEUS.

Havia, no Monte Carmelo, uma gruta na qual se refugiava um homem de Deus dotado de muitos dons; homem iluminado pela graça divina e cheio dos dons do Espírito Santo, incansável nas práticas ascéticas, revestido de virtudes celestiais e estimado por todos. A quem lhe procurava estendia os favores divinos da oração, do conselho, da sabedoria e da ciência do Senhor, para que, vivendo a fé, permanecessem os fiéis nos caminhos da verdadeira salvação.

Havia também, naquela região, um jovem que decidira pôr em prática os santos mandamentos das Leis de Deus e, com firmeza de alma, seguir este propósito. Ouvindo falar da sabedoria do Padre do deserto, pôs-se a caminho para pedir-lhe conselhos. Ao Chegar á gruta, o jovem ouviu admirado as sábias palavras do santo ermitão e contou-lhe sua história e o desejo de seu coração de receber os dons de Deus para dedicar-se, como ele, à salvação dos homens.

Pediu ao ancião que orasse suplicando a Deus para atender o seu desejo. E assim foi feito. Agora o jovem, cheio da graça divina, ficava de prontidão diante da gruta, recepcionando os peregrinos que dali se aproximavam a fim de suplicar socorro divino para as suas necessidade. Deus concedeu-lhe o dom da ciência de forma que podia enxergar o estado da alma de cada peregrino que por ali passava pedindo auxílio ou a intercessão do homem santo.

Estando ele em profunda meditação, aproximou-se certo homem pedindo para falar com o santo ermitão e o jovem, olhando o estado da alma daquele homem, começou a repreendê-lo dizendo: “vede em que estado encontra-se tua alma, és perverso, mal feitor, assassino e ainda queres aproximar-te do santo homem com tuas maldades?”. Ao ouvir tal repreensão, o homem que vinha como penitente, afastou-se profundamente consternado perdendo toda esperança de salvação.

Vendo pela graça de Deus o que havia acontecido, o ancião repreendeu o jovem dizendo: “realmente tens o dom de Deus, mas ages como insensato, pois aquele homem que acabas de afastar do caminho da salvação, arrependeu-se de seus pecados e estava aqui como penitente para confessá-los e receber a absolvição e uma vida nova”. O jovem, então caiu de joelhos a seus pés pedindo-lhe para que orasse por ele suplicando a Deus que lhe tirasse o dom de enxergar o estado da alma dos homens, pois acabara de perder uma alma arrependida pelo mau uso que fez do dom.

O ancião o abençoou e disse: “filho, envio-te para o meio dos homens a fim de que, trabalhando para o bem de todos, uses as graças divinas com o mesmo propósito que o faço, pois ‘os dons e o chamado de Deus são irrevogáveis’. (Rom 11,29). E acrescentou: “ó abismo de riqueza, de sabedoria e de ciência em Deus! Quão impenetráveis são os seus juízos e inexploráveis os seus caminhos! Quem pode compreender o pensamento do Senhor? Quem jamais foi seu conselheiro? Quem lhe deu primeiro, para que lhe seja retribuído? Dele, por ele e para ele são todas as coisas. A ele a glória por toda a eternidade! Amém!”(Rom 11,33-36).

Vitalizado por tão bela exortação, o jovem aprendiz despediu-se de seu pai espiritual para se dedicar à nova missão. Partindo dali viajou por terras distantes e por onde passava os milagres e prodígios se repetiam e muitos eram os agraciados com a conversão e a salutar alegria do Espírito Santo.

Certa vez, passando por um povoado, pernoitou numa hospedaria que havia na beira da estada e lá estando pediu um quarto que ficasse nos fundos, pois queria dedicar-se à contemplação. Por graça de Deus pode ver o estado da alma do dono daquele estabelecimento e viu também que aqueles pecados o levariam à condenação. Mais que depressa o jovem peregrino pôs-se em oração e pediu a Deus pelo arrependimento e conversão daquele homem entregue ao infortúnio do pecado e da morte, ao que foi atendido, pois pouco tempo depois o hospedeiro converteu-se, tornando um homem de ilibada conduta e de muitos préstimos ao seu povoado.

Admirados com as graças que advinham das orações do jovem peregrino, perguntaram-lhe por que o Senhor era tão solícito à sua intercessão, ao que o jovem respondeu: “caros irmãos e irmãs, quando por graça de Deus vejo o mórbido estado de uma alma, dedico-me à sua salvação amarrando minha alma a ela, que se encontra perdida, e me apresento diante do Senhor de toda vida com jejuns, orações e súplicas até que o estado de graça seja restabelecido e aquela alma torne-se plena diante do Senhor Deus todo-poderoso que nos enviou o seu Filho para que tenhamos vida e vida sem fim.

Por isso lhe digo: “ó glorioso Deus altíssimo, iluminai as trevas do meu coração, concedei-me uma fé verdadeira, uma esperança firme e um amor perfeito; dai-me Senhor o reto sentir e conhecer a fim de que eu possa cumprir o sagrado encargo que na verdade acabais de me dar-me. Amém’.”

Paz e Bem!

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domingo, 21 de junho de 2009

Um pouco de espiritualidade


Frei Neylor J. Tonin
Status quaestionis: Tanto quanto a Psicologia, também a Espiritualidade, como ciência e florescimento da vida, pensa no ser humano como destinatário privilegiado e possível casa da felicidade. Seu quartinho especial chama-se coração.

Grandes Mestres Espirituais sempre se fizeram sensíveis a essa profunda aspiração do cora-ção humano: ser feliz. Esmeraram-se em refletir sobre ela, em definir-lhe a natureza, denunciando possíveis engodos, que chamaram de tentações, e propondo comportamentos pertinentes, que chamaram de virtudes, à sua realização.

Na Espiritualidade concentra-se o que de melhor conhecemos da sabedoria humana. De Jesus, seu mais ínclito expoente, diz-se que foi a encarnação e revelação da sabedoria de Deus. Nele se deram as mãos duas realidades, a saber: o paraíso perdido, que ele reabriu com seu sangue, e as promessas do Reino dos Céus, que ele anunciou com palavras e con-firmou com milagres.

Se, em Jesus, a vida espiritual conheceu sua mais excelente expressão, não deixou, igualmente, de brilhar em grandes e conhecidos homens ou mulheres que criaram escolas de espiritualidade e em pessoas simples e anônimas que foram e são, indiscutivelmente, mestras da arte de viver espiritualmente.

É escusado admitir que há muitas Espiritualidades, além da cristã. Todas elas, enquanto humanas, são legitimamente sadias e caminhos a serem seguidos e perseguidos com denodo e segurança.

Como pessoas, estamos abertos, na admiração, a todas experiências espirituais. Não é pre-ciso ser cristão para dizer que se deve rezar sem neuroses, morrer sem desespero e não cul-par Deus pelo que nos acontece. Não é também preciso ser cristão para saber o quanto é bom perdoar, corrigir o que está errado e não idolatrar o diabo.

Como cristãos, encareceremos, com alegria, a importância de alimentar os sentimentos de Cristo, almejando o ideal duma santidade sem rabugices e refletindo sobre os dolorosos e beatificantes caminhos de crer na Palavra de Deus, sem parcimônia e de olhos fechados.

Não dá para ter espiritualidade cristã sem ter em Cristo o mestre de nosso itinerário espiritual, sem ter fé em suas palavras ou nos destinos humanos a quem ele serviu e exaltou, sem fazer ascese por amor a ele e ao seu Reino. Quando alguém, conscientemente, se entrega ao itinerário do crescimento espiritual, mudam-se seus horizontes e aprofundam-se seus compromissos com o que lhe é superior.

A verdadeira Espiritualidade, assim como a boa Psicologia, tem, no fundo, um discurso que aponta para o paraíso perdido e apresenta propostas e caminhos de felicidade. Uma Espiritualidade que não conhecesse o endereço da Casa da Felicidade, mas teimasse em entristecer as pessoas, seria falsa.

Estou convencido que a pior estupidez humana é a da guerra que mata a vida e que o supremo bem da vida é a paz. É isto o que prega a Espiritualidade dos grandes mestres: que vivamos em paz, que nos amemos como irmãos e que, em paz, honremos o santo nome de Deus. Sem paz não dá para ajoelhar-se numa igreja nem fazer a festa da vida. Hoje, como sempre, os sonhos do amor procuram o endereço da casa da Paz. E só com paz no coração é possível ter espiritualidade e ser espiritual.

1. Ter espiritualidade e ser espiritual

As Igrejas, em geral, falam muito da Espiritualidade e todas as religiões oferecem a seus seguidores um itinerário de vida espiritual. Bastaria lembrar Buda, Confúcio, Moisés, Maomé, Jesus, para lembrar que há muitas Espiritualidades e muitos modos de ser espiritu-al, pensando, entendendo e vivendo a vida. Todos propõem o mesmo ideal: chegar a uma plenitude. Os caminhos, no entanto, são bastante diversos.

O grande teólogo e místico franciscano, São Boaventura, escreveu, no século XIII, um be-líssimo livro sobre a experiência de Deus, intitulado Itinerarium Mentis in Deum (Itinerário da Mente para Deus). A Editora VOZES publicou, na coleção "Herança Espiritual da Humanidade", alguns excelentes estudos que seriam de grande proveito para os interessados em Espiritualidade: Budismo, de Dennis Gira, Islamismo, de Jacques Jomier, Espiritualidade Cristã, de Jesús Espeja e Peregrinos Russos e Andarilhos Místicos, de Mi-chel Evdokimov. Aliás, uma das conseqüências da agitada e estressante vida moderna parece ser a do reflorescimento de uma vida espiritual mais intensa.

Mas antes de olhar para os livros, talvez seja útil à pessoa contemplar e entender seu próprio mistério ou complexidade, formada de corpo e espírito. Pesada por ser corpo e com raízes para não perder a identidade, ela é também leve e rica por ter espírito e asas para insuspeitados vôos, que a fazem sofrida e altaneira diante das pulsões instintivas do bicho que vive dentro dela.

Um e outro, corpo e espírito, somos nós. Não somos só corpo nem só espírito. Somos os dois somados, interligados, interdependentes, fusionados e amalgamados, em permanente comunhão e conflito, no qual o corpo se faz sempre mais exigente e nunca satisfeito e o espírito luta para não soçobrar no desafio de compor com o irmão corpo, sem desequilíbrios, esta difícil unidade.

A espiritualidade tem tudo a ver com esta complexa convivência entre corpo e espírito que, quando não consegue ser integrada, nos torna complicados. A pessoa humana não é um corpo desespiritualizado nem um espírito desencarnado. O modo como trabalhamos esta dualidade, rica e trágica, complexa e difícil de ser integrada, é que, finalmente, definirá nossa espiritualidade.

Ser simplesmente gente já é uma experiência espiritual. Os anjos também são espirituais, mas de outro jeito. O nosso jeito é humano, com corpo e alma, com matéria e espírito, com definições problemáticas e sentimentos desencontrados, com tempo que se esvai e eternida-de que nos assusta. A espiritualidade, por isso, que tem no espírito seu princípio de qualifi-cação, expressa-se eloqüentemente no corpo e somos espirituais na totalidade do nosso ser, por dentro e por fora, no corpo e no espírito, com um e outro.

A força espiritual de uma pessoa se mede pelo grau de intensidade com que faz algo ou como vive os ideais e suas relações. Quanto mais a pessoa se entrega, de corpo e alma, a alguma coisa, ação ou pessoa, mais espiritual ela o é. É muito espiritual, por conseguinte, quem é muito intenso e pouco espiritual quem é melancolicamente superficial.

Alguém pode ser muito espiritual quando trabalha, faz esporte, convive em família ou vai a uma igreja. Pode também ser minimamente espiritual quando reza, come ou faz amor. Bem entendido, um ato sexual pode ser mais espiritual do que a participação em uma procissão, quando o primeiro é feito com corpo e alma e a segunda, só com o corpo e sem alma. Que não haja dúvidas: a caraterística principal da espiritualidade é a intensidade com que se faz o bem, pouco importando que bem, materialmente, se faça.

Ressaltemos, no entanto, que não basta apenas intensidade desregrada de aplicação, que um animal e um bandido também podem ter. Faz-se necessário também retidão justa de inten-ção, que ocorre quando o espírito comanda e coordena o processo de busca do bem deseja-do. Não se pode, por isso, dizer que um animal, na caça de sua presa, ou um malvivente, em suas ações criminosas, sejam espirituais. Para o animal, faltar-lhe-ia espírito; para o bandi-do, correção de intenção e integração de suas forças. O primeiro é só animal em estado puro e instinto, enquanto o segundo é pouco espírito e muito animal em estado desintegrado e desumano.

A vida, em suas múltiplas facetas, será sempre a fonte primária para a espiritualidade. A inspiração poderá vir da paz e da alegria, da vida e da morte, do trabalho e da dor, da artes e dos esportes, da cidadania e do poder, do amor e do lazer, da terra, da natureza e de Deus.

Por sermos gente, todos somos espirituais, ou temos espiritualidade. Santos ou bandidos, piedosos seres eclesiais ou pecadores penitentes ou reincidentes, ninguém deixa de ser espi-ritual. Uns são mais, outros menos, uns de uma forma, outros de outra, mas espiritualidade todos têm porque todos são seres humanos. Na verdade, a experiência nos diz que uns são mais gente do que outros. É pois segundo este mais ou menos que somos mais ou menos espirituais.

Para ser profundamente espiritual não é preciso ser religioso. Bom seria que pessoas de confissão religiosa fossem também luminosamente espirituais, mas não é isto o que sempre se vê na prática. É bastante freqüente a confusão que se faz entre Espiritualidade e Religião. Diz-se, por exemplo, que determinada pessoa é muito espiritual porque tem muita religião. Pode ser um equívoco. Dentro das Igrejas cultiva-se uma religião que não transforma, sem mais, pessoas religiosas em seres espirituais. Não será, por isso, injustiça afirmar que, nas Igrejas, muitas vezes, temos pessoas com muita religião e pouca espiritualidade e, fora de-las, pessoas sem nenhuma religião, mas com muita espiritualidade.

Para os cristãos, a fonte, o caminho de vida, o critério e o alimento da espiritualidade são o Cristo da ressurreição e a história de Jesus. Quem segue esta espiritualidade deveria ser uma expressão intensa de Cristo, ecoando seus sentimentos e caráter. Ele é a cor da paixão dos cristãos pela vida, pelos pobres, doentes e pecadores, pelos perdidos e marginalizados, pelos que não têm pai e mãe, pelos que vivem separados pelos muros das mais várias se-gregações. A cor de Cristo é a da misericórdia e do perdão, da compaixão e da ternura, da consagração a Deus e da ousadia da santidade. É também a cor que abraça a ovelhinha transviada, a cor da beleza arrependida da pecadora pública, a cor da simplicidade cativante da vida, a cor da graça de ter irmãos, a cor da alegria de comer, de pescar e de viver. Tudo isto, somado à sua determinação pelo Reino de Deus, é a cor da verdadeira espiritualidade cristã.

Com vergonha, podemos confessar que estamos longe disso, mas sem esquecer que a espi-ritualidade é um processo longo e doloroso e, mais do que um dado, é um caminho de espi-ritualização. Não somos espiritualmente redondos, acabados. Muito lentamente, vamos nos fazendo mais espirituais e cristãos, na medida em que vamos nos tornando mais plenamente humanos à luz de Cristo e em seu seguimento.

"A glória de Deus, afirmou Santo Irineu (+202), é a pessoa plenamente viva". Ninguém se sente assim, mas podemos chegar lá. O que não podemos é abdicar da tarefa de fazer flo-rescer, de modo harmonioso, a graça da vida ou o nosso jeito humano de ser.

Frei Neylor J. Tonin
Irmão menor e pecador

Extraído de http://www.franciscanos.org.br/v3/vidacrista/artigos/janeiro_artigo.php acesso em 15 fev. 2009.

quinta-feira, 18 de junho de 2009

CONSELHOS DE UM CENOBITA

CONSELHOS DE UM CENOBITA.

Entre os cenobitas do deserto de Fará, onde fica o Monte Sinai, havia um de profunda sabedoria, apurado na penitência e nas práticas ascéticas; era ancião venerado como santo homem de Deus, e os habitantes daquela região vinham a ele para aconselharem-se e beberem da fonte de sabedoria que emanava de seu coração.

Achegavam-se ao padre espiritual pedindo-lhe a benção ou para confessarem seus pecados e imediatamente o homem de Deus os atendia, dirigindo-os nos caminhos da fé, da piedade e boas obras. Muitas eram as conversões e visível o aumento do fervor naquele povo. Certa feita pediram ao santo ancião que lhes falasse a respeito da vida e da morte, da virtude e do vício, do céu e do inferno, ao que o homem de Deus respondeu:

Há muito, homens e mulheres se perguntam: que é a vida? Quem de fato somos? De onde viemos e para onde vamos? Paira nos corações humanos uma profunda angústia pelo fato de nunca se ter dado uma resposta convincente a essas perguntas e diante da peste, da fome, das guerras, das catástrofes naturais e da morte, aumenta ainda mais essa angústia ao verem que o mundo e os homens caminham para o caos.

Filhos e filhas de Deus muito amado, o eterno é hoje, pois, tudo o que fazemos no tempo é para a eternidade que o fazemos; além disso, não existe o destino personificado, o homem é o que é aos olhos de Deus e nada mais. Não passamos de um sopro quando perdemos a esperança de salvação, e no mundo dos homens não há ateus, pois quando alguém afirma não crer em Deus, Criador do céu e da terra; crê no deus objeto de sua afirmação e mesmo quando deixar de crer também nele acreditará por fim na morte, pois dará cabo da própria existência. Assim, ‘o pior inimigo do homem é ele mesmo’. É preciso vencer-se a si mesmo para vencer todos os inimigos visíveis e invisíveis.

“Não vos enganeis: de Deus não se zomba. O que o homem semeia, isso mesmo colherá. Quem semeia na carne, da carne colherá a corrupção e a morte; quem semeia no Espírito de Deus, do Espírito colherá a vida eterna. Não nos cansemos de fazer o bem, porque a seu tempo colheremos, se não relaxarmos. Por isso, enquanto temos tempo, façamos o bem a todos os homens, especialmente aos irmãos na fé”. (Gal 6,7-9).

Queridos filhos e filhas, do mundo nada levamos para a sepultura, porque pela graça de Deus somos imortais, não nascemos para a morte, mas para a vida e a vida sem fim. ‘Não procureis a morte por uma vida desregrada, não sejais o próprio artífice de vossa perda, Deus não é o autor da morte; a perdição dos vivos não lhe dá nenhuma alegria. Ele criou tudo para a existência, e as criaturas do mundo devem cooperar para a salvação. Nelas nenhum princípio é funesto, e a morte não é a rainha da terra, porque a justiça é imortal.’ (Sb 1,12-15).

Se quiserdes compreender o que seja a vida e a morte; a virtude e o vício; o céu e o inferno, trilhai o caminho da salvação traçado por Deus em seus mandamentos; entregai vossa existência Àquele que é a verdadeira vida e vivei a verdade de seus exemplos. Dessa forma, olhareis o mundo com os olhos da fé e vereis muito além da vossa visão física, porque visualizareis a essência das coisas criadas e qual seja a vontade de Deus, o que é bom, o que lhe agrada e que é perfeito. (Cf. Rm 12,1-2).

Paz e Bem!

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domingo, 14 de junho de 2009

Lutar com Deus

Frei Neylor J. Tonin

Status quaestionis: A Bíblia é um tesouro de sabedoria e de humanidades. Conta uma grande história e muitas outras histórias menores com nome e endereço, exalta a epopéia de um povo e adora o Deus único e verdadeiro, não deixa de consolar os aflitos e de alimentar as esperanças dos anawin (os desconsiderados da sociedade), encoraja os amedrontados e aplaude os intimoratos, condena os ímpios e maus e abençoa os justos. E tem uma infinidade de histórias com a nossa cara, histórias que retratam os mais abscônditos sonhos e o modo peculiar de ser da pessoa humana daquele tempo, de hoje e de sempre.

Um dos grandes desejos dos homens bíblicos foi o de conhecer Deus, de tocá-lo, de tê-lo como hóspede de sua tenda e de, finalmente, ver seu rosto e saber seu nome. No fundo, queriam ter a certeza de que Deus existia, que não era apenas uma projeção do espírito humano atemorizado diante das forças do universo e da cara dura e fria da morte. Para ter essa certeza, não lhes sobrou outro caminho que o da luta. E eles não se negaram a lutar para ter certeza de que Deus existia e para ver sua face.

De relance, vejamos algumas histórias. A de Abraão, por exemplo, levanta uma grande interrogação sobre as incertezas da vida e a inescapabilidade da morte. Se quem morre não tem descendentes, como Abraão não tinha, o que sobrará dele senão a frustração de um fim que termina num nada? Diante deste medo, Abraão, ao pé do carvalho de Mambré, olhava para o céu, interrogando-se e suplicando pela ajuda do Deus "único e verdadeiro".

Para ele, o fato intransponível era Sara, sua esposa, bastante idosa, que não lhe podia dar um filho, que fosse o mantenedor e continuador de sua fortuna e história. Olhava por isso para o céu, ao mesmo tempo, confiante e temeroso, acreditando que algo poderia acontecer, embora não soubesse nem como nem quando, nem graças a quê e por quem.

Antes que Deus entrasse em cena, recorre ao expediente fácil e demasiadamente humano de garantir a continuação de sua memória, valendo-se dos serviços de sua escrava Agar. Mas Deus lhe garante que não será Ismael, o filho da escrava, seu herdeiro, mas o filho que sua legítima mulher lhe dará dentro de um ano. A legítima mulher, a velha Sara, escondida por detrás dos panos da tenda, não pode controlar o riso.

Na continuação desta história, há as figuras de seu filho Isaac e de seus dois netos, Esaú e Jacó, que disputam, com glutonice e mentiras, a bênção da primogenitura. Jacó mente duplamente e engana a cegueira de seu pai Isaac, fazendo-se passar por Esaú. Com este expediente, novamente fácil e demasiadamente humano, usurpa a bênção e se faz protagonista duma história que envolve Deus e suas promessas.

Dando um salto de 430 anos de exílio, a história dos descendentes de Abraão se defronta com um líder gago que é destinado por Deus a libertar o povo da escravidão no Egito. Moisés é arrancado do pastoreio tranqüilo dos rebanhos de seu sogro Jetro por uma voz que saía duma Sarça Ardente e que o desafiava a enfrentar o Faraó, seus cavalos e cavaleiros. Se já gaguejava antes, muito mais gaguejaria agora.

Poderíamos continuar lembrando as histórias de Saul, Davi, Judite, dos irmãos Macabeus e de tantos outros. De Paulo, Pedro, Estêvão já no Novo Testamento. Importante é recordar que o Deus bíblico sempre se apresenta, ao mesmo tempo, como graça poderosa que fala, atua e se revela e como um contendor do qual não se pode fugir. Estes dois aspectos - graça e luta - são marcas inegáveis e inconfundíveis de qualquer itinerário espiritual humano.

Na vida das pessoas e na história dos povos, Deus é acolhido, quando graça, com festas e danças; quando luta, no entanto, é temido e evitado. Contudo, é na luta, tanto quanto na graça, que Deus deixa suas marcas. É preciso, por isso, lutar com Ele, lutar física e espiritu-almente, com alma e corpo. É preciso ir criando e moldando, através da graça e da luta, o caráter de Deus em nós.

Pulemos para os dias de hoje, em que os faraós são outros, mas não menos cruéis e totalitários. As nossas dúvidas são as eternas dúvidas de sempre. Deus... onde está? Deus... onde se esconde? Em que tenda continua se fazendo hóspede e de que Sarça continua fa-lando?

Num mundo de sempre maiores facilidades, em que a única coisa difícil continua sendo amar e crer (além de sofrer), é preciso repropor o caráter de luta da vida espiritual e religiosa. Deus não se contenta com pouco nem com a lógica das dúvidas humanas, assim como abomina a execução apenas ritual de compromissos religiosos que levam as pessoas à igreja, mas as exime da luta em favor do projeto maior da história. Ter fé em Deus comporta lutar dolorosamente com o invisível e obedecer a ordens aparentemente absurdas.

Não basta, por isso, assistir a missas e rezar o terço, dar esmolas e fazer jejuns, derramar-se em louvores e danças de exultação. Tudo isto poderá ser importante e necessário, mas é, segundo os caminhos bíblicos, insuficiente. É preciso mais. É preciso agarrar Deus, como Jacó, e lutar com Ele até "o romper da aurora". É preciso buscar conhecer seu rosto e nome, como Moisés, mesmo não o vendo nem sabendo como se chama. É preciso estar disposto a sacrificar o filho mais querido, como Abraão, mesmo que isto custe a possível morte de nossas esperanças.

Viver para Deus e com Deus é uma luta, bonita e crucificante, da qual sairemos sempre como dominados e, só finalmente, como vencedores. Nosso itinerário com Ele, será, num primeiro momento, de festa e terá o doce sabor do mel, encherá de gozo o espírito e de leveza nosso interior. Enquanto só acontecer isso, enquanto nossa relação com Ele não se fizer luta, dolorosa e crucificada, ainda não podemos dizer que temos uma fé adulta e ma-dura.

Deus chega a nós como graça, pois sua natureza não pode ser outra coisa: Ele é graça, so-mente graça, sempre e unicamente e nada mais do que graça. Esta graça, aliás, tem até um nome histórico: Jesus. E nós, cheios da graça de Deus, chegamos a Ele pelas graças da fé, do amor, da luta e da cruz.

É verdade que há mil formas de chegar a Deus, mas a forma mais sentida e menos enganosa é a da luta e da cruz. Uma pessoa só tem sua fé verdadeiramente testada na luta por Deus, quando subir e permanecer no alto de uma cruz. Enquanto reza e dança, enquanto segue o Cristo da doutrina e o aplaude como miraculoso salvador, ainda não é inegavelmente de Deus. De Deus ela é quando faz um ato de fé em seu Senhor crucificado.

A esta altura, devemos elucidar um equívoco ocorrente na espiritualidade: não é a luta que, pura e simplesmente, nos salva. Ela é, sem dúvida, engrandecedora do ser humano, mas não o leva para além dos merecidos aplausos que granjeia. Chamados à luta, temos que admitir que somos mais do que os esforços que fazemos.

Pelo contrário, os esforços são até uma parte ínfima de nossas vidas. Comparada a um rio, a vida vai nos levando em suas águas, mesmo que tenhamos que nadar bravamente. A força do rio, mais do que nossos esforços, vai nos levando correnteza abaixo em direção ao gran-de mar. Mas não se pode deixar de bracejar, evitando o risco de afogamento prematuro.

Religiosamente, a compreensão que se tem da vida espiritual passa necessariamente pela luta. Depois da queda original, não se pode chegar à perfeição se não mediante luta pelo bem e pela verdade. E, ainda mais, por causa da fragilidade humana, necessitamos de um mediador que não sejamos nós mesmos. Nosso destino escapa ao poder finito de nossas mãos e nunca chegaremos para além dos contrafortes da morte senão pela gratuidade de um amor onipotente que nos ama infinitamente e que santifica e resgata nosso tempo e enve-lhecimento inevitável.

A falta de luta na vida religiosa apresenta dois tristes sintomas: o de seu agüamento e o da revitalização do demônio. É isto que se constata em pessoas sem musculatura espiritual. Mas a luta pela grandeza religiosa não pode erradamente ser apenas moral, ou seja, não se pode, por princípio, viver em função de demônios a serem vencidos a ferro e fogo. A luta humana é com Deus e por Deus. É um ato de envolvimento com o divino e de radical iden-tificação com Ele. Caso contrário, dar-se-á ao diabo um status que não tem e cometer-se-á, por ignorância, contra Deus, uma ofensa de insanáveis danos.

A luta, de que falamos, é também moral, sendo essencialmente religiosa e relacional. É de amor a Deus e por Deus. Deus é nosso campo de batalha e o guerreiro que temos de enfren-tar até o romper da aurora. Como Jacó, sairemos certamente mancos desta luta. Mancos, mas salvos; machucados, mas engrandecidos e agraciados.

Frei Neylor J. Tonin
Irmão menor e pecador

Extraído de http://www.franciscanos.org.br/v3/vidacrista/artigos/fevereiro_artigo.php acesso em 15 fev. 2009.

Ilustração: REMBRANDT. Jacó Lutando com o anjo. 1659.

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Santo Antônio e a saúde do povo

Psicologia & Religião
Santo Antônio e a saúde do povo

Frei Hipólito Martendal

Em artigos anteriores já falei várias vezes sobre a relação entre saúde em geral e vida organizada dentro de convicções religiosas.

O cristianismo pode ser visto de dois aspectos no que se refere à sua elaboração. Existe uma religiosidade oficial altamente elaborada por teólogos e grandes pensadores. Dá grande valor à vida dos sacramentos, à pureza da fé, à exatidão dos dogmas, à clara convicção da salvação eterna conseguida pelo único redentor Jesus Cristo. Claro que não poderei elencar aqui todos os elementos importantes da doutrina católica.

Mas, a religiosidade é também um fenômeno altamente pessoal e subjetivo. Pessoas de todos os graus de desenvolvimento cultural, altamente letrados e analfabetos, podem ter profunda vivência religiosa e aquilo que qualificamos de experiência de Deus. Do ponto de vista do indivíduo que crê, a vivência da religiosidade é altamente subjetiva e pessoal. A alma e o coração religiosos de cada indivíduo, sem saber como e porque, querem expressar-se a seu modo. Isso é profundamente antropológico, isto é, faz parte da natureza humana criada assim por Deus. As devoções populares podem ter um papel muito importante na vida sofrida de nosso pobre povo de Deus. A devoção traz a religião e o sagrado para os acontecimentos diários significativos para os aspectos mais diversos da vida: amor, família, saúde, segurança, emprego. Nosso povo sempre ouviu falar em temor de Deus. Ora, seu santo de devoção é visto como alguém muito especial e íntimo com Deus. Ele pode conseguir de Deus todas as graças que o fiel não ousaria pedir diretamente ao Todo Poderoso.

No caso especial de Santo Antônio temos algumas vantagens. A vida dele é razoavelmente conhecida. Sua fama de poderoso operador de milagre vem desde os dias de sua vida. Poucos anos depois de sua morte São Boaventura já afirmava que se alguém procura milagres, que recorra a Santo Antônio. São bem conhecidos os zelo e o amor do santo para com a Igreja Católica e a Jesus Cristo Eucarístico. Isso enche a alma e o coração de nossos fiéis de esperança e confiança, elementos saudáveis para um povo tão sofrido.
Por fim, ainda podemos afirmar que Santo Antônio tem uma importante função na Igreja Católica: conservar muitos fiéis afastados da tentação das igrejas pentecostais que tanto combatem a devoção aos santos. Como imagino que um devoto de Nossa Senhora Aparecida não passa para a igreja (?) do Edir Macedo, creio que o mesmo aconteça com os devotos de Santo Antônio. Permanecem fiéis à Igreja Católica.

domingo, 7 de junho de 2009

O papel de Santo Antônio na igreja hoje

Psicologia & Religião
O papel de Santo Antônio na igreja hoje

Frei Hipólito Martendal


1. INTRODUÇÂO - Pode parecer pouco importante escrever um artigo com este título sobre Santo Antõnio. Afinal, todos sabem que os santos existem para serem nossos intercessores junto de Deus, admirados e imitados pela vida que levaram. Mas, o culto aos santos pode provocar opiniôes desencontradas enter os católicos e servir de razôes para aprofundar ainda mais as divisões entre católicos e protestantes. Todos lembram-se daquele infeliz "bispo'' da Uviversal chutando a imagem de Nossa Senhora Aparecida e da onda de indignação que isso provocou. Nos primeiros anos que se seguiram ao Vaticano II, muitos párocos e bispos retiraram muitas imagens de santos de nossas igrejas, com fortes protestos de católicos mais conservadores. Eu seria mentiroso se afirmasse que fico feliz ao perceber que uma festa de Santo Antônio atrai muito mais fiéis à igreja do que qualquer das grandes festas oficiais em que celebramos o Cristo e os mistérios de nossa redenção, como Natal e Páscoa. Mas consolam-me três coisas: um grande número de fiéis católicos estão reunidos e isso oferece excelente oportunidade para uma boa catequese; o culto a Santo Antônio (como os cultos aos santos em geral) são expressões de uma religiosidade popular, pesssoal, espontânea, não dirigida pela autoridade, que pode constituir verdadeira terapia para enfrentar as agruras da vida familiar, social e econômica, cada vez mais massacrantes; em terceiro lugar imagino difícil que nossos devotos de Santo Antônio aceitem bandear-se para outras religiões.

2. DOIS TIPOS DE CATOLICISMO - Uma fonte de dificuldades e malentendidos vem da natural tendência de as grandes religiões produzirem comportamentos e atitudes religiosas muitas vezes acentuadamente diferentes em setores do assim chamado "povão'' e as elites mais cultas e principalmente entre as autoridades religiosas. Isso vem de muito antes do Cristianismo. Muitos cultos pagãos celebravam mistérios diretamente envolvidos na vida e morte do homem nos seus mais diversos aspectos, sem esquecer os mais diferentes desejos e aspirações do coração humano.Os próprios judeus, nosso antepassados religiosos, tinham festas em que eram celebrados acontecimentos da história do povo, com o Êxodo, a conquista do território nacional, colheitas, etc.

Enquanto isso, o Cristianismo passou a celebrar quase só Deus , os Mistérios da Redenção , ou acontecimentos a eles relacionados. É certo que surgiu o culto aos santos, por causa do grande número de mártires. Mas, na reverência aos mártires sobressaía, na verdade, a exaltação do poder Deus que era capaz de gerar tamanha fortaleza e destemor diante dos perseguidores e seguidores de falsos deuses.

E o povão sentia falta de algo que levasse seus anseios, angústias e alegrias mais terrenas para o culto. E aqui entre em jogo a psicologia da religião. É o seguinte. A prórpria religiosidade pode basear-se em Fé e aspectos objetivos, inquestionáveis da Revelação, da Teologia e do dogma. Mas, a vivência da religiosidade é um fenômeno inteiramente pessoal e subjetivo. Então, enquanto os comportamentos religiosos tendem a ser normatizados, dirigidos por teólogos de altas letras e por autoridades zelosas da ortodoxia, a alma e o coração religiso do indivíduo, sem saber como e porque, quer em expressar-se a seu modo. Isto é algo pessoa, é profundamente antropológico, é a natureza do homem criado por Deus manifestando-se ao seu Criador e Senhor. E os antigos diziam que o Espírito sopra onde que... Aos olhos dos detentores do poder religioso e encarregados para zelar pelo dogma, tais manifestações pessoais e subjetivas podem até parecer heréticas ebsurdas, ou resquícios do Poder do Mal. Mas, meu caro, lembre-se que Deus criou a inteligência do homem para procurar a lógica, razão, a verdade e outras coisas sublimes, mas parece que reservou ao coração do homem de irracionalidade, de inverdade, de heresia... Mas, ainda aqui podemos ficasr serenos, pois Deus sabe muito bem de que "material''ele formou nossa mente, nossa alma e nosso coração. Sugiro a você ler agora o salmo n.º 8.

3. E SANTO ANTÔNIO? - Quase nada sobrou ele. Mas, ele foi um grande frade menor. Sabe aceitar este espaço exíguo. Entre os muitos aspectos da pessoas do santo que poderíamos ressaltar, quero apenas olhar para o Antônio apostólico, todod zelo pela causa de Cristo ede suas Igreja. De suas cusrtíssima na vida - S. Antônio morreu aos 36 anos - dedicou 9 a 10 a pregar contra os movimentos que ameaçavam dividir o rebanho de Jesus Cristo. Su zelo pelo verdadeiro Cristianismo parecia não ter limites, pois era, acima de tudo, um apaixonado por seu Deus e Senhor e por Jesus. A legenda colocou o menino Jesus em seu regaço. Em recompensa, Deus acumulou de absoluta certeza e firmeza na Fé e dos milagres. Por isso o "povão castólico'' identificou esse jovem frade menor como seu aliado, defensor e modelo nas agruras da vida cotidiana e nas manifestações pessoais de sua religiosidade.

E, mes caros leitores, uma coisa parece certa: os que são devotos de Santo Antônio parece que não caem na tentação de bandear-se para as igrejas universais da vida. Com todas as suas angústias permanece m firmes nas fileiras católicas. E Santo Antônio continua como uma espécie de pastor zeloso eterno na Igreja Castólica.

Extraído de http://www.franciscanos.org.br/v3/vidacrista/artigos/papel_santoantonio.php acesso em 15 fev. 2008.

sábado, 6 de junho de 2009

Eleitos Novos Definidores Gerais da Ordem dos Frades Menores


Assis (It) - A Ordem dos Frades Menores, reunida no Capítulo de Pentecostes, segundo a vontade de São Francisco, elegeu neste sábado (06/06) os frades a quem serão encomendado o serviço de autoridade e animação durante os próximos seis anos.

Com isso, o governo Geral está definido. Na quinta-feira passada foi reeleito o Ministro Geral Frei José Rodríguez Carballo e, nesta sexta-feira, foi eleito para Vigário Geral o norte-americano Frei Michael Perry. Na foto ao lado, o brasileiro Nestor Inácio Schwerz, que era Secretário Geral da Evangelização e foi eleito para ser Definidor Geral pela América Latina.

Região África/Oriente Médio
Vincent Mduduzi Zungu
Nascido: 28.04.1966
Lugar de nascimento: Mbongolwane
País de Nascimiento: África Meredional
Noviciado: 18.01.1988
Profissão temporária: 19.01.1989
Profissão solene: 02.07.1994
Ordenação: 08.07.1995
Província OFM: N.D. Reginae Pacis Prov.
País África Australásia




Região Ásia/Oceania


Paskalis Bruno Syukur
Nascido: 17.05.1962
Lugar de nascimento: Ranggu
País de nascimento: Indonesia
Noviciado: 15.07.1982
Profissão temporária: 15.07.1983
Profissão solene: 22.01.1989
Ordenação: 02.02.1991
Província OFM: S. Michaëlis Archangeli Prov.
País Indonésia
Região Centro norte-americana

Francis Walter
Nascido: 13.07.1950
Lugar de nascimento: Trenton NJ
País de nascimento: EUA
Noviciado: 24.06.1972
Profissão temporária: 24.06.1973
Profissão solene:26.06.1976
Ordenação: 06.05.1977
Província OFM: Immaculat. Concept. B.V.M. Prov.
País EUA.




Região Europa Central

Roger Marchal
Nascido: 23.10.1954
Lugar de nascimento: Sarrebourg
País de nascimento: França
Noviciado: 21.09.1977
Profissão temporária: 16.09.1978
Profissão solene: 25.09.1982
Ordenação: 24.06.1984
Província OFM: Trium Sociorum Provincia
País Franco-Gália e Bélgica
Região Ibérica

Vicente-Emilio Felipe Tapia
Nascido: 14.07.1951
Lugar de nascimento: El Romeral
País de nascimento: Espanha
Noviciado: 28.06.1968
Profissão temporária: 06.07.1969
Profissão solene: 30.03.1975
Ordenacão: 05.09.1976
Província OFM: Castellana S. Gregorii Magni Prov.
País Espanha


Região Itália

Vincenzo Brocanelli
Nascido: 19.02.1943
Lugar de nascimento: Ostra Vetere
País de Nascimento: Itália
Noviciado: 20.09.1958
Profissão temporária: 21.09.1959
Profissão solene: 17.09.1965
Ordenação: 20.08.1966
Província OFM: Picena S. Jacobi de Marchia Prov.
País Itália
Região Eslávica

Ernest Karol Siekierka
Nascido: 09.12.1960
Lugar de nascimento: Inowroc aw
País de Nascimento: Polônia
Noviciado: 01.09.1979
Profissão temporária: 23.08.1980
Profissão solene: 08.12.1983
Ordenação: 26.03.1986
Provincia OFM: S. Francisci Assis. Prov.
País Polônia



Região Latino-americana

Nestor Inácio Schwerz
Nascido: 04.09.1949
Lugar de nascimento: Santa Cruz do Sul-RS
País de Nascimento: Brasil
Noviciado: 03.02.1970
Profissão temporária: 03.02.1971
Profissão solene: 04.10.1975
Ordenacão: 18.12.1976
Província OFM: S. Francisci Assis. Prov.
País Brasil



Fonte:
Região Latino-americana

Julio César Bunader
Nascido: 09.01.1961
Lugar de nascimento: Mendoza
País de Nascimento: Argentina
Noviciado: 05.03.1984
Profissão temporária: 27.02.1985
Profissão solene: 12.03.1988
Ordenação: 01.05.1992
Província OFM: Fluvii Platensis Assumptionis B.M.V. Prov.
País: Argentina

Fraternidade e Minoridade

Por Fr. Almir Guimarães, ofm

Os frades levavam a saudação da Paz com que a todos saudavam, na alma o Evangelho e a confiança de que o Espírito de Jesus os acompanhava a encher-lhes o coração e as falas. Trabalhavam pelos campos com os lavradores ou outras ocupações prestadias, com todos cantando os louvores de Deus. Comiam do que lhes davam Descansavam as noites nas leprosarias onde se demoravam dias a tratar dos lázaros, em casa de benfeitores devotos ou em qualquer barraco à borda dos caminhos.
Fernando Félix Lopes - O Poverello. São Francisco de Assis

1.
Oitocentos anos se passaram desde que o Altíssimo e Bom Senhor, na história da humanidade e do povo do Senhor em marcha, visitou seu servo Francisco e mostrou-lhe um caminho novo, uma senda antiga que precisava ser trilhada de uma outra maneira. Francisco seria o homem evangélico, homem de um mundo novo. Seus discípulos seriam logo conhecidos como gente de coração mudado, gente penitente. E nós, franciscanos, não concebemos nossa vida a não ser em relação a esse Francisco e a tudo que dele ouvimos desde a nossa juventude. Queremos que os dias do jubileu seja tempo de graça nova.

2. Uma das perguntas que anda sempre de novo aflorando em nossas existências humanas, cristãs e franciscanas, ontem e hoje, é esta: “Quem somos nós?” Sócrates, o velho filósofo, havia forjado o famoso “Conhece a ti mesmo”. Os dois questionamentos se interpenetram e se associam a uma pergunta de Francisco que fazemos nossa: “Senhor, o que queres de mim? Trata-se do tema da identidade, abordado a gosto e contragosto, talvez nos últimos trinta anos. O que ser religioso? O que é ser sacerdote? O que ser casal? O que é ser pai? O que é ser mãe? O que é ser cristão? O que evangelizar? O que é ser franciscano? Parece que tudo está para ser refeito e revisto. Diante das loucas transformações e vertiginosas mudanças há os que questionam tudo. Por vezes, quem sabe, pelo prazer de questionar, pelo modismo de fazer como os outros. Outras vezes, na tentativa de serem fiéis a si mesmos, ao chamado de Deus e à missão que precisam exercer nesse espaço que se chama vida. Nesse tempo da celebração do carisma muitos ângulos do carisma estão sendo objeto de nossa meditação. Quem somos nós, franciscanos? Nesses tempos de retorno à graça das origens tentamos responder a esta questão. Que “expressibilidade” temos no mundo e na Igreja? Ainda hoje os frades escrevem páginas esplendorosas com sua vida dedicada. Mas questionamos a diminuição das vocações e uma certa desmotiivação.

3. Nós, franciscanos, dispersos no meio do mundo, correndo de um lado para o outro, atraídos por mil solicitações, dando nossa colaboração nas paróquias, preparando o capítulo, revendo os passos dados e desejosos de ir adiante, buscamos “nosso próprio’’, aquilo que constitui nossa identidade mais profunda. Quem sou eu? Quem somos nós? Por que continuamos na Ordem? Quais os desafios de nossa Província? Quem somos nós que percorremos os corredores da VOT do Rio, que visitamos as capelas do interior de Concórdia, que dinamizamos a paróquia de São João Batista em São João de Meriti, que atendemos na portaria do Largo de São Francisco em São Paulo, que estamos diante das planilhas do computador ou percorremos os leitos do hospital de Piraquara? Qual é nosso próprio? Certamente, ele não existe em estado puro.

4. Documentos da Ordem, Cartas do Ministro Geral, textos das Conferências Franciscanas, reflexões de frades e a vida dos irmãos nos ajudam a compreender melhor o sentido de nossas vidas e da vida de nossos confrades que foram tocados pela fascinante figura de Francisco. Eventos grandiosos, como o Capítulo das Esteiras, ajudam a colocar questões e transmitem elan. Mas não são suficientes. Será preciso esse labor pessoal. Não podemos fazer a economia do empenho pessoal. Ninguém está autorizado a sentar-se à beira do caminho e esperar que outros lhes dêem soluções para impasses. Os congraçamentos, as festas não enchem o vazio que pode existir no fundo do coração de muitos irmãos. Por que tantos irmãos, depois de pouco tempo de profissão, deixam a Ordem? Necessário será tomar a decisão de voltar ao amor primitivo, ao primeiro élan, aos dias em que dissemos com Francisco: “É isso que eu quero, isso que busco de todo o coração”.

5. Só consegue viver com alegria profunda aqueles que seguem, de verdade, o chamamento e respondem à vocação. Esses são os que “difundem” a alegria de viver o Evangelho, através da singeleza de seu testemunho. Será que os frades da Província são pessoas profundamente alegres?

6. Ter encontrado sua vocação é uma graça. A vocação em si é sempre graça. É uma graça viver e saborear, sem muitas interpretações, sem glosas as palavras de Francisco em sua Regra, no Testamento e nas Admoestações. Quando as lemos com os olhos do rosto e com as vistas do coração sentimos que dentro de nós as cinzas se tornam brasas e temos vontade de reescrever, ainda hoje, com a nossa vida, a aventura fascinante do Evangelho franciscano. Fala-se de uma utopia! Todos guardamos nos cantos do coração a bênção de Francisco no final de seu Testamento. Em nossos antigos capítulos de culpa, realizados às sextas-feiras, com odor de peixe (desculpem evocar estas coisas, tiradas do baú da memória), na imensa vontade de sermos filhos de Francisco, ouvíamos com alegria profunda e esperançosa as palavras do Pai: “Ordeno firmemente por obediência a todos os meus irmãos, clérigos e leigos, que não introduzam glosas na regra nem nestas palavras dizendo: é assim que devem ser entendidas. Mas como o Senhor me concedeu de modo simples e claro dizer e escrever a regra e estas palavras, igualmente de modo simples e sem glosa, as entendais e com santa operação as observeis até o fim” (Testamento, 38-39). Fraternidade e minoridade são aspectos fundamentais do caminho evangélico franciscano. Eles seriam “nosso próprio”. Ao menos dele fariam parte preponderante.

7. O tema da fraternidade, do fraternismo, simplesmente da vida fraterna parece gasto. Por vezes, a leitura de certas páginas sobre o tema chegam a nos irritar. São moralizantes e tacanhas. Como se precisássemos ficar roçando uns nos outros tempo todo... Como se a fraternidade se resumisse a uns encontros mais ou menos “quentes” ou “formais” em torno da mesa, na sala de recreio ou mesmo na hora do ofício! Longe, bem longe de mim, a idéia de minimizar os encontros acima mencionados, instrumentos de afervoramento da vida fraterna, sacramentos de algo maior do que aquilo que mostram. A fraternidade é bem mais do que esses encontros prescritos e previstos. Eles são muletas que devem nos levar a fazer a experiência teologal do fraternismo. Exprimem o que existem e suplicam pelo que ainda não é.

8. “Como todos os sonhos de Deus, a Fraternidade é dom e simultaneamente responsabilidade que interpela nossa responsabilidade. Construir constantemente a fraternidade não é, em primeiro lugar, questão de horários e de estruturas; supõe a acolhimento sincero do apelo do Senhor que nos desenraiza de nossas seguranças e nos coloca a caminho para ousar, com “lucidez e audácia”, viver aqui e agora a utopia da Fraternidade universal em nossa realidade concreta, junto com os irmãos com os quais nos é dado de viver precisamente este hoje” (Projeto do Secretariado para a Formação e os Estudos, OFM, Roma 2008, n.10). Destaque-se a idéia: viver com os irmãos este hoje.

9. Mistério da fraternidade! O frade Jean-François Comminardi, ofm, na revista Évangile d’ aujourd’ hui, n. 217, lembrando o fundamentp teológico da fraternidade, evoca o abismo esplendoroso da Trindade: “A Fraternidade provém diretamente da Trindade! É isso antes de tudo que Francisco diz quando ele se dá e nos dá esse nome, esse título de irmãos. É, associados pelo Espírito a Jesus, o Filho que de fez nosso irmão, que podemos dizer na verdade e juntos: Pai. Não se pode esquecer esta primeira afirmação, a mais fundamental: Cada vez que nos chamamos pessoal e mutuamente de irmãos afirmamos e celebramos nosso ingresso na comunhão trinitária, afirmação maravilhosa, mas também maravilhosamente exigente porque, como acrescenta Francisco na Carta aos Fiéis, retomando uma palavra de Jesus: “Somos verdadeiramente irmãos (de Jesus) quando fazemos a vontade do Pai que está nos céus” (52). E Francisco acrescenta: “Como é glorioso, santo e sublime ter nos céus um Pai!(...) Como é santo e dileto, aprazível, humilde, pacífico, doce, amável e acima de tudo desejável ter tal irmão e filho que expôs a sua vida pelas suas ovelhas (cf. Jo 10, 15) e orou ao Pai por nós, dizendo; Pai guarda em teu nome aqueles que me deste (Jo 17,11) (54 e 56)”.

10. Venha em nossa ajuda Éloi Leclerc : “A vida evangélica não é absolutamente nada disso ( busca de uma fraternidade de puros). Não se trata de sonhar com uma fraternidade ou uma Igreja de pessoas puras, mas aceitar viver com os irmãos, com todos os irmãos. Não só com os justos, mas também com os medíocres e os pecadores. Não só com os sadios, mas também com os doentes e com os estropiados... E no meio de todos, trata-se de testemunhar a imensa paciência de Deus, seu inesgotável perdão e sua graça sempre renovada. Pois este é verdadeiramente o coração de Deus. Quando se dá este testemunho, então começa aqui e agora o Reino de Deus: a luz do Evangelho brilha na obscuridade do mundo (Éloi Leclerc, O Sol nasce em Assis, Vozes Petrópolis, 2000, p. 71).

11. Francisco andava buscando. O seu processo vocacional não foi breve e revelou-se multifacetário. Os estudiosos chamam atenção para vários encontros de Francisco com o Cristo e o Evangelho antes de poder dizer o famoso: “É isso que eu quero, isso que busco de todo o coração” ao ouvir o Evangelho da missão na Porciúncula. Falam, os ditos autores, de um encontro consigo mesmo, com os pobres, com os leprosos, com o Crucificado, com o Evangelho e com os irmãos (cf. El proceso vocacional de Francisciso de Asís, F. Uribe, OFM, in Verdad y Vida 230, 2001, p. 75-100). Francisco olhou para o caminho dos beneditinos. Usou roupa de eremita e cinto de ermitão. Andou triste de um lado para o outro. Pensava que Deus queria que ele fosse pedreiro. Pensou também em ser contemplativo silencioso. Não se encontrou nem cá, nem lá. Estava sempre aberto para descobrir seu caminho. Até que, deixando de procurar, passou a viver.

12. Fundamental é a frase do Testamento que tanto nos marcou e continua marcando: “E depois que o Senhor me deu irmãos, ninguém me mostrou o que eu deveria fazer, mas o Altíssimo mesmo me revelou que eu devia viver segundo a forma do Santo Evangelho” (14). Nesse momento, Francisco se encontrou. Outros preferem dizer que ele foi esclarecido apenas no momento do Evangelho da Missão. Na realidade, a vida não é simples e os caminho que nos fazem chegar a Deus mais complexo ainda. Sublinhemos: o dom dos irmãos. Com a chegada dos irmãos, Francisco se encontrou.

13. O Senhor nos chamou a viver a forma de vida evangélica, não solitariamente, mas numa comunidade de irmãos. Não constituímos um grupo de pessoas que “colaboram” para o bom êxito de um empreendimento. Não somos tocadores de obras, por mais nobres e necessárias que sejam. Não somos apenas pessoas polidas umas com as outras. Somos iguais, somos irmãos, respeitamo-nos profundamente uns aos outros, manifestamos com confiança nossas necessidades, evitamos discussões, murmurações, cólera e julgamentos negativos. Sofremos quando um confrade vive sem atenção num quarto velho no fundo de um corredor sombrio... Prestamo-nos mutuamente humildes serviços, amamo-nos com ternura de mãe. “A fraternidade não é somente, nem em primeiro lugar, uma escola de perfeição ou uma equipe de trabalho apostólico. A fraternidade tem uma razão em si mesma: ser um ambiente onde os irmãos procuram estabelecer relações verdadeiramente interpessoais. A razão de ser de uma fraternidade evangélica é que os irmãos se amem uns aos outros. Ela quer ser uma manifestação visível, uma espécie de sacramento da nova situação do homem , a quem o Senhor concedeu em Jesus Cristo, a possibilidade de amar verdadeiramente todos os homens. Os laços que unem entre os si os irmãos de uma fraternidade evangélica, não são espontâneos como no casal humano. Os irmãos se agrupam para amar-se por causa do Reino de Deus. Querem, desta maneira, manifestar de forma concreta a vocação primeira da Igreja: ser uma comunidade de amor” (Thaddée Matura, OFM, O projeto evangélico de Francisco de Assis, Vozes/CEFEPAL, Petrópolis 1979, p. 80).

14. Para Francisco, a chegada dos irmãos é a confirmação de sua vocação. Para cada um de nós, frades hoje, os irmãos, os frades e nossa vida com eles confirmam nossa vocação. Não existe vocação isolada dos franciscanos. Não existimos sem os irmãos. Não temos apenas que socorrê-los. Necessitamos deles para sobreviver. É nosso próprio. Somos uma fraternidade. A exclusão do irmão ou sua ausência nos faz mal. Não conseguimos ser nós mesmos sem a presença dos irmãos. Perdemos nossa identidade. A presença fraterna se traduz em atenções, acolhida, perdão, respeito, satisfação dada pelas nossas idas e vindas, união de nossa voz com a voz do irmãos na oração, comer juntos o pão da vida, alegria de podermos ir pelo mundo, dois a dois, concordes, dizendo que o amor precisa ser amado, alimentados pela Eucaristia, muitas vezes, concelebrada. Não existe franciscano sozinho.

15. Cada frade precisa ter a certeza de seu chamamento, e assim ir clarificando a questão de sua identidade. E a certeza lhe vem da presença e da pessoa do irmão. Ele é fundamental para que eu possa confirmar minha própria vocação. Essa certeza de que o Senhor nos dá irmãos não acontece ou ocorre uma só vez... O Senhor está sempre dando irmãos. É um ato contínuo, como contínua é a criação e contínua a redenção. A fraternidade se renova ou se atualizada cada dia, cada dia acolhemos, com a alegria a multidão dos irmãos que nos são dados.

16. E quando o irmão peca eu o procuro. Penso nele é claro, quero que saia das trevas, mas penso sobretudo em mim porque se me distancio do irmão, mesmo do pecador, falho em minha própria vocação e não respondo ao chamamento que me foi feito. Minha vocação só se explica com a frase de Francisco: “O Senhor me deu irmãos...” Não existe franciscano sozinho. O irmão é fundamental para que eu continue um cristão franciscano. Ressoa sempre aos nossos ouvidos aquela frase do Gênesis: “Onde está o teu irmão, o que fizeste dele?”

17. O novo documento sobre a formação permanente na Ordem dos Menores, já mencionado anteriormente, insiste: “Marcada muitas vezes por conflitos interpessoais, a Fraternidade aparece como lugar privilegiado para “fazer misericórdia” , para que o negativo se transforme em ocasião de crescimento. A situação de imperfeição das fraternidades não pode nos levar ao desânimo. Somos sempre interpelados pelo exemplo e pela palavra de São Francisco. Na Carta a um Ministro, a delicada situação fraterna é vivida como uma graça, não tanto pelo que ela tem de doloroso (des-graça) mas antes de tudo porque ela oferece ao Ministro a possibilidade de ser misericordioso, podendo desta forma exprimir, como ser humano, a realidade de um ser criado à imagem de Deus. A misericórdia nos faz compreender que não nos é permitido impor tempos e modos de conversão a todos (“Ama-os com tudo isso e não queiras que sejam cristãos melhores” / Carta a um ministro, 7), mas a respeitar os diferentes ritmos dos percursos de cada Irmão e da Fraternidade” (n.12).

18. Podemos voltar a E. Leclerc fazendo afirmações a respeito da verdadeira vocação de Francisco....: “Agora se manifestava com toda clareza a vocação de Francisco. Ela se tornava nítida assumindo toda a sua dimensão. O Senhor não o havia chamado para fundar uma Ordem, mais uma entre muitas outras. Ele próprio jamais havia pensado nisto. Tinha acolhido os irmãos que o Senhor lhe havia dado. Simplesmente isto. Sua verdadeira vocação estava em outro lugar. Ele a via claramente naquele momento. Tratava-se de oferecer ao mundo, além de todas as estruturas, aquela presença total e aquele dom completo que Deus faz de si mesmo a todo momento e a todos os seres. E como era exaltante esta vocação! Francisco podia agora cantar o Irmão Sol que brilha sobre todos com grande esplendor, à imagem de Deus” ( Idem, p.71). Não existe franciscano sozinho.

19. A minoridade (ou minorismo) é outra característica própria dos franciscanos. Até que ponto, realmente, a formação consegue nos colocar nesse espírito querido por Francisco? Há os que descrevem as características dos primeiros frades com a mobilidade apostólica, a pobreza, a fraternidade, a inserção nas cidades. Autores, como Eloi Leclerc, fazem parecer que estas notas estavam presentes também em outros movimentos evangélicos da época... ”Se quisermos caracterizar a experiência franciscana primitiva em sua singularidade, é necessário acrescentar outro traço essencial. Tomás de Celano relata o seguinte fato: “Quando assim escrevia na Regra: E sejam menores, ao proferir esta palavra, naquela mesma hora disse: Quero que esta fraternidade se chame Ordem dos Frades Menores” (1Celano 38). “Frades menores”, essa designação vem iluminar e precisar a idéia que Francisco faz da vida dos irmãos e de sua vocação evangélica na sociedade e na Igreja. Assim se exprime dirigindo-se ao bispo de Óstia: “Senhor, meus frades têm o nome de menores para não desejarem ser maiores. Sua vocação é de ficar embaixo seguindo os passos do Cristo” (E. Leclerc, Francisco de Assis. O Retorno ao Evangelho, Vozes/CEFEPAL, Petrópolis 1983, p.61).

20. Não é aqui o lugar de fazer um tratado sobre o minorismo franciscano. Estamos sempre com a pergunta: Quem somos nós? Qual é nossa identidade? “Foi assim que o Senhor concedeu a mim, Frei Francisco, começar a fazer penitência: como eu estivesse em pecados, parecia-me sobremaneira amargo ver leprosos. E o próprio Senhor me conduziu entre eles, e fiz misericórdia com eles. E afastando-me deles, aquilo que me parecia amargo se me converteu em doçura de alma e de corpo; e, depois, demorei só um pouco e sai do mundo” (Testamento 1-3).

21. Donald Spoto, no seu Francisco de Assis. O Santo Relutante (Objetiva, 2003) afirma, com razão, que o leproso foi o lugar da manifestação, da epifania de Cristo para Francisco. Depois do famoso encontro relatado pelo próprio Francisco e repetido mil vezes pela hagiografia, o Poverello ficou diferente. Começou a “deixar o mundo”, a fazer penitência, a mudar o coração, a ser um penitente de Assis. O cuidado pelos leprosos não significou para ele apenas colocação de gestos de benevolência ou de “caridade”. Spoto compreendeu bem. “Com este único ato de caridade, Francisco, aparentemente transformou-se, pois ao chegar à Umbria não apenas retomou a restauração de São Damião, mas começou também a cuidar dos leprosos, tarefa raramente empreendida por quem quer que fosse. Para isso precisava não apenas mendigar comida em nome deles e alimentá-los, mas também levá-los a um regato ou fonte próxima para lavar as feridas. Em nome de Deus, servia a todos eles com grande amor. Lavava a imundície e até mesmo limpava o pus de suas chagas. Seu carinho, em outras palavras, significava mais do que simplesmente não demonstrar aversão. Significava a disposição de ficar em companhia deles justamente porque eram rejeitados. Significava tomar com estrita literalidade o ensinamento do Evangelho de que cuidar dos necessitados era o mesmo que cuidar do Cristo solitário, moribundo e nu” ( P. 101-102). Francisco não experimenta doçura apenas na oração, mas de modo especial, quando cuida das chagas dos leprosos. Indo na direção dos leprosos, Francisco se dirige a um “santuário” de Cristo, onde ele está presente. Não vai tanto para dar, quanto para receber. Não vai praticar boas obras de caridade, mas se aproxima da fonte da dor de Cristo que mora no leproso.

22. Francisco não fica de braços cruzados. Age. Vai. Toma a iniciativa. No final de sua vida, cercado de certas honras e envolvido nas tramas da “administração” de uma grande Ordem, sentindo um certo desgosto de não ter alcançado o que queria, Francisco se lembrará com saudade do tempo em que os frades eram poucos e ele cuidava dos leprosos. “O frade menor aprende que precisa estar junto do mais pobre, do leproso para estar junto do Mestre. É convidado a “estar junto” e não a “mandar outros” para que venham a estar onde ele, frade menor, deve estar”. Será que nossas obras sociais são marcadas pela alegria de estar junto com o Cristo despedaçados ou também andamos burocratizando esse universo todo?

23. Muitos questionamentos e muitas interrogações. Qual é nosso lugar? Onde estão, de verdade, os leprosos de hoje, “domicílios” do Cristo de São Francisco? Praticamente quais os frades que conseguem encontrar esse Cristo? No momento da re-arrumação das casas, depois do Capitulo, será que muitos frades vão estar junto dos seres mais abandonados que são o “santuário” de Cristo? Ou será que precisaremos sempre cobrir os “buracos”?

24. Uma rica tradição bíblica e medieval afirma que as pessoas que se aproximaram carinhosamente da miséria entraram num caminho de conversão. Spoto vê em Teresa de Calcutá uma buscadora de Cristo nos leprosos de hoje. “Após a Segunda Guerra Mundial, a filha de um quitandeiro albanês chamada Agnes Bojaxhiu resolveu tratar os doentes pobres de Calcutá, simplesmente ficando em companhia deles, para que não morressem sozinhos, sem o calor de um abraço humano. Mais tarde, conhecida como Madre Teresa, ela afirmou, ao receber o Premio Nobel da Paz: “Escolhi a pobreza de nossos miseráveis. Mas estou grata em receber o dinheiro do prêmio em nome dos famintos, dos nus, dos desabrigados, dos aleijados, cegos e leprosos, de todos aqueles que se sentem indesejados, sem amor e sem carinho na sociedade – aqueles que se tornaram uma carga para a sociedade e que são rejeitados por todos” ( p. 102-103)” . “Cuidando dos rejeitados do mundo, Francisco começava a ascender à genuína nobreza que buscava, que seria descoberta não nas armas, ou em títulos e batalhas, glórias ou desafios. A honra não estava na companhia dos mais fortes, dos mais atraentes, dos mais bem vestidos ou mais seguros da sociedade, mas entre os mais fracos, os mais desfigurados, os que estavam marginalizados, dependentes e desprezados” ( p. 104). Francisco, cuidando dos leprosos, se aproximou do Cristo desfigurado e o Pai seráfico necessitava dos necessitados como ponto de encontro com o mistério de seu esposo, Cristo Jesus.

25. A Ordem está preocupada. O Documento sobre a formação, já citado, diz ao número 22: “Jesus Cristo é o paradigma da minoridade, ele que se despojou tomando a condição de servo e tornando-se semelhante aos homens, Animados pelo mesmo espírito de fé, os irmãos aprenderão a partilhar as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo optando por viver, por amor a Cristo que se deu inteiramente, entre os que habitam os lugares de “ruptura” (n.22).

26. Ao concluirmos estas reflexões retomamos o final do Testamento do Pai todo seráfico: “E todo aquele que estas coisas observar seja repleto no céu da bênção do altíssimo Pai e na terra seja repleto da bênção de seu divino Filho com o Santíssimo Espírito Paráclito e com todas as virtudes dos céus e com todos os santos. E eu , Frei Francisco pequenino, vosso servo, quanto posso vos confirmo, interior e exteriormente esta santíssima bênção”. E nós, jovens noviços, estudantes de filosofia ou de teologia, comíamos a frugal refeição das sextas-feiras pensando no céu que nos esperava se fôssemos fiéis a Francisco.


Fonte: http://www.franciscanos.org.br/v3/capitulo/noticias/especiais/almir003.php

Santo António na religiosidade popular

Introdução

Santo António é um santo de projecção universal, sendo, muito provavelmente, o mais popular de todos os santos. Igrejas e capelas dedicadas a Santo António, imagens em grande parte das igrejas e nas casas particulares, azulejos e pinturas, cânticos, festas e peregrinações dão ideia da grande devoção popular a Santo António, que hoje atravessa todas as idades e todas as classes sociais, em todo o mundo.

Contudo, o culto de Santo António, ainda que se tenha mantido sem interrupções desde o século XIII em Portugal, na Diocese de Pádua e dentro das Ordens Franciscanas, só começou a estender-se a todo o mundo a partir do século XV, com o florescer da Observância entre os Frades Menores.

De cónego Agostiniano a frade Franciscano

A vida de Santo António é muito conhecida, uma vez que vários estudos de relevo lhe têm sido dedicados[1], pelo que nos limitaremos a alguns traços ligeiros, que nos parecem mais significativos para compreendermos a afeição popular por este Santo.

António é um intelectual do seu tempo e o Primeiro Doutor da Ordem Franciscana. Mas esta qualidade é pouco conhecida pelo povo, apesar de ter sido declarado Doutor da Igreja, em 1946, mediante a bula Exulta, Lusitania felix, de Pio XII.

Filho de ricos comerciantes portugueses, recebeu no Baptismo o nome de Fernando Martins de Bulhões. Nasceu em Lisboa, entre 1191 e 1195[2], cerca de 50 anos depois do nascimento da nação portuguesa e no decurso da reconquista cristã do território ao domínio muçulmano. A sua história deve ser vista nesse ambiente de expulsão dos muçulmanos e, ao mesmo tempo, de emergência de uma nova nação. Vive os primeiros anos da sua vida a dois passos da Catedral de Lisboa, onde frequentou os primeiros estudos, nas aulas de Gramática. Próximo dali, a cerca de um quilómetro, fica o Mosteiro de São Vicente de Fora, dos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho. Com cerca de 15 anos de idade, Fernando pediu aos pais que o deixem entrar no Mosteiro e aí fez o noviciado. Depois, cerca dos 19 ou 20 anos, foi terminar a sua formação intelectual em Santa Cruz de Coimbra, onde foi Ordenado Sacerdote. Em Coimbra teve a oportunidade de conhecer os Frades Menores de São Francisco, que viviam no eremitério de Santo Antão, nos Olivais, sobre uma colina, a Nordeste da cidade. Por essa altura, passaram por Portugal a cominho de Marrocos, cinco Frades Franciscanos, para aí pregarem a fé cristã. Mal recebidos em Marrocos, acabaram por ser barbaramente martirizados.

Este facto foi crucial no despertar da vocação franciscana em Fernando de Bulhões. A passagem solene, pelas ruas da cidade de Coimbra, dos corpos dos cinco Frades martirizados em Marrocos, fez nascer nele o mesmo ideal[3]. Podemos dizer que, nesse dia, o desejo de encontrar a morte pelo martírio desprendeu-o de tudo: das suas raízes, da sua vocação monástica e da quietude do Mosteiro, dos estudos, da ciência. Tinha cerca de 30 anos. Pediu para entrar na Ordem dos Frades Menores e aí recebeu o nome de António, sendo-lhe concedida imediata permissão para partir para o norte de África[4].

Aí desembarcou, no Inverno de 1220. Mas, uma persistente doença obrigou-o a voltar para a Portugal. No regresso, o navio que do Norte de África vinha para Lisboa, foi desviado por uma violenta tempestade e foi parar às costas da Sicília, na Itália. Estávamos no começo da Primavera de 1221. O religioso português foi recolhido pelos seus irmãos Franciscanos italianos, que o levaram para a cidade de Messina, devolvendo-lhe, com os seus cuidados, a saúde corporal.

No final de Maio, desse mesmo ano, realizava-se em Assis o Capítulo Geral da Ordem dos Frades Menores, para o qual todos os religiosos eram convidados. Foi aí que António conheceu Francisco de Assis. Terminado o Capítulo, seguiu para o pequeno eremitério de Montepaolo, perto de Forli, no Norte de Itália, onde estavam seis Frades. É-lhe dado o encargo de presidir à celebração da Santa Missa para os seus irmãos e ajudar nos trabalhos domésticos. Desejando preservar a humildade, António nunca revelou seus conhecimentos e raramente era visto com livros, além do breviário e do missal.

Na cidade de Forli havia um convento de estudos da Ordem de São Domingos. Em setembro de 1222, os Dominicanos convidaram os Franciscanos para participarem na cerimónia das Ordenações sacerdotais naquele convento. Na hora própria, o superior dos Dominicanos dirige-se aos Franciscanos, a fim de que um deles fizesse a pregação. O Superior do eremitério de Montepaolo pede ao irmão António que suba ao púlpito e diga «tudo o que lhe seja sugerido pelo Espírito Santo». As primeiras palavras foram simples, mas, em seguida, tornam-se firmes, seguras e convincentes, a ponto de impressionarem todos os presentes. A notícia deste facto percorreu toda a região e, em pouco tempo, António foi nomeado pregador oficial da Ordem.

Na época de António, desenvolveram-se alguns movimentos heréticos, entre os quais estavam os Cátaros, isto é, puros, e os Albigenses, que renovavam as antigas correntes gnósticas e maniqueístas. Com a sua pregação, António irá defrontá-los, procurando contrapor-se às suas doutrinas. O conhecimento profundo das Escrituras dava às suas palavras uma autoridade invulgar, lançando no coração de ouvintes raízes tão fundas, que a todos arrebatava e reconduzia à verdade. Tanto pregou no Norte da Itália, como no sul da França, onde se destacam Montpellier, Le Puy, Arles, Toulouse, Limoges, Bourges, entre outras cidades.

O seu ofício de pregador valeu-lhe o título de «Arca do Testamento», mas António foi também director de estudos e professor de teologia. Segundo algumas fontes, o próprio São Francisco o teria incumbido dessas funções[5]. Em Bolonha fundou e dirigiu a primeira escola da Ordem Franciscana.

As suas biografias mais seguras, ocultam-nos pormenores acerca deste período da vida do pregador António. Só no fim do século XIII, D. Jean Rigaud, bispo da Bretanha, procurou ordenar os factos lendários preenchendo as lacunas da vida do Santo. Desta forma, a fama de Taumaturgo provém sobretudo dos escritos deste bispo, que ficaram conhecidos com o nome de «Rigaldina»[6].

Em 1226, foi nomeado Custódio dos Frades Menores da região de Limoges e, em 1227, é nomeado Superior Maior da província da Romagna, que abrangia todo o norte da Itália. António exerce esse cargo até Maio de 1230 e segue para Pádua, pregando sucessivamente nas 55 igrejas da região. Em fins de 1231, com a saúde muito abalada, António retira-se para o castelo de Camposampiero, próximo de Pádua. Ali, escreve e revê os seus Sermões, dedicando longas horas à meditação espiritual.

Um dia, estando em Camposampiero, sente-se mal à mesa e pede a um dos irmãos que o leve imediatamente para Pádua. No caminho, sentido-se desfalecer, teve de ficar no mosteiro das clarissas, em Arcella. António só tem tempo para se confessar e receber a unção. Morreu dizendo: «Vejo o meu Senhor». Era o dia 13 de Junho de 1231.

Origem da devoção antoniana

A paixão popular pela figura de Santo António não é algo que tenha ocorrido somente depois da sua morte, ao contrário, António alcançou verdadeira fama de santidade ainda durante a sua vida terrena.

A paixão popular por Santo António

Depois de ter dado a conhecer os seus dotes oratórios em Forli, António dedicou o resto da sua vida, quase sempre, à pregação popular, atraindo sobre si, a atenção de todo o povo. Três elementos explicam o seu sucesso: em primeiro lugar, o fascínio da sua santidade e autoridade moral; em segundo lugar, a extensão e profundidade da sua cultura, acompanhada por um invulgar poder de comunicação, segundo as regras da Retórica do seu tempo; e, em terceiro lugar, a sua magnífica figura física[7].

O testemunho da «Primeira Legenda» reforça a fama do pregador ímpar, dizendo que:

«Homens de todas as condições, classes e idades alegravam-se de ter recebido dele ensinos apropriados à sua vida».

A propósito da última Quaresma pregada em Pádua, informa-nos que:

«Vinham multidões quase inumeráveis de ambos os sexos das cidades, castelos e aldeias de à volta de Pádua, todos sequiosos de ouvir com a maior devoção a palavra de vida». Mais adiante: «Estavam presentes velhos, acorriam jovens, homens e mulheres, de todas as idades e condições, vestidos como se fossem religiosos, o próprio Bispo de Pádua [Tiago de Corrado] e o seu clero».

Segundo a mesma «Legenda Prima», chegavam a reunir-se, para escutar o Santo, «perto de trinta mil homens», todos no mais respeitoso silêncio, de «ânimo suspenso e de orelha virada para aquele que falava». «Os negociantes fechavam o comércio e só o reabriam depois de terminada a pregação».

O resultado de tal pregação na última Quaresma da sua vida terrena vem assim descrito no capítulo 13 da legenda «Assidua»:

«Tentava reconduzir à paz fraterna aqueles em que reinava o ódio»

«lutava pela restituição de usuras e de bens obtidos por violência»

«afastava as prostitutas do seu infamante modo de vida»

«convencia os ladrões famosos pelos seus malefícios a não tocarem no alheio».

O nascimento de um santo

Dada a sua fama de santidade, no dia da sua morte, todos queriam fazer-se guardas dos restos mortais. As freiras Clarissas do Mosteiro onde morreu, de acordo com os Franciscanos de Arcella, tentaram ocultar o seu falecimento. Mas, as crianças de Arcella, ao saberem da notícia, saíram por todos os lados a gritar: «Morreu o Santo! Morreu o padre Santo». O povo da região acorreu todo a Arcella. Como a última vontade do Santo tinha sido ir para Pádua, o seu corpo acabou por ser para aí conduzido, 4 dias depois da sua morte, no dia 17 de Junho de 1231, que era uma Terça-feira.

A devoção por aquele homem, verdadeiramente eleito pelo Céu, era geral. Todos queriam estar junto, tocar de alguma forma o corpo de António, já canonizado pelo povo em vida e logo nos primeiros dias após a sua morte. Dizem os biógrafos que os primeiros milagres surgem no dia do enterro, em Pádua[8]. Nos dias seguintes, toda a gente se encaminha para o túmulo do bem-aventurado António, de pés descalços, a fim de obterem graças do céu por seu intermédio. «Acorrem os venezianos, apressam-se os tervisinos, notam-se pessoas de Vicenza, lombardos, eslavónios, da Aquileia, teutónicos, húngaros»[9]. Este é o primeiro mapa do culto antoniano.

Os populares de Pádua, representados pelas autoridades civis e religiosos, apresentaram na Cúria Pontifícia, então em Rieti, uma delegação a pedir a canonização do irmão António. O processo foi aberto no início de Julho de 1231, ainda não tinha passado um mês da morte do Servo de Deus. E a cerimónia de canonização ocorreu no dia 30 de Maio de 1232, solenidade do Pentecostes, na catedral de Espoleto. Em menos de um ano o processo ficou concluído[10]. O nome de António foi inscrito no catálogo dos Santos, pela bula da canonização Cum dicat Dominus, que manda celebrar a sua festa todos os anos, no dia 13 de Junho.

A devoção espalha-se por todo o mundo

O fascínio exercido por António durante a sua vida terrena como pregador itinerante, sábio e santo espalhou-se após a sua morte e canonização, sobretudo na Itália do Norte e na França do Sul. No entanto, este fenómeno levou dois séculos a atingir o resto da cristandade. Além dos paduanos, Santo António começou por ser venerado, pela Europa, nos conventos, eremitérios e igrejas onde os Frades Menores estavam estabelecidos. A Portugal a fama da sua santidade só chegou depois da sua canonização. Mas conta-se nas «Florinhas de Santo António»[11] que no mesmo dia em que o Papa Gregório IX canonizava Santo António em Itália, em Lisboa os sinos de toda a cidade tocaram, sem que ninguém os estivesse a tanger. Pouco tempo depois, a notícia chegou à capital portuguesa e a cidade dedicou a Santo António o Altar-mor da Catedral e começou a celebrar-se todos os anos com grande solenidade o dia 13 de Junho.

Assim, durante os séculos XIII e XIV, Santo António é venerado em Lisboa, sua cidade natal e nalguns mosteiros portugueses dos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho, com os quais estudou e viveu, professando a mesma forma de vida, antes de se fazer Franciscano. É venerado também na diocese de Pádua e nas igrejas franciscanas, um pouco por todo o lado.

No século XV, o movimento dos espirituais, que se emancipava dentro da Ordem dos Frades Menores, levou Santo António para outros lugares da Europa, onde ainda não era conhecido, o que contribuiu decisivamente para aumentar o culto e veneração a este Santo. Nos séculos XVI, XVII e XVIII, as viagens marítimas dos navegadores portugueses, espanhóis e italianos levaram a sua fama às terras de África, América e Ásia. Normalmente as expedições marítimas contavam com a presença de alguns missionários, que, quando eram Franciscanos, se encarregaram de implantar a devoção antoniana nas terras onde desembarcavam.

O aparecimento da imprensa não só veio contribuir para a divulgação em larga escala da sua vida. As pinturas e esculturas dos artistas mais célebres foram reproduzidas em gravuras e, multiplicadas aos milhares, eram distribuídas nos santuários antonianos mais importantes, para responderem ao desejo dos devotos.

Por ocasião das comemorações do sétimo centenário, na última década do século XIX, Santo António atinge o máximo da sua popularidade. Nesta ocasião, para além das outras manifestações de piedade começou a sublinhar-se o aspecto social do Santo. A bênção do pão de Santo António e a sua distribuição aos pobres generaliza-se por todos os países, o que faz com que quase todas as representações do Santo feitas no século XX o apresentem com um Alforge de pão para distribuir aos pobres, embora conservem outros símbolos tradicionais.

Iconografia antoniana

Na igreja a que nós, os Franciscanos Capuchinhos, damos assistência em Coimbra (igreja de Santa Justa) está uma imagem de Santo António e, diante da mesma, do outro lado está a imagem de outro santo que se veste da mesma maneira, mas que não é São Francisco. Há dias, duas jovens senhoras floristas, que vinham fazer um estudo dos altares para poderem prepararem os arranjos de flores para um casamento, que se ia celebrar na nossa igreja, estavam muito intrigadas a olhar para o outro Santo. E perguntaram-me: «Que Santo é aquele?». E eu respondi-lhes com outra pergunta: «E este aqui, quem é?» Elas responderam-me: «É Santo António». «Porque?», perguntei eu. «Porque tem o menino ao colo e o pão dos pobres na mão». «Pois aquele além ¾ disse-lhes eu ¾ que tem as mãos abertas e nas mãos os sinais das chagas, é São Francisco. Como tem o mesmo hábito, para se distinguir de Santo António, puseram-lhe um ar mais triste, barba e remendos nos joelhos». E as senhoras lá seguiram todas contentes, não por ficarem a conhecer São Francisco, mas porque lhes tirei a ideia de que na nossa igreja havia dois Santos António, um dos quais, sem livro, sem menino e sem alegria.

Pela descrição que vos fiz do nosso Santo António, que vos parece, de que século é? ¾ É uma imagem muito querida, datada de 1947, de Manuel Tedim, um autor que para mim é um dos melhores escultores de Santo, do século XX, em Portugal.

Para distinguir os santos uns dos outros, a hagiografia servia-se de determinados símbolos, que se relacionam com as qualidades ou o que é mais característico em cada Santo, segundo a história ou a lenda que envolve a sua vida. Desde as primeiras imagens realizadas, Santo António sempre foi representado vestido de franciscano, quase sempre de pé. Mas, para não se confundir com São Francisco de Assis, igualmente vestido de hábito castanho e cuja devoção estava largamente difundida, a sua face surgia quase sempre como a de um jovem, alegre ou pensativo, sem barba. Na mão esquerda costuma ter um livro, como alusão à sua vasta sabedoria, enquanto a mão direita faz um gesto explicativo, como alusão ao pregador. Noutras imagens, na mão direita é colocado um lírio, sugerindo a pureza e castidade; ou uma cruz, símbolo da fidelidade a Cristo. Também aparece com uma chama de fogo na mão direita, símbolo da caridade; ou um coração, com ou sem chama, para nos lembrar que, apesar de franciscano, ele é um discípulo de Santo Agostinho de Hipona. O Menino Jesus, expressão do seu amor por Deus Menino ¾ que uma tradição antiga diz lhe ter aparecido em Camposampiero pouco antes da sua morte ¾ começa a surgir na iconografia antoniana no século XV[12]. A figura do menino foi tão bem aceite que, a partir de então, Santo António nunca mais a dispensou, obrigando os artistas a verdadeiros exercícios de equilibrismo, fazendo sentar o menino sobre o livro que Santo António também não gosta de esquecer. Em Portugal, o Santo também aparece vestido com o hábito de Cónego Regrante de Santo Agostinho. Na Bélgica algumas representações de Santo António salientam o seu carácter sacerdotal, apresentando-o vestido com os paramentos da Eucaristia.

Devoção antoniana em Portugal

Portugal é palco de um fenómeno peculiar no que toca à religiosidade popular antoniana. Não podemos negar a influência que os Frades Franciscanos tiveram na sua implantação e divulgação, mas o povo da cidade natal de Santo António, desde o início, viu o Santo como um dos seus e o seu culto, como algo que lhe pertencia. Em Lisboa, depois da canonização, em 1232, dá-se um fenómeno a que eu chamaria de apropriação popular de Santo António. Ao saberem que um dos seus vizinhos tinha sido canonizado pelo Papa Gregório IX, os habitantes do bairro de Alfama rejubilaram e começaram a chamar-lhe o seu Santo. A lentidão das comunicações entre Itália e Portugal fez com que os pormenores da vida do Santo chegassem a Portugal muito tarde, o que favoreceu o nascimento de um culto espontâneo, original e livre. Hoje em dia, o povo conhece minimamente a vida do Santo, mas continua a dar mais importância aos relatos de milagres e episódios lendários, e não tanto à sua vida histórica. Quando se tem no Céu um Santo que nasceu no nosso Bairro, com o qual alguns estudaram Gramática na escola da Catedral e viram crescer até aos 15 anos, é normal que se trate como um amigo muito querido e especial. Por um lado, era a ele que se dirigiam todas os pedidos de socorro e, por outro lado, a ele passaram a ser atribuídas todas as curas e favores, para os quais a ciência da Idade Média não encontrava explicação. Por todos e para tudo era invocado. Deste modo, a mais sincera piedade popular, que com fé lhe rogava protecção, começou por ver no Santo um Taumaturgo omnipresente e quase omnipotente.

Fernando Félix Lopes, conhecedor profundo das entranhas da alma do povo português, explica que os lisboetas, acostumados a recorreu ao Taumaturgo e por ele serem prontamente atendidos, «porque com ele tratavam cada dia, cada hora, o Santo ficou tão de todos, tão da nossa casa portuguesa, que quase se lhe perdeu o respeito. Na ânsia de o termos perto, o apeamos do seu altar e o trouxemos para a nossa vida a viver connosco, a cantar a nossa alegria, a chorar as nossas lágrimas, a correr os nossos folguedos e trabalhos. Não foi irreverência: foi confiança que tomamos ao Santo do nosso sangue»[13].

Hoje, esta apropriação popular de Santo António é reflexo da mesma confiança. Muitas fachadas das casas têm um painel de azulejos com a sua imagem. Como protector das famílias, aparece dentro das casas, sobre pequenos altares, acompanhado de velas e flores. Nos estabelecimentos comerciais, é frequente encontrarmos o Santo, em lugar de destaque, dentro dos mercados, dos comércios, das farmácias, das padarias, drogarias, entre outros. Aqui ele vela pelos bons negócios dos seus proprietários. Entre os marinheiros portugueses, sobretudo os da região de Lisboa, tornou-se comum levarem uma imagem do Santo António na embarcação, para os proteger contra as forças marítimas, talvez, por ele ter sido vítima de uma tempestade, que o empurrou para as costas da Sicília. Em séculos passados, perante o perigo, ao mesmo tempo que o invocavam, esses marinheiros mergulhavam a sua imagem de cabeça para baixo, para serem mais rapidamente atendidos.

Portanto, todo o país conhece Santo António e ele está presente, de um modo geral, na vida eclesial, social e pessoal portuguesa, como patrono de Paróquias, Províncias Religiosas, casas religiosas, edifício públicos, casas particulares, avenidas, ruas, praças, terrenos agrícolas, embarcações, etc. A sua imagem figurava já numa colecção de selos de 1895, em comemoração do 7º centenário do seu nascimento e circulou em Portugal uma nota de 20 escudos, com o seu busto e a Casa-Igreja de Santo António, em Lisboa.

Muitas são também as pessoas que adoptam o seu nome para baptizarem os filhos, confiando-os à sua protecção durante toda a vida. Esta tendência criou raízes no século XVI, uma vez que, na Idade Média, o nome «António» era muito pouco utilizado. Na região de influência do Mosteiro de Alcobaça, por exemplo, por o nome «António» passou a ser o nome masculino mais comum nesse tempo, surgindo também o antropónimo feminino, «Antónia», para as meninas[14]. A Este facto, não é alheia a transformação da casa dos pais de Santo António em Igreja, no século XV, o que a tornou imediatamente um lugar de peregrinação, não só para os lisboetas, mas, a pouco e pouco, para todo o país.

No terramoto de 1755, a Casa-Igreja de Santo António foi destruída, salvando-se apenas a imagem do Santo e a cripta, onde se conserva o lugar que dizem ter sido o quarto de Santo António. A reconstrução que se seguiu deu lugar à Basílica actual, que conserva uma passagem, através da sacristia, para o quarto do Santo, no piso inferior. Nenhum devoto dispensa contemplar com os seus olhos esse lugar e aí permanecer uns momentos em silêncio e oração. Em Lisboa, em paralelo com a relíquia, mais que a imagem do Santo, é venerado este espaço simbólico, de dimensões reduzidas. A esse local acorrem, durante todo o ano, milhares de peregrinos e turistas curiosos, vindos de todo o mundo.

A imagem de Santo António está presente em quase todas as igrejas portuguesas, as quais, quando o não têm como patrono, lhe dedicam um altar. Normalmente a festa do dia 13 de Junho não é esquecida e onde não se criou essa tradição, a imagem do Santo é integrada nas procissões e festas principais das paróquias.

Se exceptuarmos os santuários mais importantes e algumas igrejas dos Frades Franciscanos, diante da imagem de Santo António não se celebram actos de devoção de carácter colectivo, ao longo do ano. Ou seja, na grande maioria dos casos, a religiosidade popular antoniana é privada. As pessoas dirigem-se ao Santo quando necessitam a sua ajuda e agradecem-lhe as suas graças com a oferta de velas, flores e dinheiro para os pobres. Pelo contrário, em algumas igrejas ligadas aos Religiosos Franciscanos, na Casa-Igreja de Santo António, em Lisboa, e no Convento de Santo António dos Olivais, em Coimbra, mantêm-se vivas as Terças-Feiras Antonianas, lembrando o dia do solene funeral do irmão António, que, como acima se refere, aconteceu no dia 17 de Junho de 1231, uma Terça-Feira[15].

A festa anual é celebrada com maior ou menor solenidade em todo o país, unindo à parte religiosa a componente lúdica e folclórica. Lisboa é, sem qualquer dúvida, o local onde os festejos são mais solenes e mais vistosos, mas para termos uma panorâmica mais abrangente, além de Lisboa, vejamos também dois lugares onde os Franciscanos Capuchinhos vivem e trabalham em Portugal: Coimbra e Barcelos.

Lisboa

Na Casa-Igreja de Santo António festeja-se o dia 13 de Junho com enorme solenidade. Durante o dia celebram-se várias Eucaristias, desde a manhã até à noite, e em todas elas é benzido o pão de Santo António[16]. Fora da igreja os devotos compram quanto pão desejam, sabendo que o produto da venda será entregue ao Orfanato antoniano de Caneças, de onde vem esse pão. Nesse local vendem-se também devocionários, livros alusivos à vida do Santo, objectos religiosos, estampas, medalhas e imagens. O dinheiro obtido reverte em favor dos mais carenciados. Durante todo o ano, às Segundas-Feiras, depois da missa da tarde é distribuído pão aos pobres, com uma pequena ajuda em dinheiro.

A eucaristia mais solene no dia de Santo António, é a do meio-dia, para a qual é convidado o Sr. Cardeal Patriarca de Lisboa. À tarde, faz-se a procissão com o Santo, que percorre as ruas antigas do Bairro de Alfama. Além das autoridades religiosas e civis da cidade, nela se integram os Frades Franciscanos, as irmandades de Santo António, a Ordem Franciscana Secular, as crianças do Orfanato de Caneças e uma multidão de devotos. Por onde passa a procissão, as pessoas adornam as janelas das casas com colchas e lançam pétalas de flores, no momento em que passa a imagem do Santo. Ao longo do percurso, as imagens de outros Santos do Bairro de outras capelas, esperam a chegada de Santo António, para serem incorporados na procissão, que chega a ter vários quilómetros. Como preparação para a festa realiza-se uma Trezena, que concentra várias dezenas de devotos, duas vezes ao dia, na Casa-Igreja do Santo.

Não se usa benzer as crianças, como se faz noutros países, mas elas também participam nas festividades. Além de se incorporarem na procissão, às vezes vestidas como o Santo, durante os 13 dias anteriores à festa, constroem tronos com pequenas imagens do Santo e pedem às pessoas que passam: «Uma moedinha para Santo António». Algumas, levam esse dinheiro à igreja, para ser entregue aos pobres, outras compram guloseimas, agradecendo ao Santo esses momentos deliciosos de satisfação. Este costume das crianças pode ser observado um pouco por todo o país.

Independentemente das celebrações litúrgicas, cada Bairro da cidade antiga organiza a sua festa em honra de Santo António. Edificam-se tronos para colocar a imagem do Santo, normalmente de terra cota. Enfeitam-se as ruas com arcos coloridos de flores de papel e balões acesos à noite. Há música e bailes todas as noites. Comem-se sardinhas assadas, bebe-se vinho tinto, salta-se a fogueira de Santo António e cantam-se quadras a Santo António. Algumas dessas quadras populares são espetadas nos manjericos como pequenas bandeiras, encimadas por um cravo, para se oferecerem à pessoa amada.

A noite do dia 12 é, para a festa civil, o momento mais importante. O ambiente convida toda a cidade a sair à rua. Cada bairro vai em grupo em direcção ao centro da cidade. As pessoas vão cantando e marchando ao som da música, que as acompanha. Cada par leva um pequeno arco de flores de papel, com um balão e, às vezes, a imagem de Santo António ou outro motivo alegórico. São as marchas de Santo António. Há já muitos anos, estas marchas tornaram-se um concurso entre bairros, ganho pelo Bairro que apresentar a melhor marcha popular, a melhor música e letra da canção, a melhor coreografia e o melhor vestuário. À meia-noite, o fogo-de-artifício marca a chegada do dia 13 de Junho, o dia da festa. Têm início, então, os bailes em cada um dos Bairros mais antigos da Cidade.

Coimbra

Em Coimbra a tradição é muito semelhante, motivo pelo qual daremos destaque ao que lhe é mais característico.

O dia 13 é preparado por uma Trezena, que se realiza na Igreja de Santo António dos Olivais, local onde antes se erguia a ermida de Santo Antão e onde Santo António se tornou Franciscano. Todos os dias os devotos se reúnem para celebrar a Eucaristia, às 18h30, participar nos actos de piedade em honra de Santo António e receberem a bênção com a relíquia de Santo António. Durante esse dia, o espaço livre à frente do santuário é ocupado por comerciantes ambulantes, o que dá ao ambiente um colorido especial. No dia da festa, a Eucaristia solene, para a qual é convidado o bispo local, celebra-se actualmente não na Igreja e Paróquia de Santo António dos Olivais, mas no Mosteiro de Santa Cruz, onde Santo António viveu como Cónego Regrante de Santo Agostinho. Ainda hoje se pode ver aí uma belíssima imagem do Santo vestido com o hábito de cónego agostinho. No fim da celebração, são benzidos os pãezinhos de Santo António e só depois distribuídos às pessoas. As ofertas recolhidas revertem em benefício dos pobres. Os devotos recebem o pão não só como alimento bento, mas também para conservar em casa, como uma presença viva do Santo, às vezes conservada para comer numa hora de sofrimento físico ou espiritual.

Pela tarde, a procissão de Santo António, percorre algumas ruas de Coimbra, partindo da igreja de Santo António dos Olivais e a ele voltando. As manifestações civis, porém, não alcançam a exuberância da cidade de Lisboa.

Barcelos

Na igreja de Santo António, em Barcelos, no Norte de Portugal, os Franciscanos Capuchinhos benzem e distribuem o pão de Santo António na primeira Eucaristia da manhã, do dia 13 de Junho. A cada devoto é entregue, não um pequeno pão simbólico, mas um pão grande, com mais de quilo, que é consumido nesse dia pela família, para todos receberem as graças de Santo António durante o ano. Apesar de se celebrar a Eucaristia com grande solenidade, não é feita qualquer preparação durante os dias que a antecedem. Mesmo assim, há sinais externos que manifestam a proximidade das festas, como a construção de um grande Trono de Santo António, junto à igreja, convidando os devotos a entrar.

No dia anterior, realiza-se a parte lúdica da festa, onde temos o Concurso das Marchas de Santo António, disputado entre Bairros [ou grupos], jogos tradicionais, música, vendedores ambulantes e fogo-de-artifício. Infelizmente, há já alguns anos foi abandonada a procissão pelas ruas da cidade.

Em Barcelos, como noutras zonas do país, algumas pessoas invocam Santo António como patrono dos animais, confundindo-o com Santo Antão Abade. Como os lugares que envolvem a cidade são ainda bastante rurais, os devotos pedem-lhe que proteja os seus animais e os livre de doenças. Parece que Santo António não se incomoda com isso e é frequente encontrarmos pequenos porcos, ovelhas e bois de cera aos seus pés, em sinal de agradecimento dos favores que o santo presta.

Outras peculiaridades da devoção antoniana

Em Portugal, como em todo o mundo, considera-se Santo António extraordinário advogado das coisas perdidas. A devoção enraíza-se no poeta músico Frei Juliano de Espira, que cerca de 1235, compôs o ofício litúrgico de Santo António e nele deixa ler o célebre responsório: Si quaeris miracula (Se milagres quereis)[17].

Desde há um século a esta parte, Santo António tornou-se um especial advogado de bons casamentos. Como santo casamenteiro, «não admira, pois, que a principal clientela de devotos de Santo António se recrute entre o elemento feminino: raparigas solteiras à espera de noivo, mulheres solteironas desesperadas para o encontrar, ou viúvas não querendo ficar esquecidas, e até as casadas [...], na esperança de fazerem voltar um marido infiel, ou afastar uma concorrente indesejável»[18]. A deduzir de afirmações de vários estudiosos, esta faceta antoniana é exclusiva do mundo lusitano[19]. Antigamente, quando uma moça queria encontrar um noivo, colocava o seu pedido num papel debaixo da imagem, que tinha no altar lá em casa. Se o Santo demorasse muito, ou se o noivo não lhe agradasse, virava o Santo para a parede, até que o noivo fosse o desejado[20].

Uma das características singulares da figura de Santo António em Portugal, que se estendeu a alguns países de língua e influência portuguesa, é a sua carreira militar. Durante as guerras da restauração da independência, Santo António foi várias vezes invocado para se obter a vitória face aos exércitos espanhóis. Em 1688, assentou praça no 2º Regimento de Infantaria, em Lagos, por alvará de D. Pedro II. Em 1683, foi promovido a Capitão, em atenção aos seus bons serviços militares, sendo-lhe atribuído um salário de dez mil reis. Em 1814, no contexto das invasões francesas, D. João VI promoveu-o a Tenente-Coronel de Infantaria. Nesta época, a carreira militar de Santo António estendeu-se de Portugal ao Brasil, a Angola, a Moçambique, à Índia, a Macau e a Timor Leste. Ainda hoje, nestes países, Santo António é conhecido como militar de carreira[21].

Existem, em Portugal, várias Associações Antonianas e irmandades, com fins sócio-caritativos, promovendo a assistência aos pobres e orfanatos. As irmandades de inspiração antoniana são hoje formas vivas e articuladas de devoção. No que diz respeito à sua origem, cada uma delas tem a sua história particular de piedade. Mas, no que diz respeito à finalidade, todas elas convergem em quatro pontos: são sociedades que promovem a mútua ajuda entre os seus membros; o socorro dos pobres; a promoção espiritual e moral dos associados, através de práticas religiosas e do testemunho pelo exemplo e boas obras e a difusão do culto a Santo António.

Em síntese, a situação da devoção antoniana em Portugal continua viva e profundamente enraizada no coração dos devotos, embora tenhamos de admitir que Santo António é mais propriedade do povo e não tanto dos Franciscanos ou da Igreja. Mesmo aqueles que se dizem cristãos não praticantes, conservam em suas casas ou nos seus estabelecimentos comerciais uma imagem do Santo, reclamando dele a protecção sobre as famílias, as casas e os negócios. Onde se criou a tradição de celebrar Santo António, o dia 13 de Junho, nunca é esquecido pelo povo. Mesmo que o Pároco não celebre com grande solenidade esse dia, os devotos ou simpatizantes fazem-lhe a festa com grande alegria. De casos destes, poderia citar alguns exemplos.

A peregrinação é uma constante durante todo o ano, e assume grandes proporções nos locais ligados à vida do Santo: a Casa-Igreja de Santo António, em Lisboa; o Convento de Santo António dos Olivais, onde se fez Franciscano; e o Mosteiro de Santa Cruz, em Coimbra, onde foi Cónego Regrante de Santo Agostinho.

Frei Acácio José Afonso Sanches



[1] Francisco da Gama Caeiro, António. Dicionários de História da Igreja em Portugal. Dir. A. A. Banha de Andrade. Vol I. Lisboa: Resistência, 1980, p. 340-354; Idem, Santo António de Lisboa. 2 Vol. Lisboa [s.n.] 1967; Fernando Félix Lopes, Santo António de Lisboa, Doutor Evangélico. Braga: Ed. Boletim Mensal, 21954; Henrique Pinto Rema, Santo António de Lisboa, Primeiro Santo Missionário Português. In Encontro de Culturas. Oito séculos de Missionação Portuguesa. Lisboa: Conferência Episcopal Portuguesa 1994, p 69-79; ver também a extensa introdução, assinada por Henrique Pinto Rema, em Santo António de Lisboa, obras completas. Trad. de Henrique Pinto Rema. Lisboa, 1970.

[2] Até aos anos oitenta era pacífico dizer-se que Santo António nasceu em 1195, no entanto, segundo estudos médico-antropológicos, realizados em Pádua no mês de Janeiro de 1981, conseguiu-se determinar com grande segurança que o Santo morreu por volta dos 40 anos, o que veio colocar o seu nascimento em 1191 ou 1192. Cf. Henrique Pinto Rema, Santo António de Lisboa, Doutor Evangélico, Obras Completas, Sermões Dominicais e festivos, Edição Bilingue, Porto 1987, p. XVI (tratando-se da introdução à obra, o número das páginas é indicado em numeração romana).

[3] Os restos mortais de frei Bernardo, frei Pedro, frei Acúrcio, frei Otão e frei Adjunto foram recolhidos pelo Príncipe D. Pedro, irmão do rei de Portugal D. Afonso II, e entregues a D. João Roberto, Cónego do Mosteiro de Santa Cruz, para serem depositados na sua Igreja. O sonho da missão entre os infiéis, porém, poderá ter nascido na sua alma anos antes. Certamente teve conhecimento da vitória luso-espanhola sobre as forças sarracenas em Navas de Tolosa, no ano de 1212; as iniciativas missionárias contra os muçulmanos tomadas pelo Quarto Concílio de Latrão em 1215; a permanência no porto de Lisboa de vários cavaleiros cruzados, vindos do Norte da Europa. Estas iniciativas davam origem a uma mentalidade colectiva que favorecia o espírito de cruzada, num ambiente de cristandade, o que nos permite compreender as razões de António.

[4] Atendendo a que já era Sacerdote Crúzio, é provável que nem sequer tenha feito o Noviciado. Lembremos, além disso, que Fernando Martins de Bulhões foi admitido à Ordem Franciscana numa época em que o Noviciado não era ainda obrigatório. Efectivamente, este só foi imposto aos Frades Menores pelo Papa Honório III, mediante a Bula de 22 de Setembro de 1220, nesta data já teria professado a forma de vida simples e minorítica, portanto, anterior à Regra de 1221.

[5] Lemos na carta que São Francisco lhe escreveu: «Ao Irmão António, meu Bispo, o irmão Francisco envia saudações. Tenho gosto em que ensines aos irmãos a Sagrada Teologia, desde que, com o estudo, não se extinga neles o espírito da santa oração e devoção como está escrito na Regra»: FRANCISCO de Assis, Carta a santo António, in S. Francisco de Assis, Escritos - Biografias - Documentos, Fontes Franciscanas, Braga 1992, 101.

[6] Vita beati Antonii de ordine Fratrum Minorum.

[7] Cf. Henrique Pinto Rema, Santo António de Lisboa. Ex-votos. Lisboa: Quetzal Editores 2003, p 25-29. Segundo os especialistas que, em janeiro de 1981, lhe analisaram os restos mortais, guardados em Pádua, revelam-nos um homem de estatura elevada, de cerca de um metro e setenta, com olhos expressivos e dedos afilados

[8] Cf. Primeira Legenda e bula da canonização.

[9] Assídua.

[10] Santo António consta no «Guiness Book» como o santo que foi canonizado mais cedo depois da morte, mas nem tudo o que esse livro contém é verídico, pois o dominicano São Pedro de Verona, martirizado a 6 de Abril de 1252, subiu aos altares a 9 de Março do ano seguinte.

[11] Capítulo XXXV.

[12] Cf. Paolo Giuriati, Elementi per una indagine sulla devozione popolare a S. Antonio in Europa. In Il Santo, XVI (1976) 346-347; cf. Henrique Pinto Rema, Santo António de Lisboa. Ex-votos. Lisboa: Quetzal Editores 2003, p 33-34.

[13] Fernando Félix Lopes. Muitos são os relatos de milagres realizados pelo Santo na sua cidade natal, alguns dos quais ainda em vida, gozando do dom da bilocação, outros depois da morte. [Introduzir Relato de Milagres: Florinhas ou Ex-votos, p. 41] Ainda hoje, os devotos acreditam que no dia 13, depois da procissão, o Santo fará sempre um milagre e permanecem ali, de pé, concentrados à porta da sua Casa-Igreja, invocando-o com fé, a fim de serem beneficiados com alguma graça.

[14] Se tivermos em conta a região centro e Sul do país, dependentes do Mosteiro de Alcobaça, verificamos que na Idade Média o nome mais utilizado é João, seguido de Fernão ou Fernando e Afonso. A análise dos índices de algumas chancelarias medievais, que abrangem indivíduos de todas as zonas do reino confirmam a fraca incidência do nome António. Cf. Paulo Drumond Braga; Isabel M. R. Mendes Drumond Braga, Santo António na Terra, Santo António do Mar. Breve estudo das invocações antonianas. In Actas do Congresso Internacional «Pensamento e Testemunho». 8º Centenário do nascimento de Santo António. II Vol. Braga: Universidade Católica Portuguesa - Família Franciscana Portuguesa, 1996, p. 1044.

[15] Cf. Henrique Pinto Rema, Santo António de Lisboa. Ex-votos. Lisboa: Quetzal Editores 2003, p 34. O culto das Terças-Feiras Antonianas foi institucionalizado em 1616. Conta-se que um casal nobre de Bolonha, após 22 anos de casamento, conseguiu obter um filho por intercessão de Santo António. Um dia, Santo António terá visitado a senhora e sugeriu-lhe que visitasse, durante nove Terças-Feiras consecutivas, a sua imagem na igreja de São Francisco. No fim da novena, a senhora tornou-se mãe. O milagre divulgou-se e as novenas transformaram-se em trezenas de Terças-Feiras e, finalmente, em todas as Terças-Feiras do ano. Por razões de comodidade, nalguns lugares passaram este exercício de piedade para os domingos. Esta devoção pode incorporar vários elementos, consoante os lugares, podendo incluir a celebração da Eucaristia, um tempo de Adoração ao Santíssimo, a recitação do Terço Antoniano, a reza do responso e ladainha própria do Santo, o beijo da relíquia e a bênção com a mesma, etc. Desde 1763, a Igreja concede indulgências para todo o acto devocional das Terças-Feiras, durante uma adoração ao Santíssimo Sacramento.

[16] O Pão de Santo António teve origem em Pádua, ainda no tempo da construção da Basílica. Conta-se que um menino, de 20 meses, caiu a um poço e afogou-se. A mãe aflita promete dar uma porção de trigo igual ao peso do menino aos pobres no caso de o Santo o ressuscitar. A senhora foi ouvida e cumpriu a promessa. Sendo nisso imitada por outras mães que desejavam alcançar do Santo a protecção dos seus filhos. No século XIV, em França, conhecem-se fórmulas litúrgicas de bênção de trigo, para oferecer em quantidade igual ao peso das crianças que se pretendiam pôr sob a protecção de Santo António.

[17] Relativamente às coisas perdidas, existem várias explicações, entre as quais se enquadram os dois casos relatados no «Livro dos Milagres»: o cálice de vidro partido e refeito pelo Santo e o Saltério roubado e restituído ao Santo pelo ladrão: «Certa noite, um noviço fugiu do convento levando consigo o Saltério que António usava para suas orações e cursos. O estranho é que o diabo em pessoa tolheu-lhe o passo em plena noite, e o obrigou a voltar para devolver o objecto roubado ao proprietário»

[18] Mário Gonçalves Viana.

[19] Referimo-nos a Portugal e territórios de expressão portuguesa, ou onde Portugal teve alguma influência, como por exemplo no Oriente: cf. Henrique Pinto Rema, Santo António de Lisboa. Ex-votos. Lisboa: Quetzal Editores 2003, p 38.

[20] Conta-se que uma donzela não dispunha do dote para casar-se e, confiante, recorreu a Santo António. Das mãos da imagem do Santo teria caído então um papel com um recado a um prestamista da cidade, pedindo-lhe que entregasse à moça as moedas de prata correspondentes ao peso do papel. O prestamista obedeceu e pôs o papel num dos pratos da balança, colocando no outro as moedas. Os pratos só se equilibraram quando havia moedas suficientes para pagar o dote.

[21] Cf. Henrique Pinto Rema, Santo António de Lisboa. Ex-votos. Lisboa: Quetzal Editores 2003, p 31; cf. Manuel Silva, Tradição perdura em Timor. Coronel Santo António visita «os seus». In Mensageiro de Santo António. XIX (2003) 26-27.



Extraído de http://www.capuchinhos.org/francisco/estudos/santo_antonio_religiosidade_popular.htm acesso em 20 Jan. 2009.

Ilustração: GUERCINO. Santo Antônio de Pádua com o Menino. 1656,

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