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sábado, 28 de fevereiro de 2009

AS HERESIAS POPULARES MEDIEVAIS SEGUNDO A OBRA “RELIGIOSIDADE E MESSIANISMO NA IDADE MÉDIA”


Por José Rivair Macedo

Na medida em que a doutrina cristã foi sendo organizada em torno da Igreja, eclesiásticos estabeleceram o modo correto de conceber a religião. Qualquer divergência em torno dessas concepções representava perigo para a instituição. Por isso, todo tipo de contestação às orientações era considerado crime de heresia e, seus adeptos, tornavam-se criminosos. Na maior parte dos casos, a força servia como instrumento exemplar de punição. Os hereges tidos como traidores eram perseguidos. As penas variavam dependendo da gravidade das idéias ou da influência que exerciam junto à população. Para os casos mais graves, poderiam ser o confisco de bens, a prisão e a condenação à morte na fogueira.

Nos séculos IV e V, várias idéias e proposições religiosas foram declaradas falsas, sendo condenadas como heresias, como o Montanismo, o Arianismo, o Donatismo e o Nestorianismo, porque criticavam a Igreja devido ao seu modo de conceber a doutrina. Todavia, quando os movimentos de contestação voltaram a se manifestar a partir do século XII, as punições foram mais severas. Desta vez, as críticas apresentadas pelas seitas dos Valdenses, dos Cátaros e dos Irmãos do Espírito Livre, referiam-se ao modo de vida dos representantes clericais. Eles foram excomungados, perseguidos pela Inquisição e exterminados.

Já, a partir do século XIII, as perseguições aos movimentos opositores se intensificaram. Os Tribunais da Inquisição foram órgãos repressivos, responsáveis pelo aniquilamento das heresias medievais. Estas assumiram diversas formas. Nos séculos XII e XIII relacionaram-se com o ideal de pobreza como meio de aproximação de Deus, simultaneamente apontando os desvios na visão da Igreja conceber a religião cristã.

A Ordem dos Irmãos Menores de Assis foi um movimento que pregava a pobreza, a humildade e a paz. Pretendia regenerar a Igreja tornando-a pura, sem instituições ou hierarquias. Em 1230, após a morte de seu líder, Francisco de Assis, uma bula atenuava a obrigação da pobreza, permitindo aos frades menores a posse de bens para suprir suas necessidades materiais. Esse documento deu origem a uma divisão na ordem. Dividiram-se em espirituais e beguinos. Ambos preservaram o ideal franciscano original e começaram a afastar-se das orientações oficiais. Inicialmente, foram toleradas pelas autoridades eclesiásticas. Em 1315, foram condenadas e perseguidas pela Inquisição.

Em meados do século XIII, surgiu na Itália, outra seita, influenciada pelo franciscanismo, chamada pseudo-apóstolos. Esta era composta por pessoas sem nenhuma formação religiosa e seu líder chamava-se Geraldo Segarelli. Considerava seus seguidores novos apóstolos de Cristo. Em 1300, foi condenado pela Inquisição e queimado numa fogueira. Dolcino de Novara, sucessor de Geraldo, conseguiu milhares de adeptos. Afirmava que a Igreja tornara-se corrupta quando começou a aceitar bens e riquezas e teria se afastado da pobreza evangélica. Foram massacrados e muitos aprisionados e supliciados. Dolcino foi julgado e condenado à morte.

Outro fenômeno herético diz respeito a uma seita conhecida como Portadores da Cruz, Irmãos da Cruz ou Irmãos Flagelantes. Nesse caso, os adeptos castigavam o próprio corpo, batendo-se com um flagelo. Iniciou-se na Itália, em 1260. Acreditavam na purificação através do sofrimento por meio da autoflagelação coletiva. As cidades eram abertas aos bandos, que se consideravam escolhidos para tirar os pecados do mundo. Cada grupo tinha um líder, a quem “os irmãos” chamavam de “mestre”. Inicialmente, os eclesiásticos acolheram os flagelantes. Com o tempo, suas pregações voltaram-se contra o clero. Tornou-se subversiva quando afirmaram que eram capazes de realizar a salvação sem a ajuda da Igreja. Suas procissões duravam trinta e três dias e meio, pois os salvadores se autoflagelavam durante o número de dias correspondentes à idade de Cristo. Durante esse tempo, permaneciam sob rígida disciplina. Em qualquer cidade que entrassem praticavam duas flagelações públicas durante o dia e uma à noite, em local privado. Aqueles que assistiam ao espetáculo considerava-os “mártires”. As palavras com as quais os “mestres” acusavam a Igreja, os “grandes” e os judeus estimulavam os pobres a praticar pilhagens e massacres. Acusados de assassinatos foram condenados. Grupos inteiros arderam nas fogueiras da Inquisição.

Finalmente, novas vozes erguiam-se contra a Igreja. Eram personalidades respeitadas que desenvolviam argumentos a respeito da distinção entre o poder material e o espiritual. Entre eles, esteve um professor universitário chamado João Huss. Ele denunciava a falsidade dos milagres, insistindo na necessidade de se procurar o Cristo nos evangelhos. Em 1414, Segismundo, o imperador do Sacro Império Romano-Germânico, enviou-o para o Concílio de Constança, onde deveria defender-se das acusações de heresia e rebelião contra a Igreja. Como não renunciou suas idéias, foi considerado herege, sendo queimado em praça pública. Os tchecos revoltaram-se. Seus ideais detonaram o movimento conhecido como Hussismo. O conflito iniciou-se em 1419. Foi liderado por um influente chefe militar: João Zizka. Condenavam a riqueza da Igreja e só valorizavam o que estava escrito nas Sagradas Escrituras como artigo de fé. Com o tempo, beguinos e Irmãos do Livre Espírito juntaram-se a eles. Nas montanhas do sul da Tchecolosváquia foram fundadas suas comunidades. Nelas, a propriedade extinguiu-se e a autoridade civil perdeu seu valor. Milhares de desfavorecidos venderam seus bens, entregando o dinheiro aos pregadores. Para eles, seus opositores deveriam ser exterminados. João Zizka liderou-os em sucessivas batalhas em que saíram vitoriosos.

Em 1426, com a morte do militar, o padre Procópio, “O Grande”, assumiu a luta, esmagando as tropas inimigas. Várias cidades os apoiaram para livrar-se da autoridade imperial e milhares de camponeses juntaram-se a eles. Em agosto de 1431, no Concílio da Basiléia, a Igreja decretou uma cruzada contra os hereges. Em 30 de maio de 1434, na batalha de Lipar, foram massacrados. Todavia, suas comunidades persistiram na Tchecolosváquia, durante os séculos XV e XVI, influenciando no episódio da Reforma Protestante.
Macedo, José Rivair. Religiosidade e messianismo na Idade Média.
São Paulo : Moderna, 1996.
96 p. : il. (Colecao desafios)
ISBN: 8516014355 (broch.)

Direta e espontaneamente: Amigo dos Leprosos

Poucos dias mais tarde pegou numa grande soma de dinheiro e foi ao hospital dos leprosos. Depois de ter unido todos deu a cada um deles uma esmola e beijou-lhes a mão. Quando saiu, aquilo, que anteriormente lhe parecia amargo, quer dizer, ver e tocar os leprosos, ficou convertido em felicidade. Pois o aspecto de leprosos foi-lhe tão nojento que não só nunca os quis ver e nem sequer aproximar-se das suas moradas. E se acontecia uma vez que passasse pelas suas casas ou os visse, virava sempre a cara e apertava o nariz com as mãos, embora se deixasse comover para mandar-lhes esmolas através de outra pessoa. Mas, pela graça de Deus, fez-se tão íntimo e amigo dos leprosos que, como testemunha ele mesmo no seu testamento, vivia entre eles servindo-os humildemente. (Leg 3 C 11)


O que tal encontro pode causar!

O encontro mais ou menos casual dum leproso modifica Francisco completamente: a paz interior que recebeu e a doçura que sentiu tão profundamente querem mais. Todo o gozo quer eternidade!

Assim vai ao asilo dos leprosos, junta todos eles, olha para as caras cheias de bolhas e pus de cada um, deixa que lhe chegue o cheiro, beija a mão a cada um. Quando anteriormente ficou comovido, mandou outra pessoa com algum dinheiro aos leprosos. Agora isto já não lhe é suficiente. Quer o encontro direto, tocá-los espontaneamente. Já não pode delegar os seus sentimentos, tem de construir uma relação pessoal, uma confiança íntima, mesmo uma amizade duradoura.

Mais ainda: começa a viver com os leprosos servindo-os.

Perguntas:
1. Como demonstro o meu amor
  • indiretamente? Como se verifica?
  • diretamente? Como se verifica?
2. O que poderia fazer eu / poderíamos fazer nós / para que os marginalizados, excluídos, pessoas à margem se aproximassem de nós?
3. Em que medida é possível uma amizade íntima, confiança?
Quais formas de vida comum com leprosos e de serviço conheço? Quais os meus respectivos sentimentos?
Extraído de:
Carisma 2008/2009 : intercâmbio de idéias e impulsos / Anton Rotzetter. Disponível em http://www.ccfmc.net/wPortugues/cbcmf/bibliothek/charisma/2007_Charisma_Impulse.shtml?navid=104 acesso em 11 fev. 2009.

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

SANTUÁRIOS MARIANOS NA VIDA DA IGREJA

“Não sabeis que sois o templo de Deus, e que o Espírito de Deus habita em vós?” (1Cor 3,16).

Com efeito, por esse versículo da Carta aos Coríntios (1Cor 3,16), vemos como Deus nos criou e para que nos criou; de fato, somos templo santo, lugar sagrado, morada do Altíssimo. Esse Mistério de Amor foi revelado em sua totalidade na pessoa da Virgem Maria, a “Serva do Senhor”, Seu Santuário por Excelência. Por Ela Deus Pai revelou também o Grande Mistério da Salvação de toda humanidade, perpetuado na Igreja “Corpo Místico de Cristo”, da qual Maria é perfeita imagem.

Por isso, é dever da Igreja venerar a Mãe de Jesus e nossa Mãe, como aquela que foi escolhida desde toda a eternidade como genitora da Nova Criação, sem mancha, toda pura, imaculada, porque, como disse o Livro de Jó: “Quem fará sair o puro do impuro? Ninguém”. (Jó 14,4). Logo, a Igreja pela ação do Espírito Santo reconhece esta verdade, Maria é de fato a Mãe de Deus Redentor e ultrapassa, pelos méritos de seu Filho, todas as criaturas e ao mesmo tempo está ligada à estirpe humana e é a verdadeira mãe dos membros de Cristo que nascem na Igreja.

Por graça providencial de Deus a maternidade de Maria perdura desde seu consentimento na anunciação até a comunhão final de todos os fiéis eleitos. O fato é que ela continua essa missão salutar agora na glória, para que por sua intercessão todos cheguem à salvação eterna. Por isso a Igreja a invoca com os títulos de Advogada, Auxiliadora, Amparo, Medianeira e outros tantos Títulos; e o faz sem que isso mude em nada a mediação única de Cristo.

“Haverá algum país no mundo que não tenha pelo menos um santuário dedicado à Virgem Maria? Maria está, de fato, presente em todo o mundo, em todos os continentes, ainda que alguns dos principais lugares de devoção mariana sejam hoje, pelo seu esplendor, santuários internacionalmente conhecidos e freqüentados por milhões de peregrinos todos os anos”.

“É o caso, por exemplo, de Nossa Senhora de Guadalupe, no México; de Nossa Senhora Aparecida, no Brasil; de Nossa Senhora de Fátima, em Portugal; de Nossa Senhora de Czestochowa, na Polônia; de Nossa Senhora do Loreto, na Itália; de Nossa Senhor de Lourdes, na França e de muitos outros onde se juntam multidões em peregrinações para louvar e fazer súplicas à Maria”, a Virgem Mãe de todos os povos.

Nossa viver na terra é um peregrinar constante na fé, rumo ao Reino de Deus anunciado por Jesus; somos seus discípulos e seguimos a mesma trajetória que ele seguiu; somos peregrinos do amor de Deus, vivemos neste mundo a expectativa de sua vinda definitiva; esperamos alegremente o cumprimento de todas as suas promessas, por isso, não estamos sozinhos, o Senhor caminha conosco e sua mãe também, porque somos a sua família santa e eterna.

O peregrino, antes de tudo, é aquele que sabe aonde vai chegar, por esse motivo não pára e não se entretém pelo caminho, pois a jornada é árdua e não pode perder tempo. Por isso dedica todo o seu tempo e sua vida a Deus.

Quando nos dirigimos devotamente para os Santuários Marianos, seguimos a mesma dinâmica ou costume do Povo de Deus que todos os anos peregrinavam para o Templo de Jerusalém, a fim de prestar culto ao Senhor e lembrar que um dia saíram da terra da escravidão para a terra prometida. De igual modo, o culto à Mãe de Deus foi determinado na Igreja de tal maneira que através dele Deus seja glorificado no seu Filho Jesus, o Espírito Santo nos santifique e nós experimentemos desde já as graças do céu aqui na terra.

Paz e Bem!

Frei Fernando,OFMConv.
Foto: Santuário Nacional de Aparecida, localizado em Aparecida, SP - Brasil / Agência Brasil (ABr/RadioBrás). 09 maio 2007.

Vídeo: Vocação Clariana

Este vídeo mostra um pouco da vocação das Irmãs Clarissas, no Mosteiro Nazaré.

Receber a Paz

Depois recebeu dele o beijo da paz, montou-se no cavalo e continuou o seu caminho. Desde então começou a detestar-se cada vez mais até que ganhasse, pela graça de Deus, uma completa vitória sobre si mesmo. (Leg3C11)

O fundo deste parágrafo na vida de Francisco foi-nos explicado na reflexão anterior. Francisco forçou-se a beijar a mão ao leproso. Foi o seu mérito.

Mas então acontece algo não esperado. O leproso dá-lhe o beijo da paz – e Francisco permite. Temos de nos imaginar o seguinte: bolhas de pus, pestilência! Uma afronta ao sentido estético. Mas, mesmo assim, um abraço, intimidade, proximidade. E ligado a isto: alteração interior: douçura, felicidade.

Os símbolos podem alterar tudo. É estranho que nós estejamos tão pouco abertos para gestos de câmbio. Na Eucaristia está previsto tal gesto. E mesmo assim não se emprega porque se evita a alteração, porque não se atreve a olhar nos olhos dos outros, porque se vive em litígio há anos. A justificação não tarda a ser apresentada: A saudação da paz não se deve tornar habitual. Porquê então receber a comunhão? Pela mesma razão deveria prescindir-se da mesma.

Não, aqui trata-se do temor de se comportar de veras pacificamente. O abraço e o beijo são gestos que querem cambiar o próprio coração, tal como as relações com a pessoa a quem dirijo este gesto.

No fim há a vitória sobre si próprio, sobre a natureza egoísta, sobre instintos e gestos. Pode haver toda uma orientação nova: o amor que se dedica completamente ao outro e experimenta assim toda a felicidade.

Perguntas:
  1. Quais os símbolos e gestos que te cambiaram?
  2. Como poderias dar a saudação da paz na Eucaristia de maneira que a mesma te cambiasse?
  3. Como podes alcançar a vitória sobre o teu ser egoísta?
Extraído de:
Carisma 2008/2009 : intercâmbio de idéias e impulsos / Anton Rotzetter. Disponível em http://www.ccfmc.net/wPortugues/cbcmf/bibliothek/charisma/2007_Charisma_Impulse.shtml?navid=104 acesso em 11 fev. 2009.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Aquele certo dia

Frei Almir Ribeiro Guimarães,OFM (*)

Dois acontecimentos se entrelaçam no momento em que comemoramos os oitocentos anos do carisma franciscano: o encontro de Francisco com o Evangelho da singeleza e da missão na capelinha de Nossa Senhora dos Anjos e a viagem a Roma para pedir a Inocêncio III a aprovação do estilo de vida novo que Francisco e seus companheiros desejavam viver. Um grupinho de gente simples que, a convite do Altíssimo Senhor, com a anuência da Mãe Igreja, desejam simplesmente viver o Evangelho em todo o seu frescor e, a pedido do Altíssimo, restaurar a Igreja que parecia em ruínas! Afirmação ousada?

Era a festa de São Matias

Conhecemos quase de cor o texto de Tomás de Celano (1Cel 22). “Mas, num certo dia, quando se lia na mesma igreja o Evangelho sobre como o Senhor enviara...” Esse certo dia, segundo uma tradição, remontaria a 24 de fevereiro de 1208. Há os que a colocam em 1209. Era festa de São Matias, quando Francisco ouviu na Porciúncula o Evangelho do envio dos apóstolos por parte de Jesus. Terminava ali o processo vocacional do Santo. Antes já tinha ele dado passos largos na clarificação da vocação: a viagem ao fundo do coração, o encontro com os leprosos e com os pobres, o olhar abissal do Crucificado de São Damião e a alegria de ver os irmãos que começavam a chegar. Parecia que Deus rasgava os últimos véus diante dos olhos de Francisco. Viver do Evangelho, viver para o Evangelho. Francisco pede ao sacerdote que tinha celebrado a missa que lhe explique o texto. O padre, talvez um beneditino do monte Subásio, expôs ao jovem o conteúdo do relato em questão: os discípulos de Jesus tinham recebido ordem de pregar por toda a parte a penitência, não levando nada consigo e colocando em Deus a inteira confiança de que não lhes deixaria faltar o necessário.

Gostamos de repetir a mais não poder a resposta de Francisco: “É isso que eu quero. É isso que busco de todo o coração”.

Fernando Uribe chama atenção para alguns elementos do texto em questão:

  1. Francisco dá uma resposta imediata. Muda de roupa. Passa a dedicar-se à pregação. Seu coração parece aberto para a Palavra de Deus. A partir deste momento não terá mais dúvidas. Ali houve uma manifestação divina para Francisco. Trata-se do “momento” fundamental de sua vida.
  2. Esse encontro com o Evangelho se dá ao longo da celebração da eucaristia, máxima expressão da comunidade cristã.
  3. Na pessoa do sacerdote que dá explicação a Francisco aparece a Igreja, encarregada de esclarecer oficialmente a Palavra de Deus.
  4. Francisco gravou aquelas palavras em sua memória. São Boaventura fala de quatro passos da acolhida da palavra numa vida: escutar, compreender, encomendar à memória, realizar.
  5. Todas as palavras do texto se referem ao modo como devem exercer seu ministério de pregação os discípulos de Jesus. Caminhar com sobriedade, de tal forma que as preocupações terrenas não venham a entorpecer e dificultar a pregação. Os pregadores evangélico-franciscanos são desapropriados de tudo. São leves de bagagens e livres de si mesmos.
  6. Sempre de novo Francisco voltará a isso: o Altíssimo me revelou que eu devia viver segundo a forma do santo Evangelho.

Omer Englebert, refletindo sobre o tema que nos ocupa, escreve: “Dia memorável em que Francisco descobriu o Evangelho! A partir desse dia, com efeito, ao falarmos dele, não nos afastaremos mais do Evangelho. Francisco mesmo não abrirá outro livro. Que lhe importavam as opiniões, deduções ou intuições dos homens agora que sabia o que disse e praticou o Filho de Deus no tempo em que esteve entre nós? Neste sentido é que Francisco quis passar sempre por ‘ um homem iletrado’ . Não se impressiona com autores famosos. ‘Que tenho a ver com Santo Agostinho, São Bernardo ou São Bento’ ? exclama em pleno capítulo, quando lhes contrapõem esses grandes nomes. – Você é pouco razoável! lhe insinuam. - Então, responde Francisco, é porque Deus quer mais um louco no mundo. Saibam, em todo caso, que jamais me guiarei por outra ciência que não seja a dele: a ciência do Evangelho” (Vida de São Francisco de Assis, Trad. de Adelino G. Pilonetto, EST Edições, Porto Alegre, 2004, p. 67).

Era o dia da grande escolha

O Documento da FFB (Reviver o sonho de Francisco e Clara de Assis no chão da América Latina e do Caribe) preparado para a comemoração dos 800 anos do carisma reflete sobre o tema.

Esse “certo dia” é mais do que uma data significativa. É um momento sagrado. Um desses raros momentos no curso da vida, em que alguém se sente visitado por certeza nada comum. “Antes que uma experiência eminentemente religiosa, trata-se aqui de uma experiência humana, testemunhada, aliás, com surpreendente freqüência, por artistas, poetas, homens comuns, enfim. É como se, pelo cerco dos limites humanos, irrompesse, para dentro de suas inquietudes e buscas, uma luz, em cuja claridade é possível vislumbrar os mais obscuros recantos de si mesmo e entrever os segredos sagrados da vida. A tais instantes os homens costumam dar os mais diversos nomes, mas o fenômeno, ainda que com variantes, é sempre o mesmo. Para a pessoa religiosa, aqui é o próprio Deus que, erguendo o véu de seu segredo e transpondo os abismos de seu mistério, revela-se ao ser humano, deixando-o entrever os seus acenos. Por isso Francisco de Assis, ainda que com palavras de imensa humildade, como lhe era próprio, compreende este sagrado instante de sua vida como genuína revelação do Senhor. Uma verdadeira teofania” (p.5).

Naquele momento, nesse certo dia, Francisco tem absoluta certeza de estar sendo visitado por Deus e de forma imediata.

Homens e mulheres de todos os contextos continuam sentindo uma imensa atração por Cristo Jesus. Querem ser seus discípulos. A Igreja deseja que a comunidade cristã em sua totalidade possa ser constituída de discípulos e não simplesmente de seguidores rotineiros de práticas religiosas. Francisco de Assis com seu radicalismo evangélico continua a tocar corações de jovens e menos jovens, de solteiros e casados, de cultos e incultos. Pessoas que visitam seu interior, que não se contentam em viver na casca das coisas, amantes do silêncio e da reflexão, pessoas que estão num processo de esvaziamento, de despojamento podem, à maneira de Francisco e, quem sabe, freqüentando fraternidades bem concretas, fazer a mesma experiência de Francisco. “É isso que eu quero. Isso que busco de todo o coração”!

Um dia que leva Francisco ao Latrão

Francisco se deixa levar. Começa a viver abertamente o Evangelho. Ainda lhe são reservadas surpresas. Irmãos chegam, irmãos que querem viver como ele. Parecia surgir uma nova Ordem religiosa. Num tempo heresias e de condenações, Francisco queria e precisava reformar a Igreja a partir do interior. Por isso vai a Roma pedir a autorização do Papa para viver conforme o Evangelho. Acontece então o momento em que a Igreja aprova a forma de vida de Francisco. São os 800 anos do carisma!!!

“O grupo chegou à residência do papa, o Palácio de Latrão. Não levavam eles nenhum documento extenso, nem nada que se parecesse com uma regra formal religiosa como as que governavam os beneditinos, agostinianos ou cistercienses. Francisco trazia um papel redigido às pressas (perdido logo depois), com alguns textos do Evangelho destinados a inculcar uma simples vida de fé, além de algumas diretrizes gerais sobre o trabalho manual e preces em comum” (...) “Sem mencioná-lo de forma especifica, Francisco claramente vislumbrava um código de vida espiritual que deixava seus companheiros notavelmente em liberdade– podiam viver como eremitas quando sentissem necessidade de intensa oração, ou podiam preferir trabalhar como diaristas, enfermeiros ou pregadores itinerantes” ( Donald Spoto, Francisco de Assis. O Santo Relutante, Objetiva, 2003, p. 144-145).

O dia da Porciúncula se une ao dia da aprovação do gênero de vida desses iluminados e pobres, idealistas e encantadores homens da Úmbria!

Neste contexto damos palavra a G.K.Chesterton: “De acordo com São Boaventura, Inocêncio III, o grande papa, estava no terraço da igreja de São João do Latrão, certamente resolvendo as grandes questões políticas que perturbavam seu reino, quando de repente se viu diante de alguém com roupas de camponês que ele pensou ser alguma espécie de pastor. Ao que parece ele se livrou do pastor o mais rápido possível, e talvez até o tenha considerado louco. Seja como for, Inocêncio não pensou mais naquilo até que, diz o grande biógrafo franciscano, teve naquela noite um estranho sonho. Em sua fantasia, ele viu todo o imponente templo de São João do Latrão, em cujos altos terraços caminhava com tanta segurança, inclinando-se e contorcendo-se horrivelmente contra o sol como se suas cúpulas e pequenas torres fossem abaladas por um terremoto. Ao olhar de novo, viu que uma figura humana sustentava a igreja como uma coluna esculpida viva; e a figura era a do esfarrapado pastor ou camponês que ele despachara no terraço. Seja isso fato ou metáfora, trata-se de uma metáfora bem fiel à inesperada facilidade com que Francisco obteve a atenção e o favor de Roma ( São Francisco de Assis. A Espiritualidade da Paz, Ediouro, 2003, p. 119-120).

Aquele certo dia... Cada um dia de nós se lembra do seu certo dia... dia do começo de tudo... dia em que encontramos frades cheios de zelo, dia em que experimentamos o coração saltitar de alegria e não caber mais no peito, dia feliz da juventude, dia da entrada noviciado, dia da profissão solene...O dia de Francisco se une ao nosso e formamos em ele uma única realidade.

(*) Frei Almir Ribeiro Guimarães, OFM é Assistente Nacional para a OFS e Assistente Regional da OFS do Sudeste II

Extraído de http://www.franciscanos.org.br/v3/vidacrista/artigos/almir_070808/artigos_20.php acesso em 25 fev. 2008.


Legenda dos Três Companheiros (LTC)

A partir deste mês, daremos início a uma série acerca da "Legenda dos Três Companheiros". Muitas vezes, ao ouvirmos legenda, nossa mente associa a palavra lenda para, logo em seguida e imediatamente, atribuir àquela toda uma compreensão já feita e mal elaborada, extraída do conceito decadente de lenda. Legenda, como lenda, seria algo bonito, mas inventado e imaginado, próprio para crianças, pessoas primitivas e ignorantes; algo que, na verdade, nunca existiu e, por conseguinte, destituído de valor, crédito e confiança para nós modernos, pessoas mais esclarecidas e evoluídas.

Na raiz da palavra legenda encontramos os verbos legere e legein vindos, respectivamente, do latim e do grego. Ambos significam ler. Ler, porém, é mais que percorrer os olhos nas palavras e frases gravadas sobre as folhas de um livro. Num sentido mais vasto e originário, ler significa ajuntar, recolher, reunir, falar, discursar e mesmo semear. Literalmente, em sua forma verbal, legenda significa aquelas coisas que devem ser lidas ou recolhidas, aprendidas e, acima de tudo, seguidas. É nesse sentido que a palavra é usada ainda hoje, por exemplo, num filme ou mapa. Isto significa que sem conhecer aquele script ou aqueles sinais do mapa, dificilmente entenderemos o enredo do filme, como igualmente jamais conseguiremos habitar e percorrer com segurança e proveito os caminhos e as paisagens indicadas e gravadas no mapa de nosso país.

Assim, também a LTC, obra nascida e elaborada a partir do espírito que atingiu São Francisco e seus Companheiros, atravessa os séculos para, também nós, e todos os franciscanos de todos os tempos, podermos conhecer (leia-se: conascer no) o vigor originário da Vida franciscana, associando-nos a ele a fim de colher e semear sempre de novo os segredos que fundamentam o feliz êxito desta aventura: o seguimento de Cristo segundo São Francisco. Tudo isto, para o louvor e glória do Sumo Deus.

LEGENDA DOS TRÊS COMPANHEIROS [LTC]

[Rubrica]
Estas são algumas coisas escritas por três companheiros do Bem-aventurado Francisco, da sua vida e conversação na veste secular da sua admirável e perfeita conversão, da perfeição da origem e do fundamento da Ordem, nele e nos primeiros Irmãos.

[Epístola]

Ao reverendo pai em Cristo, Frei Crescêncio, por graça de Deus, Ministro Geral, a devida e devota reverência no Senhor, de Frei Leão, Frei Rufino e Frei Ângelo, outrora companheiros, embora indignos, do beatíssimo pai Francisco. Já que, por ordem do próximo passado Capítulo Geral e vossa, os Irmãos estão obrigados a enviar à vossa paternidade o relato dos milagres e prodígios do beatíssimo pai Francisco, que se venham a conhecer e encontrar, pareceu-nos bem, a nós que, embora indignos, convivemos com ele por longo tempo, relatar à vossa Santidade, guiados pela verdade, poucos entre os muitos seus feitos que vimos pessoalmente ou pudemos conhecer por intermédio de outros santos Irmãos, especialmente de Frei Felipe, visitador das Damas Pobres, Frei Iluminado de Arce, Frei Masseo de Marignano, Frei João, companheiro de Frei Egídio, 5que do próprio Frei Egídio veio a conhecer muitas coisas, e Frei Bernardo, de santa memória, primeiro companheiro do Bem-aventurado Francisco.

Não nos contentamos em narrar somente milagres, que não constituem a santidade, se bem que a mostrem, mas desejamos mostrar os fatos insignes de sua conversação santa e a vontade do pio beneplácito, para o louvor e a glória do Sumo Deus e do dito pai santíssimo, e para edificação dos que querem imitar seus passos. No entanto, não escrevemos estas coisas em forma de legenda, pois há tempo, legendas foram escritas sobre sua vida e milagres que Deus por ele operou. Ao invés, colhemos como que de um prado ameno, algumas flores, as mais belas a nosso ver, não seguindo a cronologia da história, 10mas omitindo muitas coisas postas nas preditas legendas, por ordem, com linguagem não só verídica, mas, também, elegante.



Podereis fazer incluir nelas o pouco que escrevemos, se à vossa discrição, parecer justo. Se os veneráveis varões, que escreveram as legendas, tivessem conhecido estas coisas, cremos que não as teriam omitido; ao contrário, ao menos parcialmente teriam ornado com suas palavras e conservado para os pósteros a sua memória. Goze sempre de perfeita saúde vossa santa paternidade no Senhor Jesus Cristo, no qual nós, vossos filhos devotados, humildemente e devotamente nos recomendamos à vossa Santidade. Dada em Gréccio, a onze de agosto do ano do Senhor de 1246.


Reflexões...

Cabem aqui alguns comentários iniciais desta primeira parte do texto. Algumas perguntas, como por que os escritores da LTC se denominam companheiros; o que significa entender antepassados como companheiros; o espírito de pertença na Vida Consagrada.

Não se trata de uma narração qualquer, a LTC; ela é feita por um número altamente representativo e simbólico: três. Este é o número que evoca à Santíssima Trindade. Uma vez que todas as ações na vida de seguimento do Deus de Jesus Cristo (JC) sempre se iniciam invocando as três pessoas em um só Deus, a vida e ações franciscanas não poderiam ser diferentes. Estes três frades, contemporâneos a Francisco, são diferentes entre si, mas iguais na mesma busca: a 'imitação' da Pobreza do Cristo Crucificado, que revela a face do Pai. E cada um deles é sinal de concreção na árdua tarefa do seguimento. Com isso, estando nesta mesma via, tornam-se sócios.

Ser sócio aqui quer apresentar uma mesma "negociação"; adquirir a evidência da pobreza de JC. Por isso se tornam 'companheiros', mas não apenas por estarem em seu "sacrum commercium", mas por quererem viver a "fraternitas" como maneira gratuita de seguimento de JC. Esta nobre competição quer clarificar em que, de fato, os três sócios estão: na busca - de relatar não o "São Francisco", mas sim o que é anterior a ele; e é por seu sim que este anterior se revela; e que nada mais é do que o seguimento de Cristo - pobre e crucificado.

O ser companheiro é a indicação de ser por uma mesma vocação; é um modo de estar unido ao outro a partir do chamamento. E é neste sentido que podemos entender o significado de pertença na Vida Consagrada. Pertença não no sentido de posse, mas de fazer parte; não como mais um,, simplesmente, mas como engajamento total neste caminho e nesta forma sui generis, que é a Vida de ser e estar um-com o Sagrado. O pertencer a uma determinada família (e aqui, é a franciscana) é como que ser um novo broto (ramo) no galho de uma árvore que tem sua raiz no único e necessário para nós: JC, e JC Crucificado (JCC) que, em nossa escola franciscana chamamos de "Senhora Pobreza" - que é a identidade do Reino dos Céus, à qual queremos nos configurar, como filhos, discípulos, seguidores... enfim, companheiros fiéis na caminhada e, na Ordem Franciscana, é o procurar guardar límpida a fonte que nos gera: Senhora Pobreza, de maneira nobre, cortês e curial.τ
Extraído de http://reflexoesfranciscanas.blogspot.com/2009/02/legenda-dos-tres-companheiros-ltc.html acesso em 26 fev. 2009.

Ilustração: Vida e Morte de São Francisco, século XIX - pintura de teto realizado pelas freiras em clausura no Mosteiro da Luz, São Paulo.

Outro Programa!

Certo dia, Francisco encontrou um leproso quando andava a cavalo perto de Assis. E,apesar de normalmente ter grande repulsa aos leprosos, obrigou-se agora a descer do cavalo, deu uma moeda ao leproso e beijou-lhe a mão. (Leg3C)
Às vezes, um passeio a cavalo ou a pé pode terminar completamente diferente. Encontros mais ou menos acidentais podem virar tudo dos pés para a cabeça. E uma pessoa volta para casa sendo outra.

Assim sucedeu a Francisco de Assis. Como de costume, vê um leproso a grande distância. Até então tinha sentido sempre um grande nojo por tais pessoas, não podendo nem suportar nem o aspecto deles e - distanciava-se deles.

Mas, desta vez, obriga-se e dirige-se diretamente a ele.

O que aconteceu para que Francisco se porte de maneira diferente desta vez? Aparentemente está programado de outra maneira como se diria hoje em dia. A frase anterior à citação acima feita, diz que houve uma oração que programou e marcou o seu interior de maneira diferente. Seja como for: de vez em quando temos de seguir outro programa, apanhar outra motivação, obrigar-nos, para não andar sempre pelos mesmos trilhos.

Obrigar-se! Lutar contra si próprio! Lutar contra o dia-a-dia, os hábitos! Contra a resignação e o marasmo! “Agere contra” – opor outra coisa, isto repetiram os autores espirituais sempre. Uma tese que quase não tem lugar na espiritualidade de bem estar dos nossos dias. Não admira que tudo fique na mesma e não avancemos em parte nenhuma.

Francisco fá-lo. Dirige o seu cavalo diretamente ao leproso, desce do cavalo e dá uma moeda ao leproso. Mais ainda: beija a mão do leproso!

Perguntas:
  1. Qual dos teus passeios não correu conforme ficou planeado? Há acontecimentos que te mudaram? Em que sentido?
  2. Quando te deixaste programar de outra maneira? Quando te obrigaste a fazer alguma coisa?
  3. O que dizes da tese “agere contra” – fazer qualquer coisa contra a tua própria pessoa?
Extraído de:
Carisma 2008/2009 : intercâmbio de idéias e impulsos / Anton Rotzetter. Disponível em http://www.ccfmc.net/wPortugues/cbcmf/bibliothek/charisma/2007_Charisma_Impulse.shtml?navid=104 acesso em 11 fev. 2009.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Peregrinos e forasteiros

PEREGRINOS E FORASTEIROS
Itinerário a ser percorrido no
tempo da quaresma
Frei Almir Ribeiro Guimarães,OFM (*)
1. Francisco apreciava enormemente esta expressão do Novo Testamento. Somos peregrinos e forasteiros neste mundo. Não nos instalamos. Sempre em marcha, sempre descobrindo novos horizontes, sempre com um bastão na mão, sempre atento às novidades do caminho, sempre acolhendo os que chegam de outras estradas desejando caminhar conosco. Nós, frades, experimentamos muitas vezes a alegria do peregrino, sem muita bagagem, sem seguranças exageradas. Digo muitas vezes, porque muitas outras vezes somos sedentários, pessoas que nos instalamos em nossas posições e impedimos que o Senhor e a vida nos mostrem horizontes deslumbrantes e que poderiam renovar o mundo segundo o coração do Senhor. Ser peregrino e caminhante não significa apenas deslocar-se fisicamente, mas não permitir que o coração se satisfaça com as migalhas adquiridas e sempre olhar na direção do amanhã. Ora, o tempo da quaresma faz a delícia dos que têm a alma de peregrinos.

2. Há tempo para tudo. Tempo para nascer, para viver e para morrer. Tempo para trabalhar e tempo para descansar. Tempo da plantação e tempo da colheita. Tempo do descanso e tempo da labuta. O Sábio, nas Escrituras Antigas, já nos advertia sobre a fugacidade de tudo. Há o tempo para esperar a vinda do Senhor e o tempo para celebrar as glórias do Menino das Palhas, do Deus deslumbrante e belo que se torna fragilidade e arranca lágrimas de júbilo e de encantamento do coração de Francisco de Greccio, tempo dos anjos cantando a glória do Verbo feito carne. Tempo de montar os presépios e tempo de guardar as imagens em caixas grandes no sótão ou no quarto dos fundos... esperando, se Deus permitir, um novo dezembro de nossas vidas. E agora há o tempo da quaresma... Sim, o tempo da quaresma e logo em seguida, o tempo da páscoa. Não se trata apenas de um formalismo, mas de um itinerário a ser percorrido por aqueles que querem ser discípulos do Senhor que ressuscitou e vive em nosso meio. Desnecessário dizer que os dias que viveremos de 25 de fevereiro, quarta-feira das cinzas e do pó, até 8 de abril, quarta-feira da Semana Santa, constituem um tempo propício e favorável. Temos sempre certo pudor em ficar repisando coisas que todos dizem e repetem à saciedade: conversão, mudança de vida, vida nova, penitência. Todas essas palavras, aos ouvidos de muitos de nossos contemporâneos, podem parecer sem sentido e vazias. Apenas um sopro da voz. Mas não é possível fugir do conteúdo dessas palavras. Talvez o único tema necessário a ser vivido e estudado seja esse, ou seja, o da transformação do coração. Quaresma tempo de conversão. Foi assim, dizia Francisco, que tudo começou. “Um dia, eu fui levado a fazer penitência, a mudar o coração. Um dia o doce e o amargo lutaram e pelejaram. No meio da contenda havia um leproso que me repugnava. Eu estreitei essa chaga ambulante e fétida junto de meu peito e passei a gostar do que talvez não fosse tão apetecível... Mudei... Pouco depois deixei de lado a maneira de ver as coisas: minhas camisas de seda, meu charme, sim, todo o charme que eu esbanjava, meu desejo de vitória.. e ao longo da minha vida tentei ser um discípulo daquele que vivera pequenamente e que havia tocado as fibras mais íntimas de meu interior... Comecei a deixar o mundo até o dia em que o Senhor tirou minha alma desta prisão”. Viver a quaresma é viver um itinerário de conversão, itinerário de peregrinos e forasteiros.

3. Cinza e pó em nossas frontes, tais quais somos. Bons e maus. Santos e... demônios. Gente que busca as estrelas do céu e toca com os pés a lama do caminho. Nunca me esquecerei do céu de Lubango, em Angola, céu sem nuvens e à noite... estrelas que pareciam uma festa no deserto... Ouvimos, agora, neste tempo da quaresma, mais uma vez: “Convertei-vos e crede no Evangelho”. Lutar até o fim. Fazer o possível e o impossível para buscar a pérola preciosa e o tesouro escondido no campo da vida, no tempo que passa, antes do fim da caminhada, no tempo propício, fazendo das tripas coração... Um pouco de poeira na fronte e o coração desejoso de começar tudo outra vez. Até agora nada fizemos... Essa a experiência da quarta-feira das cinzas. O desejo de não endurecer o coração, apesar das decepções da vida. A quarta-feira das cinzas é sempre um dia de visita do interior. A mudança não é externa. A oração será mais que um mover dos lábios. Será feita nas cavernas mais íntimas de cada ser, nas profundidades mais densas de cada homem e cada mulher. A oração será feita com as portas fechadas e Aquele que penetra tudo escuta o grito do pedinte já sem voz... A quarta-feira das cinzas pede que a mão direita não saiba o que a esquerda faz, que os discípulos façam o bem, estendam a mão aos que sucumbem, durmam prestando atenção se alguém bate à porta e façam simplesmente o bem, nada mais do que o bem, mas o façam discretamente, sem alardes. Ninguém precisa saber. Lembro-me da história que li num livro romanceado. Um bispo tinha uma irmã que vivia em Ruanda... e indo lá viu sua irmã acariciando o rosto de um velho que morria como se acaricia um anjo de Deus. Poucos contemplaram o amor daquela mulher... Fazia isso sempre, sem platéia, sem gritos de vitória. O eclesiástico se ajoelhou e, talvez, pela primeira vez, encontrou Deus a respeito do qual tanto escrevera e falara, ele com suas vestes roxas episcopais. A quarta-feira das cinzas nos pede ainda que nos privemos daquilo que nos corta da vida, que jejuemos, que não nos engajemos tolamente na sociedade consumista, que façamos o jejum de nós mesmos, mas sempre conservando o rosto brilhante e não com aspecto lastimoso e lastimável. Em tudo isso os cristãos sempre se lembrarão que tudo passa, que somos pó, que ao pó voltaremos. Somos peregrinos e viandantes.

4. Depois das tentações, Marcos diz, que os anjos serviam a Jesus. O paraíso se fazia presente. No itinerário da quaresma a primeira etapa é sempre a da tentação. Jesus é tentado no deserto. Tentação e deserto se conjugam. Encantadora a expressão de Marcos ao afirmar que os anjos do céu serviam a Jesus e que os animais bravios estavam por perto numa celebração paradisíaca. Aquele que confia no Senhor, que nele se joga, esse cria um mundo novo. Vencidas as tentações, o coração se aquieta e a paz domina. Difícil é a arte de escolher. E, no entanto, vivemos escolhendo... Há escolhas e escolhas. Há a escolha de uma vida para Deus, no casamento, na vida religiosa, na vida de todos os dias. Há essa escolha de viver para... o outro, o Senhor, a esposa, o esposo, os filhos, os cambaleantes da vida... Opção, escolha... êxodo de si mesmo, vontade de sair de si. Escolher de verdade, não de brincadeirinha, não de mentirinha... escolher com outros, morrendo, morrendo para nascer. Toda escolha é uma morte... Não se pode escolher tudo porque nos tornamos seres sem densidade. Escolhemos uma esposa e depois outra, fazemos a profissão religiosa e depois esquecemos... Não julguemos ninguém, mas aquele que lança mão do arado e olha para trás, não é digno do reino dos céus. Difícil escolher... escolher cada dia, um dia depois do outro, escolher mesmo quando parece absurdo. Francisco escolhera o Senhor, no deserto da tentação. Quando sentiu que a Ordem lhe fugia das mãos foi para o La Verna e lá se identificou com o Amado. Escolhera o Senhor no frescor de seus dias e no beijo do leproso e, agora, feito um trapo humano, quase cego e meio abandonado dos grandes da Ordem tinha permanecido firme. O Senhor lhe dera o selo das suas chagas. Francisco, com toda sua vida, trouxe o paraíso à terra. Não cair em tentação...

5. O mundo é o mundo e pronto. Os israelitas e palestinos não param de se matar, matar mesmo, gostam da desfiguração... casas destruídas, vidas truncadas, ódio, ódio violento. Essas guerras do tráfico, essa gente que morre na calçada e nas favelas, esses rostos despedaçados e esfacelados. Essas menininhas e menininhos que perdem seus pais... que têm sempre um choro dolente e não conseguem mais rir... Esse rosto desfigurado da mãe da menina que foi fuzilada por estes ou por aqueles, do velho esquelético que perdeu sua casa e seus documentos na enchente de Santa Catarina. E Jesus sobe ao Monte. No alto da montanha, esse rosto humano procura o rosto da Luz. A Luz chega e diz: “Este é o meu Filho, muito amado... escutai-o!” Ele tinha as vestes tão brancas que nenhum lavandeiro da terra conseguia fazer tão brancas... Esse Jesus tão simples, esse menininho das palhas, esse Gesú Bambino, é a luz... Os peregrinos e forasteiros da quaresma encontram-no aqui e ali... Na recitação do Oficio os confrades tão frágeis, tão necessitados de tudo... e por detrás dessa comunidade tão frágil, está a força da luz de Cristo... quando dois ou três se reúnem, sejam eles bons ou maus, o Senhor está lá.... é preciso ir além do rosto franzido e da palavra que fere. A perseverança até o fim nos mostra o semblante do Filho luminoso. A mulher que grita de dor pela morte da filha, o homem que cuidou 17 anos de uma filha em coma, o menino palestino acolhido por uma família de israelitas bons, todos esses poderão ver, no meio da bruma, o rosto transfigurado de Cristo.

6. No templo, o rebuliço. Há os que entram e os que saem. Uns chegam para dizer preces, meio longas, preces que tranqüilizam o interior, preces feitas formalmente. Como é triste ver essas missas sem alma. Gente distraída, celebrante formal. Há os que entram e saem do templo. Há os que confiam demais na religião do sábado e domingo, na religião do templo. Há também, é claro, aqueles que perderam o gosto pela prece com os irmãos no dia do Sol. Não podem mais dizer com os israelitas: “Que alegria quando me disseram vamos à casa do Senhor...”. O estar com os irmãos no templo diante do Senhor é belo e prazenteiro. Ficamos, no entanto, chocados com o Jesus que toma um chicote para expulsar os que haviam transformado o templo numa praça de comércio, de troca, de interesse, de dinheiro... O zelo pela casa do Senhor tomara conta de Jesus. Pensamos em nossas celebrações e auguramos que celebrantes e fiéis tenham coração puro, casto, não dividido, mas inteiro. Não se pode chegar ao templo para barganhar... e nunca esqueceremos que Jesus é o templo novo... uma vez destruído, em três dias, será reedificado. A ressurreição de Jesus toca todos... o homem de boa vontade, sem religião, mas bom, limpidamente bom tem sementes de Jesus, aloja em seu interior a vida do Cristo mesmo sem saber. Não somos homens da religião do templo, mas daqueles que encontram Jesus, o templo de Deus entre nós. Aprendemos também que somos templos do Espírito Santo. Francisco de Assis permitiu que se vendesse um livro que servia ao ofício da fraternidade para socorrer as necessidades da mãe de um frade. Conhecemos o episódio. De outro lado, o mesmo Francisco pede que nos recolhamos nas capelinhas, nos pequenos templos, sempre com um coração puro de tal forma que Cristo possa encontrar seu templo em nós... capela de São Damião, de Nossa Senhora dos Anjos, da Madalena em Fonte Colombo...Nós vos adoramos, Senhor Jesus, Cristo...

7. Deus amou tanto o mundo que lhe deu seu Filho Unigênito... Bem no coração da quaresma os viandantes e peregrinos recebem esta mensagem tonificante... num mundo de individualismo, de salve-se-quem-puder, num mundo em que muitos têm a impressão de não contar há essa palavra de João que nos arranca da solidão... Deus nos amou... e nos amou até o fim... e olhando para o alto, para aquele que foi elevado entre o céu e a terra vemos nascer dentro de nossos corações uma esperança... Cada ser humano é amado por ele... amado de verdade.... No tempo da quaresma sentimos vontade de sentar num canto e contemplar... Damo-nos conta que o Filho não foi enviado para condenar o mundo... mas para salvá-lo. Esse Filho que aderiu ao Pai, colocou sua vontade na vontade do Pai, esse filho de Maria que olhou os lírios dos campos, que acariciou o rosto das crianças, que acolheu com emoção a fé da hemorroíssa, que olhou nos olhos do jovem rico, que foi suspenso entre o céu e a terra, que teve seu olhar turvado pelo suor, pela sangue que descia de sua testa, aquele que experimentou uma imensa solidão até o fim, esse nos amou. O soldado que mata os outros e chora por ter matado, o homem fraco que espanca o filho até à morte, a mulher cheia de dores de uma doença que veio para ficar já cantando a ladainha do desespero, todos esses seres humanos foram e são amados. Há uma porta aberta... Não há motivos para desesperar... Para João, dizem os exegetas, a cruz é o trono de glória, mas também o trono do juízo... o que foi feito a um desses pequeninos a mim foi feito.

8. Antes da Semana Santa, ouvimos o Mestre dizer: “Chegou a hora em que o Filho do Homem será glorificado”. Na caminhada da quaresma, os peregrinos e forasteiros, se colocam diante daquele que vê chegar sua hora. Cristo não teve um destino cego. Não se pode falar em fatalismo. Ao longo de seu viver, nas coisas de todos os momentos, na história de seu povo, nas convulsões de aqui e de ali, no tempo do poder romano, Cristo Jesus foi sentindo que chegava a hora, a hora da entrega, sem restrições. João, o evangelista, nos fala da hora de Jesus num duplo sentido: hora de ser materialmente levantado da terra , hora de morrer, de sair das coisas pequenas, do mundo-mundano, sentir que com a elevação da cruz ele estava sendo exaltado para a suprema forma de amor. Antes, na hora do jardim, ele havia pedido que, se fosse possível o Pai o afastasse daquela hora. Mas a hora se avizinhava. Outros, segundo João, tinham querido que, nas bodas de Cana, ele se manifestasse plenamente. Mas ali ainda não tinha chegada a sua hora. Ele diz à mãe: “Minha hora ainda não chegou”. A hora de Jesus é a hora do sim definitivo. Lá, no deserto dos começos, ele havia dito já que aderia ao Pai... a vida foi passando, os dias chegando e morrendo, as coisas se aceleravam e a luta entre as luz e as trevas se acirrando. Chegara a hora das trevas, mas também a hora da luz. Quando o Filho do Homem foi exaltado no alto da cruz, a luz venceu as trevas. E no ato de entrega, da oferenda da vida ao Pai pelos homens que o Pai tanto amava, Cristo foi vivendo já o começo de sua glorificação. Quando ele fosse exaltado, atrairia tudo a si. Esse molambo do alto da cruz, esse condenado muitas vezes representado como que sentado num banco no alto da cruz, esse Jesus ressuscitou e da cruz brotaram luzes de glória, segundo a perspectiva de João.

9. Que dizer ainda? Com Francisco temos vontade de afirmar que amor precisa ser amado. Nós, franciscanos, lá onde estivermos, não cessaremos de dizer pelo nosso labor e trabalho, pelo testemunho e pela pregação, que esse Jesus precisa ser amado, que o amor precisa ser reconhecido. Nós, poeira da estrada, temos consciência de nossa pequenez. Ao longo da vida, na tentação, fazemos nossas escolhas por Cristo. Fazemos nossas opções. Somos cristãos no seio da Igreja, na fraternidade franciscana e nesse mundo que buscar novos caminhos. Adoramos o Senhor nas igrejinhas mais abandonados e no latejar ainda do coração dessa gente que morre nos hospitais sem uma mão que as aperte ou que toque sua fronte. Sabemos que o Senhor ama esse mundo tão complexo, tão conturbado, mundo das desigualdades e das opressões, mundo do individualismo e do egoísmo, mundo do norte e do sul, mundo de Ruanda e de Gaza, da Complexo do Alemão e da Comunidade de Santa Marta, mundo das bolsas de Tóquio, Frankfurt ou São Paulo, mundo da crise, mundo .. o Senhor a todos ama. E vamos dizer a todos que amor com amor se paga, enquanto houver respiro e fôlego em nós.

10. Agora só nos resta entrar com Jesus na Semana das Semanas, viver os passos de Jesus no dias da Semana santificada, semana da ceia e do lavapés, da desolação e da cruz, do silêncio do sábado santo, do dia do grande descanso e da manhã luminosa da luz pascal... Ele, o nosso amado, venceu o mundo... aleluia.
(*) Frei Almir Ribeiro Guimarães, OFM é Assistente Nacional para a OFS e Assistente Regional da OFS do Sudeste II

E
xtraído de http://www.franciscanos.org.br/v3/vidacrista/artigos/almir_070808/artigos_21.php acesso em 25 fev. 2008.

Vídeo: Clarissas -Vocacional

Vídeo vocacional das Irmãs Clarissas do Mosteiro Nazaré de Lages, Santa Catarina, Brasil.
Quer conehcer mais sobre nós? Acesse nosso blog
http://clarissaslages.blogspot.com

Recomeço total


“... e às vezes o Bispo de Assis. Pois, naquele tempo, ninguém viveu a pobreza que ele desejou mais do que qualquer outra coisa deste mundo; foi nela que quis viver e morrer.” (Leg3C, 10)
Como se sente uma pessoa que cree que só ela tem uma idéia clara? Tem de ficar muito tempo sozinha com esta certeza – como uma mãe que está grávida. Na última reflexão vimos como Francisco se presentava a Deus lutando e não falava com ninguém.

Só de vez em quando com o Bispo de Assis – como ficou completado na citação de hoje. Que tipo de homem terá sido para que Francisco se atrevesse a falar com ele sobre uma coisa que aparentemente requeria um começo totalmente novo. Precisamente com um homem que, devido ao seu cargo, leva antes aos caminhos habituais. Ou é que Francisco procura o contrário, o adversário, o argumento diferente? Ou é assim que se familiariza bem com a sua vocação?

Seja como for: Francisco constata que a pobreza não mora em lado nenhum. Naturalmente, não se refere à miséria social que, sobre tudo, no tempo dele, tinha assumido uma extensão muito grande. Refere-se à Senhora Pobreza, àquela liberdade total que vai aos pobres e vive com eles numa solidariedade total.

Oiço os reparos por parte do mundo eclesiástico e leigo: um extremista, um radical, um reformador, um revolucionário! Mais tarde, todos ouvi-lo-ão que lutam contra a escravidão. Hoje ouvem-no todos que, devido à pobreza no mundo e à crescente urgência ecológica, querem mudar para um estilo de vida completamente vegetariano.

Mas, o assim chamado extremismo resplandece desde a raiz (em latim: rabis) do próprio cristianismo: a radicalidade resulta da Encarnação de Deus: quem poderia ser mais solidário do que Deus no mistério natalício? Quem poderia unir-se mais revolucionariamente aos escravos do que Deus que em Jesus se fez um deles? Quem poderia tomar partido mais radical da “matéria viva” do que este Jesus, o Deus feito Homem?

Perguntas:
  1. Quais as minhas experiências com a hierarquia eclesiástica quando se trata de iniciativas e caminhos novos?
  2. Com quem falo para fazer mais nítidos os argumentos e encontrar o próprio perfil?
  3. Quais são as coisas que hoje não se têm realizado em parte nenhuma, mas que muito nos dizem respeito e chamam para ser resolvidas?
Extraído de:
Carisma 2008/2009 : intercâmbio de idéias e impulsos / Anton Rotzetter. Disponível em http://www.ccfmc.net/wPortugues/cbcmf/bibliothek/charisma/2007_Charisma_Impulse.shtml?navid=104 acesso em 10 fev. 2009.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Clausura do Coração


„....e começou a pedir ao Senhor que lhe mostrasse o caminho. Não desvendou o segredo a ninguém, não se aconselhou com ninguém a este respeito, só com Deus, que já tinha começado a mostrar-lhe o seu caminho“. Leg3C, 10
Francisco tinha começado a falar noutra língua: na língua dos namorados e dos que experimentaram Deus. Viveu alguma coisa em Roma o que não se pode comunicar, sobre o que não se pode falar. Não há palavras adequadas. Por isso, o segredo não deve ser descoberto. Sempre que alguém fala numa situação destas para contar aos outros sobre o segredo, entorna a água preciosa e a água torna-se insípida.

Há em nós um espaço interior que tem de ficar fechado, uma espécie de clausura do coração, à qual ninguém tem acesso. Não o/a amante na amizade e no matrimônio, e muito menos o homem ou a mulher na rua. Quando muito, se pode oferecer uma vista de olhos pela janela a um/a confessor/a, mas isto muito discretamente e muito raras vezes. Quem pensar ter que dizer tudo, é sujeito a uma ilusão, e, ao mesmo tempo, prova que aquilo que viveu e experimentou não tem nada a ver com Deus. A verdadeira experiência Divina, que é sempre também uma experiência própria tem de ser tapada com pudor e temor. O segredo tem de ser guardado, não se atiram as pérolas para a rua.

Naturalmente, a vida é sempre um caminho. Não se deve parar, mesmo se se guardar no interior próprio o segredo de Deus. Por isso, se junta ao silêncio piedoso e discreto a oração: a questão como continuará, onde levará o segredo e o que significará dia após dia.

Perguntas:
  1. Como lido com as minhas experiências espirituais?
  2. Quais são as formas que há para as viver?
  3. O que faço com a minha necessidade de comunicar?
Extraído de:
Carisma 2008/2009 : intercâmbio de idéias e impulsos / Anton Rotzetter. Disponível em http://www.ccfmc.net/wPortugues/cbcmf/bibliothek/charisma/2007_Charisma_Impulse.shtml?navid=104 acesso em 10 fev. 2009.

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Vídeo: Benção de Santa Clara de Assis

Bênção de Santa Clara, ilustrada com fotografias tiradas pelas Irmãs Clarissas do Mosteiro Nazaré de Lages, Santa Catarina, Brasil.
Querem saber mais sobre nós? Visite nosso blog: http://clarissaslages.blogspot.com

Vídeo: Clarissas

Vídeo vocacional das Irmãs Clarissas do Mosteiro Nazaré de Lages, Santa Catarina, Brasil.
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E mendigou em francês

E pediu esmolas em francês. Pois tinha uma predileção por falar francês, embora não o soubesse falar bem. (Leg3C 10)


Exprimir-se noutra língua. Não utilizar sempre a linguagem do dia-a-dia, não usar sempre as mesmas palavras ocas, os vocábulos e termos vácuos, banais, insignificantes.

Falar uma vez como os anjos, pois só esta linguagem corresponde, ao fim e ao cabo, à deidade de Deus. Ser uma vez uma pessoa completamente diferente, ao contrário, não ser uma pessoa diferente, mas a pessoa que sou realmente! Mas os padrões habituais são demasiado ocos, os conceitos tradicionais tão insignificantes. Só palavras poéticas podem exprimir o que eu sou, ao fim e ao cabo, perante Deus. Só a linguagem do amor satisfaz aquilo que é importante em relação aos atos e à verdade.

Deverá ter sido aquilo que Francisco de Assis sentiu na sua ânsia juvenil. Nenhuma das maneiras com as quais se quis exprimir até então combinou com aquilo que sentiu no seu coração quando pediu esmolas. A extrema pobreza, a experiência de não poder viver por si, mas através do outro, do totalmente Outro, exigiu uma linguagem dos poetas e amantes.

E, na época de Francisco, esta linguagem foi a dos Menestreis, dos Trovadores – e a pátria deles foi a Provença, naquele país do qual o pai dele tirou o seu nome: Francisco – o francês.

Uma coincidência? Só a linguagem dos poetas e dos amantes é familiar para ele. É nesta linguagem que se quer salvar no futuro. Quer aprender cada vez mais desta linguagem. E há de chegar o dia em que será totalmente o santo seráfico, o santo ardente de amor.

Perguntas:
  1. Como me experimento a mim mesmo/a na linguagem do dia-a-dia?
  2. Como se me demonstra a necessidade duma linguagem nova?
  3. Quais as experiências das que quero contar?
Extraído de:
Carisma 2008/2009 : intercâmbio de idéias e impulsos / Anton Rotzetter. Disponível em http://www.ccfmc.net/wPortugues/cbcmf/bibliothek/charisma/2007_Charisma_Impulse.shtml?navid=104 acesso em 10 fev. 2009.

domingo, 22 de fevereiro de 2009

Demonstração do Amor?

Atirou a bolsa na abertura do altar causando tanto barulho tilintante que todas as pessoas em volta se admiravam muito deste donativo tão generoso. Leg3C 10


Então, Francisco, o que te passou pela cabeça? O que pretendeste com uma demonstração tão aberta do amor? Há duas possibilidades de responder.

Uma refere-se à estrutura básica egoísta do nosso ser humano. Os psicólogos e sociólogos modernos sempre querem insinuar que realmente não há ações altruístas. Dizem que éramos desesperadamente egoístas; também o bem que fazemos só era feito porque assim podíamos construir o nosso ego. Assim, a ação generosa de Francisco não seria outra coisa do que uma expressão da sua necessidade de brilhar; vejam a minha generosidade, a minha capacidade de amor! O gesto da generosidade é invertido para o contrário. Se fosse assim, então Francisco teria de percorrer um caminho muito longo até se converter realmente em amante no espírito de Jesus. Francisco se encontraria ainda ante a sua conversão; estaria entregue à forma mais sublime da vida egocentrista.

A outra possibilidade pertence ao modo duma atitude profética. Como Jesus expulsou os negociantes do templo com grande estrondo e barulho, assim Francisco denuncia os hipócritas beatos e a sua mesquinhez. Como se pode pretender amar se dando tão pouco? O amor freado é uma contradição interna! Ou se dá – e então tudo, até a si próprio. Só dar alguma coisa – não é nada! O barulho que Francisco fez deveria então cair no abismo que está patente ainda no doador mesquinho. O seu eco seria tão alto que faria doer de maneira que aqueles, para os quais foi feita esta demonstração, sumir-se-iam de vergonha ou dariam uma grande esmola.

Perguntas
  1. O que dizes às duas possibilidades de interpretação?
  2. O que sentes quando fazes bem?
  3. Qual o papel do egoísmo quando dás alguma coisa a alguém?
Extraído de:
Carisma 2008/2009 : intercâmbio de idéias e impulsos / Anton Rotzetter. Disponível em http://www.ccfmc.net/wPortugues/cbcmf/bibliothek/charisma/2007_Charisma_Impulse.shtml?navid=104 acesso em 10 fev. 2009.

sábado, 21 de fevereiro de 2009

Vídeo: Santa Clara de Assis - Ir. Clarissas Capucnhinhas

Múscica: Clara Luz no Horizonte

Generosidade

Quando Francisco entrou na Igreja de S. Pedro viu que os donativos de algumas pessoas eram muito escassos. E disse para si mesmo: “Se se tem de venerar o príncipe dos Apóstolos com grande generosidade por que é que estas pessoas dão donativos tão escassos na igreja na qual descansa o seu corpo?” E assim, com sagrado fervor, meteu a mão à sua bolsa; estava cheia de moedas de prata. Atirou-a na abertura do altar. (Leg 3C, 10)


A generosidade tem de ser treinada

Em princípio, é uma coisa natural. E também por razões egoístas temos de ser generosos. Pois está escrito na Bíblia: “e sereis medidos com a mesma medida com que medirdes” (Mt 7,2)? Se eu quero ser envolto de amor, atenção, assistência, ternura então tenho de praticar simplesmente todas estas coisas! No entanto, este motivo egoísta estraga toda a generosidade. Vejamos Deus: Ele é a plenitude, a graça sobre graça (Jo 1) uma fonte que transborda. Por que não ser como Ele?

E, mesmo assim, seguramos o nosso coração. Somos avaros. E se alguém nos pede um Euro perguntamos o que quer ele fazer com o dinheiro. E nos peditórios, nas coletas e nas esmolas vemos exatamente se condizem com as nossas possibilidades. E quando se trata de caixas de esmolas é suficiente sempre uma moeda pequena.

Francisco de Assis é perturbado e deita tudo o que leva com ele na abertura do altar. Não pensa no que há de ser depois, nem amanhã, nem no dia depois. É como ele mesmo se deitasse no altar, se entregasse plenamente. A generosidade tem que ver com a própria identidade.

Esta atitude, no entanto, tem de ser treinada dia a dia. Talvez seja conseguida alguma vez.

Perguntas:
  1. Quando fui generoso/a de verdade a última vez?
  2. O que senti?
  3. Como poderia ser mais generoso/a? Como poderia treinar a generosidade?
Extraído de:
Carisma 2008/2009 : intercâmbio de idéias e impulsos / Anton Rotzetter. Disponível em http://www.ccfmc.net/wPortugues/cbcmf/bibliothek/charisma/2007_Charisma_Impulse.shtml?navid=104 acesso em 10 fev. 2009.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

“O hábito faz o monge”

Assim, a graça divina mudou-o, embora vestisse ainda vestimentas profanas. Por isso desejou estar numa cidade onde pudesse despir as próprias vestimentas como um forasteiro, pedir trajes emprestados a um pobre e tentar pedir esmolas ele mesmo, pelo amor de Deus. (Leg3C10)

As muitas experiências modificaram Francisco, foi transformado, diz a Legenda dos 3 Companheiros. Pelos vistos, as vestimentas ficam-lhe apertadas. Francisco sente que a aperência já não corresponde à realidade, o exterior não corresponde ao interior. Sente-se, de algum modo, estranho na vestimenta que leva. Fica marcado por uma espécie de esquizofrenia. Tem de se esforçar por genuinidade, integridade, pela concordância entre o exterior e o interior. O hábito faz o monge. Mas qual hábito fica-lhe realmente bem?

Em vez de se pôr diante do espelho para experimentar diferentes vestimentas como fazem normalmente as mulheres, mas, em medida cresciente, também os homens, antes de sairem, Francisco vai a uma região na qual ninguém o conhece. Normalmente vestem-se as vestimentas das quais os amigos e conhecidos possam gostar. O vestido é uma questão da honra, da aparência, do prestígio, da posição social. Pede reconhecimento, confirmação. Francisco, no entatno, já não procura aquilo. Só quer ser autêntico. Procura o equilíbrio entre o estar no mundo e da sua condição interior. Esta experiência só a pode fazer num lugar onde ninguém o conheça.

Assim vai para uma terra alheia. E veste o vestido dos pobres, a vestimenta do mendigo – e faz-se mendigo pobre. Um dia inteiro – e sabe: é a minha vestimenta, fica bem com o meu interior. A aparência corresponde ao ser. O ser pobre não se dá bem com o prestígio que um vestido rico promete.

Perguntas:
  1. Qual significado tem para mim a aparência, especialmente a roupa?
  2. Quais as experiências que fiz quando desisti dos símbolos de posição social?
  3. Quais as experiências que fiz com uma “troca de roupa”?
  4. Caso que sou monge ou freira: Quais as experiências que fiz com o hábito?
Extraído de:
Carisma 2008/2009 : intercâmbio de idéias e impulsos / Anton Rotzetter. Disponível em http://www.ccfmc.net/wPortugues/cbcmf/bibliothek/charisma/2007_Charisma_Impulse.shtml?navid=104 acesso em 10 fev. 2009.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Vídeo: São Francisco de Assis - Irmãs Clarissas Capuchinhas

Sentir o próprio nada

“A partir desta hora começou a sentir o seu próprio nada e desprezar as coisas que anteriormente tinha amado. No entanto, não o fez aind duma maneira ampla, porque ainda não tinha renunciado completamente à vaidade do mundo” (3Leg3C,8)
Uma frase estranha. Ou o autor projeto uma compreensão da vida espiritual para a juventude de Francisco, ou Francisco experimenta realmente muito cedo a sua futilidade.

Na realidade, Francisco já se distanciou bastante das ilusões vaidosas e da necessidade de ter prestígio no mundo. Em Spoleto desmascarou os seus sonhos errados, anseia uma união quase matrimonial com Deus, sente a grande atração dos pobres, despediu-se de muitas coisas que antes amava de todo o coração. Futilidades „nadas „são honra e glória, dinheiro e prestígio, carreira e posição social. E agora sente a própria insignificância, sente o grande vazio, o próprio nada.

Não tem nada a ver com sentido de inferioridade. Não é necessário que se diga a Francisco todos os dias: tu es alguém, sabes algo, es amado, es importante – ele, de todas as maneiras, não o acredita. O sentido de inferioridade é só outra forma de egoísmo. Continua-se a se sentir importante de mais, só não se nota.

A experiência feita por Francisco no principio é uma coisa completamente diferente. Sentir o próprio nada significa sentir que Deus é único e tudo. Comparado com o todo, todas as outras coisas são nada! Não há fundamento próprio no qual uma pessoas poderia estar. A razão do meu ser é Deus. De resto, não sou nada!

Perguntas:
  1. A que se dedica o meu coração?
  2. Qual o grau do sentido de inferioridade em mim?
  3. Onde reconheço o próprio nada?
  4. Onde experimento o fundamento da minha vida?
Extraído de:
Carisma 2008/2009 : intercâmbio de idéias e impulsos / Anton Rotzetter. Disponível em http://www.ccfmc.net/wPortugues/cbcmf/bibliothek/charisma/2007_Charisma_Impulse.shtml?navid=104 acesso em 09 fev. 2009.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

A atração exercida pelos pobres

É estranho o que se passa com Francisco. Enquanto que anteriormente – aborrecendo os seus pais – se levantava da mesa do almoço para se juntar com os seus amigos, antes que o almoço tivesse acabado, é atraído agora da mesa das refeições para se juntar com os pobres. “Mas agora o desejo do seu coração é ver os pobres ou ouvi-los“. É como se fosse uma obsessão, uma atração irresistível.

O que poderá ser o que o fascina tanto em relação aos pobres? Houve alguém que disse uma vez que os pobres eram os mestres dos homens. Mas o que lhe poderiam dizer a ele? O que é que poderia aprender com eles?

Outra pessoa disse: a pobreza dos pobres é inexplicável. Mal uma pessoa pensava saber o que era a pobreza – então era introduzida na realidade da pobreza. A mesma era como um castelo de fadas e tinha salas incontáveis. E finalmente alguém disse: Deus e a pobreza tinham algo em comum: a incapacidade de definição, as duas coisas ficam, no fundo, incompreensíveis.

O que é que fez Francisco abandonar a mesa posta – precisamente a favor daqueles que, aparentemente, não podem oferecer nada?

Perguntas:
  1. Como respondes às perguntas formuladas no texto?
  2. O que sentes quando vês pobres.
  3. Sentes tu também uma certa fascinação que emana dos pobres?
Descreve-a!
Extraído de:
Carisma 2008/2009 : intercâmbio de idéias e impulsos / Anton Rotzetter. Disponível em http://www.ccfmc.net/wPortugues/cbcmf/bibliothek/charisma/2007_Charisma_Impulse.shtml?navid=104 acesso em 09 fev. 2009.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Vídeo: Vocacional Clarissas Capuchinhas- RS

Vídeo sobre a vocação das irmãs Clarissas Capuchinhas de Flores da Cunha - RS
Mosteiro Nossa Senhora do Brasil
Música: Rap do Chamado - Clarissas Capunhinhas
http://www.irclarissascapuchinhas.com

Deixar falar o coração

Quanto mais Francisco pressente o segredo de Deus, quanto mais se retira para a sua gruta, tanto mais percebe que algo não anda bem com este mundo. Sempre quando anda pela cidade vê, diante de cada loja, em cada esquina, um mendigo. Algo não anda bem com os homens que têm de pedir. Algo não anda certo com a sociedade, que cria mendigos. É mais um sentimento do que um conhecimento.

Primeiramente, passou simplesmente por eles. Mas, pouco a pouco, a má consciência apodera-se dele. Algum tempo vira a cara – para o lado oposto da rua ou, simplesmente, em frente, para não fitar nos olhos deles. A má consciência persegue-o. Não o deixa descansar, até que ele se atreve a dar uma olhada nele. E, neste mesmo momento, está tudo claro: o coração fala, a esquerda não sabe o que faz. Sempre que chega a casa, a sua bolsa está vazia; muitas vezes também deram o cinto, que seguravam os seus vestidos. Teve de esvaziar o que tinha para as mãos vazias.

Não ouve nem sequer toma conhecimento da razão, que lhe diz que assim não se ajuda ao mendigo. Só quer ouvir a voz do coração.

Perguntas:
  1. O que diz a você o mendigo na rua? Como você reagir? Quais as conseqüências para você?
  2. O que diz ao facto de haver cada vez mais mendigos? O que tem isso a ver com a sua vida espiritual?
  3. O que diz à provocação subseqüente?
“Ao sair da igreja, um homem velho propôs-me entrar para a irmandade do Santíssimo Sacramento aconselhando-me visitar o superior desta irmandade, a quem, zeloso de pôr em relevo a influência e a dignidade do homem, chama “chefe”.... “Ah sim, então que ele é chefe, o vosso superior” – digo-lhe. “Se é assim, então a história acabou para mim. Fála-me outra vez da sua irmandade naquele dia em que um mendigo estiver à frente da mesma.”

Léon Bloy, Der undankbare Bettler (O Mendigo Ingrato), Tagebuch (Diário) de 1892-95, Nürnberg 1949.
Extraído de:
Carisma 2008/2009 : intercâmbio de idéias e impulsos / Anton Rotzetter. Disponível em http://www.ccfmc.net/wPortugues/cbcmf/bibliothek/charisma/2007_Charisma_Impulse.shtml?navid=104 acesso em 09 fev. 2009.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Retirada

Francisco acaba de ser desafiado na sua ausência mental de indicar, finalmente, o nome da sua noiva. Então diz que Deus provoca uma fascinação ainda maior do que a mais bela mulher do mundo. Ligação com Deus (= religio) – isto é, no futuro, a sua escolha, diz ele. E retira-se para uma gruta. Desliga-se do barulho da cidade, das muitas palavras, da diversidade de experiências que lhe caem encima.

Uma gruta! Muitas vezes, a biografia duma pessoa experimenta numa gruta uma ruptura radical, um câmbio, que só pode ser comparado com uma nascença nova. Numa gruta modifica-se decisivamente a imagem de Deus do profeta Elias (1Reis19); numa gruta soube S. Bento o que é a vida verdadeira; numa gruta, Maomé torna-se fundador do Islã; e agora Francisco busca numa gruta a face Dele que está por cima de toda a beleza terrestre. Durante toda a sua vida, Francisco há de voltar sempre à gruta para encontrar aquela resposta que corresponda ao amor de Deus.

Uma vez vai cantar Mãe Terra e atribuir toda a gratidão a esta palavra. Como a sua mãe Pica, a terra deu-o à luz, deu-lhe a vida verdadeira que se mostra unicamente na ligação amante com Deus. Na meditação, na oração, na tranqüilidade e no silêncio.

Perguntas:
  1. Quais as experiências na minha vida correspondem ao retiro de S. Francisco. O que posso comunicar sobre isso?
  2. O que é e onde está a minha gruta?
  3. Qual o significado constante que tem o motivo do retiro para mim e em geral?
Extraído de:
Carisma 2008/2009 : intercâmbio de idéias e impulsos / Anton Rotzetter. Disponível em http://www.ccfmc.net/wPortugues/cbcmf/bibliothek/charisma/2007_Charisma_Impulse.shtml?navid=104 acesso em 09 fev. 2009.

domingo, 15 de fevereiro de 2009

Vídeo: Audite

Texto escrito por São Francisco para Santa Clara e as primeiras clarissas.
Elaborado pelas Irmãs Clarissas do Mosteiro Nazaré de Lages, Santa Catarina, Brasil.
Quer conehcer mais sobre nós? Acesse nosso blog
http://clarissaslages.blogspot.com

Agüentar a troça

Ainda hoje se podem ouvir os risos e as troças. Francisco de Assis retirou-se montado num cavalo e na armação dum cavaleiro. Agora voltou – descalço, deixou o escudo, a lança e a armadura em Spoleto. Tinha altos ideais seculares, agora chega a casa a pé, muito simples, hesitante, apalpando e hesitando. O seu empreendimento – como hoje em dia se diz – “foi totalmente por água abaixo.”

É apontado com o dedo. Sussurros – risos – troças. Quem é que quer falar ainda com ele? Quem o quer convidar ainda? Não presta para nada, não tem estabilidade nenhuma, hoje quer isto, e amanhã algo totalmente diferente.

Mas o que significa, pois, o juízo dos outros? Serve para corresponder às esperanças e às idéias dos outros? Não tem de seguir o caminho que lhe foi indicado? Ninguém mais está metido na sua pele. Só ele pode responder à vocação que lhe toca muito pessoalmente. Por tal tem de suportar que o seu meio ambiente não o compreenda, que os companheiros o evitem.

A solidão é uma oportunidade segundo Francisco. Ver com os próprios olhos, apalpar e sentir na própria pele, firme nos próprios pés, segue o seu caminho. Deus há de lhe mostrar onde o leva. Tem que ter paciência. Só ele pode tomar as decisões corretas. Ninguém lhas pode tirar. E , por enquanto, o tempo ainda não chegou.

E assim, ele espera e procura sinais e vozes.

Perguntas:
  1. Em que medida me torno dependente do juízo dos outros?
  2. Como me comporto quando alguma coisa não se verifica como eu tinha esperado?
  3. Quando e onde experimentei coisas semelhantes como as de Francisco?
  4. Como vejo, na retrospectiva, as experiências feitas quando esperava?
Extraído de:
Carisma 2008/2009 : intercâmbio de idéias e impulsos / Anton Rotzetter. Disponível em http://www.ccfmc.net/wPortugues/cbcmf/bibliothek/charisma/2007_Charisma_Impulse.shtml?navid=104 acesso em 09 fev. 2009.

Oitocentos anos do carisma franciscano

Frei Almir Ribeiro Guimarães,OFM (*)

Entrando no assunto

Chegamos ao ano de 2009. Os Frades Menores e toda a família franciscana se alegram em celebrar a graça das origens. Sobe do coração de cada irmão ou irmã um hino de gratidão pelo dom da vocação. Nesse tempo de graça evocamos os benefícios que recebemos do Altíssimo e Bom Senhor de termos podido viver no seio da abençoada família de Francisco e de Clara. Chegam aos nossos ouvidos as palavras que Clara nos deixou em seu Testamento: “Entre outros benefícios que temos recebido e ainda recebemos diariamente da generosidade do Pai de toda misericórdia e pelos quais temos que agradecer ao glorioso Pai de Cristo, está a nossa vocação que, quanto maior e mais perfeita, mais a Ele é devida. Por isso diz o apóstolo: Reconhece a tua vocação” (TestC 1-4). Somos gratos por nossa vocação de vida religiosa consagrada franciscana. E assim começamos a comemorar e a celebrar os oitocentos anos do carisma franciscano.

Entrando no assunto queremos ter bem claro diante de nossos olhos os elementos essenciais de nosso estilo de vida. Nosso teor de vida vem descrito no Artigo 1 de nossas Constituições Gerais:

Um certo gênero de vida

§1. A Ordem dos Frades Menores, fundada por São Francisco de Assis, é uma Fraternidade, na qual os irmãos, seguindo mais de perto a Jesus Cristo sob a ação do Espírito Santo, pela profissão, dedicam-se totalmente a Deus, o sumo bem, vivendo o Evangelho na Igreja, segundo a forma observada e proposta por São Francisco.

§ 2. Seguidores de Francisco, os irmãos são obrigados a levar uma vida radicalmente evangélica, isto é; viver em espírito de oração e devoção e em comunhão fraterna; dar um testemunho de penitência e minoridade; anunciar o Evangelho ao mundo inteiro em espírito de caridade para com os homens; pregar obras de reconciliação, a paz e a justiça; e mostrar o respeito pela criação.

O teor do texto das Constituições ora transcrito se nos oferece como síntese da vida que escolhemos: viver o Evangelho na Igreja, levar uma vida radicalmente evangélica, cantar o Senhor que nos deu a Boa Nova de seu Filho, o menino das palhas e o torturado suspenso entre o céu e a terra. Os 800 anos do carisma constituem um convite pessoal e comunitário para que tornemos as palavras acima mencionadas carne de nossa carne e não sejam apenas texto morto a jazer no papel.

O dom da vocação

Cada um de nós sabe que sua história seria outra se não tivéssemos encontrado Francisco de Assis e se Deus, através de franciscanos e pessoas de boa vontade, não nos tivesse atraído para esse caminho. Por isso, somos profundamente gratos pelo dom da vocação.

E juntamente com aqueles que já fizeram boa parte da caminhada, que já tiveram suas roupas encharcadas pelo suor, que atravessaram túneis escuros e puderam ver novamente a luz no rosto dos irmãos e na misericórdia de Deus temos vontade, nesse tempo de graça, de dizer como Francisco: “Até agora nada fizemos. Precisamos começar tudo de novo”. E como o Senhor Altíssimo está para além dos ponteiros dos relógios, queremos começar tudo de novo. Desejamos colocar nossas mãos na mão do Ministro e prometer, na fragilidade e na candura de nossa vida, seguir os passos e as pegadas do Filho bendito da Virgem Maria que morreu e ressuscitou por nós para que tivéssemos podido fazer o voto de viver para Deus.

A graça de recomeçar

O Ministro Geral dos Frades Menores pediu que, por ocasião do VIII Centenário do Carisma, fizéssemos um grande balanço de nossa vida. Escrevia a respeito do centrar-se, concentrar-se e descentrar-se. Centrar-se no essencial, ou seja, no bem, no sumo bem, tendo o coração voltado para o Senhor. Concentrar-se no essencial para evitar a fragmentação e a pulverização: agir no mundo sem perder o espírito da santa oração. Descentrar-se, indo ao mundo, dizendo a todos que o amor não é amado, erguendo seres humanos jogados na beira da estrada, inventando maneiras novas de lavar as chagas dos leprosos e de tornar o amor amado. Tendo em mente nossa forma de vida tão belamente descrita do artigo das Constituições Gerais acima transcrito ouvimos o convite do Ministro Geral: “...convido os Frades todos a entrarem nesse processo, sem ter pressa de ver os resultados, pois como diz um provérbio: “Nenhuma semente chega a ver a própria flor”; mas também sem interrupções que venham a paralisar um processo que se torna inevitável, se quisermos um futuro para nossa forma vitae, recordando o que diz o Talmud: “Não sois obrigados a completar vossa obra, mas não sois livres de não a iniciar”. Esta é uma responsabilidade que todos, sem exceção, devemos assumir com coragem e criatividade, sentindo-nos “sentinela da manhã” (cf. Is 21,11-12) e trabalhando para construir um futuro cheio de esperança, com os olhos sempre voltados para o Senhor, que continua a nos garantir: Estou convosco todos os dias até o fim do mundo” ( A Graça das Origens).

Vivendo evangelicamente
A Conferência da Família Franciscana, em 29 de novembro de 2006, na Carta em preparação para o VIII Centenário da aprovação da Regra explica o sentido da comemoração:


• A Família Franciscana se prepara não para colocar em destaque a figura de Francisco ou de Clara, mas trazer à memória a origem do carisma franciscano.
• Há oito séculos doze homens se apresentaram ao Papa Inocêncio III para pedir-lhe que reconhecesse seu projeto de vida evangélica. Era o ano de 1209.
• Cerca de vinte anos depois (1226), Francisco, o inspirador e guia deste grupo podia escrever: “Depois que o Senhor me deu irmãos, ninguém me mostrou o que eu devia fazer, mas o próprio Altíssimo me revelou que eu devia viver segundo a forma do Santo Evangelho. E eu o fiz escrever com poucas palavras e de modo simples e o senhor papa mo confirmou” (Test 14-15).
• Sempre de novo, nos documentos franciscanos primitivos e nos escritos do fundador, aparece a palavra “Evangelho”: viver segundo a forma do Evangelho, uma vida segundo o Evangelho de Jesus Cristo, radicalidade do Evangelho. O Evangelho significa o coração da vida franciscana. Ele é antes de tudo uma pessoa que vive, isto é, Cristo Jesus, e não um texto. A Igreja não pode perder o sopro do Evangelho e gastar tempo com coisas e providências periféricas.
• Quando lemos as Regras, levando em conta o conjunto dos textos de Francisco, constatamos que o Evangelho não significa somente levar a sério as exigências de uma vida fraterna, vida em pobreza radical – renúncia à propriedade comunitária e pessoal ao dinheiro, mas sobretudo assumir o conceito de autoridade que Francisco propõe: mestres que se tornam servidores, que lavam os pés, pessoas menores, submissos a toda criatura, irmãos de todos os homens. Nisto, para Francisco, consiste o coração da mensagem evangélica.
• A Igreja aprovou o estilo de vida de Francisco. Reconheceu ali uma força vindo do alto para tornar essa mesma Igreja mais conforme o projeto de Cristo assumido por Francisco.
Sempre que refletimos sobre a graça das origens e a beleza do carisma somos levados a reconhecer a distância que existe entre o ideal e a prática. Isso não pode fazer com que esqueçamos das luzes que a história nos mostra. Muitos homens e mulheres, conhecidos e desconhecidos produziram frutos de sabedoria, santidade, ciência, proximidade dos pobres, serviço prestado à Igreja e à humanidade. Em nossos tempos, com maior conhecimento das Fontes Franciscanas, melhor ainda poder-se-á viver a graça das origens.

A Carta da Família Franciscana assim adverte que, mesmo fazendo chegar a Deus a ação de graças pelos benefícios, é preciso reconhecer a distância entre a proposta evangélica e o modo como ele foi vivido ao longo da história franciscana. Apesar de todos os empenhos de renovação, nosso movimento não se acha à altura das exigências do Evangelho. Não se trata de acusar a uns e outros. Precisamos, sim, reconhecer diante da Igreja e do mundo que nossa história e nossa herança apresentam luzes e sombras, tanto no passado como no presente.

Há o convite à refundação. Não é possível parar. Necessário se faz sempre recomeçar. Reiniciar nosso itinerário de conversão, colocando gestos concretos para encarnar na vida pessoal e comunitária cada dia a novidade do Evangelho. Neste momento de renovação do carisma temos consciência de nossa fragilidade e, ao mesmo tempo, da força de Deus perto de nós.

O carisma que Francisco recebeu para si e para seus irmãos é o de viver segundo a forma do Santo Evangelho. Praticamente esse seguimento se manifesta de múltiplas formas.


• Acolher sem cessar o Evangelho e levar uma vida que lhe corresponda.
• Para Francisco, viver o Evangelho não é fórmula vaga, mas por vezes muito precisa e que o santo toma ao pé da letra: uma vida pobre e itinerante em seguimento a Cristo; seguir os ensinamentos e as pegadas de Nosso Senhor Jesus Cristo.
•“O Evangelho é a Boa Nova do que Deus realizou por nós, e para nossa salvação, na Páscoa de Cristo e no envio do Espírito Santo. O acontecimento da salvação que atinge não só os homens, mas todo o universo, manifesta que Deus amou o mundo e o reconciliou consigo na Morte-Ressurreição de Cristo e na efusão universal do Espírito. Esta admirável obra de Deus, na qual se revela a si mesmo e revela o destino do mundo e do homem, foi anunciada por Cristo, pelos apóstolos seus enviados, e a Igreja foi encarregada de a proclamar. Tal é a Boa Nova que nos é dirigida. Tal é o Evangelho da salvação” (Thaddée Matura, OFM, O projeto evangélico de Francisco de Assis, Vozes/Cefepal 1979, p.76).

Propostas para eventual estudo em grupo:
1. Ler e comentar o Artigo I das Constituições Gerais com seus parágrafos. Quais os elementos genuinamente evangélicos que aí aparecem?
2. O que seria, hoje, viver a vida franciscana evangelicamente?
3. Estudar em grupo: Uma contestação em nome do Evangelho, in O projeto evangélico de Francisco de Assis, Thaddée Matura, OFM, Vozes, Cefepal, p. 21ss.
4. O que significa “refundar” a Ordem?

(*) Frei Almir Ribeiro Guimarães, OFM é Assistente Nacional para a OFS e Assistente Regional da OFS do Sudeste II

Extraído de http://www.franciscanos.org.br/v3/vidacrista/artigos/almir_070808/artigos_16.php acesso em 15 fev. 2009.


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