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sábado, 28 de julho de 2012

CRÔNICAS DE MINHA ALMA: AS ARMAS DA VERDADE...





CRÔNICAS DE MINHA ALMA: AS ARMAS DA VERDADE...


Deus está sempre presente e nenhuma criatura pode contestar isto, haja vista ser Ele quem sustenta a obra de suas mãos. Deus só não está presente no pecado, porque Deus é inacessível ao mal, isto é, o mal não tem acesso a Deus nunca. Assim, somente Deus pode penetrar em Sua Natureza Divina e nos dar a conhecê-la, tal como ela É. (cf. 1Cor 2,19). Por isso, tudo o que conhecemos de Deus só o conhecemos porque Ele nos revelou por Seu Espírito, ao longo da história da salvação nas Sagradas Escrituras, e nos últimos tempos, por meio de Seu Filho, Jesus Cristo, o Salvador da humanidade.

Com efeito, a Carta aos Hebreus nos dá a conhecer essa verdade: “Muitas vezes e de diversos modos outrora falou Deus aos nossos pais pelos profetas. Ultimamente nos falou por seu Filho, que constituiu herdeiro universal, pelo qual criou todas as coisas. Esplendor da glória (de Deus) e imagem do seu ser, sustenta o universo com o poder da sua palavra. Depois de ter realizado a purificação dos pecados, está sentado à direita da Majestade no mais alto dos céus, tão superior aos anjos quanto excede o deles o nome que herdou”. (Heb 1,1-4).

Ora, Deus jamais iria criar algo tão lindo, como criou o universo e todas as suas criaturas, para que tudo fosse destruído pelo pecado. É evidente que Deus criou tudo por amor e para o amor, e suas obras demonstram isto claramente. Todavia, sabemos que houve um grande desvio de conduta, por parte dos anjos decaídos e da desobediência dos homens (cf. Gen 3,1-5), para que o mal se nos atingisse, como o constatamos no atual momento da criação.

O Senhor, porém, nunca deixou de dar continuidade ao seu Plano de felicidade e de amor eterno. Por isso, enviou seu Filho amado, Jesus Cristo, para nos livrar do pecado e da influência dos anjos decaídos e para nos salvar das consequências do pecado, que é morte eterna. (cf. Rom 8,1-17). Assim, por meio do seu Sacrifício de Cruz, Jesus nos deu o perdão tão necessário para a nossa salvação. Desse modo, o Senhor nos amou até a última gota do Seu Sangue Redentor, e saudou a dívida que tínhamos com Deus Pai, quando da queda no paraíso; e nos enviou o Espírito Santo para nos conduzir, como novo povo eleito, representado por sua Igreja, da qual é a Cabeça e nós somos seus membros. Pôs à frente dela Pedro e seus sucessores para dar consistência ao seu rebanho. E disse: “Ide, pois, e ensinai a todas as nações; batizai-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Ensinai-as a observar tudo o que vos prescrevi. Eis que estou convosco todos os dias, até o fim do mundo”. (Mt 28,19-20).

Portanto, a Igreja Católica (=aquela que abrange todo o universo), Apostólica (=fundamentada na sucessão apostólica), Romana (=por ter sua sede em Roma na Itália), é a parte visível do Reino de Deus no mundo. Dela fazem parte todos os batizados, pois o Batismo é uma consagração definitiva à Deus e um vínculo de pertença ao seu Reino; por ele somos seus filhos e filhas, isto é, nascemos na ordem da graça para a vida eterna. Por ele, temos acesso a todos os outros Sacramentos, que são canais de graças para a santificação de nossas almas.

Então, quais são as armas da Verdade? Ser batizado e fazer parte do novo povo de Deus, a Igreja Santa, Católica, Apostólica, Romana; observar os santos mandamentos da Lei de Deus (cf. 1Jo 5,3-4); viver vida sacramental, isto é, se unir a Jesus na Eucaristia, e participar também dos outros Sacramentos, conforme o Senhor nos conceda, pois, como disse, os Sacramentos são sinas visíveis de sua presença e comunicadores de suas graças. Ter vida de oração e meditação da Palavra de Deus, para ouvi-lo e segui-lo fielmente, pois quem ouve a Deus em sua Divina Palavra, nunca se afasta do seu rebanho, pelo contrário, cresce na graça, na sabedoria e no conhecimento do Senhor, porque se deixa conduzir pelo Espírito Santo. (Cf. Gal 5,13-25).

Por fim, usemos a mais eficaz de todas as armas da verdade, o amor incondicional. Pois, eis o que diz o Senhor: “Como o Pai me ama, assim também eu vos amo. Perseverai no meu amor. Se guardardes os meus mandamentos, sereis constantes no meu amor, como também eu guardei os mandamentos de meu Pai e persisto no seu amor. Disse-vos essas coisas para que a minha alegria esteja em vós, e a vossa alegria seja completa. Este é o meu mandamento: amai-vos uns aos outros, como eu vos amo. Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a sua vida por seus amigos. Vós sois meus amigos, se fazeis o que vos mando. O que vos mando é que vos ameis uns aos outros”. (Jo 15,9-14.17).

Portanto, fiquemos vigilantes, como nos ensinou São Paulo: “A noite vai adiantada, e o dia vem chegando. Despojemo-nos das obras das trevas e vistamo-nos das armas da luz”. (Rom 13,12). “Pois não é contra homens de carne e sangue que temos de lutar, mas contra os principados e potestades, contra os príncipes deste mundo tenebroso, contra as forças espirituais do mal (espalhadas) nos ares. Tomai, por tanto, a armadura de Deus, para que possais resistir nos dias maus e manter-vos inabaláveis no cumprimento do vosso dever. Ficai alerta, à cintura cingidos com a verdade, o corpo vestido com a couraça da justiça, e os pés calçados de prontidão para anunciar o Evangelho da paz.       
Sobretudo, embraçai o escudo da fé, com que possais apagar todos os dardos inflamados do Maligno. Tomai, enfim, o capacete da salvação e a espada do Espírito, isto é, a palavra de Deus.    Intensificai as vossas invocações e súplicas. Orai em toda circunstância, pelo Espírito, no qual perseverai em intensa vigília de súplica por todos os cristãos”. (Ef 6,13-18).

Destarte, amemo-nos uns aos outros intensamente, pois foi assim que o Senhor nos amou até o fim, e nos deu fazer parte de sua Natureza Divina para amarmos de igual modo. E por este amor, nos deu como herança a imortalidade, por isso o seguimos fielmente em tudo rumo ao Reino dos Céus, à Sua Glória Eterna, revestidos das armas da verdade, “brilhando como luzeiros no mundo a ostentar a Palavra da vida”. (Fil 2,16a).

Paz e Bem!

Frei Fernando,OFMConv.


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sexta-feira, 27 de julho de 2012

O gesto de um jovem

A leitura que a Igreja propõe neste domingo é o Evangelho de Jesus Cristo segundo João 6,1-15 que corresponde ao XVII Domingo do Tempo Comum, ciclo B do Ano Litúrgico. O teólogo espanhol José Antonio Pagola comenta o texto.
Eis o texto

De todos os gestos realizados por Jesus durante sua atividade profética, o mais lembrado pelas primeiras comunidades cristãs foi sem dúvida uma comida multitudinária organizada por ele no meio do campo perto do lago da Galileia. É o único episódio recolhido em todos os evangelhos. O conteúdo do relato é de uma grande riqueza. Seguindo o costume, o evangelho de João não fala de milagre mas de sinal. Dessa forma ele nos convida a não ficarmos nos fatos que são narrados, mas a descobrir a partir da fé um sentido mais profundo.

Jesus ocupa o lugar central. Ninguém lhe pede para intervir. Ele mesmo percebe a fome daquelas pessoas e apresenta a necessidade de alimentá-las. É comovedor saber que Jesus não somente alimentava as pessoas com a Boa Notícia, mas também lhe preocupava a fome de seus filhos e filhas.

Como alimentar no meio do campo uma multidão numerosa? Os discípulos não encontram nenhuma solução. Felipe diz que não é possível comprar pão, pois eles não têm dinheiro. André acha que se pode partilhar o que há, mas somente um rapaz tem cinco pães e dois peixes. Mas o que é isso para tanta gente?

Para Jesus isso é suficiente. Esse rapaz, sem nome nem rosto, fará possível o que parece impossível. Sua disponibilidade para partilhar tudo o que possui é o caminho para alimentar aquelas pessoas. Jesus fará o resto. Ele pega os pães do rapaz, agradece a Deus e começa a distribuir entre todos.

A cena é fascinante. Uma multidão, sentada sobre a verde grama do campo, partilhando uma comida gratuita, num dia de primavera. Não é um banquete de ricos. Não há vinho nem carne. É uma comida simples das pessoas que moram na beira do lago: pão de cevada e peixe defumado. Uma comida fraterna servida por Jesus a todos graças ao gesto generoso de um jovem.
Esta refeição partilhada era para os primeiros cristãos um símbolo atrativo da comunidade nascida de Jesus para construir uma humanidade nova e fraterna. Evocava-lhes ao mesmo tempo a eucaristia que celebravam no dia do Senhor para alimentar-se do espírito e da força de Jesus, o Pão vivo vindo de Deus.

Mas nunca esqueceram o gesto do jovem. Se há fome no mundo, não é por escassez de alimentos, mas pela falta de solidariedade. Há pão para todos, porém falta generosidade para partilhar. Temos deixado o andar do mundo nas mãos do poder financeiro, temos medo de partilhar o que temos, e as pessoas morrem de fome pelo nosso egoísmo irracional.

Ordem Franciscana Secular: Vigoroso laicato na terra dos homens

Extraído de http://www.franciscanos.org.br/n/?p=19919 acesso em 27 jul 2012.

Muitos temas têm ocupado a atenção dos franciscanos seculares nos últimos tempos em diferentes níveis da  Ordem:  identidade franciscana secular, senso de pertença à Ordem, empenho de revigoramento das fraternidades locais, abertura à missão, preservação da natureza e tantos outros. A Ordem  é dos leigos. Cabe-lhes tomar sua história em mãos e rasgar seu amanhã. Os franciscanos seculares não vivem à sombra dos frades. Têm sua caminhada própria, eminentemente laical. Há toda uma premente evangelização no mundo de hoje a ser desenvolvida e que só se realizará pelos leigos. Sua omissão será catastrófica. Nestes últimos tempos resolveu-se estudar mais de perto a questão do laicato franciscano  e a significação da Ordem na Igreja  local e no mundo em nossos tempos. Que significado tem, essa Ordem de cristãos leigos, no momento atual do mundo e da Igreja? Como se manifesta, de fato, a “secularidade” de seus membros? Vamos, pois, aqui,  tecer, uma vez mais  algumas  considerações sobre a secularidade dos membros da OFS.
 Frei Almir Ribeiro Guimarães
1. É importante viver e viver densamente. Acordar de manhã, sentir as batidas do coração e atravessar o tempo da vida  na alegria de acolher o borbulhar da existência: homem, mulher, trabalho, empenhos, filhos, projetos para viver em plenitude, sondando o mistério da existência e vislumbrando  lá em seu interior  Alguém que nos espreita e nos convida a viver em plenitude. Ser do Senhor. Mas também levantar os caídos, maravilhar-se com um ipê roxo todo florido e chorar a morte do rapaz que foi eliminado pelo tráfico. Vida, sempre de novo a vida. Nada de mediocridade, nada de “empurrar” a história para frente, nada de formalismos frios, nem de uma religião longe da vida e alienante, religião de sacristia, asséptica, tranquila, inofensiva. Felizes aqueles e aquelas que,  na aventura da vida,  são chamados a seguir Cristo Jesus. “Vem e segue-me!” Aqueles que carregam o frasco do perfume do  Evangelho. São os bem-aventurados discípulos do Ressuscitado. Tentam ser luz do mundo e  sal da terra e assim fazem sua parte, dão sua contribuição para que a terra seja mais parecida com o mundo que começou a existir com a paixão, morte e ressurreição do Senhor.
2. Sentir-se homem, sentir-se mulher, crescer, quebrar a solidão. Nascer no seio de uma família, sentir-se acolhido, amado. Não é bom que o homem viva só. E essa peregrinação do masculino para o feminino ocupa importante lugar na aventura da vida.  Companheiros, amigos, confidentes, parceiros de uma história. Um homem e uma mulher, dois que constituem uma comunidade de vida e de amor, respeitosa, amorosa. A proximidade dos corações, o encontro dos corpos. Tudo isso vivido sob o olhar do Senhor. Marido e mulher que refazem em suas vidas a aliança entre o Esposo no alto da cruz e sua Igreja. No casal cristão está a origem de uma família cristã. Ali, no tecido do cotidiano, se  refaz uma evangelização que se tornou impossível no mundo da indiferença. A evangelização da vida e na vida… Os pais transmitem, mesmo com toda dificuldade exterior, um estilo de viver aos filhos, um modo de habitar o mundo, uma maneira de atravessarem a existência sem que fiquem arranhões demais, para que os filhos não sejam vazios, que possam escutar o ecoar do chamado de Deus no seu coração de jovens. Os pais são os primeiros evangelizadores dos filhos.  Não é esta a missão dos leigos franciscanos em suas famílias?
3. Aí estão, pelo mundo afora, esses milhares de franciscanos seculares. Seu habitat é o mundo, a cidade, o campo. Não vivem em primeiro lugar nos espaços reservados para o sagrado e para celebração do culto. São do mundo, vivem no mundo, transformam o mundo, evangelizam o mundo, sofrem no mundo, se alegram no mundo.  Mundo aqui não quer dizer a ordem de coisas que vai contra a vontade de Deus, esse  mundo do inimigo. Os cristãos são do mundo, sem serem do mundo. Jesus dizia que os seus não eram desse mundo mau. O mundo em que vivem os leigos é essa realidade boa que saiu das mãos de Deus: sol e lua, água e fogo, vida de todos os dias, cotidianidade,  homem e mulher. Sentem os franciscanos seculares  que precisam “dominar a face da terra”.  Alguns campos de atividade lhes são próprios: família, trabalho e organização da pólis ( política). Sentem eles que seu lugar se situa nas praças e no trabalho, nas fábricas e campos, nos jornais e nas emissoras radiofônicas. Com Francisco contemplam esse mundo que saiu das mãos de Deus e que era “muito bom”.  São apaixonados e fascinados pelo Evangelho, a ponto de fazerem uma profissão de segui-Lo por toda a vida. Estão por ai:  são pais e mães com filhos pequenos, são jovens e adultos, vivem o matrimônio,  educam os filhos,  carregam  peso do trabalho, enfeitam a terra, cantam o sol que chega e se encantam com a água mansa que desce pedras abaixo. São balconistas, frentistas, médicos, escritores, marceneiros, fisioterapeutas,  advogados, mecânicos.  Seu lugar primeiro e preferencial são os caminhos  pisados pelos homens, a cozinha da casa, o hospital para onde levam seus familiares, a tribuna de uma câmara de vereadores.  São biscateiros, empregadas domésticas e professores.  São leigos cristãos que se vestem com as cores de Francisco e de Clara, no meio do mundo. Vão pelo mundo sem perder o espírito da devoção e da santa oração.
4. Frei Jorge Peixoto, OFMConv,  argentino, no VIII Congresso Latino-Americano OFS/JUFRA (maio de 2012)  dizia:  “Queremos recordar o fato de que Francisco descobre Deus no mundo, no abraço dado a um pobre excluído, desprezado e miserável, no encontro com a miséria social que se manifesta na pessoa do leproso. Francisco rompe com um certo tipo de  mundo: o mundo marcado pela exclusão e pela crueldade,  que produz sempre novos leprosos. Entra neste mundo a partir de um outro lugar, a partir de um mundo marcado pela misericórdia e ternura de Deus que se manifestou na pobreza e na humildade de Jesus, que resgata o homem e todas as criaturas, colocando-as no centro de seu amor”.  Sim, no dizer de João,  Deus amou tanto o mundo que lhe deu seu Filho único. Continua Frei Jorge Peixoto: “Essa vocação secular da espiritualidade franciscana nem sempre se manteve ao longo da história. Bem lá no começo  apareceram correntes que conseguiram seguir outros modelos mais tradicionais. A separação do mundo e das pessoas do mundo foi se acentuando, criando uma distância da vida corrente de dada dia. A clericalização da vida dos frades e de muitos leigos  nos foi distanciando do mundo secular. Alguns irmãos seculares se reuniam em associações piedosas, sem maior influência sobre a sociedade”.
5. Há muito se fala que vivemos  a  “hora dos leigos”.  A OFS é uma escola de formação de um laicato maduro. O texto normativo da vida dos leigos é a Regra  com suas orientações, suas insistências e sua força:  leigos que não sejam superficiais na oração, que não se contentam com uma vida salpicada aqui e ali de um pouco de água benta. Gente que escuta a Palavra, se se forja pela Palavra, que passa do Evangelho para a vida e da vida para o Evangelho, pessoas que vivem da Eucaristia, dessa  Eucaristia quase cotidiana que faz deles não apenas leigos ativistas que correm de um  lado para o outro, mas homens e mulheres profundos, gente que não se deixa encantar pelo consumismo e pelo fascínio das coisas que brilham e passam. Insistimos: não se trata de convidar os leigos a correrem de um lado para o outro no ativismo que a nada leva.
6. Tomo a liberdade de transcrever umas linhas magistrais de Michel Hubaut que exprimem bem a ação do franciscano no mundo:  O franciscano “é um cristão que tem necessidade do apoio de uma fraternidade de irmãos e irmãs para enraizar seus compromissos e amadurecer os compromissos mais diversos  na luta contra toda forma de injustiça, de violência, de racismo, de desrespeito pela vida, pelas pessoas e pela criação e para concretizar a paixão pela paz. É um cristão cuja alegria manifesta que o Evangelho é caminho de humanização…”.  Típico do franciscano secular é viver em fraternidades e a  partir do mistério da koinonia  ir pelo mundo.
7. Leigos franciscanos que vivem a experiência da fraternidade. Na mesma linha vai Frei Jorge Peixoto:  “Uma fraternidade tem coração e não somente projetos e tarefas para realizar. A porta de ingresso na fraternidade não pode ser nem a razão nem o interesse, porque estaríamos realizando mais uma empresa do que uma fraternidade. O sentimento, a capacidade de sentir-se  tocado pelo outro, de comprometer-se com ele sem possuí-lo nem humilhá-lo  são conteúdos normativos de uma relação fraterna. Admitir que a prioridade da bondade e do cuidado  que se funda na bondade original de Deus deve organizar o pensamento e a expressão humana não significa deixar de trabalhar e de atuar no mundo… Ao contrário, impulsiona a um modo de ser  novo que renuncia a todo tipo de poder de dominação que reduz os outros em objetos sem história e sem sentimentos. Admitir a prioridade do cuidado e da bondade  faz com que o encontro humano tenha valor e que valha a pena conviver. O  cuidado se expressa na categoria do  irmão guardião, como aquele que guarda e serve os irmãos, o que se desvela desinteressadamente, que se faz menor e disponível, e ao mesmo tempo designa uma atitude fundamental ou modo de ser que possibilita uma existência nova”.
8A formação no seio das Fraternidades  se encarregará de levar os seus a uma  profunda experiência cristã e franciscana: assim eles poderão mostrar um estilo de vida cristã no comer, no comprar, no vender, do lazer, no labor, na dor…  A fonte é sempre essa experiência crística. Os leigos deverão poder dizer:  “Vimos o Senhor!”  E franciscanos dirão: “Convivemos com um Senhor que nos ama e se nos manifestou  no rosto do servo Jesus, daquele que não tinha uma pedra para reclinar a cabeça, daquele  nos encantou com sua pobreza e dependência de tal forma que nós nos apaixonamos por ele  e por seu estilo de vida despojado. Assim também nosso viver é despojado”.  Assim, a vida leiga é perpassada da presença do Senhor. Um fiel leigo que vive cada passo de sua Regra se dispõe a ser  um leigo pregador pelo seu estilo de viver, pelo seu estilo de usar a água, de conviver, de partilhar, de  se vestir com beleza, mas com simplicidade.  Será que os franciscanos seculares deixam transparecer tudo isto?
9. Em  Discurso numa assembleia pastoral da Itália, o Cardeal  Diogini Tettamanzi  afirmou:  “Urgente acelerar a hora dos leigos, retomando o esforço eclesial e secular sem o qual o fermento do Evangelho não pode atingir os contornos e meandros da vida cotidiana, nem penetrar os ambientes  fortemente marcados pelo processo se secularização  (…). Necessário se faz criar nas comunidades cristãs espaços em que os leigos possam tomar a palavra, comunicar suas experiências de vida, exprimir seus desejos, suas descobertas, seu pensamento a respeito do que vem a ser cristão no mundo. Somente desta maneira poderemos  criar uma cultura  que seja atenta às dimensões cotidianas do viver. Por isso, urgentíssima uma formação dos leigos que leve em consideração seu crescimento espiritual e intelectual, pastoral e social, fruto de um novo estágio formativo  para os leigos e com os leigos,  formação que leve à maturação de  uma plena consciência  eclesial e os habilite a um eficaz testemunho no mundo. Estes novos programas requererão formas de espiritualidade típicas da vida laical, para que  encontro com o Evangelho  gere modelos capazes de serem propostos por sua beleza”.  As Fraternidades franciscanas seculares, custe o que custar, terão que ser escola de leigos capazes de escreverem a historia de suas vidas no meio do mundo com “seu estilo de habitar o mundo”. O Cardeal italiano diz alguma coisa muito simples e fundamental: escolas de formação de leigos que os habilite a dar um testemunho no meio do mundo.  Não é essa a missão da formação na Ordem de leigos dos franciscanos? Esta é nossa prioridade, e não em primeiro lugar fornecer agentes para funções litúrgicas e pastorais. Os franciscanos leigos bem formados serão uma presença significativa na Igreja local.
10. Tenho receio de não ter respondido ao tema que quis abordar pensando no Capítulo Nacional da OFS  do próximo mês de agosto.  Que sugestões práticas vêm à mente quando pensamos no tema do laicato franciscano?  Que todos aceitem estas considerações finais:
• A história da Ordem Franciscana Secular (Ordem Terceira) teve páginas brilhantes escritas por leigos.  Há esses leigos cujos nomes não são mencionados, terceiros anônimos.  e que temos a certeza de terem sido cristãos leigos e de muito valor. Alguns são conhecidos internacionalmente: Frederico Ozanan,  Raimundo Lullo,  Zilda Arns, Giorgio La Pira, Léon Harmell. Recentemente encontrei mais uma vez um nobre frade menor,  Mario Cayota, franciscano uruguaio que foi mesmo embaixador de seu país na Santa  Sé. Não quero apenas me referir a nomes conhecidos. Há muitos outros leigos admiráveis que viveram escondidos nas Fraternidades.  Cada Fraternidade deveria fazer a crônica de seus santos leigos.
• Nossas Fraternidades  serão espaços de reflexão séria sobre os grandes problemas que os leigos vivem  e sobre os campos de ação.  A formação se encarregará de ajudar os irmãos a habitarem franciscanamente a Igreja e  o mundo.  Quais são esses problemas?  Entre outros: indiferença para com a fé, vivência de um cristianismo sentimental, confusões de gênero, sociedade hedonista, meios de comunicação e mídia, deslocamento geográfico das pessoas, questionamento de uma pastoral meramente conservadora sem a chama evangelizadora.
• Constato que, nos últimos tempos,  Capítulos  e Congressos dos seculares  insistem  na questão da família.  Uma das prioridades da Ordem é  precisamente o tema da família.  Pensamos em primeiro lugar que homens e mulheres,  casais franciscanos, reavivem chama de seu amor conjugal, acendendo as graças do sacramento do matrimônio, que não levem uma vida conjugal medíocre, que vivam uma espiritualidade conjugal e familiar franciscana.  Nossas famílias são o primeiro espaço da nova evangelização e constituem o primeiro momento do discernimento vocacional. Elas podem ser um lugar  de gestação de uma nova cultura cristã, do nascimento de um olhar cristão sobre a caótica realidade que vivemos.  Este é um papel importantíssimo da família e, nosso caso da família dos franciscanos seculares.
• Os livros de formação da OFS deverão ser fortemente marcados pelo método do ver, julgar, agir.  Não se trata apenas de encher a cabeça de ideias, mas de olhar critica e cristãmente a realidade.
• No momento atual será de fundamental importante, sobretudo  no caso dos formandos, que sejam levados a viver uma intensa espiritualidade franciscana, base de seu amanhã na Ordem.
• Na medida do possível, e em estreita união com a pastoral local, os franciscanos seculares  poderão dar sua contribuição específica na evangelização das famílias.
• Aos poucos precisamos ver serem multiplicadas  fraternidades mais  simples, mais flexíveis, mais verdadeiras.
Terminamos nossas reflexões, mais uma vez,  dando a palavra a Michel  Hubaut:  “Irmãos e irmãs de São Francisco, temos um papel original a  desempenhar nesse futuro  que devemos construir com todos os homens de boa vontade acentuando a prioridade das pessoas no seio da Fraternidade universal; manifestando a novidade do Evangelho, fonte de felicidade, encarnando, no cotidiano dos relacionamentos  o amor salvador de Cristo. Esforçando-nos para sermos testemunhas da liberdade interior no Espirito; recusando a ditatura do dinheiro e a pauperização de dois terços do planeta. Construir um futuro maravilhando-nos  da beleza da criação e promovendo um desenvolvimento humano durável; apaixonado pela paz e pelo diálogo  entre as religiões; fiéis a uma Igreja muitas vezes pecadora e por vezes luminosa”.
O laicato escuta as batidas do coração do Senhor no meio do mundo.

Questões:

1. Nossas fraternidades locais exprimem, de verdade, o carisma de Francisco na Igreja?
2. Procure  traçar o perfil do franciscano leigo secular.
3. Bem praticamente o que significa evangelizar a família hoje?

Frei Almir Ribeiro Guimarães

quinta-feira, 26 de julho de 2012

CRÔNICAS DE MINHA ALMA: A SENSIBILIDADE DA FÉ...



CRÔNICAS DE MINHA ALMA: A SENSIBILIDADE DA FÉ...

A fé sensível é aquela com a qual o fiel tem a percepção da presença divina e se mantém nela, traduzindo-a com seu viver. E de onde nasce essa fé? Nos batizados, essa fé é dom carismático, ela nasce da efusão do Espírito Santo quando do nosso batismo, conforme nos ensinou Jesus: “Em verdade, em verdade te digo: quem não renascer da água e do Espírito não poderá entrar no Reino de Deus”. (Jo 3,5). E ainda, "Quando vier o Paráclito, o Espírito da Verdade, ensinar-vos-á toda a verdade, porque não falará por si mesmo, mas dirá o que ouvir, e anunciar-vos-á as coisas que virão". (Jo 16,13).

Também podemos entender a sensibilidade da fé como uma espécie de vigilância constante (cf. Mt 26,41), onde a alma se mantém na escuta do Senhor a fim de executar os seus apelos de imediato. Podemos também defini-la como dom de oração, conforme nos indicou São Lucas a respeito do ensinamento de Jesus sobre a importância da oração: “Propôs-lhes Jesus uma parábola para mostrar que é necessário orar sempre sem jamais deixar de fazê-lo”. (Lc 18,1). Ou ainda como dom de intercessão, como nos ensinou São Paulo: “Intensificai as vossas invocações e súplicas. Orai em toda circunstância, pelo Espírito, no qual perseverai em intensa vigília de súplica por todos os cristãos”. (Ef 6,18).

Vejamos alguns exemplos de sensibilidade da fé. De nossa boca só pode sair a verdade, porque somos filhos da Verdade, por isso,  o que falamos, tem que ter a importância de nossa salvação, conforme nos ensinou Jesus (cf. Mt 12,33-37). Então, que os nossos pensamentos concordem com as palavras de nossa oração e com a prática das virtudes, caso contrário, falamos apenas da “boca pra fora”, mas sem proveito algum de nossa oração, porque toda oração que fizermos precisa ser conforme a vontade de Deus para a nossa vida, caso contrário, não seremos escutados. (cf. Is 29,13-15).

Outro exemplo de sensibilidade da fé: sabemos que o tempo nos foi dando como um condutor para Deus, por isso, todo tempo que temos é tempo de vivermos para Deus, porque é Deus quem nos dá todas as graças e bênçãos para sermos felizes (cf. 2Cor 6,1-2). Mas, o que estamos fazendo com o tempo que nos é dado? Muitos se esquecem de vivê-lo para Deus. Por exemplo, a nossa participação na Santa Missa todo domingo e dias de festa, conforme o mandamento do Senhor. Ora, muitos são os batizados, mas que não participam de nada referente à vivência da fé; outros até participam da Santa Missa, mas chegam frequentemente atrasados e mesmo assim vão comungar.

Outros ainda, têm tempo para os “amigos”, o futebol, a televisão, e outros entretenimentos, mas não têm tempo para a família, nem para rezar o santo Rosário ou ler a Sagrada Escritura, e muito menos para participar de sua comunidade. Ou seja, têm tempo para quase tudo, menos para Deus. O resultado é uma fé insensível, indiferente, frívola, etc., sem prática alguma das virtudes, mas com uma tremenda inclinação para os vícios; e os filhos, seguem o mesmo caminho da indiferença dos pais. Desse modo, as famílias estão se desestruturando; a droga e o desvio comportamental estão imperando entre os jovens, causando um sem número de viciados, pervertidos e mortos.

Por fim, o que mais posso falar sobre a sensibilidade da fé? Homens e mulheres sensíveis à fé são aqueles que vivem da fé, conforme nos falou o profeta Habacuc: “Eis que sucumbe o que não tem a alma íntegra, mas o justo vive por sua fidelidade”. (Hab 2,4). Assim, eis o que diz o Senhor: “Já te foi dito, ó homem, o que convém, o que o Senhor reclama de ti: que pratiques a justiça, que ames a bondade, e que andes com humildade diante do teu Deus”. (Miq 6,8).

Paz e Bem!

Frei Fernando,OFMConv.


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segunda-feira, 23 de julho de 2012

CRÔNICAS DE MINHA ALMA: TUDO O QUE EU QUERO SENHOR, É FAZER A TUA VONTADE...



CRÔNICAS DE MINHA ALMA: TUDO O QUE EU QUERO, SENHOR, É FAZER A TUA VONTADE...

Dada a brevidade da vida neste mundo, que posso eu querer Senhor, fora do teu querer? Aqui tudo é efêmero, pois, por mais que tenhamos, ainda assim não estamos satisfeitos totalmente, porque há sempre algo a nos incomodar, seja lá o que for. É por isso que preciso tanto de Ti Senhor em minha vida, porque a segurança que encontro no mundo, não é como a segurança que encontro em Ti; aqui a segurança não é segurança, porque advém do medo, das preocupações, da vulnerabilidade, da falta de perspectiva, etc.; e tudo isso por causa do pecado.

Enquanto que a segurança que nos advém de Ti nasce da consciência tranquila em tua presença, da obediência incondicional aos teus mandamentos, do amor a Ti acima de todas as coisas, do profundo relacionamento contigo pela oração, na vivência dos sacramentos e de tua mão a nos sustentar em meio às provações e desafios de fé que enfrentamos todos os dias neste vale de lágrimas que estamos. Porque se não estivésseis conosco Senhor, não suportaríamos um segundo sequer, e já teríamos sucumbidos.

Então, por que ainda estamos aqui? Creio que, porque não nos santificamos o suficiente para darmos um testemunho mais eficaz de tua presença Senhor. Creio ainda que é porque não chegou o tempo previsto por tua divina providência, para empreenderes o julgamento de tuas criaturas, conforme a graça e a liberdade que lhes destes. Mas creio, sobretudo, que é por causa de tua divina misericórdia que ainda nos suportas e suportas tantos desvarios e tantas contrariedades que te causamos com nossos pecados. Talvez seja também pelo teu desejo de que, quem sabe, ainda muitos se convertam e voltem arrependidos ao teu convívio paternal, sem praticarem mais nenhum mal, e assim, sentirem-se redimidos pelo sangue de Cristo Jesus, teu Filho muito amado.

Ah, Senhor! Quem dera amar com o teu amor, quem dera ser o filho que tanto desejas que eu seja; quem dera só pensar o que pensas, só fazer o que fazes e só viver o que vives, assim, nada mais me impediria de ter tua eternidade dentro de mim e poder enfim abraçar a felicidade de que dispões para aqueles que te obedecem incondicionalmente, como Te obedeceu prontamente o teu Filho, Jesus, até a morte e morte de cruz.

Sei que estou muito longe de atingir a plenitude da perfeição espiritual de que dispões a meu favor, mas que posso eu esperar Senhor de mim mesmo, se em mim não Te encontrar? Por isso, preciso do eu original, isto é, sem pecado, sem o qual não posso amar meus irmãos como me ensinas a amar em Cristo Jesus; eis as lições que ele nos deu:

“Bem-aventurados sereis quando vos caluniarem, quando vos perseguirem e disserem falsamente todo o mal contra vós por causa de mim. Alegrai-vos e exultai, porque será grande a vossa recompensa nos céus, pois assim perseguiram os profetas que vieram antes de vós”. (Mt 5,11-12). E ainda: “Eu, porém, vos digo: amai vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam, orai pelos que vos [maltratam e] perseguem. Deste modo sereis os filhos de vosso Pai do céu, pois ele faz nascer o sol tanto sobre os maus como sobre os bons, e faz chover sobre os justos e sobre os injustos. Portanto, sede perfeitos, assim como vosso Pai celeste é perfeito”. (Mt 5,44-45.48).

Senhor, é assim que eu quero viver, por isso peço humildemente, ajude-me a conseguir a obediência perfeita; ajude-me a conseguir o amor incondicional com que devo lhe amar e amar meus irmãos e irmãs; ajude-me a querer a sua vontade totalmente em meu modo de pensar, de falar e de viver, assim terei uma única ocupação: buscar em primeiro lugar o Reino dos Céus e a sua justiça (cf.Mt 6,33-34). Amém!

Paz e Bem!

Frei Fernando,OFMConv.

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domingo, 22 de julho de 2012

Quem tem "chispas" de vocação franciscana?

Quando falamos em vocação estamos diante do mistério. Precisamos tirar as sandálias dos pés. Na página em que contemplamos um certo Francisco de Assis, queremos alencar alguns sinais que mostrariam a alguém que ele pode ter vocação para ser franciscano ou franciscana. Seriam umas "chispas"... a brilhar no caminho. Quem eventualmente poderia seguir esse caminho?

1. Pessoas normais, não exaltadas, que vivem a vida de todos os dias, com gosto, mas com uma pontinha de santa insastifação. Pessoas que têm um pé na terra e o outro querendo atingir as estrelas. Pessoas normais, sinceras, sem duplicidade, capazes de se deixarem instruir por outros mais sábios e mais prudentes.

2. Pessoas que, devido a situações pessoais e a circunstâncias próprias foram levada a fazer uma experiência de proximidade com Jesus: por ocasião de um sucesso ou de um fracasso na vida; de uma profunda experiência de abandono; num desejo incontido de generosidade (desejo de dar tudo) etc. No meio de tudo isso, tais pessoas sentem resoar dentro delas convites ao seguimento do Senhor. Sentem um apelo que vem de fora.

3. Os que se apresentam em nossas fraternidades franciscanas seculares são pessoas desejosas de experimentar a fraternidade. Estão embebidas das passagens dos evangelhos que falam do amor pelo irmão, pela vida fraterna como sacramento do reino: viver com... sonhar com... ajudar as pessoas a sobreviverem.

4. Pessoas que se sentem convocadas a se desvencilharem de coisas e bens, sobretudo de si mesmas. Querem aprender a conviver com aquele que sendo rico se tornou pobre e servo de todos. Deixaram-se tocar pela kenosis de Jesus.

5. Pessoas que, como Francisco, desejam se fazer próximas das pessoas: conviver com os que precisam de convivência, ir de lugar em lugar dizer que o Amor precisa ser amado, estabelecer o diálogo neste mundo de compartimentalizações e fechamentos. São pessoas que não existem para viver em ninho fechado. Também não querem simplesmente serem instrumentos de organizações frias.

6. Pessoas que não tenham espírito de carreirismo, que não visam promoções nem busca de lucros pessoais, que não assinam nem subscrevem sem pensar os estatutos das sociedade de consumo. São pessoas livres.

7. Pessoas que hoje reagem contra todo formalismo da fé, que sonham com uma pastoral feita por etapas, catecumenal, desejosos de dar sua colaboração para açoes evangelizadoras novas no seio da Igreja.

8. Pessoas que experimentam uma sadia tensão entre contemplação e ação. Como Francisco estão sempre procurando lugares silenciosos e ermos para se "perderem" em Deus e, ao mesmo tempo, dizem a quem precisar que podem contar com eles. Mas não querem ser  "ativistas" tontos que sobem e descem, entram e saem. Têm sempre saudade em visitar seu interior. Assim, irão pelo mundo mais à maneira de Francisco, transpirando ardor.

9. Pessoas que foram também conhecendo a figura encantadora e bela de Clara de Assis. Algumas dessas pessoas andaram lendo as cartas de Clara e Inês de Praga e ficaram encantadas com a mística da contemplação clariana. Ficaram profundamente impressionadas com a descrição do espelho. Da contemplação de Cristo no espelho: a pobreza, a humidade, a beleza do esposo pobre. "Vou correr sem desfalecer, até me introduzires na minha adega, até que a tua esquerda sesteja sobre a minha cabeça, tua direita me abrace, toda feliz e me dês o beijo de tua boca" (4Carta a Inês 31-32).

10. Pessoas que sentem que sua vida poderá ser de "cuidadoras" dos bens da terra, do verde, da água, do meio ambiente. Mas também cuidadoras dos irmãos mais simples, dos que não têm vez nem voz, dos que vivem nas trevas de um mundo louco consumista, materialista, imediatista. Pessoas cuidadoras da vida, da fragilidade da vida da criança que ainda não nasceu e do velho que precisa morrer com dignidade.

Frei Almir Ribeiro Guimarães




















sábado, 21 de julho de 2012

CRÔNICAS DE MINHA ALMA: A ORIGEM DO PECADO...



















CRÔNICAS DE MINHA ALMA: A ORIGEM DO PECADO...

"Deus contemplou toda a sua obra, e viu que tudo era muito bom”. (Gn 1,31a).

Pesquisando na Sagrada Escritura sobre o pecado original percebi que ele não é de ordem natural, mas tem sua origem na desobediência dos anjos decaídos. Pois assim está escrito: Ora, Deus criou o homem para a imortalidade e o fez à imagem de sua própria natureza (ou seja, para ser um só com Ele). É por inveja do demônio que a morte entrou no mundo, e os que pertencem ao demônio prová-la-ão”. (Sab 2,23-24).

De fato, a condição pecaminosa do demônio e seus sequazes é eterna por causa de sua natureza espiritual e não tem como reverter isso, porque é fruto de sua decisão livre e intencional de não amar e não servir a Deus definitivamente, ou seja, o demônio criou seu próprio reino, só que de infelicidade e miséria eterna, porque, com disse Jesus: “Sem mim nada podeis fazer” (Jo 3,5). Em outras palavras, ele quis ser como Deus por si mesmo (cf. Gen 3,1-3; Is 14,13-15; Ez 28,12b-19), isto é, sendo apenas uma criatura espiritual, não criado “à imagem e semelhança de Deus”, como o homem, se rebelou contra Deus. Ora, o nome desse pecado é desobediência, soberba, porque é impossível a uma criatura ser, por si mesma, como Deus. Assim, conhecemos que o pecado tem sua origem na queda dos anjos, e que passou para o homem também pela desobediência deste em aceitar as sugestões do maligno, todavia, esta falta do homem é passível de perdão e reparação, por causa da inferioridade da natureza humana e pelo o homem não ser culpado pela origem em si do pecado.

Desse modo, compreendemos o porquê da morte, ela é a punição para o pecado da soberba e todos os outros pecados mortais (cf. Rm 6,23). Quanto à morte temporal, ela só existe em função do julgamento que haveremos de ter, pois nenhum homem pode ver a Deus neste mundo e permanecer vivo (cf. Heb 9,27; Ex 33,20); enquanto que o demônio já foi julgado e condenado (cf. Jo 16,5-11). Isto porque fomos criados com uma natureza um pouco inferior à natureza dos anjos, mas dotados de alma imortal, criada “à imagem e semelhança de Deus”. Por outro lado, a morte eterna, significa a separação definitiva de Deus, e esta a experimenta quem, pelo pecado, insiste em não amar e não servir a Deus, como o fizeram os anjos rebeldes com seu chefe, o demônio.

Depois que Jesus veio e nos libertou do pecado (cf.1Jo 3,5-6; Rom 8,1-2), só é possível voltar ao pecado pela decisão consciente de cometê-lo, contrariando assim a liberdade interior que Deus nos dá pelo estado de comunhão com sua vontade. São Tiago em sua carta (cf. Tg 1,12-16) nos ensina que o pecado é concebido na mente humana a partir das concupiscências que são tendências, apegos à aquilo que é transitório, momentâneo, fugaz, etc.; ele não é algo aleatório ou que aparece do nada, ele é o mal cultivado pelo ser humano em suas decisões pré-concebidas. Por isso, o pecado é como um veneno letal que vai destruído aos poucos a vida de quem o pratica, até dar cabo dela. Isto porque o pecado, quando concebido e praticado, é uma espécie de mancha espiritual terrível que gruda na alma e passa a encobrir todas as suas boas aspirações; quem se deixa manchar por ele, vive o desespero que lhe é próprio, isto é, vive com uma espécie de tormento que causa todo tipo de mal estar, até atingir seu nível mais alto de turbulência que é a depressão e todos os distúrbios infernais que sufocam o ser humano.

Assim sendo, podemos afirmar que a expressão máxima do pecado é o ódio a Deus e às suas criaturas. São João, se referindo aos que cultivam este estado mórbido de alma, escreveu: Não vos admireis, irmãos, se o mundo vos odeia. Nós sabemos que fomos trasladados da morte para a vida, porque amamos nossos irmãos. Quem não ama permanece na morte. Quem odeia seu irmão é assassino. E sabeis que a vida eterna não permanece em nenhum assassino”. (1Jo 3,13-15). Jesus ao falar a esse respeito, disse: Se o mundo vos odeia, sabei que me odiou a mim antes que a vós. Se fôsseis do mundo, o mundo vos amaria como sendo seus. Como, porém, não sois do mundo, mas do mundo vos escolhi, por isso o mundo vos odeia”. (Jo 15,18-19). Por isso, São João nos alerta: Não ameis o mundo nem as coisas do mundo. Se alguém ama o mundo, não está nele o amor do Pai. Porque tudo o que há no mundo - a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida - não procede do Pai, mas do mundo. O mundo passa com as suas concupiscências, mas quem cumpre a vontade de Deus permanece eternamente”. (1Jo 2,15-17).

Vejamos o que diz ainda o Senhor sobre o mal do pecado, que é a causa da destruição humana e de todas as demais criaturas: “Ora, o que sai do homem, isso é que mancha o homem. Porque é do interior do coração dos homens que procedem: os maus pensamentos, devassidões, roubos, assassinatos, adultérios, cobiças, perversidades, fraudes, desonestidade, inveja, difamação, orgulho e insensatez. Todos estes vícios procedem de dentro e tornam impuro o homem”. (Mc 7,20-23). Por isso, “Não procureis a morte por uma vida desregrada, não sejais o próprio artífice de vossa perda. Deus não é o autor da morte, a perdição dos vivos não lhe dá alegria alguma. Ele criou tudo para a existência, e as criaturas do mundo devem cooperar para a salvação. Nelas nenhum princípio é funesto, e a morte não é a rainha da terra, porque a justiça é imortal”. (Sab 1,12-15).

Por fim, como vimos, o pecado é uma chaga espiritual aberta na alma humana, cujo único remédio é a graça do perdão concedido por Deus através do Sacrifício expiatório do Seu Filho, Jesus Cristo, que por sua obediência amorosa se entregou ao Pai para a nossa salvação. Desse modo, mediante o Sacramento do Batismo, temos de volta o estado de graça, perdido pelo pecado original, pois é no Batismo que se dá o “novo nascimento” na ordem da graça e nossa entrada no Reino de Deus, cuja parte visível é a Igreja. É como escreveu São Paulo: "Fomos, pois, sepultados com Cristo na sua morte pelo batismo para que, como Cristo ressurgiu dos mortos pela glória do Pai, assim nós também vivamos uma vida nova". (Rm6,4).

Aqueles, porém, que mesmo depois de batizados, voltarem a cometer pecados mortais, precisam do Sacramento da Penitência para a expiação desses pecados. Para isto, o Senhor exige de tais penitentes, por meio desse Sacramento, o arrependimento sincero, a confissão dos pecados, o perdão sacramental, a penitência e a reparação necessárias, que não somente apaga e extingue todo pecado praticado, como também livra das consequências eternas que estes trariam.

Destarte, oremos com o seráfico pai São Francisco de Assis:

“Louvado sejas, meu Senhor, pela irmã nossa morte corporal
da qual nenhum homem vivente pode escapar.
Infelizes aqueles que morrem em pecado mortal;
bem-aventurados aqueles
que se encontram em tua santíssima vontade
porque a morte segunda não lhes fará mal.

Louvai e bendizei a meu Senhor
e agradecei e servi-o com grande humildade”.

(São Francisco de Assis).

Paz e Bem!

Frei Fernando,OFMConv.


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sexta-feira, 20 de julho de 2012

Maria de Magdala, a grande “Apóstola dos Apóstolos”

Entrevista especial com Chris Schenk
“Não é possível contar a história da Ressurreição sem falar também de ‘Maria, a de Magdala’”. Foi essa mulher que, depois de ir ao túmulo onde Jesus havia sido depositado depois da crucificação, “viu que a pedra tinha sido retirada do túmulo e saiu correndo”, como relata o Evangelho, para se encontrar os discípulos e lhes contar a grande notícia.
Segundo Chris Schenk, diretora-executiva da FutureChurch (futurechurch.org), organização norte-americana de renovação da Igreja, essa é a grande importância e o legado de Maria Madalena, uma das primeiras místicas do cristianismo que viveu “a experiência da Ressurreição”.
Em entrevista por e-mail à IHU On-Line, Chris busca desmontar por inteiro qualquer referência negativa a Maria Madalena: “Não há nada nas Escrituras que sustente a ideia de que ela era uma prostituta” e, “se Maria de Magdala fosse a esposa de Jesus e a mãe de seu filho, é altamente improvável que esses textos teriam omitido esses fatos importantes”.
Ao contrário, para a religiosa da congregação das Irmãs de São José, Madalena foi a principal testemunha da Ressurreição e “uma líder feminina que entendeu a missão de Jesus melhor do que os discípulos homens”. “Curiosamente – afirma –, a Igreja Oriental nunca a identificou como uma prostituta, mas honrou-a ao longo da história como ‘a Apóstola dos Apóstolos’”.
Chris Schenk, CSJ, é religiosa da congregação das Irmãs de São José e diretora-executiva da FutureChurch (futurechurch.org), organização norte-americana de renovação da Igreja, que atua pela plena participação de todos católicos e católicas em todos os aspectos da vida e do ministério da Igreja.
É mestre em Obstetrícia e Teologia e, com a assistência da equipe da FutureChurch, desenvolve e administra programas nacionais de base, incluindo questões como a mulher na liderança da Igreja e no mundo, o futuro do ministério sacerdotal e a situação das paróquias dos EUA. Durante os últimos 15 anos, a FutureChurch tem trabalhado para restaurar a consciência sobre Santa Maria de Magdala como a primeira testemunha da Ressurreição e uma respeitada líder da Igreja primitiva. Em 2011, mais de 340 celebrações de Santa Maria de Magdala foram realizadas, incluindo 36 celebrações internacionais, inclusive no Brasil. Em 2007 e 2008, Schenk coordenou uma ação internacional para “pôr novamente as mulheres no quadro bíblico” no Sínodo sobre a Palavra. Isso resultou no maior número mulheres da história a participar de um sínodo do Vaticano, em um total de seis, que atuaram como consultoras teológicas para os padres sinodais.
Confira a entrevista.

IHU On-Line – O que sabemos sobre a vida de Maria Madalena? Quem foi essa mulher que seguiu Jesus, alcunhada com expressões tão díspares quanto “prostituta e esposa de Jesus” e “discípula amada e apóstola dos apóstolos”?

Chris Schenk – Mesmo que Maria de Magdala seja a segunda mulher mais frequentemente nomeada no Novo Testamento depois de Maria, a mãe de Jesus, o que sabemos sobre ela é bastante limitado, estando confinado aos textos dos Evangelhos canônicos e ao que pode ser deduzido de como ela é retratada em uma série de textos canônicos extras. No entanto, é impressionante o quanto os estudiosos bíblicos podem nos dizer sobre ela, mesmo a partir desses dados esparsos. Por exemplo, todos os quatro Evangelhos retratam-na como líder do grupo de mulheres que testemunhou por primeiro os eventos que cercam a Ressurreição. Todos os quatro descrevem-na exatamente com a mesma frase: “Maria, a de Magdala”. Os estudiosos chamam isso de atestado múltiplo, o que significa que há evidências históricas confiáveis de que ela existiu e que não é possível contar a história da Ressurreição sem falar também de “Maria, a de Magdala”.

Em Lucas 8, 1-3 ficamos sabendo que, com Joana, esposa de um alto funcionário de Herodes, Cuza, e Susana, Maria de Magdala “e muitas outras mulheres” acompanhavam Jesus e os discípulos homens pela Galileia e “os ajudavam com seus bens” . Esse pequeno texto nos diz muito mais do que pode parecer, a princípio, para os nossos ouvidos do século XXI, que não entendem os costumes sociais que cercavam as mulheres no judaísmo palestino do primeiro século.

Para começar, as mulheres muito raramente eram nomeadas em textos antigos. Se elas são nomeadas é porque tinham alguma proeminência social e, mesmo assim, na maioria das situações, elas são nomeadas em relação aos homens presentes em suas vidas, tais como seus maridos, pais ou irmãos. As mulheres eram consideradas como parte da família patriarcal, e era raro para elas ter uma identidade separada da de um parente do sexo masculino. Assim, vemos Joana, a esposa do alto funcionário de Herodes, Cuza. Herodes é o rei. Joana faz parte de uma família rica pertencente a Cuza.

Mas quando Maria de Magdala é identificada, ela é nomeada pelo povoado de onde ela veio, não em relação a um parente do sexo masculino. Os estudiosos bíblicos acreditam que isso significa que Maria de Magdala era uma mulher rica de recursos independentes. E, com Joana e Susana (sobre quem, infelizmente, sabemos muito pouco), essas mulheres eram apoiadoras financeiras proeminentes da missão de Jesus na Galileia.

Assim começou uma longa história de patrocínio das mulheres que ajudou o cristianismo a se espalhar de forma relativamente rápida por todo o mundo mediterrâneo. Por exemplo, sabemos que Paulo tinha muitas benfeitoras ricas, como Lídia e Febe, que apoiavam financeiramente o seu ministério e o apresentaram a uma ampla gama de relações sociais no mundo dos gentios que, de outras formas, ele não teria tido acesso.

Inclusão de mulheres

A inclusão de mulheres por parte de Jesus em seu discipulado itinerante pela Galileia não é nada menos do que notável. No judaísmo palestino, os judeus observantes homens não falavam publicamente com as mulheres de fora do seu círculo de parentesco, e muito menos lhes era permitido viajar com eles em público em uma comitiva de gênero misto. Embora a observância dos costumes judaicos fosse provavelmente menos estrita na Galileia do que em Jerusalém, eu acredito que a paixão de Jesus por proclamar o reino de Deus de justiça e de relações justas era tal que transcendia costumes, e ele sabia que a sua missão dada por Deus estava voltada para as mulheres assim como para os homens.

As discípulas de Jesus muitas vezes ultrapassaram seus irmãos discípulos em termos de fidelidade à sua pessoa, particularmente em eventos em torno da paixão e morte dele. Enquanto os Evangelhos nos dizem que os discípulos homens fugiram para a Galileia, as mulheres ficaram do lado de Jesus ao longo da crucificação, morte, sepultamento e Ressurreição. É por isso que todos os quatro Evangelhos mostram as mulheres como as primeiras testemunhas. Elas sabiam onde Jesus havia sido sepultado. E as mulheres foram, então, incumbidas a “ir e a contar aos seus irmãos” a boa notícia da vitória de Jesus sobre a morte.

O fato de a mensagem da Ressurreição ter sido confiada por primeiro às mulheres é considerado pelos estudiosos das Escrituras como uma forte prova da historicidade dos relatos da Ressurreição. Se os relatos da Ressurreição de Jesus tivessem sido fabricados, as mulheres nunca teriam sido escolhidas como testemunhas, já que a lei judaica não reconhecia o testemunho de mulheres.

Escritos cristãos extracanônicos antigos mostram comunidades de fé inteiras crescendo em torno do ministério de Maria de Magdala, nos quais ela é retratada como alguém que compreende a mensagem de Jesus melhor do que Pedro e os discípulos homens. Os estudiosos nos dizem que esses escritos não são sobre as pessoas históricas de Maria e de Pedro, mas refletem, sim, tensões sobre os papeis de liderança das mulheres na Igreja primitiva. Líderes proeminentes como Maria e Pedro foram evocados para justificar pontos de vista opostos.

O que não é contestado é a representação de Maria de Magdala como uma importante mulher líder e testemunha das primeiras igrejas cristãs.

IHU On-Line – Em seu artigo Mary of Magdala, Apostle to the Apostles , você diz, entre outras coisas, que Maria Madalena “não era uma prostituta”. Em sua opinião, o que levou a essa confusão em torno da figura de Maria Madalena?

Chris Schenk – Uma explicação é uma leitura errônea comum do Evangelho de Lucas, que nos diz “sete demônios saíram dela” (Lucas 8, 1-3). Para os ouvidos do primeiro século, isso significava apenas que Maria tinha sido curada de uma doença grave, e não que ela era pecadora. Segundo biblistas como a Ir. Mary Thompson, a doença era comumente atribuída ao trabalho dos espíritos maus, e não associada com a pecaminosidade pessoal. O número sete simboliza que a sua doença era crônica ou muito grave.

Além disso, como o conhecimento das muitas discípulas de Jesus desapareceu da memória histórica, suas histórias se misturaram e se borraram. A terna unção de Maria de Betânia antes da paixão de Jesus estava ligada à mulher “conhecida por ser uma pecadora”, cujas lágrimas lavaram e ungiram os pés de Jesus na casa de Simão. Os textos de unção combinaram todas essas mulheres em uma só pecadora público-genérica: “Magdalena”. A identificação equivocada de Maria como uma pecadora pública reformada alcançou um status oficial com uma poderosa homilia sobre o perdão doPapa Gregório Magno (540-604).

Doravante, Maria de Magdala se tornou conhecida no Ocidente não como a forte mulher líder que acompanhou Jesus através de uma morte tortuosa, que testemunhou por primeiro a sua Ressurreição e proclamou o Salvador Ressuscitado à Igreja primitiva, mas como uma mulher devassa com necessidade de arrependimento e de uma vida de penitência escondida (e de preferência em silêncio). Curiosamente, a Igreja Oriental nunca a identificou como uma prostituta, mas honrou-a ao longo da história como “a apóstola dos apóstolos”.

IHU On-Line – Por que podemos falar de Maria Madalena como uma “mística”, com tão poucos elementos bíblicos (pelo menos nos Evangelhos canônicos) sobre essa mulher de Magdala? Qual seria a “mística” de Maria Madalena?

Chris Schenk – Embora não saibamos exatamente como foi a experiência da Ressurreição para Maria de Magdala, sabemos que ela teve uma experiência tão poderosa do Cristo ressuscitado que a levou a correr para contar aos seus discípulos irmãos: “Eu vi o Senhor”. Talvez bastante compreensivelmente, eles não acreditaram nela à primeira vista. Mas, qualquer que tenha sido a experiência de Maria, eu gosto de pensar que ela era uma mulher profundamente mudada, e que a mudança observável provavelmente preparou o caminho para que os outros discípulos se abrissem para receber as suas próprias experiências do Cristo ressuscitado.

Parece claro para mim que, embora os discípulos tenham experimentado uma “corporalidade” de Cristo nessas experiências da Ressurreição, não era a mesma de uma ressuscitação de uma pessoa morta. Jesus estava vivo de fato e se deu a conhecer a eles, mas ele também estava mudado o suficiente, tanto que eles não o reconheceram à primeira vista. O Evangelho de João nos diz que Maria primeiramente o confundiu com o jardineiro e, só depois de ouvir Jesus chamar o seu nome e literalmente “virar-se” [para trás], é que ela o reconheceu. Os discípulos de Emaús (Lucas 24, 13-35) não reconheceram Jesus ao longo de toda aquela longa jornada, somente no partir do pão. Assim, qualquer que tenha sido a experiência da Ressurreição, ela não foi um reconhecimento direto, mas envolveu algum sentido liminar e místico para além das nossas capacidades perceptivas usuais. É dessa forma que eu acredito que Maria de Magdala pode ser considerada uma mística.

IHU On-Line – Nesse sentido, qual é o significado mais profundo desse relato do momento mais memorável da experiência mística de Maria Madalena, ou seja, o fato de ela ter sido a primeira pessoa – e mulher – a testemunhar a Ressurreição?

Chris Schenk – Assim como muitas mulheres antes de mim, eu experimentei uma “noite escura do patriarcado” depois de perceber o quão íntima e profundamente toda a história ocidental (a única história com a qual estou familiarizada) tornou as contribuições das mulheres tudo, menos invisíveis.

O fato de Deus ter confiado por primeiro a proclamação da Ressurreição a uma mulher me diz que, embora os seres humanos discriminem, Deus não discrimina. Eu considero a inclusão das mulheres no discipulado de Jesus na Galileia e o delicado equilíbrio de gêneros por parte de Deus no evento da Ressurreição, que modificou o cosmos, profundamente consoladores, especialmente agora, quando vemos um aparente ressurgimento do medo do feminino entre muitos líderes homens da Igreja institucional.

IHU On-Line – Na história da Igreja, outra Maria, a mãe de Jesus, ocupa um lugar central há séculos – especialmente na América Latina. Que semelhanças e diferenças você vê entre estas duas grandes figuras femininas do cristianismo, Maria, a mãe de Jesus, e Maria Madalena?


Chris Schenk – Nossa... Esse é um assunto que merece uma discussão muito mais longa e estudada do que a breve resposta que eu sou capaz de dar aqui. Basta dizer que – assim como o testemunho das primeiras líderes bíblicas independentes como Maria de Magdala, Febe, Lídia, Ninfa, Prisca e até mesmo a Maria de Nazaré histórica foi ou suprimido ou apagado da memória histórica –, elas foram substituídas por homens líderes da Igreja que levantaram uma reflexão teológica sobre Maria como Virgem Mãe porhonra e reconhecimento.

Em Mary, the feminine face of the Church, Rosemary Ruether compara a Maria bíblica com Maria de Magdala e as outras discípulas que, como vimos, desempenham um papel central e às vezes não convencional nos Evangelhos. Embora haja muitas evidências no Novo Testamento sobre o papel de Maria de Magdala e das outras discípulas, a tradição da Igreja glorificou Maria, a mãe de Jesus, como a mulher fiel que permaneceu lealmente ao seu lado. Muitos estudiosos acreditam que o papel de Maria de Magdala foi suprimido porque ela apresentava um modelo de liderança feminina independente que os posteriores homens líderes da Igreja queriam evitar. Eles queriam evitar esse modelo por causa da tensão na Igreja primitiva em torno do fato de mulheres cristãs exercerem a liderança pública em uma cultura greco-romana que acreditava que a liderança feminina só era apropriada em ambientes privados.

O culto à Virgem Maria

O culto à Virgem Maria ganhou proeminência no século IV, quando o cristianismo estava se tornando a religião obrigatória do Império Romano, cujo povo adorava Deus há muito tempo tanto na metáfora masculina como feminina. Muitos estudiosos encontraram semelhanças entre o culto à Maria e o culto à Grande Deusa Mãe (Ísis, Ártemis), proeminente no mundo mediterrâneo no qual o cristianismo rapidamente se espalhou. A glorificação e a veneração a Maria foram ao encontro de profundas necessidades espirituais e psicológicas para um povo cujos corações estavam acostumados a adorar a Deus com um rosto feminino. Estudiosos identificam muitas formas concretas pelas quais essa adaptação aconteceu. Lagos e nascentes onde as divindades femininas eram honradas passaram a ser associadas a Maria, a Virgem Mãe. Santuários e templos à Deusa foram rededicados a Maria, Mãe de Deus. Finalmente, como a teóloga Elizabeth Johnson observa, “não foi por acidente que a doutrina do século V da Theotokos [Mãe de Deus] foi proclamada em Éfeso, cidade famosa pela sua adoração entusiástica da deusa grega Diana” .

Esse fenômeno foi visto mais recentemente, quando consideramos como a veneração de Nossa Senhora de Guadalupe se espalhou rapidamente por todo o México, cujos povos nativos haviam sido devastados muito recentemente pela conquista e pelas doenças dos invasores espanhóis do século XVII. A compreensão indígena do sagrado não tinha nenhuma categoria para qualquer ser divino que não incluísse também o feminino. Tepeyec, o local da revelação guadalupana, era o antigo lugar da grande deusa da terra Tonanzin. Tonanzin significa “mãe” na história nativa Nahuatl. Finalmente, os povos nativos encontraram um ser divino com o qual eles poderiam se relacionar. O Pe. Virgilio Elizondo fez esta tradução da mensagem de Nossa Senhora de Guadalupe por meio de Juan Diego para o povo recentemente derrotado: “Saibas e entendas tu, o menor dos meus filhos, que eu sou sempre Virgem Maria, Mãe do verdadeiro Deus por quem se vive. Desejo vivamente que me seja erguido aqui uma casita, para nele mostrar e dar todo o meu amor, compaixão, auxílio e defesa a ti, a todos vós, a todos os moradores desta terra e aos demais que me amam, que me invocam e em mim confiam. Ouvirei ali os seus lamentos e remediarei todas as suas misérias, penas e dores” .

Elizabeth Johnson, CSJ, fala de forma muito bela ao observar que uma das razões pelas quais Maria tem sido tão importante na história da Igreja é que: “Maria tem sido um ícone de Deus. Para inúmeros fiéis, ela tem funcionado no sentido de revelar o amor divino como misericordioso, próximo, interessado, sempre pronto a ouvir e a responder às necessidades humanas, confiável e profundamente atrativo, e tem feito isso em um grau impossível quando se pensa em Deus simplesmente como um homem ou homens de poder. Consequentemente, em devoção a ela como uma mãe compassiva que não vai deixar que um de seus filhos se perca, o que realmente está sendo mediado é uma experiência mais atraente de Deus?”

Então, embora seja uma tragédia da história que, pelo menos até recentemente, as discípulas de Jesus e de São Paulo ou foram apagadas da memória histórica ou degradadas a prostitutas em favor do modelo totalmente puro e, no fim das contas, inacessível de Maria, a virgem-mãe, o outro lado da moeda é que, de alguma maneira, Deus encontrou uma forma de preservar o acesso humano ao divino feminino na experiência cristã. É claro que o ensino oficial da Igreja nunca afirmou que Maria é divina, mas as reflexões de muitos teólogos e as experiências de oração dos fiéis muitas vezes sugerem que outra coisa está em ação.

De fato, Johnson encontra na tradição mariana um “filão de ouro que pode ser ‘explorado’, a fim de recuperar o imaginário e a linguagem femininas sobre o santo mistério de Deus”. Na tradição mariana, sugere ela, “onde quer que a ultimidade do divino seja evocada nas Escrituras, na doutrina ou na liturgia ou onde quer que a ultimidade da confiança do fiel seja convocada, podemos supor que a realidade de Deus está sendo nomeada em metáforas femininas” .

IHU On-Line – Como Maria Madalena nos ajuda a pensar a liderança das mulheres na Igreja e na sociedade de hoje? É possível chegar à igualdade de gênero na Igreja Católica?


Chris Schenk – Talvez o aspecto mais importante da recuperação da memória histórica da liderança de Santa Maria de Magdala é que as fiéis contemporâneas podem, pela primeira vez, se ver nas histórias do Evangelho e na história da Igreja primitiva.

Quando eu era criança, eu tinha a impressão, assim como quase todo mundo que eu conhecia, que era Jesus e os 12 homens que viajavam ao redor da Galileia fazendo o bem. Eu nunca via ninguém que se parecesse comigo nos Evangelhos. As mulheres pareciam ser todas as prostitutas, pecadoras, habitadas por demônios ou uma Mãe virgem. Nenhum desses modelos a serem seguidos era muito atraente. Fiquei escandalizada quando eu descobri, por meio dos meus estudos bíblicos, que Maria de Magdala foi a primeira testemunha da Ressurreição e que não há nada nas Escrituras que sustente a ideia de que ela era uma prostituta. Parecia uma grande injustiça o fato de ser assim que uma grande mulher de fé como ela era lembrada na história da Igreja, pelo menos na Igreja latina. E eu resolvi fazer algo a respeito.

Então, se nós, como Igreja, podemos começar a ver que Jesus (e mais tarde São Paulo) incluiu mulheres que eram líderes no seu discipulado mais próximo, isso leva à pergunta: “Bem, por que a Igreja não pode incluir mulheres como líderes hoje?”. Atualmente, a Igreja ensina que as mulheres são iguais. No entanto, nenhuma estrutura da Igreja lhes permite exercer essa igualdade de forma alguma. Só homens podem eleger o Papa, liderar dioceses, pastorear paróquias e pregar na Missa. Isso é uma grande perda para a comunidade de fiéis, já que necessariamente sempre ouvimos o Evangelho através da lente da experiência masculina. Estamos perdendo a oportunidade de ouvir as grandes verdades da nossa fé através das lentes da experiência feminina.

Todas as decisões na governança da Igreja exigem a ordenação, e a Igreja ensina que as mulheres não podem ser ordenadas. Portanto, temos ensinamentos conflitantes aqui. Eles não podem estar ambos certos. É por isso que eu acredito que, no fim, teremos a igualdade feminina na Igreja. Mas será uma longa luta e ela só virá através da graça de Deus em ação, convertendo os homens tomadores de decisão (lembre-se, até São Paulo se converteu) e sustentando as dezenas de milhares de mulheres e homens que trabalham para essa igualdade de muitas e variadas formas nos nossos dias.

IHU On-Line – Como vimos, é impossível entender Maria Madalena sem levar em conta sua relação com Jesus. O que sabemos sobre a relação de Jesus com as mulheres em geral? Que sementes de “mística feminina” já estão presentes na vida de Jesus ou na vida das mulheres que o seguiram?


Chris Schenk – Isso é algo interessante para se refletir. A partir dos Evangelhos, vemos que Jesus tinha muitas amizades com mulheres, e não apenas com Maria de Magdala. Certamente, Maria e Marta de Betânia eram amigas queridas, semelhante a uma família para ele. Maria de Betânia assumiu o papel de estudante rabínico (tradicionalmente reservado aos homens), sentando-se aos pés de Jesus para ouvir e aprender. Ele se recusou a mandá-la embora, não obstante Marta tenha protestado. “Maria escolheu a melhor parte e esta não lhe será tirada”, diz Jesus (Lucas 10, 38-42). O Evangelho de João mostra Marta fazendo uma profissão de fé semelhante à de Pedro quando Jesus a ordena a acreditar que seu irmão vai ressuscitar: “Sim, Senhor, eu creio firmemente que tu és o Cristo, o Filho de Deus, aquele que deve vir ao mundo” (João 11, 27).

O autor joanino também mostra que Jesus se alimentou com a conversa teológica e a subsequente conversão da mulher samaritana: “Eu tenho um alimento para comer, que vós não conheceis” (João 4, 32).

A mulher da unção – seja ela Maria de Betânia, no Evangelho de João, ou a discípula anônima vista em Mateus e Marcos – certamente entendeu a missão messiânica de Jesus melhor do que os discípulos homens que a criticaram. A fé da mulher de que Jesus estava de fato entrando em seu reino se mostrou pelo fato de ela ungir a cabeça de Jesus, um ato semelhante à unção realizada pelo profeta Samuel, significando a realeza de Davi. O gesto profético e amoroso dessa mulher deve ter sido muito reconfortante para Jesus enquanto ele enfrentava a sua paixão e morte.

Não me sinto confortável com a frase “mística feminina” neste contexto, já que a mística é mística e, em si mesma, não tem gênero. Dito isso, o encontro humano com o divino provavelmente pode ser influenciado pelo gênero do ser humano que só pode expressar tal encontro por meio do veículo da sua humanidade masculina ou feminina. Por exemplo, a mística São João da Cruz é expressa de forma diferente do que a de Santa Teresa de Ávila. Ambos têm encontros místicos com o divino que expressam em uma linguagem única, influenciada pela totalidade da sua humanidade, o que inclui o seu gênero.

Nos Evangelhos, vemos muitos exemplos de encontros de Jesus com o Divino. O Evangelho de Lucas (Lucas 4, 18-19) revela que Jesus modelou a sua missão a partir dos escritos dos profetas. Primeiro, ele anuncia a sua missão de Deus na sinagoga da sua cidade natal de Nazaré, citando Isaías 61, 1,2: “O Espírito do Senhor está sobre mim, pois ele me consagrou com a unção, para anunciar a Boa Nova aos pobres: enviou-me para proclamar a libertação aos presos (…) para dar liberdade aos oprimidos”. Isso nos diz que Jesus foi profundamente influenciado pelos ensinamentos religiosos da sua própria tradição e encontrou a sua verdadeira identidade por meio do que poderia ser chamado de um encontro místico com a Justiça Divina, mediada pelos escritos de Isaías. Jesus passou o resto de sua vida pública sendo fiel ao seu chamado a proclamar o reino de Deus onde a justiça e a relação justa prevalecem, por fim, entre pobres e ricos, homens e mulheres, soberano e sujeito, forte e fraco.

IHU On-Line – Outra figura de destaque na história do cristianismo é Paulo de Tarso. Em sua opinião, quais as semelhanças ou diferenças entre esse grande apóstolo da Igreja primitiva e a “apóstola dos apóstolos”, Maria Madalena?

Chris Schenk – Tanto Maria de Magdala quanto Paulo tiveram experiências do Cristo Ressuscitado que mudaram as suas vidas. Essa é a grande semelhança.

A diferença é que as viagens e as cartas missionárias de Paulo às primeiras comunidades em todo o mundo mediterrâneo foram preservadas e fornecem um excelente retrato dos desafios reais enfrentados pelos primeiros cristãos. Eles são os primeiros escritos cristãos que temos.

Infelizmente, não temos nenhum registro direto semelhante do que aconteceu na vida e no testemunho subsequentes de Santa Maria de Magdala. Só podemos deduzir de fontes extracanônicas que ela era lembrada em algumas comunidades primitivas como uma proeminente líder mulher e discípula que compreendeu a missão de Jesus melhor do que os seus irmãos.

As cartas de Paulo também fornecem informações valiosas sobre a liderança coigual nas comunidades cristãs primitivas. Romanos 16 nos fala sobre os “colaboradores em Cristo” de Paulo, o casal Prisca e Áquila. O fato de Prisca ser nomeada primeira em quatro das seis vezes em que o casal é citado no Novo Testamento nos diz que ela provavelmente era a mais proeminente da dupla. Prisca e Áquila fundaram comunidades em Corinto, Éfeso e Roma que serviram como base de evangelização em cada uma dessas grandes cidades.

Com Paulo, eles podem ser legitimamente chamados de “apóstolos aos gentios”, porque, como o próprio Paulo diz: “Eu lhes sou agradecido, e não somente eu, mas também todas as Igrejas fundadas entre os gentios” (Romanos 16, 04). Paulo louva outro casal de missionários, Júnias e seu marido Andrônico, como “apóstolos notáveis” (Romanos 16, 7). Júnia é a única mulher no Novo Testamento a quem é dado o título de “apóstola”.

IHU On-Line – Maria Madalena e Jesus coexistem no imaginário coletivo como um exemplo de um “amor proibido”, especialmente devido ao “beijo na boca” narrado nos Evangelhos apócrifos ou à dúvida sobre quem é a mulher que derrama “um perfume de nardo puro” nos pés de Jesus. Como você analisa, inspirada em Madalena, a conexão entre erotismo, sensualidade e mística?

Chris Schenk – Como disse anteriormente, a minha interpretação dos textos sobre a unção não se baseia em um erotismo místico, mas no significado profético da unção sobre a cabeça, como Samuel fez quando ungiu o rei Davi.

Todos os quatro Evangelhos falam sobre uma mulher que unge Jesus com um caro unguento perfumado. Em Mateus e Marcos, a mulher unge a cabeça de Jesus, evocando o profeta Samuel. Quando ela é criticada, Jesus a defende: “Onde for anunciado o Evangelho, no mundo inteiro, será mencionado também, em sua memória, o que ela fez” [Marcos 14, 9]. Infelizmente, essa mulher jamais é lembrada, já que, nas leituras do Domingo de Ramos, onde esse texto se encontra, ele é ou omitido ou tornado opcional.

Lucas retrata a mulher como uma pecadora pública, cuja unção dos pés de Jesus significa a sua grande fé e perdão. João mostra Maria ungindo os pés de Jesus no ambiente íntimo de Betânia. Como o lava-pés era um ritual devocional central na comunidade joanina, não é de se estranhar que João combina a história de Lucas da unção dos pés de Jesus com antigas tradições de unção da sua cabeça. Em Mateus, Marcos e João, a unção acontece pouco antes da prisão e paixão de Jesus.

Mas o que a unção significa? A tradição mais antiga, que evoca a unção profética de Samuel, é a pista. Essa discípula fiel entendeu a passagem de Jesus pela paixão e morte como a sua entrada real ao reino messiânico onde a liderança servidora reinará para sempre. O ato dela deve ter sido profundamente consolador para Jesus, enquanto ele enfrentava a efusão final para a vida do mundo.

Nas palavras de Isaías: “Eis o meu servo, dou-lhe o meu apoio. É o meu escolhido, alegria do meu coração. Pus nele o meu espírito, ele vai levar o direito às nações”. Para os seguidores de Jesus, a lavagem e a unção dos pés é uma estrada real que leva à vitória da Justiça.

A publicação em 2002 de O Código Da Vinci inflamou uma ampla polêmica em torno do verdadeiro papel de Maria de Magdala. Infelizmente, o livro de Dan Brown, embora sendo uma narrativa ficcional envolvente, fez um desserviço à Maria de Magdala histórica e a outras líderes mulheres da Igreja primitiva. Apesar de O Código Da Vinci transmitir um belo ideal da unidade essencial do masculino e feminino, ele é, em última análise, subversivo à liderança plena e igualitária das mulheres na Igreja, porque se centra na ficção do estado marital de Maria, em vez de se centrar no fato da sua liderança em proclamar a Ressurreição de Jesus.

Não há dados históricos ou bíblicos para sustentar a especulação de que Maria de Magdala era casada com Jesus. A controvérsia de que os escritores antigos não mencionam o seu casamento e sua prole por medo da perseguição judaica realmente não se sustenta, porque o Evangelho de João e grande parte da literatura apócrifa foram escritos depois da queda de Jerusalém, quando não haveria nada a temer das autoridades judaicas. Se Maria de Magdala fosse a esposa de Jesus e a mãe de seu filho, é altamente improvável que esses textos teriam omitido esses fatos importantes, especialmente porque ela é retratada proeminentemente tanto como a principal testemunha da Ressurreição quanto uma líder feminina que, de muitas formas, entendeu a missão de Jesus melhor do que os discípulos homens.

Se Jesus foi casado, não foi com Maria de Magdala, porque então ela teria sido conhecida como “Maria, a esposa de Jesus”, e não Maria de Magdala. Como vimos, convenções literárias e sociais na Antiguidade ditavam que, quando as mulheres eram mencionados (uma ocorrência muito rara), elas eram quase sempre nomeadas pela sua relação com a família patriarcal, por exemplo: “Joana, mulher de Cuza, alto funcionário de Herodes” (Lucas 8, 1-3). De forma atípica, Maria de Magdala foi nomeada de acordo com a cidade da qual ela provinha (não pela sua relação com um homem).

Mística, erotismo e sensualidade


Minha opinião sobre a conexão entre erotismo e mística não se inspira naquilo que se pode saber da relação de Maria de Magdala com Jesus, já que os dados históricos sobre um relacionamento romântico é, no máximo, tênue.
Dito isso, eu acredito que há, de fato, uma conexão entre erotismo e mística, e essa conexão pode ser facilmente vista em muitos dos escritos e das experiências dos grandes místicos, como João da Cruz e Teresa de Ávila.

A experiência do mistério do amor de Deus é uma experiência profundamente humana. Somos Espíritos encarnados. Outra forma de dizer isso, como um fisioterapeuta amigo meu disse uma vez, é perceber que “nossos corpos são a parte mais densa do nosso Espírito”. Disso segue-se que, em qualquer encontro com o divino, nossos corpos vão refletir isso de alguma forma.

Para aqueles abençoados com experiências consoladoras do amor de Deus, pode não ser incomum encontrar nossos sentidos corporais tão cheios e consumados quanto depois de uma expressão amorosa do amor sexual íntimo. Isso não quer dizer que a experiência mística é o mesmo que o orgasmo sexual, mas sim que há uma satisfação na totalidade do nosso eu que se parece com o grande mistério e prazer da satisfação sexual humana. Alguns acham que essa satisfação divina é ainda mais profundamente satisfatória.

As escrituras geralmente usam metáforas esponsais para descrever o amor de Deus pelo seu povo. Certamente, esse amor mais poderoso dos amores humanos é uma metáfora apropriada para descrever o amor insuperável de Deus por cada pessoa e pelo mundo.

IHU On-Line – Você é diretora-executiva da FutureChurch, com sede em Cleveland, que iniciou em 1997 uma celebração especial da festa de Maria de Magdala, no dia 22 de julho. Por que essa data? Como é essa celebração e quais são seu significado e seu propósito mais profundos

Chris Schenk – Nós escolhemos o dia 22 de julho porque é o dia da festa de Santa Maria de Magdala, celebrada pela Igreja universal. As celebrações surgiram por causa da minha paixão por esclarecer de uma vez por todas que Maria de Magdala não foi uma prostituta, mas sim a primeira testemunha da Ressurreição.

As celebrações são organizadas para apresentar aos católicos comuns o estudo bíblico contemporâneo sobre Santa Maria de Magdala e de outras mulheres nas Escrituras. As definições da cerimônia de oração também proporcionam um lugar em que mulheres competentes podem pregar e presidir em funções litúrgicas visíveis.

O significado e propósito mais profundos dessas celebrações é que tanto homens como mulheres aprendam sobre a liderança das mulheres nos Evangelhos e experimentem o fato de mulheres servirem em papéis de liderança sagrada, alguns pela primeira vez. Quando começamos essas celebrações em Cleveland, Ohio, uma amiga trouxe o seu grupo de mulheres das Alcoólicas Anônimas. Algumas dessas mulheres estavam em lágrimas durante toda a celebração, porque era a primeira vez que se experimentavam como igualmente santas e amadas por Deus em comparação com seus irmãos.

Foi assim que eu soube que estávamos tocando algo muito profundo na psique feminina e, por extensão, na psique masculina. Como nós, mulheres, raramente nos vemos nas Escrituras e quase nunca vemos mulheres servindo em papéis sagrados no altar, nós muitas vezes inconscientemente interiorizamos que temos menos valor e somos menos amadas por Deus do que os nossos irmãos.

Eu acho que a Igreja Católica jamais será curada do sexismo e da misoginia enquanto tanto as mulheres como os homens experimentem o ministério a partir de mulheres e de homens. Todos nós precisamos do ministério de ambos os gêneros.

IHU On-Line – Que outras mulheres místicas você destacaria a partir das Escrituras ou da história do cristianismo? Como essas mulheres nos ajudam a pensar a mística feminina na contemporaneidade?

Chris Schenk – Esse é um assunto muito extenso para abordar em profundidade aqui. Mas basta dizer que, ao longo da história, as mulheres muitas vezes exerceram a liderança espiritual que lhes era negada na Igreja institucional escrevendo sobre seus encontros místicos com um Deus amoroso que conforta, consola e traz justiça.

Vemos isso nos escritos do século XII de Hildegard de Bingen, que era uma visionária, vidente e curadora. Ela ficava assombrada com a corrupção do seu próprio tempo: “Este tempo é um tempo afeminado, porque a revelação da justiça de Deus é fraca. Mas a força da justiça de Deus está se manifestando, uma guerreira lutando contra a injustiça, para que esta possa cair derrotada” (Carta 23). Hildegard entendeu-se como essa guerreira feminina, a personificação da justiça de Deus.

Teresa de Ávila foi uma proeminente mística espanhola do século XVI que foi ameaçada pela Inquisição por três vezes. Quando as pessoas citavam a prescrição paulina de que as mulheres devem ficar em silêncio e nunca ter a pretensão de ensinar na Igreja (1 Tim 2, 11-14), ela contestava com palavras que ela havia recebido de Jesus em oração: “Diga-lhes que não sigam apenas uma parte da Escritura sozinha (…) e pergunte-lhes se poderão, por ventura, atar minhas mãos” (Testemunhos Espirituais, 15).

No final do século XIV, em um tempo em que a guerra e a peste assolavam toda a Europa, Julian de Norwich trouxe uma mensagem reconfortante para as pessoas aterrorizadas pela morte súbita: Deus não odeia os pecadores, mas só tem amor e compaixão por eles. Julian foi uma mística que experimentou uma cura milagrosa e teve visões que lhe deram intuições sobre o amor de Jesus. Ela escreveu sobre isso em um livro chamado Showings. Era um risco escrever sobre o amor de Deus em vez dos pecados das pessoas, porque, naqueles dias, a Igreja considerava a minimização do pecado uma heresia punível com a morte. Grande estudiosa e teóloga, Julian também foi uma mulher corajosa e criativa que confiava completamente em um Deus amoroso.

As mulheres de hoje têm acesso à mesma formação teológica e bíblica que os homens. Isso permite que os fiéis dos nossos dias apreendam o Deus-mistério através das lentes da experiência feminina em uma linguagem que possa ser entendida tanto por homens como por mulheres. Esse é um grande dom para a Igreja e está, de fato, abrindo novas formas de compreensão e de apreciação do Mistério divino que, afinal de contas, sempre será um mistério. Essa é para mim uma das coisas favoritas sobre Deus... Sempre haverá mais para aprender, explorar e amar.

IHU On-Line – Em sua opinião, considerando a atual situação social, socioeconômica e política, qual é o papel da mística e da espiritualidade, especialmente feminina?

Chris Schenk – Eu acredito que, como as mulheres muitas vezes têm experiência pessoal do que significa ser suprimidas, oprimidas e deprimidas (para citar uma amiga minha), elas entendem muito bem a importância de testemunhar o Deus de justiça e Jesus, que veio para exaltar os humildes e libertar os oprimidos.

Se alguma vez for dada às mulheres a oportunidade de pregar regularmente, eu suspeito que poderemos ouvir muito mais sobre a paixão de Jesus pelo reino justo de Deus do que nós atualmente ouvimos a partir da maioria dos púlpitos, em que os homilistas muitas vezes pregam chavões piedosos, em vez de proclamar boas novas aos pobres.

A mística feminina, como qualquer mística (e a mística é a experiência da maioria dos cristãos mais comprometidos, embora eles nunca a nomeiem dessa forma), é chamada a ajudar a trazer o reino justo de Deus aqui na terra, como no céu. Se você não acredita em mim, apenas reveja a própria oração de Jesus, o Pai Nosso, que diz isso de forma mais eloquente do que eu jamais poderia dizer.

A mística, então, também é chamada a ser profeta. E o profeta não pode sobreviver sem uma comunicação mística regular com Aquele que nos ama para além de toda a nossa compreensão e que nos fortalece para além de todas as nossas fraquezas.

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