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sábado, 31 de janeiro de 2009

II Seminario Franciscano sobre Ecumenismo y Diálogo Interreligioso en América Latina

O NOSSO DESTINO É A GLÓRIA DE DEUS

“O Reino de Deus já está no meio de vós”, disse Jesus. Quando olhamos para nós mesmos, vemos essa verdade, anunciada pelo Senhor, presente em nossa composição; porque somos um misto de corpo e alma, ou seja, acidentes e substância; matéria e espírito. Em outras palavras, somos um composto de visibilidade e invisibilidade; temporalidade e eternidade.

Ora, e o que isso nos revela? Na verdade revela nosso desejo de perenidade, seja na vida, no amor, na felicidade, etc. E por que não obtemos essa perenidade desde já? Porque a buscamos nas criaturas, quando na verdade só a encontramos no Criador. Além do que, em seu desígnio de amor, Deus não nos criou para o pecado, mas para a santidade, porque Deus é Santo e só cria para a santidade; contrariar esse princípio divino e perder o verdadeiro sentido da vida.

Logo, nossa vida é um "caminhar" constante para Deus e é com Ele que viveremos para sempre, pois, Deus em sua Sabedoria, nos dá encontrá-LO ainda aqui, por meio do Seu Filho Jesus, para que não nos percamos nesse percurso temporal que ainda nos resta, até que cheguemos à plenitude que Ele preparou para nós desde toda eternidade, Nele mesmo.

Destarte, o nosso destino é a glória de Deus, pois para lá é que o Senhor Jesus veio nos buscar, completando, com seu sacrifício de amor, a obra que o Pai começara. Isso Ele nos garantiu: “Não se perturbe o vosso coração. Credes em Deus, crede também em mim. Na casa de meu Pai há muitas moradas. Não fora assim, e eu vos teria dito; pois vou preparar-vos um lugar. Depois de ir e vos preparar um lugar, voltarei e tomar-vos-ei comigo, para que, onde eu estou, também vós estejais”. (Jo 14,1-3).

O que é preciso ainda para que venha a Plenitude do Reino? A carta aos Hebreus nos responde a essa pergunta: “De fato, precisais de perseverança para cumprir a vontade de Deus e alcançar o que Ele prometeu. Porque ainda bem pouco tempo, e aquele que há de vir virá e não tardará”. (Heb 10,36-37). Desse modo, pedimos: vem Senhor Jesus, vem!

Paz e Bem!

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

POR UM FRANCISCO ECUMÊNICO

Ciao fratelli, ciao sorelle!!!

Há quanto tempo não vos escrevo! Desculpem-me...

Na verdade, desde a Jornada Ecumênica Sul, tenho o desejo de vos falar sobre Francisco, o Francisco que conheci em Joinville-SC, nos dias 07 a 09 de novembro de 2008. Um Francisco ecumênico por excelência.

Não sei por que não percebi isso antes. É de se pensar o quanto o sentimento de posse nos fecha, a nós católicos, em nosso mundinho. Francisco é só dos católicos... Pior: só dos franciscanos. Gente... Francisco, se pertenceu a alguém, foi enamorado do mundo.

O estopim dessa “revelação” foi uma peça de teatro que assistimos na Jornada: A História de Francisco e Clara. Era uma peça extremamente católica (em determinado momento, o prefeito beijou o anel do bispo), uma falta de sintonia muito grande com o evento... Mas quero ressaltar o início da apresentação, o momento da minha “intuição”.

O show começa com o episódio da conversão de Francisco. Ele encontra um leproso, todo esfarrapado, à margem da estrada. Os amigos caçoam do “poverello”, mas Francisco sente algo diferente. Cria uma identidade com o mendigo. Chega ao ponto de se despir completamente para viver as mesmas condições de tantos miseráveis que ele finalmente consegue enxergar pelo caminho.

Pessoas... Querem algo mais ecumênico do que isso??? Francisco não perguntou pela religião do leproso. Francisco não esperava que o leproso se convertesse para poder ajudá-lo. Diante da Cruz de São Damião, não sente vontade de ajudar na Liturgia, ou na Pastoral disso ou daquilo, ou no Ministério “x” ou “y”... Ele sente é vontade de sair correndo, anunciando aos quatro ventos o Amor de Cristo, um amor que arde sem se consumir e que nos impulsiona a amar o próximo, de maneira especial os menos amados, os escanteados e escanteadas da sociedade.

Grande Francisco!!! Entendeste a oykoúmene muito melhor do que todos nós. Querem uma casa mais comum do que a Irmã Terra? Nela predadores (entendidos como poderosos políticos, latifundiários, grandes empresários, ou como leões mesmo, serpentes, lobos etc.) não perguntam pela fé de suas vítimas. Por outro lado, felizmente, o sol também não faz acepção de pessoas (Gl 2,6), nem de coisas, brilhando sobre tudo com a mesma intensidade.

Pai Francisco, que adotaste até mesmo a Morte por Irmã! Ensina quem tem mais a partilhar com os poverelli! Ensina quem tem menos a denunciar os sistemas que, como teu próprio pai, só aceitam quem se enquadra em sua vã filosofia! Ensina a este pobre escritor, longe de tua humildade e de tua pequenez (que te fez um dos maiores no Reinado do Abba, Pai!), o teu amor incondicional, o perdão que transforma, o desprendimento que liberta...

Ensina, por fim, que a Ecologia não é suficiente para desfazer nossa ruptura com o cosmo. Mais do que isso, precisamos urgente de uma ECOFILIA (amor à casa, à grande casa que é a Mãe Terra). Tu, ecófilo por excelência, faça ressoar em todos os cantos do Universo teu Hino ao Amor. Amém!!!

José Luiz Possato Jr.
São Leopoldo-RS

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

A mudança de eixo da humanidade

A mudança de eixo da humanidade.
O III Fórum Mundial Teologia e Libertação.
Entrevista especial com Luis Carlos Susin


Recém encerrado, o III Fórum Mundial de Teologia e Libertação reuniu centenas de teólogos e teólogas de todo o mundo, em Belém do Pará, para discutir o tema "Água, Terra, Teologia para outro Mundo possível". E agora, além das avaliações, surgem também as várias perspectivas e possibilidades que o debate semeou.

Em entrevista especial concedida por telefone à IHU On-Line, o secretário-geral do Fórum, o doutor em Teologia e frei capuchinho Luiz Carlos Susin, ainda no clima do encontro, comenta alguns traços gerais mais marcantes desses cinco dias na cidade de Belém, entre os dias 21 a 25 de janeiro.

Para Susin, um dos objetivos alcançados foi o de “desafiar a teologia a integrar a ecologia, a questão do meio ambiente, da biodiversidade na pauta da teologia”, de forma ecumênica. Quanto à convivência ecumênica do Fórum, destaca, ela já é bastante natural. Mas reconhece que ainda existe uma dívida com a área ortodoxa. E afirma que o modelo do Fórum não está superado, pois o encontro “tem que ser mesmo um espaço aberto para as novidades em termos de experiências, de novos caminhos [...] numa espécie de vitrine, de feira, de troca”. “Não se pode exigir do Fórum mais do que ele pode dar”, resume.

Susin cursou mestrado e doutorado em Teologia na Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma, Itália. Leciona na PUC-RS e na Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana (ESTEF), em Porto Alegre. É autor de inúmeras obras, entre as quais citamos "Teologia para outro mundo possível" (Paulinas, 2006).

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Qual a avaliação geral do III Fórum de Teologia e Libertação e das principais conferências?

Luis Carlos Susin – Em uma avaliação muito geral ainda, nós podemos sublinhar dois pontos que são destaques e ganhos que nós tivemos. O primeiro é sobre a forma, a dinâmica do Fórum, enquanto proposta de ser Fórum. Desde o primeiro Fórum em 2005, em Porto Alegre, passando pelo segundo em 2007 em Nairóbi, e agora a realização deste terceiro, nós percebemos que ele adquiriu mais fisionomia de Fórum, com múltiplas atividades, múltiplas propostas, formas diferentes, não apenas acadêmicas, não apenas conferências e discussão de idéias, mas também outras iniciativas que os grupos tomaram. Percebemos, então, uma convergência de maneiras de se passar adiante o debate e a conscientização, que dão mais fisionomia de Fórum. Nós tivemos muito mais oficinas. Houve uma multiplicação: passou do dobro a oferta de oficinas em relação ao último Fórum. E tivemos um Café Teológico com grandes possibilidades de exposições, de shows, em que alguns grupos puderam se apresentar com as suas tendas. Quanto ao conteúdo, nós conseguimos, realmente, focar o horizonte que tínhamos, de desafiar a teologia a integrar a ecologia, a questão do meio ambiente, da biodiversidade, enfim, de toda essa questão que hoje ocupa a humanidade, de uma maneira urgente, na pauta da teologia.

IHU On-Line – Quais foram os principais temas debatidos durante o encontro?

Luis Carlos Susin – Nós tivemos, em primeiro lugar, a questão da crise da humanidade, crise axial, alguns chamaram de mudança de eixo da humanidade, que vai além da sua história como a conhecemos, seja por razões de globalização, seja pela crise do modelo, de tal maneira que vamos nos obrigar a fazer uma grande mudança no modo de vida, do que talvez nós nem tenhamos total consciência. Nós só estamos recebendo os primeiros sinais. Isso capitalizou as discussões e os debates.

IHU On-Line – Que conceitos ou pensamentos de fronteira se destacaram no encontro? Por onde a teologia mundial mais avança em termos de pesquisa?

Luis Carlos Susin – Acho que se deveria pensar nisso pelo avesso. Ou seja, onde a teologia sente que ainda há muita lacuna. O que avançou muito foi o que se poderia chamar de pré-teológico, a visão de ordem mais sociológica, filosófica, antropológica, política inclusive, da relação da humanidade com o meio ambiente. Agora, quando se tratou realmente de fazer um debate teológico, o que nós, como teólogos e teólogas, percebemos é que a maioria de nós ainda não se apropria – e também porque não existe muito à disposição – de categorias e de uma linguagem que sejam suficientemente rápidas, claras, flexíveis, fluentes, para poder teologizar, para poder fazer teologia com essas questões. Significa que nós não temos ainda os nossos materiais muito bem afinados, e essa é uma pauta de futuro. Acho que – se há um ganho em termos de perspectiva do Fórum, mas que é um desafio muito grande e importante – vamos ter que trabalhar pela frente o que chamamos de epistemologia, a linguagem para poder corresponder a isso. Nós temos alguns ensaios sobre isso. Há teólogos como [Jürgen] Moltmann [1], o próprio Leonardo Boff [2], que têm trabalhado isso, mas percebemos muitas lacunas nessa área.

IHU On-Line – O Fórum Social Mundial (FSM) que começou hoje (ontem), também em Belém do Pará, coloca o Brasil em foco no sentido da atenção ao território amazônico. Quais foram as perspectivas levantadas pelo Fórum de Teologia com relação ao cuidado da água e da terra do planeta?

Luis Carlos Susin – Falando em termos de uma memória do que aconteceu no Fórum, poderíamos apontar para a intervenção da senadora Marina Silva, que foi a nossa ministra do Meio Ambiente, que realmente levantou o público todo com a sua fala, porque ela tem, com muita naturalidade, uma propriedade, inclusive bíblica – no sentido de que ela tem muito conhecimento da Palavra de Deus, dos Evangelhos e da Bíblia em geral –, para se situar e para interpretar a sua própria luta política pela Amazônia. Ao mesmo tempo, ela nos deixou muito clara a relação da Amazônia com o planeta e também a necessidade de que todos tenhamos, internacionalmente, responsabilidade pela Amazônia. Porque, de um ponto de vista da história e da geografia deste momento, temos que ultrapassar fronteiras nacionais para podermos dar conta dessa questão.

IHU On-Line – Como as recentes medidas de Bento XVI, como a censura ao teólogo jesuíta Roger Haight e a retirada da excomunhão aos quatro bispos lefebvrianos, repercutiram no Fórum de Teologia?

Luis Carlos Susin – Como o Fórum é ecumênico mesmo, seriamente ecumênico – desde o início ele se estruturou no diálogo entre teólogos e teólogas não só de diferentes continentes, mas também de diferentes denominações –, fizemos uma espécie de acordo entre nós de que as igrejas não deveriam ser o foco central do Fórum, porque ele se destina para o diálogo com a sociedade mais ampla. Então, no próprio Fórum, na temática, na programação etc., evitamos discutir esse tipo de assunto. Agora, é claro que pelos corredores, digamos assim, isso também surge. Porque, em última análise, todos temos raízes em comunidades eclesiais, todos temos uma comunidade de fé, uma igreja, e é evidente que a Igreja Católica tem uma importância muito grande nesse conjunto. Então, nós ficamos constrangidos – essa é a palavra. Os outros teólogos e teólogas olham de fora, de longe, com um certo sentimento de coleguismo, de fraternidade. E nós sofremos com esse tipo de coisa, porque, com o ensaio, o debate, a liberdade de pesquisar, de poder experimentar novas linguagens e de ter o estímulo e a confiança, nós sempre temos uma espécie de espada de Dâmocles [3] sobre a cabeça. Por outro lado, percebemos que é até uma questão biográfica do Papa essa tendência a fazer retornar tudo o que é conservador na Europa, porque deve ser uma convicção dele de que é por aí que as coisas podem ser salvas.

IHU On-Line – Emir Sader, recentemente, criticou o FSM afirmando que o encontro se esvaziou, resumindo-se a uma crítica do neoliberalismo, sem propostas e sem conexão com as mudanças sociais. Fazendo um paralelo com a teologia, como o senhor avalia o formato “Fórum de Teologia e Libertação”?

Luis Carlos Susin – Nós estamos em contínua avaliação e vamos continuar agora avaliando por um certo período. Não temos ainda muita clareza sobre isso, mas, de qualquer forma, esse Fórum está superando algumas das instituições que tinham se criado na década de 80 para dar um horizonte maior, por exemplo às organizações que fazem parte do Comitê Organizador desse Fórum, como a Associação Ecumênica de Teólogos e Teólogas do Terceiro Mundo. Até a forma de se chamar – “Teólogos e Teólogas do Terceiro Mundo” – já é inadequada hoje em razão da geopolítica que nós temos. Então, o Fórum está aberto para o mundo assim como ele é.

Eu não concordo com o Emir Sader. Eu concordo mais com o Francisco Whitaker, que o Fórum tem que ser mesmo um espaço aberto para as novidades em termos de experiências, de novos caminhos que se vão traçando em comunidades locais, regionais, para que isso apareça numa espécie de vitrine, de feira, de troca. E essa é a função. Também não se pode exigir do Fórum mais do que ele pode dar. Nesse sentido, o Fórum Mundial de Teologia também pode dar alguma coisa, e é uma espécie de troca de experiências, de maior conhecimento entre todo o mundo das diversas partes, para ouvir linguagens diferentes e, sobretudo, inspirar a pauta da teologia nos próximos tempos. Se nós, por exemplo, aqui em Belém, escutamos bem o que aconteceu nesse Fórum, precisamos ter uma pauta que leve a sério essa urgência, essa lacuna, essa necessidade de trabalhar a nossa linguagem para conectá-la com o que está acontecendo na biodiversidade hoje.

IHU On-Line – Como esteve marcado o diálogo inter-religioso no Fórum, tendo-se em conta um tema tão caro e tão cheio de simbologia a todas as culturas e religiões como a terra e a água?

Luis Carlos Susin – Tem coisas que vão acontecendo mais ao natural. Nós tínhamos, em um certo tempo, a necessidade de cuidar para que houvesse uma boa representação de teólogos e teólogas, no sentido de gênero, homens e mulheres nas mesas, nas presidências etc. Ainda havia aquela tendência de termos muito do patriarcalismo que nos assombra, e acabávamos nos traindo, porque às vezes havia mesas somente de homens e poucas mulheres, até porque as mulheres estavam começando a entrar no espaço da teologia. Hoje, por exemplo, essa preocupação desapareceu. Nem nos interrogamos mais, porque naturalmente aparecem os nomes das pessoas com uma equidade bastante natural entre homens e mulheres. A mesma coisa aconteceu na área da representação de denominações diferentes, de pessoas de diferentes igrejas. Houve um tempo em que tínhamos que nos preocupar que não fossem só católicos, já que os católicos são de uma igreja maior e têm bastantes teólogos e teólogas; ou só luteranos, que entre nós também têm uma boa representação na área de teologia. Nós temos ainda uma dívida com a área ortodoxa. Nós não estamos conseguindo uma boa ligação com essa área. Mas, sobretudo dos três continentes – África, Ásia e América Latina – a representação ecumênica já começa a ser bastante natural. Escolhemos as pessoas pelo que elas são, e elas já vêm aparecendo das diferentes igrejas.

IHU On-Line – Qual a contribuição do Fórum com relação à paz, especialmente neste momento de graves conflitos no Oriente Médio, muitos deles causados por questões religiosas?

Luis Carlos Susin – Neste ano, nós não tivemos, como foco muito explícito, essa questão da guerra, sobretudo com tintas de fundamentalismo religioso. Isso aconteceu na África, há dois anos, quando trabalhamos "Espiritualidade para um Outro Mundo Possível". E a espiritualidade, nesse caso, era um campo vasto para apresentar as presenças de diferentes tradições religiosas – não só igrejas. O Brasil e esta região, aqui em Belém, não se explicam sem uma interação muito sincrética. Então, naturalmente, nos momentos de oração, nós tivemos pessoas de tradição indígena, que fizeram as suas orações e invocaram a divindade, o Grande Espírito, na forma como o indígena tem na sua tradição; tivemos pessoas dos cultos afro-brasileiros, que também estão misturados com o indígena, são os chamados “encantados”, e também fizeram a sua oração, deram a sua palavra.

E o que percebemos é que eles têm vontade de conviver pacífica e cordialmente com as outras pessoas que estavam lá presentes. E até nos comoveram, porque disseram que estavam vendo com os seus olhos aquilo que os seus antepassados sonharam e não puderam ver, que um dia estariam ao lado de um bispo sem precisar corar de vergonha, sem precisar se esconder. Agora, lá em Nairóbi, no Quênia, há dois anos, tivemos que fazer isso com um certo cuidado, porque as tensões entre certas tradições são mais fortes por causa da mistura de política com religião. E exatamente por isso é que nos comoveu o fato de que havia lá, por exemplo, grupos de mulheres do sul do Sudão e do norte do Quênia que são muçulmanas, cristãs e de religião tradicional africana, que são grupos de convivência, grupos para dançar e rezar juntas e convivem como forma de contrapor-se àquela tendência política de usar a religião para sacralizar a sua violência.

IHU On-Line – Como o Fórum avalia uma suposta “virada à esquerda” em nível internacional, com a recente posse de Barack Obama, além dos demais presidentes latino-americanos? Em que isso contribui nas lutas sociais e cristãs por um mundo mais justo?

Luis Carlos Susin – A expressão "virada à esquerda” não foi usada, porque essa questão de direita e esquerda é uma forma também já problemática e inadequada para a atual geopolítica. Mas vamos dizer que seja isso. Ao menos, é uma saída de um conservadorismo neoliberal e dos interesses do mercado para uma retomada da política como possibilidade de dar orientação e guiar um pouco mais o mercado. É o mínimo que se pode ver no horizonte, até pela crise atual do mercado livre. Nós tivemos esse choque do ano passado para cá, e claro que isso foi às vezes nomeado, assim como foi nomeado o fortalecimento de uma tendência de política de governo mais popular, como foi agora o caso da América Latina, e se acrescentou o caso do Paraguai, com o Fernando Lugo – que, aliás, era membro de uma das instituições do Comitê Organizador do nosso Fórum. Então pode-se imaginar a importância que isso adquire. Mas o nome que foi mais citado foi Barack Obama, porque nós tivemos diversas intervenções de teólogos e teólogas norte-americanos, e também de outras partes, que têm uma esperança de que agora se consiga criar um pequeno desvio para o lado contrário daquele para onde havia ido a política de Bush.

Notas:

1. Jürgen Moltmann (1926-) é professor emérito de Teologia da Faculdade Evangélica da Universidade de Tübingen, na Alemanha. Um dos mais importantes teólogos vivos da atualidade. Foi um dos inspiradores da Teologia Política nos anos 1960 e influenciou a Teologia da Libertação.

2. Leonardo Boff (1938-) é um teólogo brasileiro. Foi um dos criadores da Teologia da Libertação e, em 1984, em razão de suas teses a ela ligadas e apresentadas no livro "Igreja: carisma e poder – ensaios de eclesiologia militante" (Vozes, 1982), foi submetido a um processo pela ex-Inquisição em Roma. Em 1985, foi condenado a um ano de "silêncio obsequioso" e deposto de todas as suas funções. Dada a pressão mundial sobre o Vaticano, retornou a elas em 1986. Em 1992, sendo outra vez pressionado com novo "silêncio obsequioso" pelas autoridades de Roma, renunciou às suas atividades de padre. Continuou como teólogo da libertação, escritor e assessor das comunidades eclesiais de base e de movimentos sociais. É autor de mais de 60 livros nas áreas de teologia, espiritualidade, filosofia, antropologia e mística.

3. Dâmocles é uma personagem de um mito. A anedota aparentemente figurou na história perdida da Sicília por Timaeus de Tauromenium (356-260 a.C.). Dâmocles era um cortesão bastante bajulador na corte de Dionísio I de Siracusa, um tirano do século 4 a.C. Ele dizia que Dionísio era verdadeiramente afortunado por seu poder e autoridade. Dionísio ofereceu-se, então, para trocar de lugar com ele por um dia, para que ele também pudesse sentir o gosto de toda esta sorte e o preço que se paga pelo poder. À noite, um banquete foi realizado, e Dâmocles adorou ser servido como um rei. Somente ao fim da refeição olhou para cima e percebeu uma espada afiada suspensa por um único fio de rabo de cavalo, diretamente sobre sua cabeça. Com isso, o invejoso cortesão entendeu a precariedade do poder real.



Extraído de http://www.unisinos.br/ihu/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=19635 acesso em 28 Jan. 2009.

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Relações humanas = nossas relações com Deus

Frei Hipólito Martendal


Vamos começar afirmando que existem extraordinárias semelhanças entre as melhores relações humanas e as melhores relações entre um ser humano e Deus. Claro que para podermos nos pôr a meditar sobre tal tema temos de enfrentar uma certa dose de medo, sem cair em ousadias e pretensões baratas. Mas se partirmos da magnífica tradição franciscana de concentrarmos o melhor de nossas meditações e contemplações no mistério da encarnação do Verbo de Deus, tudo fica mais fácil e mais iluminado. A partir deste acontecimento básico, um Deus que se faz um de nós, todos nós nos revestimos de um significado e valor extraordinários. Eu até diria que Deus afirmar que somos criados à sua imagem e semelhança não traduz a riqueza infinita e intraduzível do gesto silencioso de Deus fazer-se gente e escolher a nós, humanos, para sermos seus interlocutores, companheiros de viagem, parceiros de diálogo, amigos e amantes.

Aqui toco o cerne do tema: eu, ou você, em diálogo com Deus. Estou profundamente convencido de que o diálogo é a mais sublime e completa forma de relacionamento entre duas pessoas. Não tenho espaço para expor exaustivamente tudo o que é importante sobre o diálogo. Para o nosso objetivo basta afirmar apenas uma coisa. Para eu dialogar bem preciso ser capaz de esquecer-me o mais possível de mim mesmo e entregar-me inteiramente à escuta daquilo que o outro está revelando através de palavras e de toda linguagem não verbal, seu estado de alma, suas emoções. Só quem aprendeu a amar de verdade pode dialogar bem.

Quanto mais imatura e egocêntrica é uma pessoa, mais precárias serão suas relações com os outros. Em geral, seu relacionamento é interesseiro, explorador e conflituoso, pois dificilmente outras pessoas conseguem preencher todas as suas expectativas e necessidades. Pessoas maduras conseguem realmente usufruir a gratuidade do encontro amoroso ou a presença graciosa do amigo. Elas esquecem-se de si e entregam-se inteiramente à vivência do encontro. O mesmo acontece no diálogo.

A mesma coisa observamos nos relacionamentos de pessoas com Deus. Muitas pessoas relacionam-se com Deus sempre voltadas para seus interesses pessoais e imediatos. Tentam explorar Deus, colocá-lo a seu serviço e quando não são atendidas, partem até para o conflito. Acusam Deus, declaram-se decepcionados, cobram. Na verdade é comum o ser humano imaginar Deus mais à imagem dele próprio do que ele querer reproduzir em si a imagem de Deus. Nós somos tão interesseiros e Deus tão desinteressado e generoso... São Pedro queria mudar a cabeça de Jesus porque desejava participar e liderar os demais ao lado de um Mestre grandioso e sempre vitorioso.

Quando procuramos Deus, precisamos aprender a entregarmo-nos inteiramente e só à alegria do encontro, inteiramente esquecidos de nós, até mesmo de nossas necessidades prementes. Jesus está andando sobre as águas e Pedro pede para ir a seu encontro também andando sobre as águas. Pedro esquece a si próprio e está inteiramente embevecido em Jesus e anda como Jesus. Mas, eis que começa a pensar em sua segurança, sente medo, o milagre se desfaz e Pedro afunda. A boa oração e o diálogo são o mesmo. Quando nos entregamos assim, tudo pode acontecer, até o milagre.

Extraído de http://www.franciscanos.org.br/v3/vidacrista/artigos/relacoeshumanas.php acesso em 27 Jan. 2009.

Humanismo Franciscano e Ecologia


Frei Miguel de Negreiros

in Cadernos de Espiritualidade Franciscana, nº 2, pp. 38-44.

Conferência pronunciada no Curso Complementar de Formação Franciscana

sobre Vida Franciscana e Ecologia. Fátima, Julho de 1994



É evidente que não vou tratar aqui do HUMANISMO como doutrina dos humanistas do Renascimento, nem vou tratar da Ecologia como tratado do meio ambiente.



Aqui entende-se por Humanismo Franciscano a visão do homem e da mulher inspirados em S. Francisco e em Sta. Clara. Entende-se por Ecologia a visão e as atitudes dos franciscanos no relacionamento com a Irmã Mãe Natureza.



Segundo José António Merino (José António Merino, Vision Franciscana de la Vida Quotidiana, Ediciones Paulinas, Madrid - 1986), em quem me inspirei para preparar esta conferência, poderemos sintetizar em 7 pontos a maneira como o homem, ao longo da história, se relaciona com o mundo: PÂNICO. ASSOMBRO. RESPEITO. RACIONALIZAÇÃO. DESENCANTO. EXPLORAÇÃO e finalmente REDESCOBERTA de que o mundo é a nossa CASA.



Neste trabalho tratarei de ver como deve ser o nosso relacionamento e comportamento com a Irmã Mãe Natureza, tendo em conta a nossa visão e a nossa experiência franciscana do que é ser homem.



Como nos foi sugerido dividirei em três pontos a nossa reflexão:

- O homem como relação.

- O homem e o seu corpo.

- O homem e a natureza.


1. O homem como relação


A visão franciscana do homem é certamente original, comparada com as diversas interpretações humanistas ao longo da história.



Francisco foi e propôs um novo tipo de homem a partir da sua original experiência de Deus e do modo original de tratar com todos os seres.



Francisco foi um homem estruturalmente "simpático" a Deus, a todos os outros homens e a todas as criaturas.



Podemos dizer que a "simpatia" por tudo é a primeira nota constitutiva do homem Francisco, de espírito aberto e fraterno, que vive convive com tudo e com todos.



Francisco é um especialista da arte de viver, pois consegue fazer a experiência de todas as formas de vida desde o nascimento até a morte. Ele nasce, sente, vive, ama, trabalha e morre em comunhão com Deus, com os homens e com o universo.



Ele não fica a ver a procissão dos seres a passar, mas vemo-lo totalmente imerso no mais íntimo da vida de toda a criação, em marcha. Ele sintoniza, ele está em simpatia com todas as expressões ou formas de ser, pensar e de viver.



A sua experiência de humanista está profundamente marcada pela PRESENÇA DE DEUS, que ele vê em tudo e em todos. Estremece de ternura, de admiração e de espanto ao surpreender em si e nos acontecimentos, na história, nos homens e em todas as coisas animadas ou inanimadas, sensíveis ou insensíveis, a PRESENÇA encantadora do maravilhoso Criador.



O homem não é rival dos homens nem dos seres da criação. É um irmão universal. Devido à sua estrutura ontológica e psicológica de simpatia por tudo e todos, e à sua abertura à PRESENÇA TOTAL, Francisco é e propõe um projecto de homem como um SER EM RELAÇÃO: em relação dinâmica com Deus, com os irmãos, com os demais homens, com os seres irracionais e a própria vida.



Para S. Boaventura e Duns Escoto, os teólogos franciscanos que melhor souberam traduzir, em pensamento, a forma de ser de Francisco, a relação é um constitutivo essencial da pessoa.



No Humanismo Franciscano, a pessoa humana é um ser para outrem. É como um som que soa e ressoa em reciprocidade com todos os outros sons.



Nesta relação vital, em que entram todas as vivências do espírito e do corpo, vencem­se todos os egoísmos e distanciamentos.



Sendo assim estruturalmente relacionado, o homem franciscano, a exemplo de S. Francisco, é um HOMEM CONFIANTE. Nunca pode desconfiar de ninguém e de nada. Se tudo quanto é mundano, humano e divino está em consonância com o homem, este não pode suspeitar mal de ninguém, nem fugir seja de quem for ou do que for.



E como a confiança é sempre recíproca, há, entre o homem e a mulher franciscanos e os demais seres, uma verdadeira partilha de confiança.



A confiança profunda e sem reticências traz consigo uma necessidade e um desejo de ENCONTRO.



Tudo e todos se encontram em S. Francisco: Deus e toda a criação (homens e mulheres e habitantes do céu, da terra e do mar).



E para que este encontro seja sempre renovado, Francisco lança-se numa busca constante de novos horizontes cósmicos, humanos e divinos. Francisco avança de surpresa em surpresa, até à Beleza Infinita.



Nada é estranho ao Humanismo Franciscano. Tudo lhe fala de afecto e de amizade.



Por isso no Humanismo Franciscano não pode faltar a gratidão por tantos e tantos dons.



Desde o encontro consigo mesmo até ao encontro com o Altíssimo, Omnipotente, Bom Senhor, Francisco vai experimentando todos os outros encontros desde os mais insignificantes, como o das pedras do caminho, até aos mais extasiantes, na estigmatização do Alverne.



No seu Itinerário para Deus, o Humanismo Franciscano celebra com alegria a festa de todos os encontros com todas as criaturas, que são outros tantos degraus para subir à montanha do Senhor.



E dado que estes encontros do Humanismo Franciscano são radicalmente sinceros e plenos de verdade, têm forçosamente de desabrochar em ACOLHIMENTO.



Por isso Francisco acolhe, com júbilo e gratidão, a revelação do amor de Deus e da amizade das criaturas. «Acolhe os socialmente enfermos, os ladrões, os salteadores, os leprosos, os pobres, os poderosos, os irrelevantes. Acolhe a criação inteira, não apenas com sentimentos de poeta, mas com entranhada amizade fraterna».



Acolhe tudo e todos, mas acolhe sobretudo os que não são acolhidos, assume as misérias humanas para as transformar.



A sensibilidade e o acolhimento franciscanos, podem transformar, como diz António Merino "o universo do temor num universo de aproximação exultante".



A consequência de todo este Humanismo Franciscano, no que se refere à Ecologia, é evidente: uma "irmanação universal".



O Humanismo Franciscano torna-se fraternidade cósmica e universal. A cortesia do Humanismo Franciscano, tão proverbial entre os homens, transforma-se também ela em cortesia cósmica e em afabilidade para com todas as coisas. Para o Humanismo Franciscano todos os outros seres se revestem, de algum modo, da dignidade de pessoas. Não se pode estragar, ferir, ofender, conspurcar ou esbanjar nada, porque tudo faz parte do nosso ser humano.



O ser humano, homem e mulher, tem de encontrar uma nova forma de existir e de habitar num mundo mais humanizado e familiar.



É urgente que nos revistamos de grande respeito e de extasiante admiração por todos os seres nossos irmãos. Antes de os conhecermos já os amámos, porque são parte integrante da nossa vida e componente necessária do nosso projecto de felicidade.


2. O Homem e o seu Corpo



O tema do corpo continua ainda hoje a ser um enigma incompreensível para o homem.



Há quem o deprima e rebaixe à condição de "pesada mochila" que a alma tem de suportar, e quem o exalte a ponto de o identificar com o "eu" humano, onde não há lugar para o espírito.



Na história do pensamento sempre assistimos ao DUALISMO irredutível entre o espírito e a matéria. O corpo é matéria e a alma é espírito, de modo que o corpo e a alma estiveram sempre em conflito.



No franciscanismo, o tema do corpo também não está definitivamente elaborado. Quando os escritores não franciscanos aludem ao tema do corpo em S. Francisco, não vão muito mais além do que uma simples referência genérica ao «irmão corpo» e ao "irmão asno".



No entanto, entrando em cheio nos Escritos de S. Francisco, a visão do corpo aparece-nos revestida de certa novidade e surpresa.



É verdade que S. Francisco não disse muito acerca do corpo e o que disse tem de ser enquadrado na visão optimista de toda a criação.



No Capítulo 23 da I Regra, S. Francisco alude à criação do homem como imagem e semelhança de Deus, segundo a Visão Bíblica do Génesis.



Mas é na Exortação V, onde aparece a visão mais bela e positiva do corpo. Diz S. Francisco: «ó homem, considera a quanta grandeza o Senhor te levantou, pois te criou dando-te um corpo à Imagem do Seu Filho Dilecto, e dando-te um espírito à sua própria Semelhança. (Gén. 1,26)



Se o homem é Semelhança de Deus, deve-o ao espírito, e se é Imagem de Deus, deve-o ao corpo. Mas o corpo deve a sua dignidade de imagem de Deus por ser Imagem do Corpo de Cristo. Cristo é que é o modelo e a referência do homem, também no tocante ao corpo.



A dignidade do corpo humano, para S. Francisco, não se reduz a um conteúdo físico­biológico. Mais: o corpo humano, criado à imagem do Filho, é para S. Francisco a memória e a recordação do corpo que a Palavra do Pai assumiu na Encarnação. A verdade humana do corpo assenta na verdade teológica do Corpo de Cristo.



A grandeza do homem também se encontra no seu Corpo. A humanidade de Cristo revela a humanidade do homem. Como a Paixão de Cristo foi o modelo da paixão e das chagas do serafim do Alverne. S. Francisco não só se distancia dos hereges Cátaros, mas até de alguns grandes teólogos, como Santo Agostinho, uns e outros negativos e pessimistas em relação ao corpo.



Os textos dos Escritos de S. Francisco que denotam um sentido negativo acerca do corpo, é preciso entendê-los tendo em conta que o corpo é assumido como inimigo da alma: "a carne", segundo a expressão de S. Paulo.



É a esta luz que devemos interpretar algumas expressões, como esta: "odiemos o nosso corpo com os seus vícios e pecados, porque vivendo nós segundo a carne, quer o diabo roubar-nos o amor de Nosso Senhor Jesus Cristo e a vida eterna" (I Reg. 22,5). Ou então as mesmas expressões das Exortações: "devemos aborrecer os nossos corpos com seus vícios e pecados" (Ex.I,6;10,2;12,2.)



Aqui não se trata do corpo enquanto tal, mas do corpo com seus vícios e pecados. O crente Francisco não pode deixar de ver o corpo no horizonte da Criação, da Redenção e Ressurreição.



O corpo, além disso, tem um valor cosmológico, ou seja, um valor de relação com o mundo, já que é através dele que o homem comunica com a criação.



O homem do cântico das Criaturas tem uma perfeita consciência da sua corporeidade, pela qual confraterniza com todas as criaturas.



A solidariedade cósmica só é possível através do Corpo.



Para S. Boaventura, alma e corpo não são duas realidades separadas mas complementares na unidade do ser humano. O corpo é a única possibilidade de a alma ter uma existência concreta e temporal. Ou seja: o corpo corresponde à vocação do homem à comunhão com todos os seres criados que existem no mundo. A própria existência do corpo, também ele micro-cosmos, é a afirmação da solidariedade e da fraternidade do homem com as outras criaturas.



Para Duns Escoto o corpo está em relação com a alma como a matéria está em relação com a forma e neste ponto é igual a S. Tomás e a toda a Escolástica. Mas vai mais longe e dá ao corpo uma perfeição chamada forma de corporeidade, pela qual mesmo sem a alma o corpo tem uma dignidade que não se pode reduzir a uma inter-acção físico-química. Isto é, o corpo mesmo sem alma é superior aos elementos físico-químicos de que é composto, e participa da dignidade do «eu».



Dessa dignidade do Corpo participam também todos os outros seres vivos e, por simpatia ontológica, todos os outros seres, mesmo inanimados.



Esta visão global de Escoto dá a todas as criaturas uma dignidade que as faz participantes da própria dignidade do homem.



Assim, através do corpo, a alma entra em comunhão com as coisas da natureza, e todos os seres da natureza entram em comunhão com o homem participando do seu valor espiritual.



Daí que o relacionamento com o universo criado deve ser tão respeitoso como o relacionamento da alma com o Corpo. Assim como a alma precisa do corpo para conhecer e amar neste mundo, assim o corpo precisa das outras criaturas para ser instrumento e complemento da alma.



O corpo humano, funcionando como condição da possibilidade de o homem ser homem no mundo da natureza, faz com que todos os seres da natureza participem da dignidade do homem, através do corpo.



O corpo, através dos seus sentidos, tem uma relação estruturalmente relacional, não só com as pessoas mas também com todo o universo.



Graças à vista, ao ouvido, ao olfacto, ao gosto e ao tacto o homem entra em contacto com todo um universo de experiências, de vivências e de comunicação.



Segundo S. Boaventura o homem, que é considerado micro-cosmos, tem cinco sentidos que são como cinco portas pelas quais entra na nossa alma o conhecimento de todas as coisas que existem no mundo sensível (Itin. C. 2, N. 3).



A visão humanista do corpo da Escola Franciscana apela a que restituamos ao corpo a sua dignidade verdadeiramente humana e faz com que prestemos a todas as criaturas que com ele convivem o obséquio de um diálogo fraterno e amigo, que exclui toda a tentação de exploração e as promove à dignidade de fraternidade universal.


3. O Homem e a Natureza



Pelo seu corpo o homem está radicalmente em comunhão com a natureza. O homem não pode não estar em relação com os seres que o envolvem.



A natureza ou o mundo fazem parte do nosso ser humano e do nosso projecto de vida.



Nós somos um ser no mundo.



O ser humano e o mundo-natureza forçosamente estão em comunicação recíproca. A natureza constitui aquelas circunstâncias que integram o meu "eu" na expressão feliz de Ortega Y Gasset: "eu sou eu e as minhas circunstâncias".



Podemos dizer que a vocação do ser humano é humanizar a natureza e deixar-se «mundanizar» ou "naturalizar" pela natureza, não no sentido moral vulgar mas no sentido cosmológico e psicológico.



Temos de tomar consciência do nosso diálogo "eu-mundo" não só na dimensão exterior e objectiva, de duas realidades que estão frente a frente em reciprocidade existencial, mas também na dimensão interior e subjectiva, dando-nos conta que é todo o nosso ser – corpo e alma – que entra em comunhão com a natureza, para dar e receber.



Entre o homem e a natureza pode e deve haver uma verdadeira harmonia de existência de vida. Para isso o homem não pode considerar a natureza só como um objecto, mais ou menos útil, mais ou menos necessário, mas tem de a aceitar como parte integrante do seu ser.



A natureza não está à frente de nós: vive connosco! Não é um instrumento ou objecto manejável, segundo o nosso capricho, mas uma dimensão essencial do nosso espaço vital.



O homem torna-se vil e grosseiro e perde a sua nobreza de homem quando usa e abusa dos seres da natureza. Parafraseando S. Paulo, que afirmava que o marido que não ama a sua esposa peca contra o seu próprio corpo, podemos dizer: o homem que não ama mas ofende a natureza peca contra o seu próprio corpo. E porque o corpo está indissoluvelmente unido à alma, peca também contra a própria alma. Ou seja: ofender a natureza – poluindo-a, esbanjando-a, destruindo-a, – é um pecado em sentido ético e teológico.



O homem não pode ser o rei despótico da criação mas o irmão universal, o grande irmão, o irmão mais velho de todos os homens, animais, plantas e coisas.



A vida do homem sobre a terra tem sido difícil, ao longo da história e tem exigido muita luta para garantir a sobrevivência e o progresso da humanidade.



Esta luta é legítima e podemos e devemos socorrer-nos da técnica para vencer os obstáculos que a própria natureza nos oferece.



O mal está no exagero da ambição e da cobiça que levam os homens a criar, através da técnica, um mundo artificial, com grave prejuízo do mundo natural.



A técnica veio a criar uma outra natureza que embora materialmente ajude o homem no seu bem-estar, veio também separá-lo e desgarrá-lo da Irmã Mãe Natureza.



No seu afã insaciável de domínio e de gozo, o homem deixou de contemplar o mundo da natureza para se entregar quase só à tarefa materialista e desumana da fabricação e da produção consumista.



Com estes exageros da exploração desregrada da natureza, o homem quebrou a relação vital com a natureza e criou um desequilíbrio que lhe pode ser fatal.



A natureza, porque é o prolongamento do próprio homem não pode ser só campo de ocupação mas também a CASA DE HABITAÇÃO.



Hoje assiste-se, em muitos lugares, ao assassínio da terra, ao que já se chama "terricídio". Quantos rios, mares, fontes, florestas, campos, cidades, alimentos e o próprio ar que respiramos estão a ser vítimas da sôfrega ambição do homem.



O Humanismo Franciscano deve voltar-se para a Ecologia, e em nome do próprio homem, ou seja, da dignidade da pessoa humana, deve defender e promover a integridade, a beleza e o encanto da nossa casa comum que é o mundo, onde todos queremos habitar em paz, alimentar-nos racionalmente e vestir com a elegância das linhas e das cores da Irmã Mãe Natureza.



Ao menos como os lírios do campo e as aves do céu!



Em síntese: o nosso relacionamento com a Natureza tem como princípio inspirador a fé num único Deus, que é a fonte de toda a criação e de toda a vida, donde procede o homem e a natureza. Não aceitamos o Dualismo do espírito e da matéria.



O nosso relacionamento com a Natureza inspira-se também na relação do Espírito de Deus que se manifesta na Criação e nos faz respeitar valores superiores aos que o Positivismo descobre, na sua investigação puramente experimental.



O nosso relacionamento com a Natureza, finalmente, inspira-se na Sabedoria Eterna do Divino Artista, donde procede toda a verdade, bondade e beleza das criaturas. Superamos todo o utilitarismo, pobre e redutor, da arvorada TECNOLOGIA em deusa do progresso e da felicidade humana.



O nosso relacionamento com a Natureza é de simpatia, de admiração, de comunhão celebrativa, de gratidão, sem domínio nem possessão, vendo, como num espelho, nos outros seres criados, mesmo irracionais, inanimados e insensíveis, o reflexo da sublime dignidade humana e da infinita Beleza de Deus.


Extraído de http://www.capuchinhos.org/francisco/estudos/humanismo_franciscano_e_ecologia.htm acesso em 20 Jan. 2009.

Ilustração: Homem de Vitrúvio / Leonardo da Vinci.

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