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sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Cardeal Franc Rodé acusa a vida religiosa de ser ''paralela à Igreja em geral''

Escrevo este texto como se eu mesmo visse os touros da arquibancada, salvo na parte final, em que envolverei minha própria pessoa e experiência. Mas até então procurarei ser o mais frio possível, para evitar acusações de partidismo sindicalista, como costuma acontecer em tais casos. Vejamos como as palavras saem.

A opinião é do jesuíta Norberto Alcover, professor da Universidade Pontifícia de Comillas, em artigo publicado no jornal Diario de Mallorca, 02-12-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Desde quase sempre, entre os membros da Vida Religiosa, que agora preferimos chamar de Consagrada, e o âmbito da hierarquia da Igreja, além de muitos sacerdotes seculares, vem-se mantendo um confronto aberto no que se refere à forma de vida, comunitária ou não, mas sobretudo no que tange à obediência no seio da Igreja.

De todos, é sabido que a Vida Religiosa/Consagrada goza de uma isenção da obediência devida ao bispo do lugar em primeira instância, para transferi-la ao Superior ou Superiora de turno. Todos estamos incardinados na respectiva Igreja diocesana em que vivemos, mas uns o fazem de uma forma, e outros, de outra muito diferente.

É certo que a questão diminuiu a sua agressividade, mas ainda não chegamos a um acordo comum de intenções e de realizações em vista da tão urgente Nova Evangelização. Em definitivo, os mais prejudicados são o resto dos fiéis, os católicos a pé, que contemplam essa situação com pesar e perguntam quando acabaremos com essa espécie de jogo de agravos mútuos.

Pois bem, por ocasião da XVII Asambleia Nacional da Confer (Confederação Espanhola de Religiosos e Religiosas), seu Presidente, o jesuíta Elías Royón, recém-nomeado para tal cargo, convidou para proferir o discurso de encerramento o prefeito da Congregação para a Vida Religiosa, cargo vaticano único, Dom Franc Rodé (foto), quase ao término de seu compromisso em sua prefeitura.
E mesmo sabendo que tal prefeito era uma pessoa hiperconservadora na forma de compreender a Vida Consagrada, nosso presidente supôs, levado de boa fé, que seria capaz de comunicar ao conjunto de provinciais presentes, masculinos e femininos, a saudação, o calor e a proximidade de irmão, e ainda mais tratando-se de um irmão na fé de natureza vaticana.

Mas Franc Rodé, deixando o auditório boquiaberto, arremeteu contra a Vida Consagrada, chamando-a de "paralela à Igreja em geral" e de ser a causa, após o Vaticano II e o protagonismo dos jesuítas de Pedro Arrupe, de todos os desmandos ocorridos com o Povo de Deus e o Mistério de Comunhão. Falou e foi-se embora com a mesma tranquilidade com a qual havia vindo.
É desnecessário comentar o alvoroço que se organizou e o mal-estar que suas palavras produziram na maioria dos ouvintes de suas palavras. Mas os presentes foram educados e não levaram a situação criada a outros âmbitos de aberta e dura polêmica.

Decidi escrever sobre esse infeliz ocorrido porque eu também sou um desses religiosos, em minha qualidade de jesuíta, que esteve presente nas jornadas e ouvi excelentes conferências de companheiros e companheiras religiosos/as: deferentes, respeitosas, cheias de um espírito eclesial enorme, como costuma acontecer entre nós.

Mais tarde, no silêncio do meu quarto, compreendi até que ponto estamos fartos/as da permanência em setores eclesiais relevantes de uma visão derrotista da nossa forma de vida, simplesmente porque não se aceita nem se assume que um dos seus traços é o de ser profética no conjunto das realidades eclesiais.
E aqui entra a minha própria personalidade como religioso que tem mais de 50 anos de pertença à Companhia de Jesus e por isso mesmo à Vida Religiosa Consagrada: estou farto de tais profetas de calamidades que somente invejam em nós a liberdade de espírito e a permanência nas fronteiras da relação entre a Fé a Cultura civil, com uma safra de mártires anuais e colaborando estreitamente com as Igrejas locais nos lugares mais delicados.

Estou farto da falta de respeito e dos pecados contra a mais elementar caridade, como se fôssemos membros espúrios da Santa Igreja. E escrevo isso porque minha pertença à Vida Religiosa Consagrada me exige, à qual me glorio de pertencer. Cometemos erros, faltava mais, mas nossa fidelidade está provada e comprovada até o sangue e sangue de cruz.

Não é esse o caminho para reconduzir as relações entre Igreja oficial e religiosos/as. O caminho é bem outro: dialogar entre todos, ouvir-nos com paciência, insistir nas coincidências e ver como eliminar as causas de confronto. Porque a razão de ser das nossas vidas é a mesma: servir e amar o Senhor em todas as pessoas que venham ao nosso encontro, mediante uma ação concertada para que nossas dioceses sejam imagem do Bom Pastor que dá a vida pelas suas ovelhas. O prefeito em questão fez todo o contrário. Alguém deveria nos dar alguma explicação.

Para ler mais:
Extraído de http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=38924 acesso em 3 dez. 2010.

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