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terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Pobreza da e na Igreja: o Concílio hoje

Às vezes, entre o noticiário cotidiano e um livro de história, criam-se conexões altamente significativas. Isso aconteceu comigo recentemente. Justamente enquanto, do Vaticano, vazavam notícias acerca do caso Viganò, com todos os anexos e conexos, eu li Dossetti e Lercaro. La Chiesa povera e dei poveri nella prospettiva del Concilio Vaticano II (Ed. Paoline, 376 páginas), em que o teólogo Corrado Lorefice relembra a história da relação entre o futuro monge e o então arcebispo de Bolonha, em particular com relação à influência que Dossetti exerceu sobre o discurso proferido Lercaro (ambos na foto) em dezembro de 1962, durante a 35ª Congregação Conciliar, sobre a pobreza da e na Igreja.

A reportagem é de Aldo Maria Valli, publicada no sítio Vino Nuovo, 09-02-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Assim, me vi diante de uma alta lição de vida cristã e eclesial à luz do Evangelho e da realidade chocante de uma instituição eclesiástica em luta contra as seduções de Mamon [dinheiro].

Aos padres conciliares, o cardeal Lercaro, inspirado por Dossetti, disse que a pobreza, para o povo de Deus, não pode ser uma simples opção entre outras, ditada pela sensibilidade ou pela boa vontade. Tanto para os indivíduos quanto para a instituição Igreja, à luz do Evangelho, só há simplesmente o caminho da pobreza. Deus se fez homem, e homem pobre, para a nossa salvação. Pobreza e mensagem evangélica nunca podem se separar.

Depois você lê que, na Cidade do Vaticano ocorrem guerras internas por interesses econômicos incríveis, que o próprio Dom Viganò tem uma disputa legal em andamento com um irmão sacerdote por uma soma de 30 milhões de euros, que um frade dominicano confiou imprevidentemente à sociedade do fraudador Gianfranco Lande, mais conhecido como o Madoff dos Parioli, 1,7 milhão de euros, pagos como adiantamento para apoiar as causas de beatificação, e você se pergunta se, por acaso, o teólogo Giuseppe Ruggieri não tem razão, quando, no prefácio do belo livro do colega Lorefice, ele escreve que "a pobreza da Igreja como via do seu caminho na história é simplesmente rejeitada, não nos seus princípios, mas na vida concreta".

Ruggieri é duro: "Dizer que a Igreja deve renunciar aos privilégios historicamente adquiridos quando eles se mostrarem como obstáculo ao anúncio do Evangelho é um discurso que, no melhor dos casos, provoca um sorriso irônico ao ouvinte de boas maneiras Muito clara, de fato, é a inconsistência dessas palavras na práxis dominante".

A lição de Dossetti e de Lercaro já não passou? Esse ensinamento jamais foi acolhido? Essas perguntas mereceriam respostas adequadas. Sim, no sentido da pobreza, houve escolhas importantes e também gestos simbólicos. Mas, em profundidade, a escolha da pobreza já não se tornou, de virtude ética, em insuprimível elemento distintivo da vida evangélica? E o que significa hoje acolher o ensinamento da Lumen Gentium, lá onde, inspirada justamente pela intervenção de Lercaro, diz que, "assim como Cristo realizou a obra da redenção na pobreza e na perseguição, assim a Igreja é chamada a seguir pelo mesmo caminho para comunicar aos homens os frutos da salvação"?

Nos documentos pós-conciliares, observa Lorefice, seja por parte do magistério papal, seja nas intervenções dos bispos italianos, o tema da pobreza da Igreja e do estilo pobre no exercício da sua missão está quase totalmente ausente. Fala-se muito de pobres e de pobreza, mas pouco ou nada acerca da pobreza da Igreja e dos meios necessários para desenvolver a missão evangelizadora. Fala-se muitas vezes de "Igreja dos pobres", mas nunca ou quase nunca de "Igreja pobre".

As coisas, sabemos, ocorreram de forma diferente na América do Sul, onde, seja na conferência dos bispos de Medellín (1968), seja na de Puebla (1979), a pobreza tornou-se o eixo da doutrina social e, ao lado da opção preferencial pelos pobres, colocou-se o tema da necessária pobreza da Igreja, mas os teólogos da libertação que foram intérpretes dessa linha (os Gutiérrez, os Boff, os Sobrino) acabaram todos na mira da Congregação para a Doutrina da Fé.

O Congresso Continental de Teologia programado aos cuidados da Fundação Ameríndia (7 a 11 de outubro de 2012, na Unisinos, em São Leopoldo, Brasil) para celebrar o 50º aniversário da convocação do Concílio Vaticano II e os 40 anos da publicação do livro de Gustavo Gutiérrez, Teologia da Libertação, será uma preciosa ocasião de debate e de verificação. Desde que, deste lado do oceano ou do outro, se queira ouvir.

Nota da IHU On-Line:

Para mais informações, visite aqui o sítio do Congresso Continental de Teologia.

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