Tradução: Pe. Pavlos Tamanini, hieromonge
Apresentação
xiste uma profunda relação entre a veneração milenar a Santa Face de Jesus Cristo (Mandylion) e outras devoções também dirigidas aos traços de sua Pessoa: seu Santo Nome, à Eucaristia (devoção por excelência), a seu Sagrado Coração. Com efeito, as quatro se referem aos aspectos mais significativos do ser humano e todas, em ultima instância nos conduzem à Pessoa em si do Deus encarnado.
- A Face, expressão do interior e que nos relaciona com o outro.
- O coração, sede da vida e, por analogia, da emoção mais profunda e espiritual do ser humano, o amor. O amor é o que define Deus. Se era “O Que É” no Antigo Testamento, João o define como Amor no Novo Testamento. Desse Ser que é Amor nós participamos. E este ser por essência, que é amor, se manifesta tornando-se um de nós com coração humano e palpitante.
- A Eucaristia, meio privilegiado escolhido por Cristo para permanecer realmente entre nós, escondido aos olhos físicos humanos, mas vivo e real aos olhos do espírito daqueles que crêem.
- O Nome, que define a Pessoa como um todo e, que quando o invocamos, como fez o cego de Jericó, suplicamos com ele à Pessoa que nomeia, implorando sua ajuda e misericórdia: «Jesus, Filho de Davi, tem piedade de mim!»
A oração do coração ou a oração da invocação de Jesus, remonta às origens do monacato. O primeiro a mencioná-la explicitamente foi Diadoco de Fotice, no século IV: «Os que não cessam de meditar nas profundezas de seu coração o Nome santo e glorioso de Jesus, poderão ver um dia a luz em seu espírito.»
Sua origem, porém, é mais antiga, pois é já encontrada nos Evangelhos: «Jesus, Filho de Davi, tem piedade de mim!», gritava com insistência o cego que estava à beira do caminho de Jericó. O mesmo clamavam os dez leprosos, nas terras de Samaria: «Jesus, Mestre, tem piedade de nós!» Todos foram curados, graças à sua fé e a profundidade de seu clamor. Esta invocação contínua do Nome de Jesus feita de um desejo cheio de doçura e de alegria, faz com que o espaço do coração se transborde em alegria ate a serenidade, até o pensamento não cessar de invocar o Nome de Jesus e o espírito estar totalmente atento à invocação do Nome divino; luz do conhecimento de Deus cobre com sua sombra toda a alma como uma nuvem inflamada em chamas. A oração Jesus é semelhante à oração do rosário de Maria em sua origem e objetivo: ambas têm suas raízes nos meios monásticos do Oriente (a oração de Jesus) e do Ocidente (rosário); ambas são orações de súplicas; em ambas imploramos aquilo que mais desejamos e necessitamos de verdade e que não sabemos, porque podemos desconhecer aquilo que desejamos; em ambas pedimos para que o Espírito fale em nós, utilizando para isto palavras da Escritura ou propostas pela Igreja e pela Tradição; ambas são orações para todas as pessoas, que recitadas com tranqüilidade e sem pressa, concentrando docilmente o ânimo no que dizemos, produzem sossego e, com o tempo e perseverança, a paz duradoura e a restauração da vida.
A oração de Jesus, por sua brevidade, pode ser rezada em qualquer lugar e em todas as horas. Mesmo que sua base seja a oração do cego de Jericó, pode ser dirigida por pessoas variadas: «Jesus, Filho de Deus, tem piedade de nós!» Ou, «Jesus, Filho de Deus, por meio da Virgem Maria, tem compaixão de nós pecadores!» etc.
Esta oração ajusta-se perfeitamente ao conselho evangélico: “É preciso orar incessantemente, sem desfalecer”. Se te sentires chamado a seguir este caminho da oração do coração, busca um bom conselheiro (pai espiritual) que te guie e começa já. Deus irá fazendo o resto, se é que deseja que este seja a tua forma de te dirigires a Ele.
Se a Igreja respira com dois pulmões – Oriente e Ocidente – pode-se dizer que a oração de Jesus é a expressão mais característica da espiritualidade da Igreja Oriental. Pelo bem que tem feito e faz, e pela influência que atualmente tem no Ocidente, vale a pena conhecer um pouco desta fonte escondida de piedade e espiritualidade. Para ampliar o conhecimento sobre o tema siga lendo outros fragmentos baseados em apontamentos traduzidos livremente do original em catalão, de Julià Maristany - SJ.
Raízes Históricas da Oração de Jesus
Jesus, salva-me! Kyrie eleison! Este clamor do coração que se encontra no centro da oração do Oriente procede diretamente do Evangelho: é o clamor do cego de Jericó e a súplica do publicano. Este pedido de auxílio é, antes de tudo, um ato de fé em Jesus Salvador. O próprio nome de Jesus significa « salva» e é uma confissão, no Espírito Santo, de que Ele é o Senhor. Recordemos que «ninguém pode pronunciar o Nome de Jesus sem a ajuda do Espírito Santo.» (I Cor 12,3).
O nome de Jesus não foi tão somente um nome que seus pais puseram-no quando nasceu --de acordo com o que pediu José e Maria em sua Anunciação: «Lhes porás o nome de Jesus» -- mas é também um nome divino que lhe foi dado pelo Pai, tal como disse Jesus na Oração Sacerdotal (Jo 17,11): «Pai Santo, guarda-os em teu nome aqueles que me destes, para que sejam um, como o somos nós.»
São Paulo também dirá em um hino, (Fl 2, 9-11) a propósito da humilhação e exaltação de Cristo: «Foi-Lhe concedido o Nome que está acima de todo nome, para que, ao Nome de Jesus dobrem-se os joelhos, nos céus, na terra e nos abismos e toda língua proclame que Jesus Cristo é o Senhor, para a glória de Deus Pai.» A glória do cristão é proclamar este Nome, e a sua felicidade estará em sofrer por ele: «Se receberes insultos porque pregais em nome de Cristo, felizes sois vós! O espírito de glória, que é o Espírito de Deus, repousa sobre vós.» (IPd 4, 13).
Em seu Nome os cristãos são batizados; por causa de seu Nome, são perseguidos; por seu Nome sofreremos e seremos glorificados (Lc e At). Pedro confessa ante o Sinédrio (At 4,2): «A salvação não se encontra em mais ninguém porque, sob o céu, Deus não deu aos homens outro nome no qual possam ser salvos.» Paulo, depois de perseguir àqueles que invocavam o Nome do Senhor (At 9,14), dirige-se, em sua Carta aos Coríntios, a todos aqueles que invocam o Nome de Nosso Senhor Jesus Cristo, animando seu estimado discípulo Timóteo a buscar a fé e a caridade com todos os que, com o coração puro, invocam o Nome do Senhor.
Os textos que fazem referência ao Nome de Jesus são inúmeros e pertencem a todas as tradições: Paulo, os Sinóticos e João. O Nome de Jesus é divino e forte. E quem o invoca, sempre é escutado. Ele mesmo disse em Jo 16, 23-24: «Em verdade vos digo, que meu Pai os concederá tudo o que pedires se o fazeis em meu Nome. Até agora não haveis pedido nada em meu Nome; fazei-o em meu Nome e recebereis tudo o que pedis, e vossa alegria será plena.»
O Nome de Jesus é Eucarístico: «Tudo o que façais, seja por palavras seja por obras, fazei em nome de Jesus, dirigindo ação de graças a Deus por meio dEle» (isto significa Eucaristia – Col 3, 17). Os textos de Efésios, Tessalonicenses e Lucas nos animam a orar sempre e em toda a ocasião e constantemente. A invocação ao Senhor é uma oração interior, porque não sabemos o que pedir, para rezar como é devido; é Ele, o Espírito, quem ora em nosso lugar (Rm 8,26). E ninguém pode dizer «Jesus» se não é movido pelo Espírito Santo (1Cor 12,3). Assim, pois, o Novo Testamento legitima a invocação do Nome de Jesus e como ela nos insere na graça batismal. Esta invocação do Nome de Jesus não se converterá na Oração de Jesus até que não se una ao desejo da oração contínua expressa nas invocações breves que contém o Nome do Senhor ou de Jesus. São Cassiano e Santo Agostinho dão testemunho da existência destas breves orações ou jaculatórias entre os eremitas do deserto do Egito.
Os Padres do Deserto
Os Padres do deserto retomam a oração do publicano no século IV. Ammonas, no deserto egípcio, aconselha que se conserve sempre no coração as palavras do publicano, para experimentar a salvação e Macário interrogado sobre como orar, ensina: «Não é necessário perder-se em palavras; é suficiente que estendais as mãos e digais: Senhor, como Tu queres e como Tu sabes, tem piedade! E se vier o combate (a tentação): Senhor, vem em meu auxilio! Ele sabe o que nos convém e terá misericórdia.»
Foi Diadoco de Fótice, no século V, quem propôs invocar no fundo do coração sem interrupção ao Senhor Jesus e a seu santo e glorioso Nome, para purificar e unificar a alma dividida pelo pecado, e experimentar a Graça como base da perpétua recordação de Deus: Quando, recordando a Deus, fechamos as saídas do espírito, este só precisa que lhe deixem alguma atividade adequada para manter em ação seu natural dinamismo. Este é o momento de entregar-lhe a invocação do Nome de Jesus como única atividade em que pode concentrar-se tudo o que quer. Está escrito: «Ninguém pode dizer: Senhor Jesus, senão pelo Espírito Santo.» E Barsunufio insiste: «A nós débeis, só nos resta refugiarmo-nos no Nome de Jesus.»
Foi em Gaza, no deserto Palestino, onde os monges deram à invocação do Nome de Jesus uma formulação mais desenvolvida. O jovem Dositeo manteve sempre a memória de Jesus durante a grave enfermidade da que deveria morrer. Seu pai espiritual, Doroteo, o havia ensinado a repetir sem descanso: «Filho de Deus, vem em meu auxilio!» Esta era sua oração contínua. E quando já estava tão enfraquecido que não podia repeti-la, deu-lhe a seguinte conselho: «Tem presente somente a Deus e pense que Ele está do teu lado.» Assim pois, encontramos que a tradição da invocação do Nome de Jesus ou, Oração de Jesus, se estendia pela Palestina, quando tem início a segunda etapa em que se associa o hesicasmo sinaítico ao do Monte Atos.
Monte Atos
Na segunda metade do século XII e ao longo do século XIV, floresceu no Monte Athos, a Santa Montanha de Macedônia, o renascimento do ideal hesicasta. A oração de Jesus era acompanhada por uma disciplina da respiração, sistematizada por Nicéforo, o hesicasta, e por Gregório o Sinaíta. O método se baseia em retardar a respiração e buscar o lugar do coração dentro de si mesmo e se concentrar. Tudo isto, simultaneamente, com a invocação repetida da oração de Jesus; «Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tem piedade de mim» – acompanhando a inspiração e a expiração.
Este movimento de interiorização se faz em dois tempos, segundo as duas partes que compõem a fórmula da oração: «Senhor Jesus, Filho de Deus» e «tem piedade de mim pecador.» O ritmo da respiração e as batidas do coração participam também da oração complementando-se mutuamente: em simultaneidade com a primeira parte da oração: os pulmões inspiram o nome de Jesus, o qual permite à diástole que o espírito se lance por inteiro fora de toda a matéria e, simultaneamente, a segunda parte da oração: «tem piedade de mim, pecador», os pulmões expiram o ar contaminado, na vez que, pela sístole do coração, o espírito vem sobre si mesmo. A oração de Jesus tem pois, certo aspecto técnico e precisa de um adestramento. Mas não se pode reduzir a uma simples mecânica, porque «ninguém pode dizer ‘Senhor Jesus’ senão por influxo do Espírito Santo» (1Cor 12,3). Isto não impede que tais indicações dadas pelos monges, sejam de uma grande ajuda, porque são fruto de sua própria experiência.
O Hesicasmo
A palavra hesiquia, em grego, traduz-se como sendo um estado de tranqüilidade, de paz ou de repouso. Quem a possui encontra-se equilibrado, vive em paz; as vezes cala e guarda silêncio. Recorda a atitude que Platão afirma ser a do autêntico filósofo: mantém-se tranqüilo e se ocupa daquilo que lhe é próprio. Também se ajusta às palavras do Livro dos Provérbios: «O homem sensato sabe se calar»; ou ao estilo do solitário de quem disse o Profeta Baruc: «É bom esperar em silêncio a Salvação do Senhor.»
No Novo Testamento, o próprio Cristo disse a seus discípulos; «Vinde a Mim todos os que estais cansados sob o peso de vosso fardo, e eu vos darei descanso. Tomai sobre sobre vós o meu jugo, e aprendei de Mim, porque sou manso e humilde de coração, e encontrareis repouso (hesiquia) para vossas almas, pois o meu jugo é suave e o meu fardo é leve». (Mt 11, 28-29). Ammonas, sucessor de Santo Antônio do Egito, fala de como a hesiquia é o caminho próprio do monge e escreve uma carta mostrando que é o fundamento de todas as virtudes.
Foram os anacoretas os primeiros a se chamarem hesicastas. Se a virtude dos cenobitas (monges que vivem em comunidades) é a obediência, a dos hesicastas (anacoretas ou solitários) é a oração perpétua. A busca da hesiquia é tão antiga como a vida monástica.
No século VI São João Clímaco, abade do Monastério do Sinai e autor da «Escada do Paraíso», uniu a hesiquia e a Recordação de Jesus. A hesiquia é a adoração perpétua na presença de Deus: que a recordação de Jesus se una a tua respiração e rapidamente te darás conta da utilidade da hesiquia. A oração ideal é a que elimina os raciocínios e se converte em uma só palavra.
A memória de Jesus provê de forma e conteúdo este tipo de oração. A união da memória (lembrança) de Jesus e a respiração será novamente empreendida por Hesiquio de Batos que já a chama Oração de Jesus: «Se, com sinceridade queres afugentar os pensamentos, viver em quietude, sem dificuldade, e exercer a vigilância sobre teu coração, deves aderir a Oração de Jesus à tua respiração e prontamente o conseguirás.» A união da respiração com a Oração de Jesus, em sua fórmula desenvolvida: «Senhor Jesus, Filho do Deus vivo, tem piedade de mim, pecador!», constituirá o fundamento do hesicasmo bizantino do Monte Atos, no século XIV.
«Quando rezares, inspira ao mesmo tempo e, que teu pensamento, dirigindo-se ao interior de ti mesmo, fixe tua meditação e tua visão no lugar do coração de onde brotam as lágrimas. Que tua atenção permaneça ali, tanto quanto te for possível. Será para ti de grande ajuda. Esta invocação de Jesus libera o espírito de sua atividade, outorga a paz, e ajuda e descobrir a Oração Incessante do coração, por graça do Espírito vivificante, em Jesus Cristo, Nosso Senhor.»
A Filocalia
Já em fins do século XVIII compila-se e traduz-se para o eslavo a Filocalia com o que a tradição hesicasta chegará primeiramente à Rússia, e logo à Romênia, e dali a toda à Europa Ortodoxa. A Filocalia (termo grego que significa amor ao belo e ao bom) está composta por uma antologia de textos ascéticos e místicos, recopilados por Macário de Corinto e Nicodemo, o Hagiorita. Foi publicada em Veneza, em 1782 e diz-se que ela constitui o breviário do hesicasmo. Sua publicação coincide com o renascimento da fé ortodoxa na Grécia do século XVIII e, ao ser traduzida para o eslavo por Paissy Velichkovsky, e para a língua russa por Ignacio Brianchaninov, em 1857, marcou a renovação do monaquismo oriental. A filocalia eslava foi utilizada pelo grande São Serafim de Sarov e constitui o núcleo dos relatos sinceros de um peregrino russo ao seu pai espiritual, pequena obra que apareceu em Kazan em 1870.
Os Relatos de um Peregrino Russo
«Os Relatos de um Peregrino Russo» pertencem ao movimento literário russo do século XIX, no que tem de mais sereno e puro. O peregrino faz com que o leitor penetre no coração da vida russa, pouco depois da Guerra da Crimea e antes da abolição da servidão, ou seja, entre os anos de 1856 e 1861. Tudo está enquadrado numa planície imensa, com igrejas de cores claras e sinos refulgentes e sonoros.
Cristão ortodoxo como é, sua preocupação é passar da «noite escura» à «noite luminosa»: a contemplação da Santíssima Trindade.
O peregrino (strannik) descreve sua odisséia através da Rússia, que percorre com um alforje, contendo tão somente um pão seco e uma Bíblia. Em um monastério encontra um starets (pai espiritual) e o interroga sobre a maneira de praticar o conselho do apóstolo: orar sem cessar. O staretz lhe explica a prática da oração de Jesus. Submete-lhe – se se pode falar desse modo – a um regime de treinamento progressivo. Faz-lhe dizer a oração de Jesus, primeiro três mil vezes por dia, depois seis mil vezes e finalmente, doze mil vezes.
Logo o peregrino deixa de contar o numero de orações; associa o “Senhor Jesus Cristo, Filho do Deus, tem piedade de mim pecador!”, com cada respiração, com cada batida do coração. Chega o momento em que já não pronuncia nenhuma palavra: os lábios se calam e só resta escutar falar o coração. Assim, a oração de Jesus serve de alimento que sacia a fome, serve de bebida para sacia a sede, de repouso para a fadiga, de proteção contra os adversários e demais perigos; inspira as conversações que o peregrino tem com as pessoas que encontra, pessoas simples do povo, como ele. A fé do peregrino não é emotividade poética.
Nutrido dos ensinamentos teológicos, todas as suas ações são guiadas pelo desejo da perfeição da vida espiritual, cuja meta última é a contemplação. Se a fé precede às obras, sem obras a fé não existe. Consegue ignorar o frio, a fome e a dor; a própria natureza lhe parece transfigurada.
“Arvores, ervas, terra, ar, luz, todas estas coisas me dizem que existem para o homem e, para o homem dão testemunho de Deus: todas oravam, todas cantavam a glória de Deus.”
O campesino, em seu peregrinar pelas estepes da Rússia invocando constantemente o Nome de Jesus e falando a todos da oração de Jesus, conheceu condenados a trabalhos forçados, desertores, nobres, membros de diferentes classes, sacerdotes do campo... Mas nada lhe detinha.
Este pequeno livro popularizou esta oração, tanto no Oriente como no Ocidente. Graças a esta obra a Oração de Jesus ou a Oração do Coração, ultrapassou os muros dos monastérios para chegar à piedade popular. Já se disse que esta obra fez mais pela compreensão entre os cristãos que um sem número de reuniões teológicas.
Recordemos Textos seletos:
A oração de Jesus, interior e constante, é a invocação contínua e ininterrupta do Nome de Jesus por meio dos lábios, do coração e da inteligência, sentindo sua presença em todas as partes e em todo momento, inclusive quando dormimos. Se expressa com estas palavras: ‘Senhor Jesus Cristo, tem piedade de mim!’ Aquele que se habitua a esta invocação sente um grande consolo e a necessidade de dizê-la sempre; e depois de um certo tempo já não podemos passar sem dizê-la, e, sozinha, ela nasce do interior.”»
«Senta-te no silêncio e na solidão; inclina a cabeça e fecha os olhos; respira mais suavemente, olha com tua imaginação ao interior de teu coração, recolhe tua inteligência, quer dizer, teu pensamento da mente ao coração. De vez em quando repita silenciosamente ou simplesmente em espírito: “Senhor Jesus Cristo, tem piedade de mim!” Esforça-te por afastar todo pensamento, seja paciente e repita este exercício sempre.»
«Todo meu desejo estava fixo sobre uma só coisa: dizer a oração de Jesus e, desde que me consagrei a isto, estive tomado de alegria e de consolo. Era como se meus lábios e minha língua pronunciassem por si mesmas as palavras, sem esforço de minha parte.»
«Então senti como um rápido calor em meu coração, e tal amor por Jesus Cristo em meu pensamento, que me imaginei, a mim mesmo, ajoelhando-me a seus pés – Ah se pudesse vê-lo! – abraçando-o, beijando com ternura seus pés e agradecendo-lhe com lagrimas haver me permitido, em sua graça e seu amor, encontrar em seu nome tão grande consolo – a mim sua criatura indigna e pecadora. Em seguida sobreveio em meu coração um calor agradável que se expandiu para todo meu peito.»
«Algumas vezes meu coração resplandecia de alegria, parecia leve, pleno de liberdade e de consolo. As vezes eu sentia um amor ardente por Jesus Cristo e por todas as criaturas de Deus... As vezes, invocando o nome de Jesus, estava repleto de felicidade e, depois disto, conhecia o sentido destas palavras: “O reino de Deus está dentro de vós”»
Os relatos, são na verdade uma autobiografia? Ou um conto espiritual, ou uma obra de propaganda? Neste caso, de que meio emana? Trata-se de perguntas para as quais não temos respostas. Nem tudo está explicito, resplandecente como ouro. A oração de Jesus está apresentada, talvez excessivamente, como atuando ‘ex opere operato’. Um teólogo, um hegúmeno um sacerdote que tenha almas sob sua responsabilidade, se expressaria com maior sobriedade e prudência. Mas não poderia permanecer insensível ao frescor do relato, à sua aparente sensibilidade e tampouco à sua beleza espiritual e finalmente aos dons literários do autor. Os relatos tiveram continuação: uma segunda parte, atribuída ao mesmo autor que a primeira, apareceu vinte e seis anos depois e, nas mesmas condições misteriosas. A segunda parte é muito diferente. Ela teologa, reproduz conversas que foram feitas entre um professor e um starets, não tem a ingenuidade (talvez só aparente) e o encanto da obra primitiva e provavelmente não foram escritas pela mesma pena.
Significado da Oração de Jesus
«Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tem piedade de mim, pecador!»
Senhor: vem de «Kyrios» e é como dizer, Deus. Pois para dizer «Jesus é Senhor» é preciso a ajuda do Espírito Santo – Deus.
Jesus: é nome e mistério de Salvação.
Cristo: quer dizer Messias ou seja, Sacerdote, Profeta e Rei.
No Antigo Testamento o nome de Deus passa de nome pronunciável a indizível ou inefável, pelo que se substitui por Adonai para não permitir imagens sequer do nome de Deus. No Novo Testamento o Nome de Deus é pronunciável porque na nova economia Deus se une a nossa carne. «Porás o nome de Jesus, porque Ele salvará seu povo de seus pecados.»
A Oração Hesicasta ou Oração de Jesus contém toda a verdade dos Evangelhos e incorpora os dois grandes mistérios que caracterizam a revelação e a fé cristã.
- A Encarnação - Jesus (humanidade) Filho de Deus e Senhor (divindade).
- A Trindade – Filho de Deus (o Pai) , Jesus - Senhor (Espírito Santo que nos dá a força para confessá-lo).
É uma prece de adoração e penitência que, unida à inspiração, expressa acolhida e, unida à expiração, expressa o abandono. A Oração de Jesus aparece intimamente associada às atitudes de ‘metanóia’ (mudança interior, nova escala de valores); à compunção e humildade, à confiança segura e audaz, à atenção dos sentidos e, o coração, às palavras e à Presença; e em ultimo lugar, à hesiquia (busca da quietude e da autêntica unificação interior através da invocação do Nome de Jesus).
A Oração de Jesus pode ser praticada de duas maneiras diferentes:
- Livre: permite encher o vazio entre o tempo de oração e as atividades ordinárias da vida e unir-nos a Deus em momentos de trabalhos.
- Formal: concentrados e com afastados de toda outra atividade. Para isto, é bom estar sentado, com pouca luz, olhos fechados, segurando, se for preciso, um rosário oriental ou ocidental, que é um meio para nos concentrar melhor.
Recomenda-se não mudar muito a fórmula escolhida desde o início, ainda que certas variações nos pareçam oportunas para evitar o tédio. Aos que começam, recomenda-se a alternativa entre a invocação pronunciada pelos lábios e a oração interior: «Quando se reza com a boca, há que se dizer a oração com calma, docemente, sem agitação alguma, para que a voz não atrapalhe ou distraia a atenção do espírito, até que este se habitue e possa rezar por si só, com a Graça do Espírito Santo.»
Todas estas indicações não tem maior objetivo que alcançar a concentração em Jesus, do corpo, da alma e do espírito. De fato, as palavras que compõem a oração de Jesus variam segundo as épocas e os autores. A fórmula mais breve repete unicamente o Nome de«Jesus», e a mais longa diz: «Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus vivo, tem piedade de mim, pobre pecador!» Mas, uma vez escolhida, recomenda-se evitar o quanto possível variá-la.
Assim, no coração, ao estar integradas e unificadas todas as forças e partes do ser humano, «o coração absorve o Senhor e o Senhor absorve o coração, e os dois se fazem um.» E continua o texto: «Mas isto não é obra de um dia ou dois. Requer muito tempo. Há que se lutar muito e durante muito tempo para alcançar o afastamento do inimigo e a habitação de Cristo em nosso interior.»
Este estalo de amor no pobre coração humano o eleva acima de todas as criaturas. Não se trata, porém, de uma elevação que implique uma exclusão, mas o contrário: tal elevação de amor é uma inefável inclusão de tudo o que foi criado; é uma capacidade e potência de amor por todas as pessoas e coisas.
Isaac, o Sírio, é quem melhor falou, no Oriente, deste amor universal, com uma ternura e simplicidade que recorda Francisco de Assis, no Ocidente:
«Que é um coração compassivo? É um coração que arde por toda a Criação: os seres humanos, pássaros, animais, demônios e por toda criatura. Quando pensa nisto e quando os vê, seus olhos se enchem de lágrimas. Tão intensa e violenta é sua compaixão, tão grande é sua constância que seu coração se encolhe e não pode suportar ouvir a presença do menor dano ou tristeza no seio da Criação. Por isso que, com lágrimas, intercede pelos animais irracionais, pelos inimigos da verdade e por todos os malfeitores, para que sejam preservados do mal e perdoados”. É a mesma compaixão que deve brotar do teu coração: uma compaixão sem limites, à imagem de Deus. Porém, nada pode ser forçado. A oração deve ir estabelecendo seu próprio ritmo e freqüência que é o ritmo que Deus quer para nós.»
A invocação do Nome de Jesus no Ocidente
A Igreja Romana tem uma festa do Santo Nome de Jesus. Desde Pio X, esta festa é celebrada entre o domingo que fica entre o dia primeiro de Janeiro e a festa Epifania no dia 02 de janeiro. A liturgia e o ofício da festa foram compostos por Bernardino dei Busti (+1500) e aprovados pelo Papa Sixto IV. Originalmente era restrita aos conventos franciscanos e, mais tarde, foi estendida para toda Igreja de Roma.
O estilo retrocede à época em que foram compostos e difere muito do antigo estilo romano. Não se pode mais que admirar a beleza das leituras das Escrituras e das homilias de São Bernardo escolhidas para as matinas. Os hinos ‘Jesu dulcis memória, Jesu rex admirabilis’, atribuídos também a São Bernardo, foram tomados, na verdade, de um ‘jubilus’, escrito por um desconhecido do século XII. As litânias do Santo Nome de Jesus, aprovadas por Sixto V, são de origem incerta; talvez foram compostas, no início do século XV, por São Bernardino de Sena e São João Capistrano. Essas Litanias, tal como mostram a invocações; “Jesus, esplendor do Pai; Jesus, sol de Justiça; Jesus, doce e humilde coração; Jesus, aficionado da castidade, etc” estão consagrados mais aos atributos de Jesus que ao seu próprio Nome. Poderia, até certo ponto, comparar-se ao “Akathistos do Doce Nome de Jesus”, da Igreja Ortodoxa. É sabido que aquela devoção esteve cercada pelo monograma JHS, que não significa, como muitas vezes se diz, “Jesus Hominum Salvator”, senão que, simplesmente, apresenta uma abreviação do nome de Jesus. Os jesuítas, colocando uma cruz sobre o H, fizeram deste monograma o emblema da Companhia.
Em 1564, o Papa Pio IV aprovou a Fraternidade dos Muitos Nomes de Deus e de Jesus, que se transformou, mais tarde na ‘Sociedade do Santo Nome de Jesus’, ainda existente. Esta fundação foi conseqüência do Concílio de Lyon, em 1274, que prescreveu uma devoção especial ao Nome de Jesus. A Inglaterra do século XV usava um «Jesus Psalter», composto por Richard Whytfor, que compreende uma série de petições, das quais, cada uma inicia pela tríplice menção ao Nome sagrado que ainda está em uso.
O grande propagador da devoção do Nome de Jesus, durante a Baixa Idade Média, foi São Bernardino de Sena (1380-1444). Recomendava levar tabuinhas nas quais estava escrito o símbolo JHS. São João de Capistrano, discípulo de Bernardino, era também um propagador fervoroso da devoção do Nome de Jesus. Ambos os santos pertenciam à família religiosa de São Francisco de Assis. Sabe-se que o próprio Francisco enternecia-se com o Nome de Jesus. O culto do Santo Nome de Jesus se transformou em uma tradição franciscana. É muito significativo que uma versão italiana das “Floricillas” realizada em Trevi, em 1458, por um irmão menor da Ordem de São Bernardino, contenha um capítulo adicional sobre o testemunho da devoção que São Francisco tinha pelo Nome de Jesus.
Definitivamente, porém, foi Bernardo de Claraval, no século XII, o mais inspirado devoto do Nome de Jesus, sobretudo em seu sermão XV, sobre o «Cantar dos Cantares.» Comentando a assimilação do Nome de Jesus ao azeite derramado feita pelo Cantar, desenvolve a idéia de que «o Nome Sagrado, como o azeite, ilumina, unge.» Não é na luz desse Nome que Deus nos chamou à sua admirável luz? Recorda-nos os hesicastas: «O nome de Jesus não é somente uma luz, mas também alimento.» E, finalmente: «Se escreves, eu não gosto de teus escritos, a menos que eles lembrem o nome de Jesus. Se discutes ou pronuncias uma conferência, não gosto de tua palavra, a menos que ressoe nelas o Nome de Jesus. Pois Jesus é mel na boca, melodia para o ouvido, alegria para o coração... Porém, o Nome de Jesus é também um remédio. Alguém de nós está triste? Que Jesus chegue ao seu coração e, dali, Ele brote na sua boca ... Alguém cai em crime? Se invoca o nome mesmo da vida, não respirará ao mesmo tempo o ar da vida?»
Estas passagens contém a mais profunda Teologia sobre o Nome Sagrado de Jesus.
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