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sexta-feira, 5 de agosto de 2011

O bem comum sob o viés franciscano

uma resposta à crise econômica?

Como o conceito franciscano de bem comum pode ser reaproximado à esfera pública contemporânea – e à esfera econômica em particular –, de modo a ser “algo mais do que uma utopia consoladora”?
As razões históricas, os fundamentos conceituais e algumas consequências práticas do pensamento econômico franciscano e sua relação com a globalização são esboçados na última edição dos Cadernos IHU Ideias, nº 153, de autoria do economista italiano Stefano Zamagni, intitulada Globalização e o pensamento econômico franciscano.

Professor da Universidade de Bolonha e vice-diretor da sede italiana da Johns Hopkins University, Zamagni esteve no IHU em maio deste ano, para a conferência Economia de Comunhão e outras formas de Economia Social: Limites, Possibilidades e Perspectivas.

Segundo Zamagni, “a grave crise econômica e financeira atual é basicamente de natureza entrópica” – ou seja, “que tende a levar o sistema ao colapso, à implosão”. E, por isso, difere da crise de 1929, que foi “essencialmente dialética” – isto é, surgiu de um conflito fundamental dentro da sociedade, ao qual esta não tinha condições de resolver. Embora possam ter ocorrido erros humanos na crise atual, “eles não decorrem de falta de conhecimento, e sim da perda de direção ou rumo, isto é, da perda de sentido que tem infectado a sociedade ocidental desde o início da globalização”.

Assim, a crise atual se soma a outros fatores como a “globalização, financeirização da economia, uma terceira revolução industrial, a questão da migração, conflitos de identidade, enorme aumento de desigualdades sociais e degradação ambiental”, que sugerem um “descontentamento generalizado”. Tudo isso aponta para “uma passagem radical da sociedade industrial para a pós-industrial que sugere a urgência de um novo humanismo”.

O primeiro humanismo é o do século XV, “cujo impulso motriz foi a transição do feudalismo para a modernidade”. Isso se deu porque, afirma Zamagni, “entre os séculos XI e XIV, a economia e a sociedade da Europa passaram por uma transformação estrutural profunda”. Os elementos-chave dessa transformação foram a “ascensão de uma economia comercial, o estabelecimento de uma cultura urbana e o uso gradativamente maior e, por fim, predominante do dinheiro nas transações econômicas”.

Nesse contexto, afirma, “os teólogos – sobretudo os franciscanos – começaram a estabelecer a base de uma nova interpretação ética cristã para servir de guia para a conduta econômica apropriada à nova situação”. E o grande remédio oferecido pelos franciscanos foi o conceito de bem comum, em oposição ao bem da própria pessoa. Afirma Zamagni: “Os Franciscanos Observantes foram os primeiros a introduzir sistematicamente a noção do bem comum no discurso econômico. Quem se destacou dentre todos foi Bernardino de Siena (1989 [1427]), que seria canonizado pelo Papa Pio II – o grande humanista Enea Silvio de’ Piccolomini – na segunda metade do século XV, poucos anos depois de sua morte”.

O bem comum, portanto, “é o bem das relações entre pessoas; é o bem apropriado para a vida em comum”.  Para o economista italiano, “comum é aquilo que não pertence apenas à própria pessoa – como no caso da propriedade privada – nem indistintamente a todas – como no caso do bem público. Numa situação de bem comum, o benefício para cada pessoa decorrente de ser membro de uma comunidade dada é inseparável do benefício que vai para os outros membros. Isto equivale a afirmar que o interesse de cada um é realizado junto com os interesses de outros, não contra eles (como no caso do bem público)”.

Assim, “a ideia mestra do pensamento econômico franciscano é a do bem comum”, afirma Zamagni. Mesmo que “os modos e as formas” desse conceito foram mudando de acordo com o tempo e o lugar, “o elemento-chave da ética do bem comum […] reside em sua capacidade de resolver a oposição entre o interesse próprio e o interesse por outros, isto é, entre o egoísmo e o altruísmo. É essa oposição, filha da tradição individualista de pensamento, que nos impede de compreender o que realmente constitui nosso bem-estar. A vida virtuosa é a melhor vida não só para os outros – como nos querem fazer crer as várias teorias econômicas do altruísmo –, mas também para nós”.

Esta é, segundo Zamagni, “a verdadeira significação da noção de bem comum, que é o bem de ser/estar em comum, e não uma mera soma de bem-estares individuais”.

Ao longo do texto, Zamagni analisa ainda o "redespertar do século XI", a noção e o modelo de "civilização urbana", o conceito de "voluntarismo franciscano", analisa profundamente a prática da usura em termos morais e econômicos, e aprofunda também o resgate do conceito franciscano de bem comum na recente encíclica de Bento XVI, Caritas in Veritate.

Segundo Zamagni, a Caritas in Veritate é "a primeira encíclica dentro do pensamento social católico em que o princípio franciscano da fraternidade encontra um lugar dentro da esfera econômica". Nesse sentido, "a sociabilidade humana pode ser vivenciada dentro da vida econômica normal, não fora dela ou ao seu lado", afirma. Por isso, "a relevância prática da aplicação do princípio da fraternidade dentro do jogo da economia" consistiria em "disseminar a cultura e prática da reciprocidade. Junto com a democracia, a reciprocidade é um pilar fundamental da sociedade".

A edição impressa do Cadernos IHU Ideias nº 153 está disponível no IHU e na Livraria Cultural. Sua versão online, no formato PDF, estará disponível no sítio do IHU a partir do dia 5 de setembro.

Para ler mais:
Extraído de http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=46029 acesso em 05 ago. 2011.

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