- Extraído de http://www.ihu.unisinos.br/noticias/506163-nos-evangelhos-nao-se-aprende-doutrina-mas-sim-uma-forma-de-estar-no-mundo-entrevista-com-jose-antonio-pagola acesso em 27 jan. 2012.
Entrevista com José Antonio Pagola
"É preciso descobrir o caminho aberto por Jesus e ser seus seguidores". A afirmação é de José Antonio Pagola, teólogo e ex-vigário geral da diocese de San Sebastián, na Espanha, que apresentou nesta quarta-feira, 25 de janeiro, em Donostia, seu livro El camino abierto por Jesús: Marcos (Ed. Desclée de Brouwer). Ele nota isso em sua própria carne e na forma de polêmica. Apesar dos inúmeros obstáculos por parte da hierarquia eclesiástica, sua obra Jesus. Aproximação histórica (Ed. Vozes) tornou-se um best-seller que está sendo publicado nestes dias em croata, francês e russo. "Os números de vendas não me interessam", diz.
A reportagem é de Cristina Turrau, publicada no sítio Diario Vasco, 26-01-2012. A tradução é deMoisés Sbardelotto.
Eis a entrevista.
A relação do senhor com as livrarias e com os leitores está se tornando uma relação de amor.
Este livro que se apresenta hoje é a segunda parte de um projeto editorial que tem por título geral O caminho aberto por Jesus e será composto por quatro pequenos volumes. Cada um deles é dedicada a um dos evangelistas. Há um ano, foi publicado o livro de Mateus. Antes do Natal, apareceu o de Marcos. Para a Semana Santa, será publicado o de Lucas. E no outono [europeu] sairá o de João, além de um box com os quatro livros.
Seu projeto é ambicioso...
Estes livros nascem por causa do meu desejo de aproximar os homens e as mulheres de hoje ao caminho aberto por Jesus. E essa ideia do caminho tem muito importância.
A saber...
Os primeiros seguidores de Jesus não se sentiam membros de uma nova religião. Eles não se sentiam membros de uma instituição, mas sim homens e mulheres que descobriram um novo caminho para viver. Na Carta aos Hebreus, um escrito que circula em torno do ano 60 e que foi recolhido no Novo Testamento, fala-se de um caminho novo e vivo, inaugurado por Jesus, que é preciso percorrer com os olhos fixos nele.
É o que o senhor vem propondo.
Eu vejo a necessidade de que, na Igreja, se dê uma transformação para os homens e as mulheres de hoje. Não basta se sentir adepto de uma religião chamada de cristã, mas é preciso descobrir o caminho aberto por Jesus e ser seus seguidores. Hoje, muitos de nós vivem dentro da Igreja e se sentem cristãos sem ter tomado a decisão de ser discípulos. Fazemos o percurso sem sermos guiados pelas suas atitudes fundamentais e pelo estilo de vida. Jesus pode ser hoje uma figura humanizadora, que ensina a viver tanto as pessoas que se sentem cristãs como aquelas que não se sentem assim. E isso ocorre em um momento de crise, não só religiosa. Vivemos uma "omnicrise", e parece que não estamos acertando em alguma coisa.
Embora tenha havido problemas, não faltarão editores para os seus livros...
Este segundo livro foi publicado pela Desclée de Brower devido a alguns problemas, mas a coleção sairá pela PPC. Desde que deixei a responsabilidade como vigário geral da diocese, fiz todo um projeto.
Sim?
A primeira coisa que fiz foi dedicar oito ou nove anos para pesquisar melhor a figura de Jesus. Na realidade, esse foi o tema de toda a minha vida. Em Jesus. Aproximação histórica, comuniquei e ofereci o que hoje pode se dizer de maneira razoável e confiável sobre a trajetória humana e histórica de Jesus.
Chegaram mais livros.
Com o meu segundo projeto, tento apresentar de maneira simples e com uma linguagem acessível e próxima, mas que "toque" as pessoas, o estilo de vida de Jesus. Quando nos aproximamos dos Evangelhos, não aprendemos doutrina; descobrimos uma maneira de habitar o mundo e de interpretar a vida e a história de grande força humanizadora.
A mensagem de Jesus é de plena atualidade, o senhor defende.
Eu me dou conta de que as pessoas, nesta sociedade que parece superficial, sentem a necessidade de viver de uma maneira diferente, sem saber exatamente como. Buscamos uma vida mais digna, saudável e feliz, algo que não é fácil. E o que eu tento demonstrar é que Jesus oferece um horizonte mais humano e uma esperança. Assim perceberam os primeiros cristãos.
Com seus livros, o senhor busca ser um mediador?
Trabalho com grupos distintos, falo com as pessoas e observo que não se busca mais técnica, nem mais ciência, nem mais doutrina religiosa. Buscamos algo, mas não sabemos como formular essas questões que levamos dentro.
Quais são as diferenças entre os quatro Evangelhos?
Os Evangelhos são quatro pequenos escritos. O primeiro é o de Marcos, que aparece em torno do ano 70, provavelmente depois da destruição de Jerusalém. Depois vêm os de Mateus e de Lucas, entre os anos 70 a 90. E, por último, já passado o ano 100, aparece o de João. Mas podemos dizer que os autores não são apóstolos. A elaboração dos textos é muito complexa. Eu analiso a vida de Jesus a partir de quatro relatos que nasceram da sua recordação. E cada um deles tem sua própria maneira de ressaltar, sublinhar e ordenar essas recordações.
Dê-nos uma pincelada de especialista: Marcos.
É o Evangelho mais breve. Pode ser lido em uma hora. Ocupou um lugar muito discreto ao longo da história. E, no entanto, há um interesse crescente nele, porque nos oferece a figura de Jesus com mais frescor. Ele remonta a tradições antigas, e Mateus e Lucas o utilizaram para os seus evangelhos.
Mateus.
É o evangelho mais longo e, em boa parte, segue Marcos, mas acima de tudo se caracteriza por seus grandes discursos. É o do Sermão da Montanha, das Bem-aventuranças ou das parábolas de Jesus, inesquecíveis. É o mais rabínico, provavelmente obra de um judeu que se tornou cristão.
Lucas.
Eu o recomendo para quem queira ler um evangelho inteiro e de uma vez só para ter uma ideia de como Jesus foi lembrado. Tem o evangelho da infância, muito poético. E é onde se destaca a bondade de Deus, sua compaixão e misericórdia, por exemplo, na parábola do filho pródigo.
João.
É um evangelho mais complexo, com uma cristologia muito elaborada. É mais teológico do que os demais.
Por que o lado humano de Jesus assusta?
Jesus atrai, mas é perigoso, porque é muito radical. Se você se aprofundar na ideia de que os últimos serão os primeiros, ou que você não pode servir a Deus e ao dinheiro, a vida muda. Jesus é muito sedutor, mas arriscado. Como disse algum agnóstico, é difícil dizer que ele não tem razão.
Como o senhor analisa os vetos à sua obra por parte da hierarquia?
Vão unidos à mensagem. Isso aconteceu com ele e acontece com os seus seguidores. Não é possível falar de Jesus com certa força e frescor e ficar impune.
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