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quinta-feira, 4 de abril de 2013

A renovação na Igreja é tarefa de todos

“Ninguém coloca em dúvida que esta possível (inclusive provável) renovação da Igreja é uma excelente esperança, que se deve fomentar em tudo quanto esteja ao nosso alcance. Mas, atenção! Esta esperança de renovação está eivada de ameaças e perigos, que não são nenhuma besteira. Nem são, desde logo, problemas imaginários”, escreve o teólogo espanhol José María Castillo, em seu blog Teología sin Censura, 30-03-2013. A tradução é do Cepat.

Eis o artigo.
O Papa Francisco, pelas coisas que disse desde o dia em que foi eleito e, mais ainda, por sua chamativa forma humilde e simples de se apresentar em público (já desde que era arcebispo de Buenos Aires), despertou tais expectativas de renovação na Igreja, que, com razão, viu-se nele uma evocação de João XXIII. O recente livro de José Manuel Vidal e Jesús Bastante deixa claro este aspecto do novo Papa. Para não falar dos intermináveis comentários, no mesmo sentido, que a mídia divulga diariamente e que, em quantidades assombrosas, circulam pela internet. É evidente que são muitos os católicos que veem a renovação da Igreja não apenas como uma possibilidade, mas inclusive como uma probabilidade próxima.

Ninguém coloca em dúvida que esta possível (inclusive provável) renovação da Igreja é uma excelente esperança, que se deve fomentar em tudo quanto esteja ao nosso alcance. Mas, atenção! Esta esperança de renovação está eivada de ameaças e perigos, que não são nenhuma besteira. Nem são, desde logo, problemas imaginários.

Para começar, o mais importante de tudo é que a renovação da Igreja não depende apenas do Papa. Por mais genial que seja este homem, por mais evangelicamente que viva e por mais original e firme que seja na tomada de suas decisões, a Igreja é tão grande, tão complexa e, em não poucos e importantes assuntos, uma instituição tão complicada, que um único homem não pode (nem poderá) renovar a Igreja, como ela necessita ser renovada neste momento e como estão as coisas.

Não nos façamos, pois, falsas ilusões. A renovação da Igreja depende, evidentemente e em medida destacada, do que diga e faça o Papa. Como depende também logicamente da Cúria Vaticana. Mas, se falamos seriamente de renovação da Igreja, não esqueçamos nunca que a Igreja somos todos. E, portanto, depende de todos a tão esperada e desejada renovação.

Ao dizer isto, não sou tão ingênuo para imaginar que os mais de um bilhão de crentes, que fazem parte da Igreja, vão mudar da noite para o dia. E assim “teremos servida” a desejada renovação. É verdade que, se o Papa muda – em seu estilo de vida e em seus ensinamentos –, a Igreja muda e se renova. Mas, tão certo como isso é o fato de que, se o que os católicos esperam do Papa que diga e faça o que convém ou interessa a cada, nesse caso o poder renovador do Papa ficará limitado em não poucos assuntos. E em coisas muito importantes nós seremos os primeiros a anular as melhores tentativas do novo Papa.

Sejamos claros. Se, por exemplo, os teólogos que foram censurados ou inclusive afastados de sua tarefa de ensinar em seminários ou centros superiores de estudos eclesiásticos, esperam e querem que o novo Papa os restitua, na “dignidade perdida!”, farão um desserviço à Igreja.

Na Igreja, as últimas décadas foram de difícil convivência. Nos dividimos, brigamos, causamos danos uns aos outros. Com frequência, os que tiveram algum poder (embora tenha sido pouco, como creio que é o meu caso), seguramente, dissemos ou fizemos coisas que causaram sofrimento e humilharam outras pessoas. Se agora eu espero uma renovação da Igreja, que consistiria em que o Papa me desse razão e excluísse os que não pensam como eu, com semelhante esperança não procuro a renovação da Igreja. O que estaria buscando, neste caso, seria a minha própria promoção, meu triunfo sobre os outros. Agindo assim, faria o mais repugnante serviço que se pode prestar à causa de Jesus e seu Evangelho. E esse seria o pior serviço que se pode fazer à Igreja.

Como é lógico, o que estou dizendo deveria ser aplicado, com liberdade, audácia e transparência, do mesmo modo aos grupos progressistas e conservadores. Do mesmo modo aos que querem mais “observância” e aos que lutam para que na Igreja haja mais “liberdade”. Em uns e outros, creio, são o respeito, a tolerância e a bondade os comportamentos que tornarão possível uma Igreja que vá se capacitando para baixar, para descer, para se aproximar dos milhões de criaturas que não pretendem estar acima de ninguém, mas simplesmente viver em paz, com honradez, com abertura mental diante das ideias ou projetos dos outros e, sobretudo, uma Igreja próxima dos últimos, identificada com os que menos têm, acolhedora sempre e com todos, independentemente das ideias e das crenças que cada um pôde assumir na sua vida.

A cada dia que passa vejo isto mais claramente. Todos sabem que, nos dois últimos pontificados anteriores a Francisco, os grupos mais conservadores, precisamente porque a maioria dos bispos contava de maneira incondicional com esses grupos, estes gozaram da proximidade de Roma, de muitos e importantes cargos na Cúria e, evidentemente, do favor de todos e tantos bispos. Ao mesmo tempo em que outros grupos – penso nas comunidades e teólogos afins à Teologia da Libertação – se sentiram esquecidos ou, ao menos, marginalizados. Pois bem, se agora esperamos que em alguns casos os privilégios se mantenham, ou que, em outros, haja revanches, mais ou menos dissimulados, nos dedicaremos à indesejável tarefa de colocar mais lenha na fogueira desta Igreja que dizemos amar, mas que na realidade amamos enquanto ela nos manteve na boca do povo.

O fundo do problema está em que a “lógica da renovação” da Igreja não é a “lógica da razão”, mas a “lógica do Evangelho”, que é paradoxalmente a “lógica do caos”; a “desordem” que Jesus provocou com sua conduta, com seus conflitos no Templo e com os dirigentes religiosos de seu tempo. A conduta evangélica que se traduziu no “medo da bondade” e no “medo da ternura”, que o Papa Francisco pediu aos Chefes de Estado (na missa de sua nomeação oficial) que tinha que ser superado.

Evidentemente, só com bondade não se governa nem se ajeitam as coisas. Às vezes, é preciso tomar decisões dolorosas. Mas que sejam tomadas por quem as deve tomar. Se cada um pretende “fazer justiça com as próprias mãos” e que o Papa dê razão a ele, às suas ideias e aos seus interesses, faremos fracassar conjuntamente este Papa e todos os “franciscos” que se interpuseram no torpe e desorientado caminho dos nossos fanatismos. O caminho que muitos trilhamos, inclusive com estúpido orgulho, até este momento.

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