J. B. Libanio
Setembro de 1999
J. B. Libanio, S.J. |
A
festa de São Francisco toca-nos fundo no coração. Ele é o santo da
ecologia e dos pobres. Duas lições para os dias de hoje. Num mundo
voltado para o consumismo desvairado, Francisco de Assis ensina-nos a
sobriedade. Podia viver na opulência, mas optou pela simplicidade.
Há
uma felicidade no dinheiro, na riqueza, no consumo dos bens materiais? O
Antigo Testamento não apresenta o rico como um abençoado de Deus? Ele
não promete bens materiais em abundância a seu povo escolhido? Então,
por que colocar restrições ao desejo de posse? Será que tanta gente que
batalha a vida inteira para melhorar suas condições materiais está
equivocada? Não parecemos, às vezes, a mãe daquele soldado que se
vangloriava de que o seu filho era o único que marchava corretamente e
todo o batalhão estava com o passo errado? Qual é a relação entre
riqueza e felicidade?
A
felicidade não é uma realidade absoluta, igual e objetiva, identificada
com determinada coisa. Ela depende dos momentos, não só da vida de uma
pessoa como do processo cultural. Portanto, a felicidade tem forte traço
psico-individual e psico-social cultural. A criança sente-se feliz com
muitas coisas que não dizem nada para um adulto. As pessoas em momentos
da história vivenciaram a felicidade em realidades que já não nos
satisfazem hoje. Além disso, uma mesma realidade assume expressões
diferentes segundo a cultura.
A
riqueza, como expressão de dignidade, de respeito, de generosidade,
enchia o coração da nobreza. Hoje a riqueza é vista mais em função de
seu poder aquisitivo material ou de influência social. Já não tem a
mesma aura de dignidade que em tempos aristocráticos.
Com
a evolução cultural e afetiva das pessoas, não sem influência dos
conhecimentos psicológicos, sociológicos e teológicos, a riqueza perdeu
muito de seu fascínio. Cada vez mais as pessoas valorizam as relações
afetivas que nenhum dinheiro compra. Mais: a excessiva riqueza pode
transformar-se em fonte de terrível frustração. Os ricos são procurados,
não pelo seu valor pessoal, mas pelo que eles têm. Fica-lhes o amargor
de não serem amados por eles mesmos. Temem os interesseiros, os
bajuladores, os amigos de ocasião. Desconfiam de quem se aproxima.
Sofrem da terrível solidão de quem não alimenta amizades gratuitas.
À
medida que as pessoas vão crescendo espiritualmente, apreciam cada vez
mais as alegrias menores da vida e percebem que o ter não acrescenta
nada ao ser. O sorriso cheio de carinho de uma criança vale mais que os
ganhos nas bolsas de valor. A riqueza exige muito tempo, desgaste de
energia, preocupações para conservá-la, aumentá-la. E para o coração
sobram pouco tempo e escassa energia.
Por
ocasião da nababesca festa de aniversário da Sasha, o psiquiatra
Christian Gauderer observava que tais extravagâncias não fazem a
felicidade das crianças. O excesso de
luxo e fantasia pode criar um adolescente dependente e deprimido. Diz
também que atende adolescentes que tiveram na infância todos os luxos e
hoje estão deprimidos e revoltados com os pais.
Se
dinheiro fizesse a felicidade, os adolescentes ricos deveriam ser
sadios e alegres. E ei-los presos a suas depressões. Muitos se entregam
ao alcoolismo e às drogas. O ser humano é carente de afeto. Ingrediente
absolutamente necessário para a felicidade que nenhuma riqueza supre.
Os
bens materiais estão aí para traduzirem amor, mediarem relações
pessoais, criarem situações afetivas e lúdicas gostosas. Toda vez que as
impedem, tornam-se fonte de infelicidade, tristeza e morte. Os homens
da Bíblia falavam da riqueza de maneira positiva somente porque a
experimentavam como sinal da bondade de Deus e porque ela lhes permitia
ser pessoas de bem. Jesus avança essa reflexão e inverte o sinal. Para
ele, a felicidade reside na simplicidade, na sobriedade, na liberdade
interior diante dos bens materiais. Nesse sentido, a figura de Francisco
de Assis torna-se para nós uma das expressões mais acabadas do espírito
das bem-aventuranças.
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