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domingo, 5 de outubro de 2008

‘Francisco de Assis abriu um caminho místico’

Deu no Instituto Humanitas Unisinos:
No momento em que os franciscanos vão comemorar os seus 800 anos, uma tradução francesa do texto fundamental dos “Fioretti” de São Francisco é publicada. Jacques Dalarun, que dirige a nova edição das “Fontes Franciscanas”, explica o que este texto nos revela sobre o “Poverello” e o ideal franciscano. Segue a entrevista dada a Martine de Sauto e publicada na revista La Croix, 27-09-2008. A tradução é do Cepat.

Por que publicar hoje o texto dos primórdios dos Fioretti?

Os Fioretti, escritos em latim antes de 1396, foram impressos pela primeira vez em 1474. Desde então, o seu sucesso nunca foi desmentido. Não faltaram lendas sobre o santo de Assis, muitas vezes mais antigas e mais fundadas que essas tardias “florzinhas”. Mas nenhuma atingiu a notoriedade do relato italiano que acabou por se confundir com a própria imagem do “pequeno pobre”. Ora, em 1902, um pastor protestante francês, Paul Sabatier, publicou Actus beati Francisci et sociorum eius. Os Fioretti são a tradução de uma parte deste texto, que tem outros 20 capítulos. A nova coleção “Fontes Franciscanas” nos brinda com a primeira tradução francesa, realizada pela Armelle Le Huërou, desses Actes du bienheureux François et de ses compagnons [Atos do bem-aventurado Francisco e de seus companheiros].

O que caracteriza esses Atos?

O próprio título já é cheio de significado. O herói não é apenas Francisco, mas, por continuidade e filiação, Francisco e seus companheiros. Por outro lado, o termo “atos” indica que não se trata de consignar pensamentos ou discursos, mas dar conta de fatos e gestas, com esta convicção muito franciscana de que os atos valem mais que as palavras. Enfim, “atos” reenvia imediatamente o leitor medieval aos Atos dos Apóstolos. Esses Atos do começo da experiência franciscana podem ser lidos como uma representação dos inícios da Igreja, quando se tratava de proclamar a atualidade do Evangelho e de pregar pelo exemplo.

Os autores tinham um objetivo ao reunir esses textos?

Aqueles cujos nomes conhecemos pertencem à influência dos espirituais, esses irmãos menores partidários de uma observância estrita da regra e do testamento de Francisco que, no final do século XIII, entraram em conflito com a direção da ordem sobre o tema da pobreza e dos estudos, e que foram condenados em 1317 pelo papa João XXII. Uma parte desses irmãos encontrou refúgio em Marche d’Ancône, uma região isolada e fora de alcance.

Muito mais do que qualquer fonte anterior, os Atos são colocados sob o signo da conformidade entre o santo de Assis e seu modelo, o Cristo. A presença de 12 companheiros como outros Apóstolos, e o fato de que um deles se enforca como Judas, destacam o paralelo entre o bem-aventurado estigmatizado e o Crucificado. No capítulo VI, o autor escreverá até que Francisco foi “como um outro Cristo no mundo”. O próprio Francisco nunca teria dito isso. Mas a história nos apresenta que cada vez que uma comunidade humana está em dificuldades, ela tem a tendência de fazer da figura de seu fundador um ícone e de projetar bem alto.

A onipresença dos companheiros, inclusive das irmãs de Marche d’Ancône, visa, por outro lado, certificar que entre os primórdios da ordem e o tempo em que os autores compõem o texto, há fidelidade aos ideais originais. Os Atos colocam assim uma questão essencial: o que a fidelidade a um ideal coloca à prova da realidade? Lembremos que Francisco morreu em 1226 sem ter resolvido o problema que o afligia: como preservar o ideal franciscano original, que era desejável para alguns, mas que já não o era mais quando os melhores discípulos se dispunham a segui-lo?

O que os Atos nos dizem sobre Francisco de Assis?

Primeiramente, que só se compreende Francisco num grupo de homens. Eles também permitem ver com insistência a indigência em que eles viviam e, por exemplo, através do episódio de Rufino que prega nu, o que poderia ser a leveza franciscana: não uma provocação (Francisco está acima disso!), mas uma espécie de transparência do ser. Enfim – e o episódio do lobo de Gubbio é um exemplo magnífico –, eles mostram como a paz e a conciliação podem ser uma resposta à violência e ao poder. Mas se, nos Atos, Francisco prega e multiplica as conversações, também o vemos absorvido pela oração e a contemplação, até o êxtase e a levitação, o que, comparado às legendas anteriores, é uma contribuição inédita. Ora, se Francisco conheceu a tentação do deserto, ele também compreendeu que não se obtém a salvação sozinho, e que o deserto só tem sentido se permite voltar ao vale dos homens.

Esta dimensão contemplativa dos Atos explica o sucesso dos Fioretti que deles foram extraídos?

Os irmãos que compuseram os Atos viviam, como vimos, em povoados encravados nas montanhas. Seu campo de ação e de pregação era muito reduzido. Eles compensavam a limitação desse perímetro por uma evasão mística. Eles não partiam mais em missão: era a sua alma que partia para Deus para encontrar nele a consolação. Uma espécie de lei histórica mostra, de até Etty Hillesum, que as provas são propícias para a dilatação da alma. Assim, os Atos oferecem uma pedagogia da vida contemplativa. O texto, uma vez traduzido em italiano sob a forma reduzida dos Fioretti e tornado acessível ao grande público, exerceu o papel de um manual espiritual e o Francisco dos Fioretti abriu aos seus inúmeros leitores um caminho místico.

Extraído de http://www.unisinos.br/ihu/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=17138 acesso em 05 out. 2008.

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