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domingo, 26 de outubro de 2008

Francisco e a Eucaristia

*Por Irmã Eva Maria Nunes

A nossa Província teve a graça de realizar mais um curso de formação franciscana para todas as Irmãs, concretizando mais um item da Programação deste ano e contou com a participação da maioria das Irmãs de todas as fraternidades.

Francisco de Assis e a Eucaristia foi o tema de aprofundamento que Frei Celso, com seu jeito e sabedoria especiais, com segurança e simplicidade franciscana, desenvolveu nesses dias, deixando nossas Irmãs muito à vontade para tirar suas dúvidas e dar também sua contribuição.

Frei Celso Começou suas colocações dizendo que dentro do franciscanismo global, o tema sobre Eucaristia é um detalhe, porém, a vida, atitudes e ensinamentos de Francisco e de Clara são totalmente eucarísticos. Eles são muito concretos no amor e zelo pela Eucaristia, diante da Eucaristia eles têm uma atitude reverencial que hoje nós precisamos aprender. Por causa da Eucaristia tudo o que a envolve ganha sentido, veneração, respeito, homenagem. São Francisco tem grande valorização e respeito pela Igreja, pelo sacerdote, pelo altar e pelos objetos sagrados. (cf cta. aos Clérigos).

Santa Clara, como Francisco, nutria fervorosa devoção ao Ssmo. Sacramento. Mesmo doente e acamada ficava confeccionando belos corporais e toalhas para o serviço do altar e também distribuía pelas igrejas de Assis.

Frei Celso esclarece que a visão de Francisco e de Clara a respeito da Eucaristia está vinculada à visão de mundo de uma época: Idade Média. Um mundo materialista, em que prevalecia uma concepção muito negativa da matéria. Os Sacramentos não eram valorizados e para muitas religiões, ainda hoje, os sacramentos são considerados heresias.

Para Francisco é diferente. Ele resgata a idéia positiva da matéria revelada no Gêneses. A criação. Tudo o que Deus criou é bom. “Deus viu que tudo era bom”. A matéria é boa. Em Francisco tudo é sagrado. A água, o óleo, o fogo, o sal... é matéria e são usados como sinais da graça. Francisco exalta Deus Criador no Cântico das criaturas. Aqui revela a sua visão positiva do mundo. Todas as criaturas são irmãs e tem um único Pai. Assim ele inaugura uma visão nova de toda matéria criada.

Assim como a Eucaristia tem a ver com uma visão de mundo, também as práticas de penitência, estavam inseridas nesse mesmo contexto. A origem da penitência vem dos “Cátaros” (visão Platônica e dicotômica da matéria), retorno à doutrina dos “Maniqueus”. A Filosofia maniqueísta diz que Deus criou o mundo bom e mau, criou os seres espirituais como os demônios. Para os Cátaros, a matéria é sempre má. A penitência era uma maneira de purificação e reparação do mal. Para ser santo precisava fazer muita penitência. Essa visão era muito forte na época e até a Igreja Católica aderiu essa concepção. Também Francisco e Clara estavam imbuídos dessa idéia. Francisco passa por uma transformação no seu modo de pensar, muda totalmente sua visão de mundo a partir da contemplação do mundo como obra criadora de Deus. Seu amor por todas as criaturas, seu carinho pelos animais e por todos os elementos da natureza o fizeram patrono da ecologia, uma ecologia de amor, respeito e cuidado por todo ser criado, por ser obra do criador. As criaturas existem para lembrar ao homem de louvar o criador.

As práticas penitenciais também vêm da concepção dos Cátaros. Francisco não buscava penitências, ele vivia em penitência. Os sofrimentos da vida, as dificuldades do dia-a-dia, constituíam suas penitências e ele vivia tudo com muito rigor. Seu ideal de vida era altíssimo em torno do minorismo, da pobreza, da obediência e da fraternidade. Isso foi causa de muito sofrimento para ele porque os irmãos não conseguiam alcançar esse ideal de perfeição. A realidade da vida dos irmãos nem chegava perto. Ele só fica livre do sofrimento, da preocupação com a Ordem quando em oração intui que a Ordem é de Deus e não dele.

Para nós, hoje, o sentido da penitência e sobretudo do jejum é trabalhar a nossa vontade, o egoísmo, ordenar, disciplinar, educar a vontade, buscar o equilíbrio do eu.

Os Cátaros não aceitam a cruz. Eles se desviavam da cruz e das igrejas, por isso Francisco reza: “Nós vos adoramos Senhor Jesus Cristo aqui e em todas as vossas igrejas...”

A visão de Francisco se insere em uma Teologia. Qual é a Teologia que envolve a Eucaristia naquela época?

No ano de 1215, no Concílio de Latrão, o Papa prescreve que todos os cristãos deveriam comungar uma vez por ano pela Páscoa., no máximo 3 vezes por ano.

O povo ia à missa não para participar, mas para assistir, ver e contemplar Jesus na Eucaristia. Santa Clara extrapolou. Ela comungava sete vezes ao ano.

Nesta época, era acentuado o aspecto do Cristo Senhor, o Cristo que tem poder. E São Bernardo é quem chama a atenção para a humanidade de Jesus Cristo. Foi com o Franciscanismo que na Igreja passou a ter uma visão da encarnação. A Encarnação de Jesus, o Presépio, a Paixão de Jesus – a Kenosis, eram para Francisco uma perplexidade.Ele chora contemplando esses mistérios da vida de Jesus. O filho de Deus assume a nossa condição humana, se esvazia, se torna escravo, morre numa cruz! Ele sofre como que um impacto nessa contemplação do Cristo que se encarna, o Cristo crucificado e Ressuscitado se esconde no Pão! È assim que Francisco vê a Eucaristia, como totalidade da Vida de Cristo. “Vede, Irmãos, que humildade a de nosso Senhor...Ele se esconde na insignificante aparência de um pão”.

Para nós, Franciscanos a Eucaristia tem todo esse significado, os Franciscanos procuram conscientizar o povo com essa visão-teológica Franciscana.

O mistério da vida, morte e Ressurreição de Cristo na Teologia Franciscana e na Teologia da Igreja atual é esta: Jesus Cristo, em igualdade com o Pai, vem a este mundo como homem (Kenosis): obediente, escravo, morte de cruz, Ressurreição, Cristo Senhor Ressuscitado, Deus conosco. No útero de Maria, tomou nossa carne, nossa humanidade. Na Eucaristia está presente conosco até o fim dos tempos. Assim como Ele se encarnou no útero da Virgem, está presente na Eucaristia. “Ele se humilha na aparência de um pão...”(Ad1).

Francisco, nutria um profundo e indescritível amor pela mãe de Deus por causa da Eucaristia. Consagra-lhe louvores especiais, orações e gestos de amor. Na Saudação à Bem Aventurada Virgem Maria, usa alguns termos que lhe são muito peculiares:

“ Virgem feita Igreja, Tabernáculo do Senhor, Casa, Palácio, Vestimenta...que envolve o verbo encarnado”. Tudo isso mostra claro: Encarnação↔Eucaristia.

Os Franciscanos são os Teólogos da Encarnação. Temos grandes Teólogos como São Boaventura, Dum Scotus que também defendeu o dogma da Imaculada Conceição de Maria.

O Franciscanismo tem uma visão sacramental da realidade: Deus cria com sabedoria, poder e bondade. Tudo é tão bom que Deus se Encarnou nesse mundo. Ele se apaixona pela sua obra. Na teologia Franciscana a Encarnação teria acontecido mesmo se não houvesse pecado. Pois se encarna por amor. O pobre, na visão franciscana é sacramento de Deus. “ nunca julgues um pobre, irmão”.Francisco vê no pobre e no doente a imagem de Jesus Cristo sofredor. Há um sinal de Deus nessa criatura.
* Irmã Eva Maria Nunes é
franciscana Alcantarina,
pedagoga, Mestra de Noviças e
Conselheira Provincial

Extraído de http://www.franciscanasalcantarinas.org.br/Artigos/artigos2.htm acesso em 26 out. 2008.

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