A palavra espiritualidade vem do latim spiritus, que quer dizer sopro, vento, impulso e, por isso mesmo, já tem um sentido dinâmico. O amor dos esponsais não é parado. Penetra sem cessar no mistério sem fim do Amor.
Mas também pensamos claramente no Espírito de que o Antigo Testamento já falava: uma força de Deus. Jesus revelou que, na realidade, ele era o Espírito Santo, uma das Pessoas da Trindade. Mais do que isso: na revelação de Jesus, Ele é o Paráclito ou companheiro chamado para ficar conosco e morar em nossos corações. Lá dentro, exerce a mesma função que tem na Trindade: é o turbilhão avassalador do amor entre o Pai e Filho.
Hoje, usamos a expressão espiritualidade até para falar da visão que outras religiões têm sobre Deus. Para nós, cristãos, lembra aquela força que perpassa toda a Bíblia, desde quando "a terra era vazia e confusa" até quando a humanidade - e cada um de nós - vai saber dizer no mais autêntico uníssono com o Espírito Santo: "Vem, Senhor Jesus, vem!"
A Igreja é rica de "espiritualidades", como a beneditina, a cisterciense, a carmelita, a inaciana, e falamos até em "espiritualidade conjugal". Nós vamos falar mais na "francisclariana", mas todas elas vivem esse valor do esponsais.
Espiritualidade é um caminho. Precisamos conhecer o próprio caminho e ter boa companhia. O caminho que Santa Clara apresenta é Jesus, aquele que disse "Eu sou o caminho". São Francisco também falava em "seguir os vestígios de Jesus crucificado e pobre".
Na prática, a palavra Esponsais é um sinônimo de casamento: da celebração do compromisso entre um homem e uma mulher. Pode ser a união mais profunda e duradoura entre duas pessoas e, por isso, é excelente para falar do compromisso que o Deus da Bíblia quis estabelecer com a humanidade e com cada um de nós.
Tertuliano, um dos grandes Padres da Igreja nos primeiros séculos,já tinha dito que as virgens consagradas eram "esposas de Cristo". Em tempos mais recentes, essa expressão foi mal entendida e ridicularizada, como se quisesse dizer que alguém é uma "mulher de Jesus", ou algo parecido. Não é isso. Recordo que a raiz da palavra esponsal, como a de esposo ou esposa é a mesma de responder, responsabilidade, corresponder. E, "pessoas consagradas"no batismo, também nós somos esposos.
Recordo também que foi o próprio Deus quem se chamou de Esposo do Povo da antiga e da nova Aliança. E nos convida a ser a esposa, como povo e como indivíduos, sem importar se somos mulheres ou homens. O importante é o compromisso pessoal que assumimos de corresponder a Deus. E não perder de vista que o laço que Deus quer estabelecer conosco é de amor. Mesmo o pacto social que estabeleceu com o povo de Israel foi sempre envolvido de afeto e de carinho.
A proposta cristã também vê a realização de toda pessoa humana - e de toda a raça humana - numa união perfeita em que seremos felizes porque "Deus vai ser tudo em todos".
1.3 Linguagem simbólica
Quando falamos em esponsais, estamos usando uma linguagem simbólica: comparamos nosso relacionamento com Deus ao relacionamento entre os esposos. Até quando falamos em espiritualidade, estamos usando linguagem simbólica. Dizemos: "é como o spiritus, o vento". Foi o símbolo que Jesus usou quando conversou sobre o novo nascimento com Nicodemos. O homem sempre procurou usar uma linguagem que lhe permitisse expressar o inefável. Para isso, usa os símbolos. Por isso, inventou as artes.
A palavra símbolo pode ter muitos usos. Há simbolos na matemática e na química, na poesia, na mística. O símbolo era originariamente um sinal para reconhecer alguma coisa ou pessoa, e exigia um complemento. Por isso é importante notar: a linguagem simbólica só se aproxima - não resolve de uma vez - de uma realidade que a ultrapassa e que ela não consegue explicar.
O ser humano já foi chamado de "animal que fala". Nisso é diferente de todos os outros seres e, por isso, pode de alguma maneira recriar seu mundo: o interior e o exterior, dando-lhes nomes, chamando, narrando. Mas é o seu ser inteiro que comunica, até com uma linguagem não verbal. Pode dizer muito, mais com um olhar do que com um livro e mostrar o que pensa com um gesto. Mesmo assim, há realidades que não dá para expressar: são inefáveis.
1.4 Sol e Lua
Os esponsais de que falamos são uma expressão simbólica em que nossa relação com Deus é comparada à relação entre o homem e a mulher. É histórica e essencial uma tensão entre homem-mulher. O homem sentiu-se muitas vezes vítima de uma mulher tentadora, ou temida por seu ministério. Outras vezes, sentiu-se salvador da mulher frágil. A partir daí, pôs a mulher em segundo lugar, para defender-se ou para defendê-la. Mas a tensão é positiva: dela nasce vida.
Os antigos já tinham percebido que há uma diferença grande entre ser homem-mulher e ser macho-fêmea como entre os animais e as plantas: não somos homens e mulheres só para nos reproduzir. Mais que tudo, é para nos relacionar. E o relacionamento pressupõe que haja de parte a parte algo masculino e algo feminino. Em linguagem simbólica, chamaram o masculino de Sol, e o feminino de Lua.
Um ser humano Mulher apresenta exteriormente um predomínio da Lua (palavra simbólica para feminino), mas tem interiormente um equilíbrio solar, que permite que ela se relacione com o homem e seja plenamente humana.
Um ser humano Homem apresenta exteriormente um predomínio do Sol (palavra simbólica para o masculino), mas tem interiormente um equilíbrio lunar, que permite que ele se relacione com as mulheres e seja plenamente humano. Alguns gregos antigos já tinham dito que somos plenamente humanos quando realizamos interiormente um hierós-gámos, isto é, um casamento sagrado entre Sol e Lua que moram em nosso interior.
O homem e a mulher não estão um ao lado ao outro, mas um diante do outro, numa oposição que não contradiz, mas afirma o outro. A oposição polar comporta uma reciprocidade que assume o outro, mas não o anula. São duas realidades que não se confundem, não derivam uma da outra, mas não podem ser pensadas isoladamente. Homem e mulher vivem a realidade inteira a partir de seu sexo.
Como a Bíblia nos ensina, é nossa linha que podemos pensar em um relacionamento mais objetivo entre cada um de nós e Deus.
Extraído de http://www.franciscanos.org.br/v3/carisma/especiais/2009/livropedroso/01.php acesso em 5 ago. 2009.
Ilustração: Tod der heiligen Klara. Badische Landesbibliothek, Karlsruhe, Codex Tennenbach 4, fol. 105v. Antes de 1492. Disponível em http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Codex_Tennenbach_4_105v.jpg acesso em 5 ago. 2009.
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