Um ícone
• O crucifixo de São Damião é um ícone, uma figura que tem especial valor simbólico e religioso.
• O ícone de São Damião é uma figura colorida, pintada em pano colado numa tábua de nogueira. Tem 2,10 ms de altura e 1,30 ms de largura e 2 cm de espessura.
• A palavra ícone, do grego êikon, quer dizer imagem. É uma representação, mas não como as nossas estátuas ou quadros, porque o ícone é feito a partir de uma experiência da Luz da santidade, que depois é transmitida.
• O ícone é um elemento fundamental da teologia da Igreja Oriental: a teologia da luz, a teologia da beleza.
Teologia da Luz
• Para essa teologia, tanto quanto podemos dizer que “Deus é Amor” e que “Deus é Santo”, podemos dizer que “Deus é Luz”. A sua santidade comunica-se como a Luz.
• O princípio de vida é o de que Deus inunda de Luz tudo e todos os que se abrem para Ele. Para poder falar dessa santidade, que é inexprimível, usam o símbolo da Luz. Santa é uma pessoa que se tornou iluminada pela Luz-Santidade de Deus, e por isso mesmo, luminosa: transmite luz.
• Por isso, o santo não é representado como se estivesse vivendo na terra e no seu tempo, como na Igreja Ocidental. Mas é representado na glória de Deus, onde já recebeu toda a sua Luz.
Os simbolismos do ícone
• Na civilização ocidental, estamos acostumados com idéias e palavras que falam à mente. O ícone não é uma comunicação dirigida à mente: é uma ‘palavra’ de vida que passa de coração para coração. Os ícones falam ao coração. As palavras dirigidas à mente definem. As palavras dirigidas ao coração, não definindo, abrem os horizonte. As palavras à mente convencem. As palavras ao coração, movem.
• A linguagem simbólica dos ícones não sugere idéias, detona a transformação: contemplando a toda presença de Luz de Deus, descobrimos também os outros sinais de luz nas pessoas, nos acontecimentos e nas coisas do mundo.
• São Francisco fala (Adm, 1) em enxergar com os “os olhos do espírito”, abrir nossos olhos para que enxerguem o mundo, as pessoas, tudo como Deus vê.
• Toda luz que entra em nossa vida está desencadeando um processo. Se nos abrirmos, virão novas luzes. Trevas são a escuridão em que o ser humano fica quando rompe com Deus.
• No Crucifixo de São Damião está, de forma sintética e simbólica, a teologia do Evangelho de São João (o jogo, a trama entre luz e trevas). Para o evangelista, Jesus vai ficando cada vez mais luminoso, na medida em que as pessoas o aceitam.
• Nos ícones, as figuras nunca têm sombras, porque a luz não incide sobre elas a partir de um foco: sai de dentro delas. Do mesmo modo, o ícone não tem sinais de movimento, porque todo o seu movimento é interior.
• Diferentemente dos nossos quadros e imagens, os ícones não são feitos para ficarmos olhando: são eles que olham para nós e nos iluminam. Como? Dando-nos um banho de luz. Transformados, vamos crescer no bem. Não é pelo toque que o ícone transmite sua força; é pela luz.
O Crucifixo de São Damião
• Na cruz, vemos Jesus Cristo duas vezes: na figura central, com 1,80 m, sua presença domina todo o quadro. No alto, dentro de um círculo, o Cristo da Ascensão.
• No semicírculo, bem acima do ícone, está representada uma mão com um dedo que aponta: é o símbolo das outras duas Pessoas da Santíssima Trindade.
• Abaixo dos braços de Jesus, um quadrado: o Livro da Vida na Terra, os santos que estavam ao pé da Cruz, no momento da sua morte (Jo). No alto da cruz, um retângulo: o Livro da Vida Eterna, os santos da glória do céu.
• As cores: o fundo do Cristo da Ascensão é vermelho, o fundo do quadro dos santos é dourado, e o fundo do Crucificado é negro.
• Abaixo dos pés de Cristo, duas figuras (Pedro e João?). Nos braços da cruz, seis anjos: quatro abaixo das mãos e dois, nos extremos horizontais, que se dirigem a Jesus.
• Os dois círculos e o semicírculo, que se sucedem e diminuem, de baixo para cima.
• A oposição entre os quatro braços da cruz e os três círculos.
• Acima da cabeça de Jesus, a inscrição, própria do Evangelho de João: “Jesus Nazareno, Rei dos Judeus”.
Francisco diante do Crucificado
• Em geral, compreendemos a cena de Francisco diante do Crucifixo, como que ocorrida num momento: Francisco chegou, viu o Crucificado, ouviu sua voz e respondeu imediatamente com a sua oração.
• Desde a sua crise existencial provocada pela visão, em Espoleto (o senhor e o servo), no início de 1205, quando se preparava para a guerra nas Apúlias, Francisco experimentou uma penosa solidão, na busca de encontrar o sentido para sua existência: “Senhor, que queres que eu faça?” (LTC 6).
• Foram meses de completa escuridão até chegar em São Damião, no final do mesmo ano. O ambiente é de ruínas. Não apenas nas exterioridades do local em que se encontra. Sua vida, jubilosa, com projetos de glória e honrarias, está também em ruínas.
• É de dentro dos escombros de tais sonhos, que ele se dirige a Jesus, numa prece de extremada solidão: “Iluminai, Senhor, as trevas de meu coração”. É um encontro não com letras, conceitos e doutrinas, mas um diálogo de coração a coração. “Francisco, não vês que minha casa está destruída? Vai, portanto, e restaura-a para mim” (LTC 13).
• Francisco deve ter ficado muito tempo, dias, contemplando, refletindo e numa oração de busca quando o ícone o iluminou. Em São Damião, a luz detonou a visão interior de Francisco. A luz do Crucificado fez Francisco olhar para si mesmo e perceber que, lá dentro, tudo era escuridão. Sem que se desse conta, a luz de Deus já fizera com que aprendesse a olhar para dentro.
• Depois da primeira iluminação do coração, Francisco deve ter sido capaz de ver, lá dentro, que Deus “é o Sumo Bem”, e que não existe nada de bom fora dele. Portanto, o primeiro passo foi o de esquecer o próprio eu, percebendo que o verdadeiro centro de tudo é Deus. Olhando com o olhar de Jesus para a sua própria interioridade, percebeu que o seu coração, a sua interioridade, estava em trevas.
• Outro passo dado aconteceu quando Francisco foi levado a olhar para onde Jesus olhava (os enormes olhos abertos e tranqüilos de Cristo): para o mundo imenso lá fora e para dentro de si mesmo. Enxergando o mundo lá fora com o olhar do Filho de Deus, ele ‘ouviu’ que estava sendo chamado para uma reconstrução.
• Ele entendeu que lhe fora dito restaurar aquela igreja, que, por sua antiguidade e abandono, estava por ruir, quase desculpando a simplória compreensão que tivera. De fato, é uma constante nas tradições sobre Francisco de Assis avaliar esta sua atitude como um gesto de alguém que ainda não entendeu a profundidade de sua vocação. Na verdade, porém, esse será eternamente o jeito desse homem. Para ele, até o fim, nunca as grandes coisas estiveram longe das coisas pequenas e aparentemente insignificantes.
• Francisco se põe logo ao trabalho de restaurar capelas abandonadas (LM II,7.8), não porque tenha entendido mal a mensagem, como habitualmente pensamos, mas exatamente porque, para compreender o sentido profundo das palavras a ele dirigidas, tem necessidade de entrar no terreno da experiência, do fazer com os outros. Mendigar e carregar pedras para a reconstrução de um templo era já, sim, reconstruir a grande Igreja de Jesus Cristo. Este foi, sem dúvida, um dos segredos deste homem.
• A vida toda de Francisco pode vista como uma iluminação contínua, pessoal e interior, ao responder o chamado para ‘restaurar a casa em ruínas’. Duas orações que ele mesmo compôs, são marcos desta trajetória: uma no começo (Iluminai), quando ele se sente escuro por dentro e pede que Deus ilumine sua interioridade. A outra (O Cântico das Criaturas ou do Irmão Sol), no final de sua vida, quando ele, escuro por fora porque cego e doente, explode toda a sua luz interior. Entre as duas, Francisco vai crescendo cada vez mais na luminosidade.
800 anos depois, nós estamos diante do Crucificado
• A Família Franciscana, herdeira do carisma (inspiração originária e fundante) de São Francisco, celebra em 2008 os 800 anos do nascimento dessa inspiração, e em 2009, o mesmo jubileu da aprovação da primeira Regra de Vida, aprovada pela Igreja (Papa Inocêncio III).
• Esse jubileu é ocasião de resgatar essa “graça das origens” para os nossos dias, como forma de tornar vivo e atuante, essa mesma inspiração, na vida da Igreja e da humanidade.
• Para tanto, toda a Família Franciscana no mundo inteiro, está se mobilizando para reviver esta mesma experiência de Francisco e Clara de Assis, através de inúmeras iniciativas. No Brasil, a FFB, tem como lema: “Reviver o sonho de Francisco e Clara de Assis no chão da América Latina e do Caribe. Uma iniciativa é a Peregrinação da Cruz de São Damião. Não se trata unicamente de um momento celebrativo, mas de uma proposta de vida: a de retomar esta graça das origens, como um Projeto de Vida.
Frase: “Senhor, que queres que eu faça?”
Lema: Ouvimos para mudar de vida!
Propostas: a escuta, a conversão e o discernimento da vontade do Senhor para a nossa vida hoje.
Para onde vamos?
• Para a redescoberta pessoal e partilhada na Fraternidade (comunidade) de “quem sou eu”.
• Acolher o chamado para reler nossa identidade nos inícios do terceiro milênio.
• Para a fidelidade à humanidade e ao Evangelho vivido na Igreja, segundo a inspiração de Francisco.
• Para viver e anunciar “aos homens a paz e a penitência” (1 Cel 29,3).
• Para redescobrir o rosto do leproso e de Jesus Cristo, Senhor pobre e crucificado.
Com que meios?
• Cultivar a escuta através da leitura da Palavra de Deus.
• À luz da vida dos homens e mulheres de hoje.
• Lendo e interpretando os sinais dos tempos.
Com a força dos gestos
• Sinais concretos de partilha e de solidariedade.
• Sinais de restituição aos “leprosos” de nosso tempo.
• Busca de uma vida mais sóbria e essencial.
CONCLUSÃO
O carisma franciscano está longe de ter esgotado suas possibilidades. Ao invés, ele ainda fala alto aos homens e mulheres de nossos dias, seja pela afinidade com que é sentido, seja pelo contraste e desconcerto que provoca, seja ainda pela nostalgia que desperta em nós face àquilo que, também, poderíamos e gostaríamos ser.
Não obstante, subsiste uma misteriosa afinidade, ou cumplicidade, entre o carisma franciscano e as melhores bandeiras que mobilizam a consciência atual, quais sejam:
1. a bandeira da solidariedade com os pequenos e da justiça social, expressão prática do minoridade;
2. a bandeira da paz, constitutiva do anúncio franciscano e tão cara a São Francisco;
3. a bandeira da ecologia, que tem em Francisco seu patrono e inspirador, e que interpela ao cuidado com nossa Casa comum e com as relações de convivência;
4. a bandeira da sobriedade e frugalidade, face ao consumismo;
5. a bandeira da fraternidade face à tentação de medir as pessoas pelo poder ou riqueza que possuem;
6. a bandeira do diálogo e do ecumenismo, em todos os níveis, como condição de sobrevivência de nossa espécie;
7. a bandeira das relações de gênero, chance histórica única confiada às atuais gerações e que não pode, em absoluto, ser fraudada.
Com qual dessas bandeiras o carisma franciscano não tem alguma afinidade ou alguma luz a oferecer? Já se disse que Francisco continua jovem e atual, não obstante seus filhos e filhas parecem envelhecidos. O carisma fundacional continua fonte de inspirações.
Algumas:
• A referência a Deus, o Sumo Bem
• A proximidade e fraternidade
• O cuidado e a compaixão
• O sentir-se bem entre os pequenos
• O ecumenismo e o diálogo em todas as direções.
Deus continua olhando para a terra e lhe dando sua graça; o mundo atual, que é templo de sua presença, continua emitindo sinais e apontando urgências; cabe à sensibilidade de nossas vidas decidir se aceita ou não participar nesta aventura. Aventura do Espírito com suas criaturas livres.
Extraído de http://www.franciscanos.org.br/noticias/noticias_especiais/2008/crucifixo_230608/02.php acesso em 4 maio 2010.
Imagem: Assisi, San Damiano / Berthold Werner. 2008. Disponível em http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Assisi_San_Damiano_BW_4.JPG acesso em 4 maio 2010.
Nenhum comentário:
Postar um comentário