Entrevista com Régis Debray
Régis Debray estava na cidade de Calvino em março passado, a convite da Companhia dos Pastores e dos Diáconos da Igreja Protestante de Genebra. Foi uma oportunidade para fazer uma análise do estado de saúde do sentimento religioso na Europa e de descobrir algumas chaves para os seus últimos livro, Le moment fraternité e Eloge des frontières.
A reportagem é de Emmanuel Rolland, publicada na revista Riforma, publicação das Igrejas evangélicas batistas, metodistas e valdenses, 21-08-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis a entrevista.
Como nasceu o seu interesse pelo fato religioso?
Se eu acompanhei longamente o socialismo revolucionário que é, assim como todos os milenarismos, uma ideia cristã que enlouqueceu, eu também constatei a extraordinária perenidade do fato religioso no espaço e no tempo. E me perguntei: o que leva as pessoas e os povos a acreditar? Não só a crer, mas também a formar comunidades? E assim, pouco a pouco, subi novamente para a fonte, para o Antigo Testamento, para o cristianismo, em um processo, se se quiser, de regressão reflexiva.
E o que aprendeu?
A minha primeira descoberta na América Latina é que existe o outro, outras culturas, costumes de vida aos quais eu sou estranho. Todas essas culturas são arcaicas, ancestrais, de uma profundidade de tempo considerável e estão sempre ali. Portanto, a ideia muito do século XIX, segundo a qual quando se abre uma escola se fecha uma igreja – ou seja, que a crença se dissolve no racionalismo –, é uma ideia falsa. Ao contrário, há uma permanência do religioso que é preciso tentar entender. Tudo isso levanta questões, ainda mais quando se provém, como eu, de um ambiente ateu em que a religião é considerada o ópio do povo, uma força reacionária e conservadora. Acho que essa também é a vitamina do fraco, uma força ativa de proposta, e que a religião pode levar as pessoas a resistir à opressão.
A crença não se dissolve no racionalismo, o senhor diz. Mas a religião se dissolve na secularização?
Eu nunca acreditei na tese da secularização entendida como desaparecimento do religioso. Pode haver um transplante do religioso, não um desaparecimento. Uma sociedade, mesmo que se acredite irreligiosa, tem necessidade de totens, de deuses, ao mesmo tempo evocativos e reparadores, e de lugares onde se faça silêncio, onde se recolha e onde se tire o chapéu, um lugar e um momento em que não se ri.
Quais são os elementos indispensáveis para a formação de uma comunidade?
Primeiro, uma transmissão. A transmissão é o contrário da comunicação, que consiste em fazer circular uma informação no espaço em um momento T. A transmissão é portar uma informação no tempo, isto é, construir uma duração, uma tradição, uma memória, e é exatamente isso que distingue o homem do animal. O animal se comunica muito bem, mas não transmite. Além disso, uma comunidade humana sempre pressupõe um ponto de coerência, isto é, um ponto federador que pode ser de texto, uma figura de herói, um evento, enfim, algo que reúne. E aquilo que reúne é chamado de sagrado.
O sagrado é aquilo que nos mantém juntos e que nos permite resistir à usura e à dispersão. O sagrado é o que permite que uma comunidade não morra ou pelo menos retarde o momento da sua morte e da sua degradação. Em outros termos, o sagrado é aquilo que compõe, e não há nenhuma necessidade de uma religião institucional para isso. Além disso, reconheço que, quanto menos há religião, mais há sacralidade. Um lugar que havia me impactado pela abundância de sacralidade havia sido a antiga União Soviética, tão petrificada de sacralidade que havia se tornado imóvel. A hierarquia, o mausoléu de Lênin, a Praça Vermelha que se tornou um lugar de devoção, na qual é proibido fumar, os ícones políticos fixados em todos os lugares. Enfim, sempre é possível se livrar do religioso na sua forma institucional, mas ele retorna em uma forma mais selvagem, onipresente.
A comunidade, seja ela religiosa ou civil, perde velocidade. Qual o seu papel para as igrejas?
É evidente que há uma espécie de divisão do "nós" em benefício do "eu", uma espécie de "tout à l'ego" [trocadilho com a expressão "tout à l'égout", que indica a rede pública de esgoto], mas eu não acho que isso vai durar. No fundo, existem dois tipos de sociedades ou, nas palavras de Paul Valéry, duas coisas que ameaçam o mundo: a ordem e a desordem, ou seja, o excesso de individualismo e a ausência de individualismo. Os protestantes desempenharam um papel na desritualização do mundo. Pois bem, eu acredito que os rituais são essenciais.
O protestantismo contribuiu, com o seu culto da sinceridade, com a marginalização dos gestos, dos lugares, das liturgias que levam as pessoas a estar em comunhão juntas e a se elevar acima do seu interesse imediato. Portanto, estou preocupado hoje com o esfacelamento dos Estados-nação na Europa que, longes de desembocar em um reino harmonioso e juridicamente controlado de fraternidade internacional, caem em um comunitarismo cada vez mais exasperado. Neste momento, eu acredito que o religioso tem um papel a desempenhar. Não nos esqueçamos da dupla etimologia da palavra religião: religare, aquilo que une, ou religere, aquilo que recolhe. Qualquer que seja a religião que se escolha, a sua função é sempre de reunir, porque cada um sabe que há um momento em que o "tout à l'ego" se dirige contra si mesmo e se torna perigoso para todos.
No tempo da globalização e das uniões supranacionais, o senhor defende uma ideia de fronteira contracorrente: o que o senhor vê de positivo nas fronteiras?
A priori, a fronteira é o que é antipático, é o que resiste... Mas é algo ambíguo. Constatei que há cada vez mais fronteiras, enquanto falamos cada vez menos delas. Vinte e seis mil quilômetros de fronteiras foram criadas dos anos 1980 em diante e há outros 23 mil em construção. É verdade que, como os impérios eclodiram, há cada vez mais Estados territoriais e, portanto, sempre mais fronteiras. Mas que sentido dar a essa multiplicação de fronteiras políticas, territoriais, no tempo da globalização técnico-econômica?
Segundo ponto, diz-se: a fronteira é a guerra, é o fronte. De acordo, mas a fronteira também é a paz, isto é, o reconhecimento do outro. Descobri no Oriente Médio, onde eu fui um pouco a vagar: onde não há fronteiras, há muros. A fronteira é a vacina contra o muro, porque a fronteira é o reconhecimento do outro, isto é, a legitimidade de que haja um outro e que você não está em sua casa em todos os lugares.
Finalmente, a fronteira protege o fraco. Tome o direito de asilo: se não houver mais fronteiras, o que se faz dele? Uma fatwa poderia ser exequível em todos os lugares. Em outras palavras, a fronteira também é uma hospitalidade. O forte não gosta das fronteiras. O forte gostaria de poder ir a todos os lugares, mas na realidade o que ele tem? Um território em que ele entra na toca. É a sua casa e é preciso admitir que os outros também têm direito a uma casa própria. Portanto, para mim, a fronteira é uma cortesia, um sinal de civilização.
Como a "fraternidade" pode ser um fermento de paz?
A fraternidade não é a fratria, não é o vínculo de sangue. É o vínculo do sentido. Se lermos a Bíblia, observamos que a fratria sempre termina muito mal: Caim e Abel, Jacó e Esaú, José e seus irmãos. A fraternidade consiste em fazer uma família com aqueles que não são da sua própria família. É fazer um "nós" não genérico, mas simbólico, não fundado na herança, mas na vontade. O imenso mérito que eu reconheço ao cristianismo é o de ter permitido a ruptura com o "nós" étnico, do clã ou familiar, para instaurar o "nós" de São Paulo, um "nós em Cristo", no seguimento a Cristo, e dos famosos "família, te odeio" da sua pregação! É uma ruptura de civilização capital da qual é preciso ver o lado um pouco subversivo. É a passagem da lei da natureza para a lei da graça. Ela consiste em sair daquele "nós" hereditário para encontrar uma comunidade voluntária.
Para ler mais:
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