Tristão de Athayde
Num
mundo que se cristalizava em lutas, em abusos de toda espécie, em
indolências e ceticismo, Francisco não vinha trazer-nos nada de inédito,
como originalidade de pensamento, como fórmula de restauração, como
remédio aos males do tempo.
São
acordes seus biógrafos em dizer que os seus discursos nada tinham de
original. Procurando os seus discípulos reproduzi-los, sentiam sempre a
falta de qualquer coisa... mas que era tudo. Nesse mundo, em que a fama
das universidades começava a espalhar-se, e Bolonha, ali perto, já
irradiava o seu saber de juristas e teólogos, não vinha discutir
teologia ou combater infiéis.
Vinha
apenas, no meio das lutas em que se debatiam as cidades e as famílias,
em meio da grande decadência de costumes e dos abusos dos grandes contra
os pequenos, vinha penas trazer essa dádiva simplíssima: uma vida
humana a serviço dos homens. Vinha viver, no meio dos homens, como se
viera de um mundo superior a eles.
Quando
todos se debatiam entre mil e um laços que os prendiam a toda sorte de
pequenos senhores na terra, veio esse filho fugido de casa dos pais,
para entregar-se ao Pai
supremo, sem nome e sem instrução, mostrar que a suprema felicidade
estava em sacudir o peso de todos esses pequenos barões terrenos, para
se submeter a um só Príncipe invisível. No meio de uma vida em que se
perdera a memória das coisas simples, veio mostrar o sabor de todas as
verdadeiras essências imortais, a luz, o fogo, a água, o ar, o som, a palavra. No meio de uma sociedade áspera no ganho, veio mostrar a delícia de não possuir.
No
meio do furar de todas as violências, veio mostrar o milagre da paz e
da fraternidade. No meio de uma era complicada, racionadora, cheia de
hierarquias e preconceitos, veio mostrar a originalidade das coisas
simples. Contra os raciocínios intermináveis, mostrou a eloqüência das
soluções intuitivas. Contra as rígidas hierarquias, a igualdade no bem e
na pureza da alma.
Contra
os preconceitos, a coragem de agir desassombradamente, por uma causa
mais alta que todos os mesquinhos interesses terrenos. Esse, talvez, o
maior segredo de São Francisco de Assis. Onde outros deram ou dariam o
seu saber, a sua astúcia, a sua coragem, ele deu apenas isso: o seu
coração. Esse isso revolucionou a História.
Publicado originalmente no Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 4 de outubro de 1981.Extraído de: PICCOLO, Frei Agostinho Salvador, OFM. Perfil do educador franciscano. Bragança: EDUSF, 1998. P. 89-91.
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