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quarta-feira, 26 de setembro de 2007

Amor franciscano

Deu na Adital:
Leonardo Boff *


Adital -
Quem diria que um homem que viveu há mais de 800 anos viesse a ser referência fundamental para todos aqueles que procuram um novo acordo com a natureza e que sonham com uma confraternização universal? Este é Francisco de Assis (+1226), proclamado patrono da ecologia. Nele encontramos valores que perdemos como o encantamento face ao esplendor da natureza, a reverência diante de cada ser, a cortesia para com cada pessoa e o sentimento de irmandade com cada ser da criação, com o sol e a lua, com o lobo feroz e o hanseniano que ele abraça enternecido.
[ . . . ]
O fascínio que exerceu desde seu tempo até os dias de hoje se deve ao resgate que fez dos direitos do coração, à centralidade que conferiu ao sentimento e à ternura que introduziu nas relações humanas e cósmicas. Não sem razão, em seus escritos a palavra "coração" ocorre 42 vezes sobre uma de "inteligência", "amor" 23 vezes sobre 12 de "verdade", "misericórdia" 26 vezes sobre uma de "intelecto". Era o "irmão-sempre-alegre" como o alcunhavam seus confrades. Por esta razão, deixa para trás o cristianismo severo dos penitentes do deserto, o cristianismo litúrgico monacal, o cristianismo hierático e formal dos palácios pontifícios e das cúrias clericais, o cristianismo sofisticado da cultura livresca da teologia escolástica. Nele emerge um cristianismo de jovialidade e canto, de paixão e dança, de coração e poesia. Ele preservou a inocência como claridade infantil na idade adulta que devolve frescor, pureza e encantamento à penosa existência nesta terra. Nele as pessoas não comparecem como "filhos e filhas da necessidade, mas como filhos e filhas da alegria" (G. Bachelard). Aqui se encontra a relevância inegável do modo de ser do Poverello de Assis para o espírito ecológico de nosso tempo, carente de encantamento e de magia.

Estando certa vez, no dia 4 de outubro, festa do Santo, em Assis, naquela minúscula cidade branca ao pé do monte Subásio, celebrei o amor franciscano com o seguinte soneto que me atrevo a publicar:
Abraçar cada ser, fazer-se irmã e irmão,
Ouvir a cantiga do pássaro na rama,
Auscultar em tudo um coração
Que pulsa na pedra e até na lama,

Saber que tudo vale e nada é em vão
E que se pode amar mesmo quem não ama,
Encher-se de ternura e compaixão
Pelo bichinho que por ajuda clama,

Conversar até com o fero lobo
E conviver e beijar o leproso
E, para alegrar, fazer-se de joão-bobo,

Sentir-se da pobreza o esposo
E derramar afeto por todo o globo:
Eis o amor franciscano: oh supremo gozo!

* Teólogo e professor emérito de ética da UERJ Leia na íntegra em http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=29726

sexta-feira, 7 de setembro de 2007

Francisco e a Mística do Tau

por Aldir Crocoli, OFMCap

Nesta última década o Tau (uma cruz sem a parte vertical acima da linha transversal) está se tornando quase moda. Artistas de telenovelas o usam pendurado ao pescoço, e muitos outros jovens o ostentam em seu peito, no pulso, em forma de brinco nas orelhas. Porque todas essas pessoas o carregam podemos apenas intuir, sem contudo ter certeza do motivo que fez este símbolo como que ressuscitar na história.

Há 50 anos, o tau não era mais que o sinal distintivo dos franciscanos e franciscanas da Ordem Franciscana Secular. Daí passou a ser usado por religiosos franciscanos em substituição ao hábito, por jovens da Jufra e, depois, pelo público em geral. Mesmo que este símbolo seja muito difundido, não resta dúvida que atualmente ele está em estreita relação com o franciscanismo e parece estar carregado de uma mística especial relacionada à pessoa de São Francisco e à família franciscana, ainda que não reservada aos franciscanos e franciscanas.

As origens bíblicas deste símbolo

A inspiração bíblica direta do Tau viria do livro do profeta Ezequiel (9,4), onde Deus pede para percorrer a cidade e marcar na fronte aqueles que não se conformam com a maldade existente dentro dela. Estes eram marcados com o sinal de Tau, isto é, a última letra do alfabeto hebraico. Eles seriam poupados quando passasse o anjo exterminador do mal, enquanto todos os demais seriam mortos.

Os biblistas entendem que o profeta Ezequiel, na verdade, se inspirou na página do Êxodo (12,13), no momento em que os hebreus no Egito, inconformados com o regime de escravidão que lhes era imposto, estavam se organizando para fugir de Faraó. Na véspera da partida, mataram o cordeiro, tingiram com sangue um Tau nos umbrais da porta. Ao passar o anjo exterminador durante a noite, poupou os primogênitos dessas casas. Nas demais havia choro e desespero. Os hebreus aproveitaram a confusão, fugiram e entraram deserto adentro, sem poderem ser alcançados pelo exército do inimigo que os perseguiu. Tornaram-se uma nação com projeto sócio-político de fraternidade e igualdade, e crente no único Deus libertador. Sentiram ser portadores da missão de mostrar a todos que “um outro mundo possível”.

A mesma mística, segundo os exegetas da Sagrada Escritura, pode ser encontrado em outras duas passagens bíblicas, no último livro, o Apocalipse: 7, 3-4 e 14, 1-7. Os 144 mil marcados na fronte (sempre com o mesmo sinal do Tau) foram salvos, porque não se deixaram condicionar pelo modo pervertido da sociedade e se deixaram redimir pelo sangue do Cordeiro imolado (Jesus Cristo).

Como se vê, é sempre a mesma idéia a perpassar os textos: ser marcado (por Deus) com o sinal do Tau porque inconformado com a maldade existente ao seu redor e, ao mesmo tempo, como expressão da opção por levar uma vida diferente, mais coerente com o desígnio de Deus.

Francisco e o Tau

Damien Vorreux, um pesquisador francês de nossos dias, nos informa que na Idade Média o povo usava o Tau como um meio mágico e milagroso para serem preservados da peste e de todo o poder diabólico. Muitos o levavam como anel no dedo, como amuleto ao pescoço ou então o pintavam no umbral da porta. Em 1212, na Cruzada das Crianças contra os muçulmanos, o Tau foi o símbolo escolhido desta luta contra o mal, o que “prova o valor afetivo desta bandeira e seu poder encantador”. Gregório de Tours, outro cronista francês, nos dá notícias de que o Tau era objeto de devoção do povo já em 546 na cidade de Clermont, mediante o qual esperava ser livre de pestes e outros males.

Como Francisco entrou em contato com esta tradição do Tau? Embora os dados não sejam muito abundantes, são mais que suficientes para o objetivo que nos interessa. Francisco nasceu e foi criado em Assis, a 180km de Roma. Mas ele esteve em Roma ao menos umas sete ou oito vezes. Em algumas dessas oportunidades permaneceu muitos dias, mais de mês, hospedando-se repetidas vezes junto ao hospital de Santo Antão, onde os Frades Hospitaleiros, dedicados aos leprosos e outros doentes, usavam ostensivamente esse símbolo do Tau: desenhado no bastão que fazia parte do seu traje, costurado por sobre o hábito, pintado nas portas dos quartos, nas panelas, nos pratos, em toalhas etc. Sempre faziam uso dele também nas orações de cura e nos exorcismos.

Em 1215, quando Francisco se encontrava em Roma participando do IV Concílio de Latrão, no dia 11 de novembro, o papa Inocêncio III fez um solene discurso para os mais de 800 padres conciliares e os convidou a serem “campeões do Tau”, isto é, ser os vanguardas da onda de renovação e conversão da Igreja que Deus esperava. “Com muita probabilidade, escreve ainda D. Vorreux, Francisco se deixou sensibilizar por estas palavras do papa e pela mística deste símbolo, passando a adotá-lo.

Nos escritos do próprio Francisco não encontramos nenhuma referência direta a este sinal bíblico. Ou melhor dizendo, Francisco nunca faz referência com palavras a este sinal. No entanto, a restauração da capelinha de Santa Maria Madalena, em Fonte Colombo, lugar onde Francisco teria feito o primeiro esboço da Regra, sob as camadas sobrepostas de cal, pode-se ver claramente o sinal do Tau desenhado em vermelho no umbral da janela, provavelmente próxima ao local onde costumava se ajoelhar para suas prolongadas orações. Também no bilhete da bênção dado a Frei Leão, Francisco substitui sua assinatura pelo desenho de um Tau. São Boaventura nos informa que “o Tau era um sinal muito querido do santo. Recomendava-o muitas vezes, fazia-o sobre si mesmo antes de iniciar qualquer trabalho e o escrevia de próprio punho no final das cartas que ele enviava, como se quisesse pôr todo o seu empenho em imprimir esse Tau, segundo a palavra do profeta (Ez 9,4) sobre a fronte daqueles que gemem e choram seus pecados, de todos os verdadeiros convertidos a Cristo Jesus”.

Para concluir, poder-se-ia resumir a três as idéias mais importantes da mística do Tau para Francisco.

a) O Tau está associado à cruz. Mas, se por um lado pode ser visto como sinônimo, por outro pode receber uma significação mais abrangente, já que ele já era evocado muitos séculos antes de Jesus Cristo. Luciano Sangermano reconhece no Tau um símbolo religioso ecumênico e aberto ao diálogo inter-religioso. Não é impossível que o espírito de Francisco tenha intuído neste símbolo uma possibilidade de aproximação com as outras crenças religiosas, sobretudo o judaísmo, naquele tempo em aberto contraste com o cristianismo.

b) O Tau aparece na Bíblia sempre em contexto de busca de conversão e de luta por libertação do pecado, as injustas estruturas sócio-políticas de dominação, como expressão de que seja substituído por um regime de verdadeira solidariedade humana.

c) Por fim, o Tau para Francisco seria o símbolo de uma opção por uma radicalidade maior de vida onde o Evangelho se torna a regra máxima do viver. Ou dizendo de forma diferente: uma vida de seguimento real das pegadas de Nosso Senhor Jesus Cristo. Assumir o Tau quer significar estar comprometido com a proposta de Cristo. Caberia nos perguntar, então, se essa “onda” do Tau constatada atualmente na sociedade não é também portadora, ainda que de modo velado, de um acalentado sonho de “um outro mundo possível”, calcado na fraternidade e na paz como Francisco buscou construir com seus irmãos e irmãs? Se assim o é, quem pudera que estivesse presente em todos os lugares e de todas s formas. Mas, caso contrário, ao menos os franciscanos e franciscanas deveríamos ser os portadores desta utopia que, claramente, integra a mística de São Francisco.

sábado, 25 de agosto de 2007

O modo franciscano de fazer ecologia

Percebe-se que nos últimos tempos a sociedade, por várias razões, vem tendo uma maior preocupação com as questões ambientais, com a promoção da justiça, dos direitos humanos e da paz. E nós franciscanos, com toda certeza, podemos e devemos dar a nossa contribuição numa escala progressiva, ou seja, aumentar e qualificar ainda mais a nossa presença e atuação em defesa da vida. Faz parte do nosso carisma, temos como herança de São Francisco de Assis: o cuidado para com a vida, o respeito pelas criaturas e a fé na Trindade criadora. Pode-se dizer que é por intuição franciscana que a Igreja vem se aproximando cada vez mais da Ecologia e introduzindo-a na sua atividade pastoral.

A contribuição franciscana à ecologia despertou a sociedade, não só para a ecologia em si, mas para a sua transversalidade. A ecologia, no modo franciscano de ser, é uma ciência e uma causa universal que se relaciona com outras causas da humanidade como, por exemplo, os direitos humanos, a justiça social e a paz. A ecologia, com espírito franciscano, como a ciência e a arte das relações, deve estar presente em todas as áreas do conhecimento e da atividade humana. Este é o modo franciscano de fazer ecologia. A ecologia que relaciona o meio ambiente com o ser humano e todas as dimensões da vida humana e da sociedade. Ecologia tem a ver com a questão da paz, da saúde, da economia, da política. E tem tudo a ver com a religião. Hoje, pela gravidade da crise ecológica, ninguém pode se omitir em colaborar com a grande luta de todos que é a ecologia. Se ninguém deve ficar de fora da soma de esforços em defesa da vida no planeta, muito menos a religião, que deveria ser protagonista na luta ecológica. Porque além da preocupação com a crise, a religião tem a ver com ecologia pela fé no Criador e na Criação de Deus.

Podemos ter São Francisco de Assis como um verdadeiro exemplo de ser humano que soube respeitar e valorizar todas as criaturas. A justiça, a paz e a ecologia foram bandeiras erguidas por Francisco de Assis. Ele soube ser justo e promover a justiça, soube ser fraterno com os outros e se relacionar com as pessoas tendo a paz como um pressuposto. Foi amigo e irmão da natureza, como demonstra no Cântico das Criaturas, onde todos os seres são tratados como irmãos e irmãs. Para São Francisco as criaturas não tinham apenas um valor utilitário, mas um valor simbólico e sacramental, que lhes é inerente. No carisma franciscano está bem presente a dimensão do cuidado ético para que as gerações futuras não pereçam com a escassez causada pelo consumismo e pela degradação dos recursos naturais.

O franciscanismo defende um desenvolvimento sustentável alternativo que vai muito além do econômico, que procura promover uma qualidade de vida para todas as pessoas, sem explorar o meio ambiente, buscando de forma responsável os recursos de sustentação da vida humana. Um desenvolvimento que seja economicamente viável, político-socialmente justo e ecologicamente sustentável, levando em conta que o mundo não é só nosso, mas de todas as criaturas que hoje coabitam a Terra e das que virão no futuro. Mas, com certeza, não podemos ficar apenas no discurso, é preciso muita luta. Porque não são apenas as boas intenções que movem o mundo. As boas intenções valem mesmo quando elas se tornam presenças voluntárias e efetivas que somam força nas boas ações. Ter boa intenção é um bom começo, é o primeiro passo para ajudar a mudar o mundo. Mas quando uma boa intenção não fizer o passo seguinte, que é a prática, a boa ação, então, ela acaba indo para o começo do fim, no precipício. A ecologia nos exige o desafio de pensar e olhar de forma ampla, global e a longo prazo, mas requer um agir local e cotidiano.

Frei Pilato Pereira
freipilato@gmail.com

terça-feira, 21 de agosto de 2007

Oração pela paz

Senhor, fazei de mim um instrumento de vossa paz.
Onde houver ódio que eu leve o amor.
Onde houver ofensa que eu leve o perdão.
Onde houver discórdia que eu leve a união.
Onde houver dúvida que eu leve a fé.
Onde houver erro que eu leve a verdade.
Onde houver desespero que eu leve a esperança.
Onde houver tristeza que eu leve a alegria.
Onde houver trevas que eu leve a luz.
Ó Mestre, fazei que eu busque mais:
Consolar que ser consolado;
Compreender que ser compreendido;
Amar que ser amado.
Pois, é dando que se recebe;
Perdoando que se é perdoado;
E é morrendo que se vive para a vida eterna.

Esta oração atribuída a São Francisco é simples, bela, de espírito ecumênico e, por isso, rezada por muitas pessoas de outras religiões. Ela resume os ideais franciscanos e humanos e, ao mesmo tempo, representa uma resposta aos principais problemas da vida.

Nasceu na França no contexto da grande tensão mundial que precedeu a primeira grande guerra. Surgiu, na Normandia, num boletim paroquial com o título de oração da paz, embora depois tenha recebido outros nomes, como Oração Simples, Oração de São Francisco, etc.

Três aspectos são interessantes de observar:

1)A oração reconhece que Deus é a fonte da paz. Por isso pede para ser instrumento e não seu autor. Deus é a fonte da paz, porque quando alguém se encontra realmente com Ele passa certamente a viver segundo suas orientações e seus valores, abandonando os valores de outros ídolos. E Deus sempre pensa o bem para todos, pois todos são seus filhos e filhas, independente da religião, cultura, condição social, sexo etc. E uma vez que todos se sentem protegidos e contemplados nas suas necessidades e reconhecem que Deus quer vida digna para todos, então cessa automaticamente a discórdia, o ódio e a ofensa.

Essa convicção vai fazer com que todos despertem para fazer acontecer a transformação da realidade que nega essa condição para todos. Todos se sentirão instrumentos de paz, jogadores do time de Deus, operários de sua obra.

2)Em segundo lugar, essa oração é um grande convite a olhar a realidade para dar-se conta da existência do ódio, da ofensa, da discórdia, da dúvida, do erro, do desespero, da tristeza e da treva que existe nas relações humanas. Numa palavra, é um convite a sair de si, deixando de se preocupar quase exclusivamente com seus problemas, uma tendência que parece natural em nós. Ser humano é justamente preocupar-se com os outros. O egoísmo, em qualquer das suas expressões, diminui a grandeza de coração das pessoas.

Não se trata apenas de um ver estático. É um ver afetivo, envolvente. A oração, por isso, sempre repete em cada frase “que eu leve...”. É a súplica para superar a indiferença, para comprometer-se com a transformação.

3)Por fim, a oração, na sua última parte, conclui confirmando a lógica do viver: “é dando que se recebe, perdoando que se é perdoado, e é morrendo que se vive eternamente”.

Muitas pessoas demoram em dar-se conta deste princípio básico da vida, pois à primeira vista parece que ao dar se perde, ao perdoar se sofre um rebaixamento e ao morrer por uma grande causa (a paz) se desaparece para sempre. A oração tira o véu que encobre esta verdade e permite que sua luz ilumine os caminho de nossos pés.

Rezá-la com calma e deixar-se tomar pelo conteúdo de suas palavras é uma forma de educar o próprio coração para viver do jeito que Deus espera. Será desse modo de ser simples, altruísta, com foco no outro e não em si mesmo, assumido pela grande maioria do povo que a plantinha da paz terá condições de nascer, crescer e produzir frutos de alegria, regozijo, esperança e fraternidade.

sexta-feira, 17 de agosto de 2007

Capitalismo, pecado estrutural e a luta espiritual

Deu na Adital:
por Jung Mo Sung


Adital -
No artigo anterior, "Pecado estrutural e as boas intenções", vimos que na dinâmica social nem tudo depende de boas ou más intenções, na medida em que as estruturas sociais, econômicas, culturais e de outros tipos têm um papel significativo nos resultados das ações de indivíduos e de grupos sociais. Quando a Teologia da Libertação (TL) utiliza a noção de "pecado estrutural" para criticar o capitalismo está mostrando que as boas intenções não são suficientes para solucionar os graves problemas sociais e ecológicos que enfrentamos. É preciso modificar profundamente as estruturas do capitalismo; em outras palavras, é preciso construir uma sociedade alternativa ao capitalismo.
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Este espírito capitalista está "colonizando" as mentes e corações de quase todas as pessoas e povos do mundo. Até jovens chineses educados no comunismo ou asiáticos de tradições budistas têm como um dos seus desejos mais ardentes comprar carros novos e equipamentos eletrônicos, assim como fazem norte-americanos e europeus. Uma grande parte de experiências de fascinação e de sagrado que ocorre no mundo se dá hoje no âmbito do consumo. Podemos perceber a força disso também nas igrejas cristãs e em outras religiões: cristãos que escolhem a igreja de acordo com o seu "poder" para aumentar o padrão de consumo; ou então, padres, pastores e ministros religiosos mais preocupados com salários altos e consumo do que em servir a Deus e ao seu povo que sofre de mais diversas formas.
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Sem esta luta espiritual contra o espírito do capitalismo, não poderemos superar o pecado estrutural em que vivemos. A reconciliação com Deus e com a comunidade humana exige um novo espírito movendo a humanidade. Exige que criemos novos tipos de relações humanas e sociais e um novo sentido de vida que testemunhem a presença do Espírito entre nós. Por isso, a tarefa fundamental do cristianismo hoje é espiritual. Lutar pela vida dos mais pobres e, por isso, por uma sociedade alternativa ao capitalismo não é apenas um "compromisso social" ou uma articulação entre a "fé e política", mas é viver a "vida no Espírito" contra o espírito do "mundo".

Por tudo isso, eu penso que uma das tarefas e contribuições fundamentais do cristianismo hoje se dá no campo espiritual: no testemunho da experiência da graça no reconhecimento mútuo entre pessoas - independente do seu nível de consumo, da sua religião, etnia ou...-; e da vivência da "fé agindo na caridade" (Gal 5,6) - lutando por uma outra sociedade.

sábado, 4 de agosto de 2007

CEBs: Missão e Ecologia

Do Correio da Cidadania:

Por Roberto Malvezzi (Gogó),
coordenador da CPT


Essa nova temática – lema do intereclesial de 2009 - trás as comunidades cristãs de base para o coração dos novos desafios humanos e planetários. Esse horizonte terrível e inadiável vai trazer seiva nova para alimentar a luta de nossas comunidades. Assim elas reassumem seu papel profético, justamente quando a fé alienada e alienante voltou a ser hegemônica nas Igrejas, particularmente na liturgia.


Tive a graça de participar nesse final de semana do encontro das CEBs do Mato Grosso. Eram mais de mil, vindos dos vários pontos do estado. Como sempre celebram, refletem, assumem compromissos.


Saímos de Cuiabá para Sinop. Ao longo da BR 163, em torno da qual se dá o desmatamento do Mato Grosso, as pessoas me mostraram onde está o “divisor de águas” da bacia do Prata e da Amazônica. De resto, só a monocultura da soja, com seus caminhões atravessando as estradas, um deserto humano, sem gente, apenas algumas cidades e muitos silos da Bunge, Cargill e Amaggi. O agronegócio tem o que mostrar: silos, caminhões, dólares, um ambiente morto, sem gente, imensos desertos...


Sinop é o nome da cidade que nos acolheu, uma sigla, que significa Sociedade Industrial do Norte do Paraná. Portanto, quem destruiu a Mata Atlântica do Paraná no prazo de 30 anos, agora foi destruir a floresta amazônica do Mato Grosso. E não vai mesmo restar nada. Sinop é o exemplo. Baseada no corte da madeira, chegou a ter 280 cerrarias, agora tem apenas 28. Chegou a ter 35 mil pessoas empregadas no corte da madeira, agora tem apenas duas mil. Acabou a madeira, acabou a economia. Quando a soja fracassar, ficará para trás um deserto e um povo sem trabalho e sem rumo. Vamos apenas repetir o que aconteceu secularmente na história do Brasil, com a passagem das monoculturas, deixando atrás de si “cidades mortas”, como registrou Monteiro Lobato após a passagem do café pelo vale do Paraíba.


Assustados com a perspectiva do aquecimento global – falei da teoria de Lovelock - os presentes assumiram o compromisso da luta cotidiana, da reflexão ecológica, da catequese ecológica, das lutas concretas, de chamar suas Igrejas para a luta, de fazer a luta. Ali, o compromisso estadual foi lutar contra a redução de 50% do Pantanal, lutar contra a exclusão do Mato Grosso da Amazônia Legal – o agronegócio quer aumentar legalmente a área do desmatamento - e participar ativamente do plebiscito popular de setembro. A novidade é assumir, na perspectiva da fé, a luta ecológica pela preservação da vida e do próprio planeta.


A esperança anda curta, mas é o que resta. Meu amigo Henrique Cortez, jornalista do Ecodebate, um dia me escreveu um e-mail sem esperanças. Respondi: “concordo em 99% com você, mas dou 1% de chance à esperança, mesmo sem ver nada”. Ele respondeu: “também me dou 1% de chance, afinal, sou um cético esperançoso”.


Prossigamos. As comunidades cristãs vivas vão, sim, fazer sua parte para tentar evitar o armagedom no momento assombroso que se avizinha. Temos 1%.

sexta-feira, 27 de julho de 2007

Uma Igreja animada pelos leigos

Jaime Carlos Patias, imc
Mestre em Comunicação e diretor da revista Missões. Co-autor do livro Comunicação e Sociedade do Espetáculo. Paulus 2006

Adital -
"Vimos que não dá para ser discípulo sem ser missionário."

Com a finalidade de acompanhar a V Conferência do Episcopado Latino-Americano e do Caribe, realizada em Aparecida, de 13 a 31 de maio, a Conferência dos Religiosos do Brasil - CRB, Regional São Paulo, organizou a Tenda da Vida Consagrada no subsolo do Santuário de Aparecida, próxima à sala da V Conferência. Orações, Leitura Orante da Bíblia, reflexões e partilha dos carismas fizeram parte da programação. No dia 24 de maio, dom Antônio Possamai, SDB, bispo de Ji-Paraná, cidade a 270 quilômetros de Porto Velho, Rondônia, visitou a Tenda e concedeu uma entrevista à revista Missões. Natural de Ascurra, Santa Catarina, depois de 24 anos à frente da diocese, atuando na defesa dos sem-terra, dos direitos humanos, dos índios e do meio ambiente, dom Antônio, 78, por motivo de idade, no dia 24 de junho entregou o comando da diocese a dom Bruno Pedron, transferido de Jardim, Mato Grosso do Sul.

Dom Antônio, o senhor participou como delegado na Conferência de Santo Domingo (1992) e este ano em Aparecida. Que comparações poderia fazer?

A preparação, em ambas, foi levada muito a sério, mas esta de Aparecida teve maior participação. Em Santo Domingo, não houve tanto envolvimento das bases como agora. Desta vez, estabeleceu-se um clima de oração com subsídios para a formação, e grupos de reflexão para a liturgia e pregações dominicais. Antes de Aparecida, a gente se reuniu em Brasília e a 45ª Assembléia da CNBB em Itaici, (de 1 a 9 de maio de 2007) desenvolveu-se em torno do tema da V Conferência. Posso dizer que Santo Domingo foi uma Conferência muito tensa. Sentíamos muita pressão de certos grupos e de alguns representantes da Cúria romana. Com a Presidência do secretariado da Conferência, não havia muito campo de diálogo e certos assuntos não progrediam. No final, saiu um Documento que não caiu no gosto do povo. Tanto é que hoje, citamos muito mais Medellín (1968) e Puebla (1979) do que Santo Domingo. Isso porque a Conferência não aceitou o método tradicional de trabalhar na América Latina, uma herança da Ação Católica: "ver, julgar e agir". O conteúdo foi bom, mas nós não estávamos acostumados a trabalhar sem esse método. Em Aparecida o retomamos e fomos construindo o Documento em comissões, leituras individuais, contribuições e correções em várias redações. A grande marca dessa Conferência foi o tema central "Discípulos e missionários". A palavra discípulo foi estudada em profundidade. Vimos que não dá para ser discípulo sem ser missionário.

Leia na íntegra em: http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=28730

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