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sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Doce é Sentir (Irmão Sol, Irmã Lua) - Ziza Fernandes

A religião e as eleições: um debate medieval

Entrevista com Moisés Sbardelotto
“Parece-me que a religião que brota no meio do debate político é apenas uma faceta, talvez a mais negativa, do âmbito religioso”, afirma o jornalista Moisés Sbardelotto em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line. “A discussão religiosa que se manifestou no debate político mostrou ser extremamente reacionária e conservadora, apelando para aspectos quase medievais de um debate que, de fundo, é do âmbito científico, bioético”, acrescenta.

Com experiência na área da Comunicação, Moisés atua principalmente nos temas de midiatização, religião, cibercultura e internet. Em sua entrevista o jornalista fala sobre a dimensão da religião no debate político neste segundo turno, descreve a relação entre as igrejas, a mídia e as eleições, além de refletir sobre a força da mídia em formar opiniões e/ou decidir votos.

Moisés Sbardelotto é mestrando em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos, na linha de pesquisa Midiatização e Processos Sociais. Possui graduação em Comunicação Social - Jornalismo pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS, 2006). Atualmente, é coordenador adjunto do Escritório da Fundação Ética Mundial no Brasil, com sede no Instituto Humanitas Unisinos - IHU, em São Leopoldo.

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Como você vê a dimensão que a religião está tomando nesse debate para o segundo turno?

Moisés Sbardelotto -
Por um lado, considero importante que a religião tenha entrado mais fortemente no debate político. Em uma democracia, especialmente em um período de discussão nacional como o processo eleitoral, é relevante que os diversos setores e atores sociais tenham espaço para propor suas ideias e suas pautas próprias. Mas não acredito que essa tenha sido a "pauta definidora" do segundo turno. As últimas pesquisas revelam que os eleitores "religiosos" (cristãos evangélicos) votaram em Dilma Rousseff no primeiro turno, na grande maioria do país. Portanto, a religião é relevante, mas não definidora. Ao lado da religião, considero que a questão ambiental também foi um salto positivo e direcionador no debate de 2010.

Porém, por outro lado, pode-se questionar: de que religião estamos falando ao discorrer sobre religião? Pelo que pude observar, estamos falando apenas de setores específicos das Igrejas cristãs, especialmente das evangélicas, neopentecostais e católica. A pauta das religiões de matriz africana, por exemplo, foi debatida ou ao menos ouvida? Por enquanto, não se tem notícia de quais sejam as suas reivindicações ou opiniões a respeito das propostas de governo – mas, obviamente, elas existem.

Isso está ligado, além disso, a um processo comunicacional atual, que é o fenômeno da midiatização. O social passa a ser permeado por práticas comunicacionais. Prova disso é a construção e reconstrução das discussões políticas por meio de dispositivos comunicacionais, assim como a inserção de novos atores, como a religião, o que também ocorre via mídias. Cada vez mais, o que está menos evidente nesse processo midiatizado (como o exemplo citado das religiões de matriz africanas, dentre inúmeros outros) perde relevância e interesse. Assim, nas configurações da sociedade atual, não basta que os sujeitos e grupos conquistem seu reconhecimento político, transformando-se em atores sociais: é necessário que eles conquistem, em um processo complexo, o seu reconhecimento sócio-midiático, transformando-se, assim, também em atores públicos. A religião, no momento atual, parece ter conseguido ambas as coisas.

Além disso, a religião entrou em pauta mais fortemente depois do supostamente inesperado segundo turno. Aí ficaram marcados dois projetos de governo também aparentemente opostos, que se colocam em confronto. Com uma crescente midiatização do sistema político, mas também religioso, colocou-se em cena, junto com a concorrência política, uma disputa mais de fundo, de mercado religioso. Assim, uma polarização que parecia ser apenas política transforma-se, também, em uma polarização no âmbito da religião, entre interesses religiosos – mas claramente mercadológicos – de Igrejas que tentam marcar essa diferença justamente apelando para pontos críticos, extremos.

Mas cabe ainda retomar a pergunta inicial: de que religião estamos falando? Parece-me que a religião que brota no meio do debate político é apenas uma faceta – talvez a mais negativa – do âmbito religioso. A discussão religiosa que se manifestou no debate político mostrou ser extremamente reacionária e conservadora, apelando para aspectos quase medievais de um debate que, de fundo, é do âmbito científico, bioético. A religião acabou se destacando como a “porta dos desesperados” políticos, um último recurso – e totalmente desvirtuado – para a vitória política. As demais religiões que não a cristã, e os demais aspectos religiosos – e seriam inúmeros para serem citados – acabaram se perdendo no mar raso das expectativas mais imediatas de alguns setores político-religiosos.

IHU On-Line - Como você descreve a relação entre as igrejas, a mídia e as eleições no atual cenário eleitoral?

Moisés Sbardelotto - Parece-me que há uma confluência de fatores vários e complexos. Em primeiro lugar, chama a atenção, como dizíamos, essa conquista de um papel social e público por parte de algumas Igrejas. E isso se dá no âmbito religioso, político e também mercadológico. São Igrejas que possuem grande quantidade de fiéis, com uma considerável bancada política, eleita especialmente para o Congresso e o Senado, e que administram grandes complexos comunicacionais, que também adquiriram certa relevância na disputa de mercado midiático. Assim, as Igrejas conseguiram propor sua agenda como moeda de troca social.

A Igreja Católica, por exemplo, apesar de internamente sair dividida do processo eleitoral, especialmente a partir de todo o debate envolvendo a questão do aborto e dos panfletos supostamente impressos pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) – o que foi oficialmente desmentido –, reconquista um papel central no debate político. Exemplo disso é o primeiro debate promovido em rede nacional pelas emissoras católicas, com a presença dos quatro candidatos principais do primeiro turno, e transmitido – mesmo que com relativo amadorismo – por grandes redes de comunicação, como a TV Canção Nova, a Rede Aparecida e a Rede Vida, envolvendo simultaneamente TV, rádio e Internet.

Além disso, os grupos religiosos participantes no atual cenário eleitoral têm uma relação estreita com as mídias – o que reforça a tese de um processo de midiatização do social. São cristãos evangélicos e neopentecostais, e católicos de uma ala mais conservadora e "papista" da Igreja (como o padre da Canção Nova que afirmou que não votaria no PT porque o partido seria favorável ao aborto e ao casamento homossexual. Ele disse ainda, por exemplo, que nunca iria celebrar casamento de homossexual "porque a Igreja não quer, e Bento XVI também não quer, e eu estou com Bento XVI, estou com a Igreja"). Ao mesmo tempo, midiaticamente, são grupos relativamente avançados, pois captaram os ritmos, os processos e as linguagens das mídias, convergindo-os para o âmbito religioso. A diferença entre evangélicos e católicos – como se vê no exemplo citado – é que os primeiros também aceitaram se adaptar a esses ritmos, processos e linguagens das mídias, o que os segundos consideram como uma deturpação de sua missão. Porém, o que estes não percebem é que, conforme McLuhan, o que está em jogo não é tanto o conteúdo, mas sim a matriz por meio da qual se dá a produção simbólica, as relações, interações e inter-relações entre os diversos atores que participam dessa cultura e dessa ambiência midiatizada. E, por estarem nas mídias, acabam assumindo essa cultura, mesmo que irrefletidamente.

Como pano de fundo, temos ainda uma questão relacionada ao padrão jornalístico brasileiro, fundamentalmente importado dos Estados Unidos. Diferentemente de outros modelos, como o europeu ou o asiático, o jornalismo norte-americano é moldado por polarizações entre democratas e republicanos, brancos e negros, Sul e Norte, Leste e Oeste, nativos e imigrantes. Então, se o que está em jogo é a matriz da produção simbólica, seria revelador analisar esse aspecto do religioso a partir dos protocolos do padrão jornalístico brasileiro (especialmente da Rede Globo de Televisão, famoso por ter sido implantado em conjunto com a Time-Life norte-americana no período da ditadura).

A título de hipótese, se poderia dizer que esse padrão de jornalismo, portanto, lida muito melhor com opostos, resumindo a complexidade social em A e B. Mas, em nível de Brasil, com uma estrutura social muito mais ampla, complexa e fluida, o social transborda e escapa às mídias. Isso, sem dúvida, restringe muito o debate político mais amplo, focando-se em questões limitadas, passíveis de polarização e polêmica.

IHU On-Line - A mídia, tanto tradicional quanto alternativa, tem poder sobre a formação de opinião ou decisão de voto?

Moisés Sbardelotto -  Ao longo das últimas décadas, a teoria comunicacional já superou em vários pontos uma perspectiva que ficou conhecida como a teoria da "agulha hipodérmica", ou seja, aquela ação eficaz e efetiva da mídia – como uma agulha, justamente – sobre alguma população dada. Se isso fazia algum sentido no início do século XX, hoje está bastante longe do que acontece na vida social. As mídias atuais são de outra ordem, especialmente porque "convergem" e se constroem conjuntamente, configurando-se como interfaces ou superfícies multimidiáticas, nas palavras de Antonio Fausto Neto. Por outro lado, o indivíduo não se informa hoje apenas pelo rádio, como na década de 1930, mas sim por um somatório de dispositivos, envolvendo rádio, TV, Internet (e seus vários ambientes), mídias impressas, móveis etc. E, ainda e principalmente, por meio de suas relações interpessoais – midiatizadas ou não.

Nesse sentido, hoje, a reconstrução por parte da sociedade daquilo que é ofertado pelas mídias é um processo complexo. Além da produção (por parte das mídias) e da recepção (por parte da sociedade), há ainda um sistema de resposta social, segundo José Luiz Braga, ou seja, aquilo que a sociedade faz com o que é ofertado pelas mídias, a crítica social que, por diversas formas, é devolvida às mídias, dando continuidade a um processo circulatório da comunicação. Assim, especialmente por dispositivos como as redes sociais como o Twitter, a oferta midiática – por exemplo, em temas eleitorais – dificilmente irá alcançar um suposto "efeito desejado". A ressignificação feita pela sociedade escapa aos interesses e às esperanças midiáticas e eleitoreiras.

Como aponta Manovich, todas as experiências culturais, no fundo, podem ser definidas como uma forma de interação. No caso midiático, essa interação se dá em uma infinidade de possibilidades, especialmente com uma configuração midiática de redes de redes interconectadas. A produção simbólica ocorre por meio de uma hipernarrativa, ainda segundo Manovich, pois o sujeito, especialmente na Internet, constrói sentido a partir de uma oferta da produção, mas as trajetórias possíveis de leitura são múltiplas. A complexidade comunicacional é justamente o "caos" de escolhas particulares feitas dentro de hipernarrativas, que, em nível macro, dão origem à "pauta do dia".

Por isso, parece-me que o fator-surpresa é um elemento que deveria estar sempre presente em uma análise midiática de qualquer fenômeno, especialmente hoje, em ambientes digitais fluidos e autopoiéticos dos mais variados. Poderíamos dizer que existem, em suma, dois fenômenos midiáticos claros hoje (sem dúvida, entre eles, haveria um espectro imenso de nuances, já que estamos falando de um processo fluido – rizomático – como a comunicação midiática): 1) a produção de um acontecimento midiático, em que um elemento do social, algo que nasce na e da sociedade, é apropriado pelas mídias, que o ressignificam e o redimensionam, ofertando-o à sociedade; esta, por sua vez, reconstrói esse acontecimento e realimenta o processo circulatório (como, por exemplo, o caso Isabella, o caso Erenice, etc.).

E, por outro lado, 2) a midiatização do social, em que um fenômeno já nasce por causa e por meio das mídias e assim circula pela sociedade. Ou seja, algo que, sem a existência das mídias, não existiria. Talvez o debate em torno do aborto e da religião tenha nascido assim, sem uma origem única e definida em um fato concreto, mas sim por meio das interações em redes sociais, correntes de e-mail, da circulação comunicacional. Por isso, por parte dos envolvidos, é necessária uma atenção constante e respostas rápidas.

Justamente nesse sentido talvez se poderia fazer uma analogia da comunicação hoje – e também do processo político-midiático – com um incêndio florestal, apesar ou não do caráter de desastre da comparação. Algo dá origem a ele, alguma faísca dá início ao fogo, mas é quase impossível prever que rumo ou que consequências terá o desastre – a não ser que se aja rápida e eficazmente. A comunicação atual, marcada por mídias de grande participação social, sincronizada e ubíqua, é um fluxo sem barreiras, que poderá se dispersar e se configurar em um infinito de possibilidades, em que a construção simbólica ocorrerá ao sabor das interações que se dão nesse processo.

Além disso, as relações entre o midiático e o político, embora cada vez mais intensas, não são de total completude e acoplamento. Há elementos do midiático que escapam ao político, e há elementos do político que escapam ao midiático. Por exemplo, o Twitter é um ambiente que reconstrói constantemente o político (dentre outros), e este, por sua vez, não tem qualquer possibilidade de "controle", nem mesmo de "influência" ou de redirecionamento das ideias ali defendidas ou criticadas. Pelo contrário, todas as tentativas nesse sentido geralmente produzem efeitos contrários e bastante inesperados (basta lembrar certas campanhas publicitárias via Twitter, em que a marca sai com uma imagem muito mais negativa do que entrou).

E, por outro lado, há instâncias da vida política – como o planejamento e as negociações intrapartidárias, os anseios mais imediatos da população e suas reivindicações, os jogos de poder internos ao sistema político etc. – em que as mídias não exercem nenhum tipo considerável de "influência". É nessas zonas escuras e insondáveis que – para o desespero de marqueteiros e assessores – grande parte do jogo político-midiático se define.

Para ler mais:

Extraído de http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=37547 acesso em 22 out. 2010.

Foto: Diferentes clases de alabardas y armas similares en Suiza / Rama. 2005. Disponível em http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Hallebardes-p1000544.jpg acesso em 22 out. 2010.

“Para dentro e para fora da Ordem”

Sua vida tem duas vertentes bem diferenciadas e, ao mesmo tempo, complementares: para dentro e para fora da Ordem. Para dentro, foi homem de governo, desempenhando o ofício de guardião, mestre de noviços, definidor provincial e ministro provincial; e reformador da vida franciscana em seus aspectos fundamentais. Para fora, foi homem de conselho e de discernimento, acompanhando espiritualmente homens e mulheres que, sabedores de sua santidade e vida espiritual, a ele recorriam: Carlos V, que o chamou a Yuste para falar de sua alma; reis e infantes de Portugal; condes de Oropesa; Rodrigo de Chaves, a quem dedicou seu Tratado da oração e meditação; Santa Teresa de Ávila e São Francisco Borja.

Frei Pedro viveu um momento histórico, um tempo marcado por intensa inquietude espiritual e grande desejo de renovação de vida. Tempo, como diz um cronista da época, "em que todo o mundo queria entrar no paraíso". Eram tempos carregados de intensa vida eclesial: celebração de dois Concílios ecumênicos: o Latrão V e o de Trento; três anos santos: o de 1500, com Alexandre VI, o de 1525, com Clemente VII, e o de 1550, com Júlio III; nascimento de numerosas Ordens religiosas: mínimos, barnabitas, teatinos, jesuítas, irmãos de São João de Deus, ursulinas. Tempos de grandes iniciativas missionárias, particularmente na América por obra dos mendicantes, e na Ásia, pelos jesuítas. Eram tempos também de grandes reformas ao interno da Igreja, particularmente a reforma teresiana, e de muitas outras reformas contra a Igreja: a de Martinho Lutero, na Alemanha; a de Henrique VIII, na Inglaterra e Irlanda; a de Calvino, na Escócia; a da igreja nacional na Holanda.

A Ordem dos Frades Menores participou plenamente dessas ânsias de profunda renovação e de dinamismo missionário: início da reforma capuchinha; fortaleceu-se o trabalho missionário da Ordem no Novo Mundo, iniciado pelos chamados "XII Apóstolos", que saíram para o México em 1523, renovou-se e cresceu com a chegada de mais 150 missionários; na Espanha consolidou-se a reforma dos descalços, iniciada por Frei Juan de Puebla e Frei Juan de Guadalupe e estruturada definitivamente por Frei Pedro de Alcântara com suas Ordenações. Uma reforma que logo se estendeu pela Espanha inteira, Portugal, Brasil, México e Filipinas e que tinha como motor a "estreitíssima observância" da Regra Bulada de São Francisco, lida à luz do Testamento, sem glosas nem comentários acomodatícios.

Como Provincial, Frei Pedro entregou-se aos ofícios humildes, dedicou-se com carinho aos irmãos leigos. Cuidou dos doentes e adotou como lema de sua vida o pensamento de São Pascoal Bailón: “É preciso ter para com Deus um coração de menino, para com o próximo um coração de mãe, e para consigo mesmo um coração de juiz.”

A espiritualidade de São Pedro de Alcântara era de uma profundidade tão grande, que sem interromper a contemplação dedicava-se aos seus deveres de estado. Acima de todos os êxtases ele colocava as obras de misericórdias, o servir Cristo na pessoa dos pobres. Frei Pedro escreveu o "Tratado da Oração e Meditação".

Frei Pedro foi testemunha privilegiada de todos esses acontecimentos e participou ativamente em muitos deles. Apesar de seu gosto pela solidão e pela oração, não se recusou aos pedidos de conselho e orientação que pequenos e grandes, nobres e plebeus, santos e pecadores lhe faziam para se sentirem seguros nos caminhos da santidade.

São Pedro, consciente de que no seguimento de Cristo nunca se pode dizer que se tenha alcançado a meta e que sempre se pode bater o próprio recorde, se lançou atrás da mais alta santidade, sem olhar o preço que isso lhe pudesse custar, atraindo a si os que, como ele, se sentiam inquietos e desejosos de alcançar a perfeição. No momento em que muitos de seus conterrâneos se lançavam à descoberta e conquista de novos mundos e glórias humanas, Frei Pedro de Alcântara, como um dia fizeram Paulo de Tarso e Francisco de Assis, deixou tudo para ganhar Cristo e viver nele (cf. Fl 3,8).

Sua memória histórica continua viva por onde passou: El Palancar (Cáceres), lugar despojado, rico de solidão e recolhimento, pedra angular de sua reforma, modelo e referência de todas as outras fundações. Frei Pedro, que considerava a alegria espiritual "remo sem o qual não se pode navegar", começou aqui a última etapa de sua vida; Arrábida, em Portugal, experiência de vida penitente e contemplativa, na qual o importante era manter vivo o "espírito de oração e devoção" com gestos concretos, com a busca intensa da presença de Deus, com "a mente e o coração voltados para o Senhor" (Rnb 22,19); Solitudine, em Piedimonte Matese (Itália), lugar de rigoroso silêncio, de intensa oração e penitência; Arenas de San Pedro (Ávila), com suas ermidas e capelas para recolhimento e solidão orante, onde repousam os restos mortais deste homem que, apesar de sua "áspera penitência - no dizer de Santa Teresa era muito afável... e de privilegiada inteligência".

Frei Giacomo Bini, então Ministro Geral da OFM, em outubro de 1999, por ocasião do V Centenário de Nascimento de São Pedro de Alcântara.

Extraído de http://www.franciscanos.org.br/v3/carisma/especiais/2009/saopedrodealcantara/01.php acesso em 19 out. 2010.
Ilustração: Estatua de San Pedro de Alcantara realizada por de Enrique Pérez Comendador localizada a las puertas de la Iglesia Concatedral de Santa María en la ciudad de Cáceres / foto de José Porras. 2008. Disponível em http://commons.wikimedia.org/wiki/File:SanPedrodeAlcantara.JPG acesso em 19 out. 2010.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

FIDELIDADE












FIDELIDADE

Fidelidade é a verdade divina confirmada...
pelas almas humanas que o amam acima de todas as coisas...
Quem a vive experimenta a liberdade que nos sustenta...
porque não vive para si,
mas para Aquele que tudo criou...
por um ato deliberado do Seu Amor...

Fidelidade é nunca dizer não a Deus...
mesmo diante dos acontecimentos adversos...
Porque Ele que fez o universo,
sabe perfeitamente conduzir seus filhos à Si...
Uma vez que somente devir é que permanece...

Fidelidade é dom de amor...
que o Senhor nos confiou...
para aqui nos atermos seguros...
Livres das tentações...
e de todas as ciladas...
do inimigo de nossas almas...
que se esconde por trás de todo pecado...

Fidelidade é graça infinda...
Que nos une à santidade divina...
Fazendo-nos viver no tempo que nos foi dado...
a presença de Deus, Pai amado...
como herança do Reino dos Céus...
Glória eterna de todos os fiéis...

Uma alma fiel vive em estado de graça permanente...
é uma fortaleza inabalável, segura, cheia de ternura...
Porque goza do favor do Senhor...
Tudo o que faz, leva sempre em conta a fidelidade...
Que a livra da maldade e de todos os tropeços...
Uma alma fiel não tem preço...
porque já foi comprada pelo Sangue Redentor...

Quem é fiel sabe disso...
porque encontra na fidelidade...
tudo o que a bondade divina lhe dispõe...
Por isso, não se apega a nada e a ninguém...
fora da Vontade do Senhor...
Porque tudo o que vive é fruto do amor...
Que a fidelidade mantém...

Paz e Bem!

Frei Fernando,OFMConv.


São Pedro de Alcântara: dados biográficos

Frei Pedro nasceu em Alcântara (Cáceres, Espanha) em 1499, portanto, neste ano estamos comemorando 410 anos de seu nascimento. Filho de Alonso Garabito e de Maria Vilela, recebeu no batismo o nome de Juan de Sanabria. Depois de três anos de estudos em Salamanca (1511-1515), entrou na Ordem Franciscana, na Custódia do Santo Evangelho (1516), que mais tarde, em 1520, se converteria em Província de São Gabriel. Em Majarretes (Badajoz), lugar de seu noviciado, nasceu um novo homem: Juan de Sanabria se transformou em Pedro de Alcântara.

Pouco depois, em 1519, um pouco antes de ser ordenado sacerdote, foi enviado como superior para fundar o Convento de Badajoz. Completados os estudos de filosofia, teologia, direito canônico, moral e homilética, conforme as determinações da época, foi ordenado sacerdote em 1524. Tornou-se superior em Robledillo, depois em Placencia e novamente em Badajoz, até que em 1532 obteve permissão para recolher-se a uma vida mais contemplativa no convento de Santo Onofre da Lapa. Em 1538 foi eleito Ministro Provincial da Província de São Gabriel.

Durante o período em que foi ministro provincial redigiu para seus religiosos estatutos muito severos, aprovados no Capítulo de Placencia, em 1540. Mas o começo de sua reforma teve lugar em 1544 quando, com o consentimento de Julio III, retirou-se para a pequena igreja de Santa Cruz de Cebollas, próximo de Coira. Em 1555 construiu o célebre convento de Pedroso, seguido de outros. A partir deste momento, a reforma prosperou amplamente e, em 8 de maio de 1559, obteve a aprovação de Paulo IV, que permitiu sua difusão também no exterior.

Pedro de Alcântara, com sua reforma, queria trazer de volta a Ordem Franciscana à genuína observância da Regra. Mediante a suma pobreza, a rígida penitência e um sublime espírito de oração alcançou os mais altos graus de contemplação e pode atrair numerosos franciscanos por aquele caminho de reforma que se propunha fazer reviver em seu século o franciscanismo dos primeiros tempos.

Foi confessor e diretor espiritual de Santa Teresa de Ávila e ajudou na reforma da Ordem Carmelita. Santa Teresa escreveu sobre ele: “Modelo de virtudes era Frei Pedro de Alcântara! O mundo de hoje já não é capaz de uma tal perfeição. Este homem santo é de nosso tempo, mas seu fervor é forte como de outros tempos. Tem o mundo a seus pés. Que valor deu o Senhor a este santo para fazer durante 47 anos tão rígida penitência!”.

Depois de uma grande atividade eremítica e apostólica, morreu em Arenas de San Pedro (Ávila), no dia 18 de outubro de 1562, aos 63 anos. Em 1622 foi beatificado por Gregório XV e, em 1669, foi canonizado por Clemente IX. Em 1826 foi declarado Padroeiro do Brasil.

Extraído de http://www.franciscanos.org.br/v3/carisma/especiais/2009/saopedrodealcantara/ acesso em 19 out. 2010.

São Francisco das Chagas, Canindé, CE


domingo, 17 de outubro de 2010

Teologia da Libertação: Um discurso que dá razão à esperança

Entrevista especial com Olle Kristenson

“Enquanto houver pobres, uma teologia que parte da opção preferencial pelos pobres é válida e necessária em um continente como a América Latina”. A análise é do teólogo sueco e luterano Olle Kristenson, em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line
 
Sua tese de doutorado em Teologia teve como tema a Teologia da Libertação de Gustvao Gutierrez. Em 2012, celebrar-se-ão os 40 anos do lançamento da importante obra teológica.
 
Kristenson explica que o fundamento da percepção da esperança de Gutiérrez “vem de sua convicção de que a vida é sagrada”.
 
E continua: “Baseada na fé da ressurreição, surge sua convicção de que é a vida e não a morte que tem a última palavra na história. Isto foi o que lhe motivou como ‘pastor na sombra da violência’ dar razão à esperança em uma situação de violência e muita incerteza”.
 
Olle Kristenson é doutor em Teologia pelo Departamento de Teologia da Uppsala University (Suíça). É teólogo e pastor da Igreja Luterana na Suécia. Sua tese de doutorado, intitulada Pastor in the Shadow of Violence. Gustavo Gutiérrez as a Public Pastoral in Peru in 1980 and 1990, foi publicada em 2009 pela Editora da Uppsala University.
 
Confira a entrevista. 
 
IHU On-Line - Depois de 40 anos do livro de Gustavo Gutiérrez (Teologia da Libertação. Perspectivas), o que mudou na Igreja e na Teologia da Libertação? Quais foram os principais avanços e limites? 
 
Olle Kristenson - Penso que seu principal avanço seja seu enfoque na opção preferencial pelos pobres. Com a aprovação em Puebla, em 1979, isso passou a ser parte da doutrina da Igreja universal e não somente da Igreja Católica. O limite é que a primeira geração de teólogos da libertação não é mais jovem e parece que é difícil encontrar espaço para novas gerações. Felizmente, há força em teólogos como Gutiérrez e Jon Sobrino.
 
IHU On-Line - Quais são as principais ideias que o senhor defende no livro Pastor in the Shadow of Violence. Gustavo Gutiérrez as a Public Pastoral in Peru in 1980 and 1990?
 
 Olle Kristenson - Eu descrevo Gutiérrez como um pastor que se dirigiu ao público peruano através do jornal La República em momentos críticos do Peru contemporâneo e por isso o chamo “pastor da nação”. O jornal se converteu em um púlpito figurativo para ele. Desde então, fez seu discurso pastoral para dar razão à esperança em uma situação muito difícil. Vejo este discurso teológico pastoral como uma síntese de três discursos que identifico em seus textos, os discursos políticos radical e liberal e o discurso teológico católico. Os dois discursos políticos lhe ajudam a desenhar o contexto onde o discurso radical analisa a situação injusta da sociedade peruana que aprofunda a pobreza. O discurso liberal fala de democracia, paz e direitos humanos, mas o discurso radical sempre condiciona o discurso liberal: sem justiça não haverá paz. O discurso teológico católico funciona como referência para a ação pastoral. Desta forma, os discursos correspondem aos diferentes níveis no modelo ver (os discursos políticos radical e liberal) – julgar (o discurso teológico católico) – agir.  
 
IHU On-Line - Quais são as principais características da pregação de Gutiérrez? 
 
Olle Kristenson - Seu discurso é, sobretudo, um discurso para dar razão à esperança. Este discurso se encontra tanto em seus artigos e ensaios teológicos em relação à conjuntura, como em suas reflexões teológicas e homilias em relação ao ano litúrgico. Utilizo quatro níveis em minha análise para mostrar que Gutiérrez guia, conforta, exorta e anima seus leitores e seus ouvintes. 
 
IHU On-Line - Que relação pode ser estabelecida entre a teologia da libertação e os direitos humanos? 
 
Olle Kristenson – Esta é uma pergunta interessante e importante. Respondo-a partindo de minha leitura de Gutiérrez. Esta foi a entrada para minha pesquisa sobre sua teologia. Ia entrar em sua teologia justamente através deste tema e a partir de sua leitura de Bartolomeu de Las Casas. Em minha interpretação, a grande obra de Gutiérrez sobre Las Casas, En Busca de los Pobres de Jesucristo (1992), é uma análise que tem um enfoque na teologia de Las Casas como uma teologia que parte do direito à vida e do direito à liberdade dos índios. O direito à vida dos índios é visto desde sua morte precoce e injusta; “os índios morrem antes do tempo”, para parafrasear Las Casas. E o direito à liberdade é visto em relação a se converter livremente à fé cristã ou negá-la. “Se produz, então, em Las Casas, uma aproximação que dará lugar a um enfoque que poderíamos denominar metodológico.” (GUTIÉRREZ, G. em En Busca de los Pobres de Jesucristo, p. 101-102). Para Gutiérrez, a perspectiva de Las Casas é válida em nossos tempos. Por isso, os direitos humanos podem ser somados justamente nestes dois direitos, o direito à vida e o direito à liberdade, com um enfoque na situação dos pobres. Lendo os textos de Gutiérrez, é evidente que não se podem negar estes dois direitos.  
 
IHU On-Line - Qual é a atualidade da teologia da libertação na realidade latino-americana hoje? 
 
Olle Kristenson - Eu diria, como Gutiérrez, que, enquanto houver pobres, uma teologia que parte da opção preferencial pelos pobres é válida e necessária em um continente como a América Latina. 
 
IHU On-Line - Como entender a hermenêutica da esperança em Gutiérrez?
 
 Olle Kristenson - Sem dúvida o tema da esperança é central nos textos que analiso e em toda sua reflexão teológica: “Dar razão da sua esperança é parte essencial do testemunho cristão. Nesse âmbito se situa a teologia; ela é sempre uma interpretação dos motivos que temos para esperar.” (GUTIÉRREZ, G., em um texto de 2003). A um texto de 2001 ele dá o título Esperança e Vigilância que sublinha que a esperança não é somente algo que nos vem; é preciso também vigiar para que ela se concretize. Em última instância, o fundamento de sua percepção da esperança vem de sua convicção de que a vida é sagrada. Baseada na fé da ressurreição, surge sua convicção de que é a vida e não a morte que tem a última palavra na história. Isto foi o que lhe motivou como “pastor na sombra da violência” dar razão à esperança em uma situação de violência e muita incerteza.
 
IHU On-Line - Em 2012 acontece no Brasil o Congresso Continental de Teologia. O que seria importante discutir neste encontro? 
 
Olle Kristenson - Quando eu soube deste congresso fiquei bastante feliz. Penso que é preciso retomar muitas ideias da Teologia da Libertação desde seu início, mas também se abrir aos novos desafios e aos novos temas. Parece-me necessário abrir um espaço onde as diferentes gerações de teólogos da libertação se encontrem e discutam. É preciso enfocar o tema dos pobres e analisar quais são “os rostos dos pobres” para retomar o que se disse em Puebla e Santo Domingo a respeito disso. 
 
IHU On-Line - Em que direção o senhor vê que caminha a Igreja do século XXI, 50 anos depois do Concílio Vaticano II?  
 
Olle Kristenson - Com preocupação, vejo que há grupos de tendências pré-conciliares que, todavia, têm influência. Mas também há grupos que continuam avançando em sua reflexão depois do Concílio. Por isso, me parece importante comemorar esses 50 anos com uma reflexão crítica. A forma como o episcopado latino-americano tem trabalhado o Concílio em suas conferências gerais em Medellín, Puebla, Santo Domingo e recentemente em Aparecida, com seus avanços e retrocessos, de todas as maneiras, é um sinal de que a Igreja latino-americana continua sendo relevante em seu contexto. Eu gostaria que se abrisse um pouco mais para as igrejas não católicas. Temos muitos desafios que podemos enfrentar melhor se caminharmos juntos como crentes.
 
Para ler mais:

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