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domingo, 29 de abril de 2012

A paciência


A paciência


A paciência, diz o apóstolo, vos é necessária para que, fazendo a vontade de Deus, alcancemos o que ele nos tem prometido. Sim, nos diz Jesus Cristo possuireis vossas almas pela paciência.

O maior bem de todos nós, seres humanos, consiste, em possuirmos nosso coração e quanto mais o possuirmos tanto mais perfeita será a nossa paciência: cumpre, portanto, aperfeiçoarmos nesta virtude. Lembremos também que, tendo Nosso Senhor nos alcançado todas as graças da salvação, pela paciência de sua vida e de sua morte, nós também no-las devemos aplicar por uma paciência constante e inalterável nas aflições, nas misérias e nas contradições da vida.


Não devemos limitar a nossa paciência a alguns sofrimentos, mas estendê-la universalmente a tudo o que Deus nos mandar ou permitir que venha sobre nós. Tem muitas pessoas que de boa vontade aceita suportar os sofrimentos que de certa forma é honroso como: ter sido ferido numa batalha, ter sido prisioneiro ao cumprir o seu dever de cristão num país comunista, ser maltratado e humilhado pelos falsos seguidores da religião, tudo isso Ihes é suave; mas é a glória e não o sofrimento o que amam. A pessoa verdadeiramente paciente tolera com a mesma igualdade de espírito os sofrimentos ignominiosos e humilhantes como os que trazem honra. O desprezo, a censura e a deseducação dum homem vicioso e libertino é um prazer para uma alma grande; mas sofrer esses maus tratos de gente de bem, de seus amigos e parentes, é uma paciência heróica. Portanto aprecio e admiro muito mais o cardeal São Carlos Borromeu, por ter sofrido em silêncio, com brandura e por muito tempo, as ínvectivas e insultos públicos que o célebre pregador duma ordem reformada fazia contra ele do púlpito, do que ele ter suportado abertamente os insultos de muitos libertinos; pois, como as ferroadas das abelhas doem muito mais que as dos mosquitos, assim as humilhações vindas de gente de bem magoam muito
mais do que as que são feitas por homens viciosos e perversos. Acontece, no entanto, muitas vezes, que dois homens de bem, ambos bem intencionados, pela diferenças de opiniões, muito se agridem mutuamente.

Tenhamos paciência não só com o mal que sofremos, mas também com as suas circunstâncias e conseqüências. Muitos se enganam neste ponto e parecem desejar aflições, recusando sofrer as suas incomodidades inseparáveis. Não me afligiria, dizia alguém, de ficar pobre contanto que a pobreza não me impedisse de ajudar a meus amigos, de educar meus filhos, e de levar uma vida honrosa. E eu, declarava um outro, pouco me inquietaria disso, se o mundo não atribuísse esta desgraça à minha imprudência. E eu, dizia ainda um terceiro, nada me importaria com esta calúnia, contanto que as outras pessoas não acreditassem. Tem muitos que estão prontos a sofrer uma parte das incomodidades que vem junto com seus males, mas não todas elas, dizendo que não se irritariam de estar doentes, mas do trabalho que causam aos outros e da falta de dinheiro para se tratar. Digo, pois, que a paciência nos obriga a querer estar doentes, como Deus quiser, da enfermidade que ele quiser, no lugar onde ele quiser, com as pessoas e com todos os incômodos que ele quiser; e eis aí a regra geral da paciência! Se eu ficar doente, buscarei todos os remédios que Deus me conceder; pois esperar alívio sem empregar os meios seria tentar a Deus; mas, feito isso, devo me resignar a tudo e, se os remédios fazem voltar a saúde, agradecerei a Deus com humildade, mas se a doença persiste, bendirei-O com paciência continuando na busca do remédio certo. Sou do parecer de S. Gregório, que diz: Se me acusarem de uma falta verdadeira, humilha-me-ei, e confessarei que mereço muito mais que esta confusão. Se a acusação é falsa, justificar-me-ei com toda a calma, porque o exigem o amor à verdade e a edificação do próximo. Mas, se minha justificativa não for aceita, não devo me perturbar, nem me esforçar inutilmente para provar a minha inocência, porque, além dos deveres da verdade, devo cumprir também os da humildade. Assim, não negligenciarei a minha reputação e não faltarei ao afeto que devo ter à mansidão e humildade do coração.

Devo me queixar o menos possível do mal que me fizeram; pois queixar-se sem pecar é uma coisa raríssima; nosso amor próprio sempre exagera aos nossos olhos e ao nosso coração as injúrias que recebemos. Se houver necessidade de me queixar ou para abrandar o meu espírito ou para pedir conselhos, não o farei a pessoas fáceis de exaltar-se e de pensar e falar mal dos outros. Mas queixar-me-ei a pessoas comedidas e tementes a Deus, porque, ao contrário, longe de tranqüilizar a minha alma, a perturbarei ainda mais e, em lugar de arrancar o espinho do coração, o cravarei ainda mais fundo.

Muitos numa doença ou numa outra tribulação qualquer guardam-se de se queixar e mostrar a sua pouca virtude, sabendo bem (e isto é verdade) que seria fraqueza e falta de generosidade; mas procuram que outros se compadeçam deles, se queixem de seus sofrimentos e ainda por cima os louvem por sua paciência, Na verdade temos aqui um ato de paciência, mas certamente duma paciência falsa, que na realidade não passa dum orgulho muito sutil e duma vaidade refinada. Sim, diz o apóstolo, tem de que gloriar-se, mas não diante de Deus. Os cristãos verdadeiramente pacientes não se queixam de seus sofrimentos nem desejam que os outros os lamentem; se falam neles é com muita simplicidade e ingenuidade, sem os fazer maiores do que são; se, outros os lamentam, ouvem-nos com paciência, a não ser que tenham em vista um sofrimento que não existe, porque, então, lhes declaram modestamente a verdade; conservam assim a tranqüilidade da alma entre a verdade e a paciência, manifestando ingenuamente os seus sofrimentos, sem se queixarem.

Nas contrariedades que me sobrevierem no caminho da devoção (pois sei que delas não há de faltar), lembrar-me-ei que nada de grande podemos conseguir neste mundo sem primeiro passarmos por muitas dificuldades, mas que, uma vez superadas, bem depressa nos esquecemos de tudo, pelo intimo gozo que então teremos de ver realizadas as nossas aspirações. Pois bem, quero absolutamente trabalhar para me transformar em Jesus Cristo, como diz o apóstolo, em teu coração, como em tuas obras, pelo amor sincero de sua doutrina e pela imitação perfeita de sua vida. Há de custar-me algumas dores, sem dúvida; mas hão de passar e Jesus Cristo, que viverá em mim, há de encher minha alma duma alegria inefável, que ninguém me poderá furtar.
Se eu cair numa doença, oferecerei as minhas dores, a minha prostração e todos os meus sofrimentos a Jesus Cristo,  suplicando--lhe de os aceitar em união com os merecimentos de sua paixão. Lembrar-me-ei do fel que ele bebeu por meu amor e obedecerei ao médico, tomando os remédios e fazendo tudo o que ele determinar por amor de Deus. Desejarei a saúde para O servir, mas não recusarei ficar muito tempo doente para obedecer-lhe e mesmo disporei a morrer, se for a sua vontade, para ir gozar eternamente de sua gloriosa presença. Lembrar-me-ei, que as abelhas, enquanto fazem o mel, vivem dum alimento muito amargo e que também nós poderemos encher mais facilmente o coração desta santa doçura suavidade, que é o fruto da paciência, do que comendo com paciência o pão amargo das tribulações que Deus nos envia; e quanto mais humilhantes forem, tanto mais preciosa e agradável se tornará a virtude ao nosso coração.

Pensarei muitas vezes em Jesus crucificado; considera-o coberto de feridas, saturado de opróbrios e dores, penetrado de tristeza até ao fundo de sua alma, num desamparo e abandono completo, carregado de calúnias e maldições; verei então que minhas dores não se podem comparar às suas, nem em quantidade, nem em qualidade, e que jamais sofrerei por ele alguma coisa de semelhante ao que ele sofreu por mim.

Comparar-me-ei aos mártires, ou, sem precisar ir tão longe, às pessoas que sofrem atualmente mais do que eu e exclamarei, louvando a Deus: Ah! Meus espinhos me parecem rosas e minhas dores, consolações, se me comparo àqueles que vivem sem socorros, sem assistência e sem alívio, numa morte contínua. Presos de dores e de tristeza. 

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