A paciência
A paciência,
diz o apóstolo, vos é necessária para que, fazendo a vontade de Deus,
alcancemos o que ele nos tem prometido. Sim, nos diz Jesus Cristo
possuireis vossas almas pela paciência.
O maior bem de todos nós, seres humanos, consiste, em
possuirmos nosso coração e quanto mais o possuirmos tanto mais perfeita será a
nossa paciência: cumpre, portanto, aperfeiçoarmos nesta virtude. Lembremos
também que, tendo Nosso Senhor nos alcançado todas as graças da salvação, pela
paciência de sua vida e de sua morte, nós também no-las devemos aplicar por uma
paciência constante e inalterável nas aflições, nas misérias e nas contradições
da vida.
Não devemos limitar a nossa paciência a alguns sofrimentos,
mas estendê-la universalmente a tudo o que Deus nos mandar ou permitir que
venha sobre nós. Tem muitas pessoas que de boa vontade aceita suportar os
sofrimentos que de certa forma é honroso como: ter sido ferido numa batalha, ter
sido prisioneiro ao cumprir o seu dever de cristão num país comunista, ser
maltratado e humilhado pelos falsos seguidores da religião, tudo isso Ihes é
suave; mas é a glória e não o sofrimento o que amam. A pessoa verdadeiramente paciente
tolera com a mesma igualdade de espírito os sofrimentos ignominiosos e humilhantes
como os que trazem honra. O desprezo, a censura e a deseducação dum homem
vicioso e libertino é um prazer para uma alma grande; mas sofrer esses maus tratos
de gente de bem, de seus amigos e parentes, é uma paciência heróica. Portanto
aprecio e admiro muito mais o cardeal São Carlos Borromeu, por ter sofrido em silêncio,
com brandura e por muito tempo, as ínvectivas e insultos públicos que o célebre
pregador duma ordem reformada fazia contra ele do púlpito, do que ele ter
suportado abertamente os insultos de muitos libertinos; pois, como as ferroadas
das abelhas doem muito mais que as dos mosquitos, assim as humilhações vindas
de gente de bem magoam muito
mais do que as que são feitas por homens viciosos e perversos. Acontece, no entanto, muitas vezes, que dois homens de bem, ambos bem intencionados, pela diferenças de opiniões, muito se agridem mutuamente.
mais do que as que são feitas por homens viciosos e perversos. Acontece, no entanto, muitas vezes, que dois homens de bem, ambos bem intencionados, pela diferenças de opiniões, muito se agridem mutuamente.
Tenhamos paciência não só com o mal que sofremos, mas
também com as suas circunstâncias e conseqüências. Muitos se enganam neste ponto
e parecem desejar aflições, recusando sofrer as suas incomodidades inseparáveis.
Não me afligiria, dizia alguém, de ficar pobre contanto que a pobreza
não me impedisse de ajudar a meus amigos, de educar meus filhos, e de levar uma
vida honrosa. E eu, declarava um outro, pouco me inquietaria
disso, se o mundo não atribuísse esta desgraça à minha imprudência. E eu,
dizia ainda um terceiro, nada me importaria com esta calúnia, contanto que
as outras pessoas não acreditassem. Tem muitos que estão prontos a sofrer
uma parte das incomodidades que vem junto com seus males, mas não todas elas,
dizendo que não se irritariam de estar doentes, mas do trabalho que causam aos
outros e da falta de dinheiro para se tratar. Digo, pois, que a paciência nos
obriga a querer estar doentes, como Deus quiser, da enfermidade que ele quiser,
no lugar onde ele quiser, com as pessoas e com todos os incômodos que ele
quiser; e eis aí a regra geral da paciência! Se eu ficar doente, buscarei todos
os remédios que Deus me conceder; pois esperar alívio sem empregar os meios
seria tentar a Deus; mas, feito isso, devo me resignar a tudo e, se os remédios
fazem voltar a saúde, agradecerei a Deus com humildade, mas se a doença persiste,
bendirei-O com paciência continuando na busca do remédio certo. Sou do parecer de
S. Gregório, que diz: Se me acusarem de uma falta verdadeira, humilha-me-ei, e
confessarei que mereço muito mais que esta confusão. Se a acusação é falsa,
justificar-me-ei com toda a calma, porque o exigem o amor à verdade e a
edificação do próximo. Mas, se minha justificativa não for aceita, não devo me perturbar,
nem me esforçar inutilmente para provar a minha inocência, porque, além dos
deveres da verdade, devo cumprir também os da humildade. Assim, não
negligenciarei a minha reputação e não faltarei ao afeto que devo ter à
mansidão e humildade do coração.
Devo me queixar o menos possível do mal que me fizeram;
pois queixar-se sem pecar é uma coisa raríssima; nosso amor próprio sempre
exagera aos nossos olhos e ao nosso coração as injúrias que recebemos. Se houver
necessidade de me queixar ou para abrandar o meu espírito ou para pedir conselhos,
não o farei a pessoas fáceis de exaltar-se e de pensar e falar mal dos outros.
Mas queixar-me-ei a pessoas comedidas e tementes a Deus, porque, ao contrário, longe
de tranqüilizar a minha alma, a perturbarei ainda mais e, em lugar de arrancar o
espinho do coração, o cravarei ainda mais fundo.
Muitos numa doença ou numa outra tribulação qualquer guardam-se
de se queixar e mostrar a sua pouca virtude, sabendo bem (e isto é verdade) que
seria fraqueza e falta de generosidade; mas procuram que outros se compadeçam
deles, se queixem de seus sofrimentos e ainda por cima os louvem por sua
paciência, Na verdade temos aqui um ato de paciência, mas certamente duma paciência
falsa, que na realidade não passa dum orgulho muito sutil e duma vaidade refinada.
Sim, diz o apóstolo, tem de que gloriar-se, mas não diante de Deus. Os cristãos
verdadeiramente pacientes não se queixam de seus sofrimentos nem desejam que os
outros os lamentem; se falam neles é com muita simplicidade e ingenuidade, sem os
fazer maiores do que são; se, outros os lamentam, ouvem-nos com paciência, a
não ser que tenham em vista um sofrimento que não existe, porque, então, lhes declaram
modestamente a verdade; conservam assim a tranqüilidade da alma entre a verdade
e a paciência, manifestando ingenuamente os seus sofrimentos, sem se queixarem.
Nas contrariedades que me sobrevierem no caminho da
devoção (pois sei que delas não há de faltar), lembrar-me-ei que nada de grande
podemos conseguir neste mundo sem primeiro passarmos por muitas dificuldades, mas
que, uma vez superadas, bem depressa nos esquecemos de tudo, pelo intimo gozo que
então teremos de ver realizadas as nossas aspirações. Pois bem, quero absolutamente
trabalhar para me transformar em Jesus Cristo, como diz o apóstolo, em teu coração,
como em tuas obras, pelo amor sincero de sua doutrina e pela imitação perfeita de
sua vida. Há de custar-me algumas dores, sem dúvida; mas hão de passar e
Jesus Cristo, que viverá em mim, há de encher minha alma duma alegria inefável,
que ninguém me poderá furtar.
Se eu cair numa doença, oferecerei as minhas dores, a minha
prostração e todos os meus sofrimentos a Jesus Cristo, suplicando--lhe de os aceitar em união com os merecimentos
de sua paixão. Lembrar-me-ei do fel que ele bebeu por meu amor e obedecerei ao
médico, tomando os remédios e fazendo tudo o que ele determinar por amor de Deus.
Desejarei a saúde para O servir, mas não recusarei ficar muito tempo doente para
obedecer-lhe e mesmo disporei a morrer, se for a sua vontade, para ir gozar
eternamente de sua gloriosa presença. Lembrar-me-ei, que as abelhas, enquanto fazem
o mel, vivem dum alimento muito amargo e que também nós poderemos encher mais
facilmente o coração desta santa doçura suavidade, que é o fruto da paciência,
do que comendo com paciência o pão amargo das tribulações que Deus nos envia; e
quanto mais humilhantes forem, tanto mais preciosa e agradável se tornará a
virtude ao nosso coração.
Pensarei muitas vezes em Jesus crucificado;
considera-o coberto de feridas, saturado de opróbrios e dores, penetrado de tristeza
até ao fundo de sua alma, num desamparo e abandono completo, carregado de calúnias
e maldições; verei então que minhas dores não se podem comparar às suas, nem em
quantidade, nem em qualidade, e que jamais sofrerei por ele alguma coisa de
semelhante ao que ele sofreu por mim.
Comparar-me-ei aos mártires, ou, sem precisar ir tão
longe, às pessoas que sofrem atualmente mais do que eu e exclamarei, louvando a
Deus: Ah! Meus espinhos me parecem rosas e minhas dores, consolações, se me
comparo àqueles que vivem sem socorros, sem assistência e sem alívio, numa
morte contínua. Presos de dores e de tristeza.
Nenhum comentário:
Postar um comentário