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segunda-feira, 30 de abril de 2012

São Francisco, o incompreendido

Antes de Francisco, a pobreza parecia apenas sacrifício e renúncia, enquanto, com ele, "através da experiência da pobreza", o homem renasce, "rico de um novo olhar sobre o real".

A opinião é do escritor italiano Luca Nannipieri, diretor do Centro de Estudos Humanísticos da Abadia de San Savino, em Pisa. O artigo foi publicado no jornal Europa, 26-04-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.
Jesus de Nazaré não foi compreendido no seu aspecto subversivo nem mesmo pelos seus primeiros seguidores. Segundo a antropóloga Ida Magli, de fato, "ele é o único que tentou uma obra impossível: mudar totalmente, subverter a cultura em que nasceu, enfrentando-a no seu focus, no seu centro, destruindo suas estruturas principais, negando todos os seus valores essenciais. Com base nas teorias antropológicas, é impossível que um indivíduo, pertencente a um determinado modelo cultural em que nasceu, fala a sua língua, absorveu os seus significados, valores, costumes desde o nascimento, pode sair dele, possa viver negando totalmente os seus conteúdos. Jesus, ao invés, conseguiu" (Gesù di Nazareth, Ed. Bur Rizzoli).

Cristo é uma figura insuperável, porque a radicalidade dos seus gestos jamais foi seguida plenamente nem mesmo pelos seus primeiros fiéis, mas apenas atenuada, circunscrita, limitada. Dois mil anos de cristianismo são também dois mil anos de traição da sua mensagem. A mesma sorte recaiu sobre Francisco de Assis.

O filósofo Massimo Cacciari reflete a respeito de modo admirável no livro Doppio ritratto, San Francesco in Dante e Giotto (Ed. Adelphi). Segundo Cacciari, Francisco testemunhou com a sua vida um modo de conceber a relação com o mundo, até então impensado senão por Cristo e jamais seguido depois dele. Com Francisco, o pobre não é mais "a figura de quem, absolutamente nada possuindo, está à mercê de todos, encolhido no canto. (...) Pobre não é o necessidade, aquele que carece-de, mas, pelo contrário, o perfeito, aquele que imita perfeitamente o Filho".

Antes de Francisco, a pobreza parecia apenas sacrifício e renúncia, enquanto, com ele, "através da experiência da pobreza", o homem renasce, "rico de um novo olhar sobre o real". Francisco não faz como os estoicos ou os sábios que convidam a desprezar os bens terrenos pela sua vaidade. A pobreza nele é uma escolha "que nada inveja, nada quer à disposição. Pobre é aquele que tudo “tem” como irmão e irmã, isto é, sem ter". "Somente o Pobre é verdadeiramente poderoso", porque a sua comunhão com as coisas é "livre da cadeia do possuir e do depender".

Essa revolução de pensamento permanece, porém, in-audita, não ouvida, a tal ponto que apenas "na solidão, em meio aos animais, ele a prega". Para Cacciari, essa novidade foi incompreendida seja pelos seus coirmãos, quanto por Giotto e Dante.

Giotto, nos afrescos da Basílica Superior de Assis, representa Francisco como uma figura pacificada, em harmonia com a sua Ordem, com a Igreja e a sociedade, enquanto, ao invés, o santo, quando vivo, foi uma alma em luta, dividiu grupos e pessoas, ficou desapontado com a sua própria Ordem, muitas vezes dilacerado em seu interior. E Dante, no Paraíso, trai a força de Francisco, porque não sente o porte inaudito da sua pobreza. O livro de Cacciari se detém no santo de Assis e nos dois sumos artistas, mas são claros as possíveis referências ao nosso tempo.

Matteo Renzi disse ter ficado impressionado com Nelson Mandela, mas o que aconteceria em Florença se Renzi tivesse a mesma radicalidade de visão que Mandela demonstrou? Walter Veltroni se inspirava muitas vezes em Martin Luther King, mas o que aconteceria com o Partido Democrático se Veltroni tivesse seguido concretamente a mesma subversiva novidade de valores que levou Luther King a abalar os fundamentos da sociedade norte-americana?

Todos nós sentimos a força catalisadora desses homens, mas, ao invés de igualá-la, a adaptamos, suavizando o seu ato subversivo, atenuando o seu radicalismo. Citamo-los, representamo-los como mitos, mas não queremos ser como eles.

Barcelona surgiu sobre o mito de Santa Eulália, uma menina de 13 anos, à qual, em 303 d.C., se impôs que renegasse o fato de ser cristã. Ela se recusou, e a trancaram em um barril de vidros e de pregos, e o fizeram rolar. Depois, arrancaram seus seios e, após a sua enésima rejeição, a pregaram em uma cruz. Agora, o seu corpo está na catedral, mas quantos desde então podem se dizer iguais a ela? Quantos amaram a força "desordenada" do Pe. Milani e da Escola de Barbiana? Porém, mesmo os seus próprios alunos não souberam regenerar a audácia da sua mensagem.

O Pe. Pietro Cesena, nos arredores de Piacenza, juntamente com um grupo de pessoas, repropõe hoje mesmo uma ideia de comunidade que remonta às origens da palavra evangélica, mas o que ele muitas vezes recebe, na católica cidade de Piacenza, é o silêncio, a desconfiança. Proclamar um valor ou testemunhá-lo. A diferença sempre foi enorme.

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