SENSO DE PERTENÇA A O.F.S.
Vivemos tempos de profundas transformações sociais, econômicas, culturais e religiosas, tempos de incertezas e de instabilidade. Quem é quem? O que cada um quer de sua vida?
Os primeiros anos do século XXI estão caracterizados por manifestações de extrema violência e de recrudecimento do terrorismo.
Nossas Fraternidades Franciscanas Seculares participam das transformações do mundo atual, respiram o ar da pós-modernidade, conhecem os tropeços de uma sociedade acelerada, consumista, imediatista e derramada nas coisas.
Sobre estas Fraternidades repousa a missão de fazer com que continue vivo o carisma franciscano que foi dado pelo Espírito para a vitalização da Igreja com a força do Evangelho. Nisto consistiria sua identidade.
Sabemos que as Fraternidades são muito diferentes umas das outras. Há grupos de revelam vigor e entusiasmo. Por vezes há numerosos irmãos no tempo de formação, surgem simpatizantes, experimenta-se alegria na convivência fraterna e na realização das tarefas apostólicas. Muitas Fraternidades são, efetivamente, sacramentos do mandamento do amor.
De outro lado, irmãos isoladamente ou fraternidades isoladamente como um todo, podem denotar ausência de vigor e de entusiasmo. Há os que perderam a motivação evangélica e franciscana por diferentes razões: crises pessoais, cansaço, rotina, formação deficiente, ativismo pastoral, envolvimento com outros movimentos de espiritualidade. Há mesmo os que se perguntam a respeito do sentido de sua presença na Ordem. Experimentam o incômodo no momento das eleições porque não desejam assumir cargos. Há os que regularmente estão ausentes das reuniões e de outras programações.
Por isso e por outros motivos se faz necessário refletir sobre o senso de pertença à OFS e sobre a identidade do franciscano secular.
Antes de falarmos sobre o sentido de pertença a OFS, vejamos, rapidamente, outros sentidos de pertença que nós temos e vivemos:
Antes de tudo, vamos nos referir ao que poderíamos chamar identidade familiar. Na definição do matrimônio, um homem escolhe uma mulher como companheira de vida e de destino. Uma mulher opta por um determinado homem como esposo e companheiro. Ambos realizam um projeto de vida. Um pertence ao outro. Desejam viver o tempo da vida, um tempo não provisório, mas caracterizado por um “para sempre”, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, no respeito recíproco e na acolhida do outro em todo momento. Somente sobre estes pressupostos é possível organizar a vida de maneira que os filhos possam chegar a viver na estabilidade de uma casa, de um lugar, de uma família.
A família, que constitui o maior recurso para a pessoa e para a sociedade enquanto âmbito de generosidade, de acolhida incondicional, de solidariedade nas distintas circunstâncias da vida, se vê hoje assediada por tantos desafios do mundo moderno: o materialismo imperante, a busca do prazer imediato, a influência dos meios de comunicação.
Além disso, é debilitada e agredida com propostas de leis que a equiparam a uma convivência qualquer debaixo do mesmo teto: aborto, separações e divórcios, etc. Cada vez aumenta mais as uniões sem casamento; crescem o número de mães solteiras e de filhos que vivem fora do contexto familiar; famílias desagregadas, etc. nos perguntamos: existe o sentido de pertença familiar ou a família?
Ante este quadro que, o Papa Bento XVI definiu como “preocupante”, que é necessário indicar caminhos para reforçar a família e para educar as novas gerações na fé católica, como o maior patrimônio que os pais podem transmitir aos seus filhos.
Os efeitos da precariedade se advertem fortemente também na vida do trabalho das pessoas. A crise ocupacional faz que muitos tenham que aceitar um trabalho para o qual não se sintam atraídos ou que tenham que abandonar a carreira e tentar ganhar dinheiro em âmbitos para os quais não estão preparados. Portanto, se sentem “estrangeiros” e sem raízes na profissão que exercem. Ou seja, sem o sentido de pertença profissional.
Segundo uma recente pesquisa da “Agência Fides” sobre as migrações, 175 milhões de pessoas no mundo residem em uma nação diferente daquela em que nasceram. O sentido de pertença a um determinado território (nação) mudou profundamente não só pela grande mobilidade cultural e de trabalho, mas também porque as realidades nacionais, as quais em outras épocas as pessoas se sentiam profundamente radicadas e que representavam um ponto firme da identidade pessoal (sou brasileiro, sou italiano, sou português,...). É a questão da dupla nacionalidade.
Com efeito, não é difícil compreender por que as pessoas não se sentem mais profundamente vinculadas à pátria, a família e ao mundo profissional.
Objeto de debate entre a Igreja e o mundo já não é mais como em outros tempos, quando se discutia sobre o divórcio, sobre o aborto ou sobre o uso da pílula, porém se aceitava o enfoque cristão da vida. Hoje o debate está dirigido para visões alternativas e globais do homem e da mulher, da paternidade e da maternidade, da sexualidade e, sobretudo, os caminhos a conquistar para que os homens e as mulheres se realizem na vida e se sintam satisfeitos e felizes.
Aqueles que, pelo Batismo, são membros da Igreja católica, de que maneira pertencem e se identificam com ela? Existem aqueles que a pertencem totalmente e sem reservas, com a plena convicção de pertencer à alma da Igreja, de serem membros do Corpo Místico de Cristo. Existem aqueles que estão ligados com a Igreja por um fio muito fino, com um sentido de pertença limitado a formas exteriores (talvez a maioria). E finalmente, existem aqueles que vivem somente alguns aspectos da fé, fora de todo tipo de pertença à Igreja (missa de sétimo dia e casamentos).
A Igreja, embora animada por uma inquebrantável esperança cristã, não esconde sua preocupação frente aos fenômenos que sumariamente citamos. Ela está comprometida a dar uma resposta profética aos desafios do nosso tempo. Disto derivam três consequências: o fortíssimo vínculo entre fé e identidade, a importância de Cristo na vida diária e a atenção constante a correta relação entre verdade e liberdade.
Substancial coincidência. Toda reflexão que se faça sobre o sentido de pertença, se relaciona estritamente com a identidade e a pressupõe. Que significa ser homem? Que significa ser mulher? Que significa ser religioso/a em nossos dias? Que significa hoje ser discípulo de Jesus Cristo? Que coisa está bem e é fundamental? Onde estou andando? Que é o que devo fazer na vida para poder chegar à plenitude da existência? A quem pertenço e quem me pertence?
A estreita conexão entre pertença e identidade é uma lei psicológica, porém mais ainda, uma estrutura do ser como tal. Não há identidade sem pertença e não há pertença sem identidade: são distintas e, no entanto, estão substancialmente ligadas. É, portanto, obvio que para falar de pertença é necessário falar de identidade: para ter consciência de si e para distinguir-se do outro.
Quem são os franciscanos seculares espalhados pelo mundo? Qual é sua identidade?
Alguns de nós, leigos ou religiosos, tivemos ocasião de conhecer no passado outras concretizações da Ordem Terceira. Entre nós houve grupos bastante numerosos. Seus membros usavam um hábito externo bastante característico para os irmãos e as irmãs. Em alguns lugares os irmãos sentavam-se de um lado e as irmãs, do outro.
Aos poucos, no curso da Segunda metade do século XX, toda a família franciscana foi conhecendo transformações. A 24 de junho de 1978 os terceiros tiveram sua nova Regra aprovada pelo Papa Paulo VI. Começou um intenso período de renovação. O jeito dos irmãos e das irmãs de antigamente foi cedendo lugar a um novo modo de ser franciscano, idêntico no essencial, diferente em suas manifestações. Conheceu-se um período de estudo e de assimilação da nova Regra. A Regra passou a ser ponto de referência fundamental na busca da identidade.
A Ordem Terceira passou a ser designada de Ordem Franciscana Secular. Desejou-se marcar a presença dos leigos franciscanos no mundo. Procurou-se buscar precisamente nessa secularidade característica importante da OFS. Mais tarde, na Chistifideles Laici, o Papa João Paulo II, retomando a doutrina do Concílio Vaticano II, escrevia: “A vocação dos leigos à santidade comporta que a vida segundo o Espírito se exprima de forma peculiar em sua inserção nas realidades temporais e na sua participação nas atividades terrenas”.
Para atualizar a reflexão, temos que nos perguntar: que significa ser franciscano secular? Que buscam as pessoas que hoje fazem a Profissão na Ordem? Estas perguntas não nos incomodam e não nos inquietam demais porque nos parece que nossa resposta já está dada na vida cotidiana. Tudo parece resolvido: o cotidiano, cada um é aquilo que faz, e cada Fraternidade é o que realiza.
No entanto, com espírito menos acomodado, não deveríamos nos contentar com esta primeira resposta. Qualquer um pode realizar as funções que nós exercitamos no mundo, e qualquer associação ou movimento pode realizar o apostolado que nós fazemos, sem necessidade de pertencer a OFS.
Quando nos damos conta disto, se abre diante de nós um abismo. Nos preocupamos e nossa consciência nos acusa de incoerência e de falta de radicalidade no “seguimento de Cristo pobre e crucificado”, ao modo de são Francisco. Para nos tranqüilizar, buscamos dar um colorido franciscano àquilo que fazemos (ou faz a Fraternidade): promovemos a devoção a São Francisco, organizamos exposições de artigos franciscanos, encenamos o trânsito de São Francisco, falamos de São Francisco nos programas de rádio, etc... .
Não será que o franciscanismo que promovemos seja uma realidade acidental, secundária? Em outras palavras: não será que somos profissionais, estudantes, comerciantes, administradores, ministros da Eucaristia, freqüentadores habituais de grupos paroquiais e, além disto, também, franciscanos?
No começo de nossa Regra se encontram os elementos fundamentais do projeto de vida franciscano secular: os franciscanos seculares são homens e mulheres que, “impulsionados pelo Espírito a atingir a perfeição da caridade no próprio estado secular, se comprometem pela Profissão a viver o Evangelho à maneira de são Francisco e mediante esta Regra confirmada pela Igreja” (R.2).
Da legislação atualizada da OFS (Regra e Constituições Gerais) se deduz que a identidade do franciscano secular se expressa em uma tríplice dimensão: pessoal (a vida interior), fraterna (a corresponsabilidade) e universal (a missão).
Em um tempo de instabilidade e de oscilação é fundamental chegar ao coração da interioridade para dar consistência aos compromissos e as fidelidades pessoais. Sem a base da interioridade, toda nossa vida se faz fluida e tudo aparece suspenso no ar. Corremos o risco de esquecer quanto extraordinariamente seja a aventura na qual Jesus nos envolveu. Este é o motivo pelo qual nossa Regra (nº7) nos recorda que a conversão “deve renovar-se a cada dia”.
Existem alguns instrumentos para esta renovação da pessoa, que leva ao redescobrimento de nossa identidade e do sentido de pertença. O primeiro de todos é a formação permanente para manter desperta a consciência que o ser franciscano se realiza sempre como um novo chegar a ser franciscano: não é jamais uma história acabada que ficou atrás, senão um caminho que exige sempre um novo exercício. A renovação da pessoa é feita de pequenos compromissos, que devem desembocar naquele compromisso mais amplo que chamamos “forma ou programa de vida”.
Outro instrumento é a oração. É verdade que aos franciscanos seculares devem assumir seus compromissos como cidadãos no âmbito da vida pública, competência profissional, promoção da solidariedade e da liberdade, dos direitos humanos e da justiça, diria, como um terceiro instrumento. Ainda assim, o que é especificamente nosso é a oração ao Deus vivente. A dimensão contemplativa permite ir ao mundo com os olhos iluminados pela esperança e compaixão.
É muito importante que a Fraternidade seja verdadeira escola de oração, lugar de concórdia, espelho de caridade e fonte de esperanças, de maneira que todos seus membros experimentem a alegria de sentirem-se amados pelos irmãos e, ao mesmo tempo, a necessidade de comunicar aos que nos rodeiam a plena felicidade de ser discípulos de Cristo.
Nossa pertença a OFS se fundamenta sobre a Profissão, o ato pelo qual somos solenemente comprometidos a “viver o Evangelho a maneira de são Francisco e mediante esta Regra confirmada pela Igreja”.
O artigo 30.1, das CCGG, diz: “Os irmãos são corresponsáveis pela vida da Fraternidade a que pertencem e pela OFS como união orgânica de todas as Fraternidades espalhadas pelo mundo”. Ou seja, os franciscanos seculares são membros de uma fraternidade local, mas pertencem a todas, na vida e na missão da corresponsabilidade.
Todos conhecemos de memória a definição de Fraternidade Local contida no art. 22 da Regra: “primeira célula de toda a Ordem... sinal visível da Igreja... comunidade de amor...”.
Para explicitar estas afirmações básicas, as CCGG, art. 30.2, precisam como deve ser vivida a pertença a Fraternidade: “O sentido de corresponsabildade dos membros exige a presença pessoal, o testemunho, a oração, a colaboração ativa, segundo as possibilidades de cada um e os eventuais compromissos para a animação da Fraternidade”.
A presença pessoal, ou seja, a participação freqüente (não opcional) aos encontros da Fraternidade, que não podem ser mais as famosas “reuniões mensais”, mas sim, “encontros freqüentes”, organizados pelo Conselho para estimular a cada um a vida de fraternidade e para um crescimento de vida franciscana e eclesial (R.24).
O testemunho, de vida evangélica e de vida fraterna e como apostolado preferencial, inclusive como meio de animação vocacional (R.23 e CCGG art. 17 e 37.3).
A oração, que é a “alma do próprio ser e do próprio agir” (R.8).
A colaboração ativa, de todos e de cada um, para o bom funcionamento da Fraternidade, para o desenvolvimento dinâmico e participativo das reuniões, para a realização de iniciativas caritativas e de apostolado (CCGG 31.4).
Os eventuais compromissos na animação da Fraternidade, em particular, quando um irmão/ã é indicado para tal ou qual cargos/serviços (CCGG 31.4). Com efeito, o Professo definitivo, de acordo com sua capacidade e disponibilidade, considerados os interesses superiores da OFS, não deve se eximir da aceitação de encargos, salvo por graves razões, sempre que indicado para exercer cargos ou funções em órgãos da Fraternidade de qualquer dos níveis.
A contribuição econômica, na medida das possibilidades de cada membro (CCGG 30.3), para proporcionar os meios financeiros necessários para a vida da Fraternidade e para suas obras de culto, de apostolado e caritativa.
Porém, ainda não basta. A corresponsabilidade compromete a todos os membros a dar atenção ao “bem estar” humano e espiritual de cada um dos irmãos (CCGG 42.4); nenhum deve ser deixado sozinho a frente de seus problemas e dificuldades, mas a Fraternidade deve encontrar ajuda (inclusive material) e apoio.
Um dos maiores obstáculos que se interpõe a corresponsabilidade é a que convencionalmente chamamos de “pluripertença”, quer dizer, a tendência de alguns franciscanos seculares a aderir a uma multiplicidade de grupos e associações eclesiais. Não podemos esquecer que “A vocação à OFS é uma vocação específica, que informa a vida e a ação apostólica de seus membros” (CCGG 2.1).
Abertura ao mundo. O anúncio do Evangelho é um dom gratuito que a Igreja faz ao mundo e os franciscanos seculares “a ela mais ligados pela Profissão” são chamados a anunciar a Cristo “com a vida e com a palavra” (R.6).
O campo da missão é hoje muito vasto: os setores mais marginalizados, as comunidades indígenas, os pobres das zonas urbanas, os imigrantes, os refugiados, etc. O objetivo deve ser aquele de promover a universalidade da mensagem cristã através da presença.
Outras formas de intervenção: formação política, social e humana (que deve ser ministrada nas Fraternidades – Diretrizes de Formação), voluntariado, atenção para com os jovens (CCGG 97.1), Ecologia, Ecumenismo e diálogo interreligioso e a “missão ad gentes”.
Como, na prática, alimentar o sentido de pertença a uma determinada Fraternidade secular e a Ordem, em sua totalidade? Não nos esqueçamos que nossas CCGG (art. 30.1), citado acima, afirma com força que os franciscanos seculares são membros de uma Fraternidade local, porém pertencem a todas, na vida e na missão.
Cada Fraternidade, nos distintos níveis (local, Regional e Nacional), deveria propor-se seriamente como objetivo de converter-se, em:
a – Escola de Santidade, através de uma intensa vida litúrgica, sacramental e caritativa, organizando retiros espirituais e revisão de vida.
b – Ser uma autêntica escola de formação.
c – Dar o testemunho de comunhão eclesial: alimentar a identidade na medida em que a Regra passa a ser vida dos irmãos e das fraternidades, na leitura assídua dos escritos de São Francisco e de Santa Clara.
d - Viver intensamente as reuniões (não falemos mais somente de reuniões mensais) como sacramento da fraternidade. Fundamental tomar a decisão de se fazer presente na vida dos irmãos: alegrar-se com os que chegam, pensar nos que não vieram, procurar descobrir as razões pelas quais alguns perderam a motivação. Os Conselhos, particularmente os formadores, saberão criar condições para que as reuniões sejam efetivamente agradáveis, proveitosas e enriquecedoras para os formandos e todos os irmãos.
e - Preocuparem-se, os irmãos e as irmãs, em regularizar as contribuições financeiras, como expressão de pertença à Ordem e comunhão com suas necessidades.
f – Presença na sociedade, à luz da Doutrina Social da Igreja e da nossa Regra.
Obrigado e Paz e Bem!
⌂ Profissão na OFS, Dom e Compromisso.
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Bibliografia:
“Identidade Franciscana Secular – Senso de Pertença à OFS”, de Frei Almir R. Guimarães, publicado em “Paz e Bem”, jul/ago 2004.
“Pertenza all’OFS”, Emanuela de Nunzio, OFS, Capitolo generale, Nov/2008, Hungria.
Colocações pessoais do autor.
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Rosalvo G. Mota, OFS
Introdução
Vivemos tempos de profundas transformações sociais, econômicas, culturais e religiosas, tempos de incertezas e de instabilidade. Quem é quem? O que cada um quer de sua vida?
Os primeiros anos do século XXI estão caracterizados por manifestações de extrema violência e de recrudecimento do terrorismo.
Nossas Fraternidades Franciscanas Seculares participam das transformações do mundo atual, respiram o ar da pós-modernidade, conhecem os tropeços de uma sociedade acelerada, consumista, imediatista e derramada nas coisas.
Sobre estas Fraternidades repousa a missão de fazer com que continue vivo o carisma franciscano que foi dado pelo Espírito para a vitalização da Igreja com a força do Evangelho. Nisto consistiria sua identidade.
Sabemos que as Fraternidades são muito diferentes umas das outras. Há grupos de revelam vigor e entusiasmo. Por vezes há numerosos irmãos no tempo de formação, surgem simpatizantes, experimenta-se alegria na convivência fraterna e na realização das tarefas apostólicas. Muitas Fraternidades são, efetivamente, sacramentos do mandamento do amor.
De outro lado, irmãos isoladamente ou fraternidades isoladamente como um todo, podem denotar ausência de vigor e de entusiasmo. Há os que perderam a motivação evangélica e franciscana por diferentes razões: crises pessoais, cansaço, rotina, formação deficiente, ativismo pastoral, envolvimento com outros movimentos de espiritualidade. Há mesmo os que se perguntam a respeito do sentido de sua presença na Ordem. Experimentam o incômodo no momento das eleições porque não desejam assumir cargos. Há os que regularmente estão ausentes das reuniões e de outras programações.
Por isso e por outros motivos se faz necessário refletir sobre o senso de pertença à OFS e sobre a identidade do franciscano secular.
Desenvolvimento
1 – Qual o sentido de pertença a OFS?
Antes de falarmos sobre o sentido de pertença a OFS, vejamos, rapidamente, outros sentidos de pertença que nós temos e vivemos:
1.1 – Pertença a Família.
Antes de tudo, vamos nos referir ao que poderíamos chamar identidade familiar. Na definição do matrimônio, um homem escolhe uma mulher como companheira de vida e de destino. Uma mulher opta por um determinado homem como esposo e companheiro. Ambos realizam um projeto de vida. Um pertence ao outro. Desejam viver o tempo da vida, um tempo não provisório, mas caracterizado por um “para sempre”, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, no respeito recíproco e na acolhida do outro em todo momento. Somente sobre estes pressupostos é possível organizar a vida de maneira que os filhos possam chegar a viver na estabilidade de uma casa, de um lugar, de uma família.
A família, que constitui o maior recurso para a pessoa e para a sociedade enquanto âmbito de generosidade, de acolhida incondicional, de solidariedade nas distintas circunstâncias da vida, se vê hoje assediada por tantos desafios do mundo moderno: o materialismo imperante, a busca do prazer imediato, a influência dos meios de comunicação.
Além disso, é debilitada e agredida com propostas de leis que a equiparam a uma convivência qualquer debaixo do mesmo teto: aborto, separações e divórcios, etc. Cada vez aumenta mais as uniões sem casamento; crescem o número de mães solteiras e de filhos que vivem fora do contexto familiar; famílias desagregadas, etc. nos perguntamos: existe o sentido de pertença familiar ou a família?
Ante este quadro que, o Papa Bento XVI definiu como “preocupante”, que é necessário indicar caminhos para reforçar a família e para educar as novas gerações na fé católica, como o maior patrimônio que os pais podem transmitir aos seus filhos.
1.2 – Pertença profissional.
Os efeitos da precariedade se advertem fortemente também na vida do trabalho das pessoas. A crise ocupacional faz que muitos tenham que aceitar um trabalho para o qual não se sintam atraídos ou que tenham que abandonar a carreira e tentar ganhar dinheiro em âmbitos para os quais não estão preparados. Portanto, se sentem “estrangeiros” e sem raízes na profissão que exercem. Ou seja, sem o sentido de pertença profissional.
1.3 – Pertença territorial.
Segundo uma recente pesquisa da “Agência Fides” sobre as migrações, 175 milhões de pessoas no mundo residem em uma nação diferente daquela em que nasceram. O sentido de pertença a um determinado território (nação) mudou profundamente não só pela grande mobilidade cultural e de trabalho, mas também porque as realidades nacionais, as quais em outras épocas as pessoas se sentiam profundamente radicadas e que representavam um ponto firme da identidade pessoal (sou brasileiro, sou italiano, sou português,...). É a questão da dupla nacionalidade.
Com efeito, não é difícil compreender por que as pessoas não se sentem mais profundamente vinculadas à pátria, a família e ao mundo profissional.
1.4 – Pertença na vida eclesial.
Objeto de debate entre a Igreja e o mundo já não é mais como em outros tempos, quando se discutia sobre o divórcio, sobre o aborto ou sobre o uso da pílula, porém se aceitava o enfoque cristão da vida. Hoje o debate está dirigido para visões alternativas e globais do homem e da mulher, da paternidade e da maternidade, da sexualidade e, sobretudo, os caminhos a conquistar para que os homens e as mulheres se realizem na vida e se sintam satisfeitos e felizes.
Aqueles que, pelo Batismo, são membros da Igreja católica, de que maneira pertencem e se identificam com ela? Existem aqueles que a pertencem totalmente e sem reservas, com a plena convicção de pertencer à alma da Igreja, de serem membros do Corpo Místico de Cristo. Existem aqueles que estão ligados com a Igreja por um fio muito fino, com um sentido de pertença limitado a formas exteriores (talvez a maioria). E finalmente, existem aqueles que vivem somente alguns aspectos da fé, fora de todo tipo de pertença à Igreja (missa de sétimo dia e casamentos).
A Igreja, embora animada por uma inquebrantável esperança cristã, não esconde sua preocupação frente aos fenômenos que sumariamente citamos. Ela está comprometida a dar uma resposta profética aos desafios do nosso tempo. Disto derivam três consequências: o fortíssimo vínculo entre fé e identidade, a importância de Cristo na vida diária e a atenção constante a correta relação entre verdade e liberdade.
2 – Pertença e Identidade.
Substancial coincidência. Toda reflexão que se faça sobre o sentido de pertença, se relaciona estritamente com a identidade e a pressupõe. Que significa ser homem? Que significa ser mulher? Que significa ser religioso/a em nossos dias? Que significa hoje ser discípulo de Jesus Cristo? Que coisa está bem e é fundamental? Onde estou andando? Que é o que devo fazer na vida para poder chegar à plenitude da existência? A quem pertenço e quem me pertence?
A estreita conexão entre pertença e identidade é uma lei psicológica, porém mais ainda, uma estrutura do ser como tal. Não há identidade sem pertença e não há pertença sem identidade: são distintas e, no entanto, estão substancialmente ligadas. É, portanto, obvio que para falar de pertença é necessário falar de identidade: para ter consciência de si e para distinguir-se do outro.
2.1 – Identidade do Franciscano Secular.
Quem são os franciscanos seculares espalhados pelo mundo? Qual é sua identidade?
Alguns de nós, leigos ou religiosos, tivemos ocasião de conhecer no passado outras concretizações da Ordem Terceira. Entre nós houve grupos bastante numerosos. Seus membros usavam um hábito externo bastante característico para os irmãos e as irmãs. Em alguns lugares os irmãos sentavam-se de um lado e as irmãs, do outro.
Aos poucos, no curso da Segunda metade do século XX, toda a família franciscana foi conhecendo transformações. A 24 de junho de 1978 os terceiros tiveram sua nova Regra aprovada pelo Papa Paulo VI. Começou um intenso período de renovação. O jeito dos irmãos e das irmãs de antigamente foi cedendo lugar a um novo modo de ser franciscano, idêntico no essencial, diferente em suas manifestações. Conheceu-se um período de estudo e de assimilação da nova Regra. A Regra passou a ser ponto de referência fundamental na busca da identidade.
A Ordem Terceira passou a ser designada de Ordem Franciscana Secular. Desejou-se marcar a presença dos leigos franciscanos no mundo. Procurou-se buscar precisamente nessa secularidade característica importante da OFS. Mais tarde, na Chistifideles Laici, o Papa João Paulo II, retomando a doutrina do Concílio Vaticano II, escrevia: “A vocação dos leigos à santidade comporta que a vida segundo o Espírito se exprima de forma peculiar em sua inserção nas realidades temporais e na sua participação nas atividades terrenas”.
Para atualizar a reflexão, temos que nos perguntar: que significa ser franciscano secular? Que buscam as pessoas que hoje fazem a Profissão na Ordem? Estas perguntas não nos incomodam e não nos inquietam demais porque nos parece que nossa resposta já está dada na vida cotidiana. Tudo parece resolvido: o cotidiano, cada um é aquilo que faz, e cada Fraternidade é o que realiza.
No entanto, com espírito menos acomodado, não deveríamos nos contentar com esta primeira resposta. Qualquer um pode realizar as funções que nós exercitamos no mundo, e qualquer associação ou movimento pode realizar o apostolado que nós fazemos, sem necessidade de pertencer a OFS.
Quando nos damos conta disto, se abre diante de nós um abismo. Nos preocupamos e nossa consciência nos acusa de incoerência e de falta de radicalidade no “seguimento de Cristo pobre e crucificado”, ao modo de são Francisco. Para nos tranqüilizar, buscamos dar um colorido franciscano àquilo que fazemos (ou faz a Fraternidade): promovemos a devoção a São Francisco, organizamos exposições de artigos franciscanos, encenamos o trânsito de São Francisco, falamos de São Francisco nos programas de rádio, etc... .
Não será que o franciscanismo que promovemos seja uma realidade acidental, secundária? Em outras palavras: não será que somos profissionais, estudantes, comerciantes, administradores, ministros da Eucaristia, freqüentadores habituais de grupos paroquiais e, além disto, também, franciscanos?
No começo de nossa Regra se encontram os elementos fundamentais do projeto de vida franciscano secular: os franciscanos seculares são homens e mulheres que, “impulsionados pelo Espírito a atingir a perfeição da caridade no próprio estado secular, se comprometem pela Profissão a viver o Evangelho à maneira de são Francisco e mediante esta Regra confirmada pela Igreja” (R.2).
Da legislação atualizada da OFS (Regra e Constituições Gerais) se deduz que a identidade do franciscano secular se expressa em uma tríplice dimensão: pessoal (a vida interior), fraterna (a corresponsabilidade) e universal (a missão).
2.1.1 – Pessoal (vida interior).
Em um tempo de instabilidade e de oscilação é fundamental chegar ao coração da interioridade para dar consistência aos compromissos e as fidelidades pessoais. Sem a base da interioridade, toda nossa vida se faz fluida e tudo aparece suspenso no ar. Corremos o risco de esquecer quanto extraordinariamente seja a aventura na qual Jesus nos envolveu. Este é o motivo pelo qual nossa Regra (nº7) nos recorda que a conversão “deve renovar-se a cada dia”.
Existem alguns instrumentos para esta renovação da pessoa, que leva ao redescobrimento de nossa identidade e do sentido de pertença. O primeiro de todos é a formação permanente para manter desperta a consciência que o ser franciscano se realiza sempre como um novo chegar a ser franciscano: não é jamais uma história acabada que ficou atrás, senão um caminho que exige sempre um novo exercício. A renovação da pessoa é feita de pequenos compromissos, que devem desembocar naquele compromisso mais amplo que chamamos “forma ou programa de vida”.
Outro instrumento é a oração. É verdade que aos franciscanos seculares devem assumir seus compromissos como cidadãos no âmbito da vida pública, competência profissional, promoção da solidariedade e da liberdade, dos direitos humanos e da justiça, diria, como um terceiro instrumento. Ainda assim, o que é especificamente nosso é a oração ao Deus vivente. A dimensão contemplativa permite ir ao mundo com os olhos iluminados pela esperança e compaixão.
É muito importante que a Fraternidade seja verdadeira escola de oração, lugar de concórdia, espelho de caridade e fonte de esperanças, de maneira que todos seus membros experimentem a alegria de sentirem-se amados pelos irmãos e, ao mesmo tempo, a necessidade de comunicar aos que nos rodeiam a plena felicidade de ser discípulos de Cristo.
2.1.2 – Fraterna (Corresponsabilidade).
a – Pertença a Ordem.
Nossa pertença a OFS se fundamenta sobre a Profissão, o ato pelo qual somos solenemente comprometidos a “viver o Evangelho a maneira de são Francisco e mediante esta Regra confirmada pela Igreja”.
O artigo 30.1, das CCGG, diz: “Os irmãos são corresponsáveis pela vida da Fraternidade a que pertencem e pela OFS como união orgânica de todas as Fraternidades espalhadas pelo mundo”. Ou seja, os franciscanos seculares são membros de uma fraternidade local, mas pertencem a todas, na vida e na missão da corresponsabilidade.
b - Pertença a Fraternidade Local.
Todos conhecemos de memória a definição de Fraternidade Local contida no art. 22 da Regra: “primeira célula de toda a Ordem... sinal visível da Igreja... comunidade de amor...”.
Para explicitar estas afirmações básicas, as CCGG, art. 30.2, precisam como deve ser vivida a pertença a Fraternidade: “O sentido de corresponsabildade dos membros exige a presença pessoal, o testemunho, a oração, a colaboração ativa, segundo as possibilidades de cada um e os eventuais compromissos para a animação da Fraternidade”.
A presença pessoal, ou seja, a participação freqüente (não opcional) aos encontros da Fraternidade, que não podem ser mais as famosas “reuniões mensais”, mas sim, “encontros freqüentes”, organizados pelo Conselho para estimular a cada um a vida de fraternidade e para um crescimento de vida franciscana e eclesial (R.24).
O testemunho, de vida evangélica e de vida fraterna e como apostolado preferencial, inclusive como meio de animação vocacional (R.23 e CCGG art. 17 e 37.3).
A oração, que é a “alma do próprio ser e do próprio agir” (R.8).
A colaboração ativa, de todos e de cada um, para o bom funcionamento da Fraternidade, para o desenvolvimento dinâmico e participativo das reuniões, para a realização de iniciativas caritativas e de apostolado (CCGG 31.4).
Os eventuais compromissos na animação da Fraternidade, em particular, quando um irmão/ã é indicado para tal ou qual cargos/serviços (CCGG 31.4). Com efeito, o Professo definitivo, de acordo com sua capacidade e disponibilidade, considerados os interesses superiores da OFS, não deve se eximir da aceitação de encargos, salvo por graves razões, sempre que indicado para exercer cargos ou funções em órgãos da Fraternidade de qualquer dos níveis.
A contribuição econômica, na medida das possibilidades de cada membro (CCGG 30.3), para proporcionar os meios financeiros necessários para a vida da Fraternidade e para suas obras de culto, de apostolado e caritativa.
Porém, ainda não basta. A corresponsabilidade compromete a todos os membros a dar atenção ao “bem estar” humano e espiritual de cada um dos irmãos (CCGG 42.4); nenhum deve ser deixado sozinho a frente de seus problemas e dificuldades, mas a Fraternidade deve encontrar ajuda (inclusive material) e apoio.
c – A pluripertença.
Um dos maiores obstáculos que se interpõe a corresponsabilidade é a que convencionalmente chamamos de “pluripertença”, quer dizer, a tendência de alguns franciscanos seculares a aderir a uma multiplicidade de grupos e associações eclesiais. Não podemos esquecer que “A vocação à OFS é uma vocação específica, que informa a vida e a ação apostólica de seus membros” (CCGG 2.1).
2.1.3 – Pertença e Missão.
Abertura ao mundo. O anúncio do Evangelho é um dom gratuito que a Igreja faz ao mundo e os franciscanos seculares “a ela mais ligados pela Profissão” são chamados a anunciar a Cristo “com a vida e com a palavra” (R.6).
O campo da missão é hoje muito vasto: os setores mais marginalizados, as comunidades indígenas, os pobres das zonas urbanas, os imigrantes, os refugiados, etc. O objetivo deve ser aquele de promover a universalidade da mensagem cristã através da presença.
Outras formas de intervenção: formação política, social e humana (que deve ser ministrada nas Fraternidades – Diretrizes de Formação), voluntariado, atenção para com os jovens (CCGG 97.1), Ecologia, Ecumenismo e diálogo interreligioso e a “missão ad gentes”.
3 - Conclusão: algumas indicações práticas.
Como, na prática, alimentar o sentido de pertença a uma determinada Fraternidade secular e a Ordem, em sua totalidade? Não nos esqueçamos que nossas CCGG (art. 30.1), citado acima, afirma com força que os franciscanos seculares são membros de uma Fraternidade local, porém pertencem a todas, na vida e na missão.
Cada Fraternidade, nos distintos níveis (local, Regional e Nacional), deveria propor-se seriamente como objetivo de converter-se, em:
a – Escola de Santidade, através de uma intensa vida litúrgica, sacramental e caritativa, organizando retiros espirituais e revisão de vida.
b – Ser uma autêntica escola de formação.
c – Dar o testemunho de comunhão eclesial: alimentar a identidade na medida em que a Regra passa a ser vida dos irmãos e das fraternidades, na leitura assídua dos escritos de São Francisco e de Santa Clara.
d - Viver intensamente as reuniões (não falemos mais somente de reuniões mensais) como sacramento da fraternidade. Fundamental tomar a decisão de se fazer presente na vida dos irmãos: alegrar-se com os que chegam, pensar nos que não vieram, procurar descobrir as razões pelas quais alguns perderam a motivação. Os Conselhos, particularmente os formadores, saberão criar condições para que as reuniões sejam efetivamente agradáveis, proveitosas e enriquecedoras para os formandos e todos os irmãos.
e - Preocuparem-se, os irmãos e as irmãs, em regularizar as contribuições financeiras, como expressão de pertença à Ordem e comunhão com suas necessidades.
f – Presença na sociedade, à luz da Doutrina Social da Igreja e da nossa Regra.
Obrigado e Paz e Bem!
⌂ Profissão na OFS, Dom e Compromisso.
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Bibliografia:
“Identidade Franciscana Secular – Senso de Pertença à OFS”, de Frei Almir R. Guimarães, publicado em “Paz e Bem”, jul/ago 2004.
“Pertenza all’OFS”, Emanuela de Nunzio, OFS, Capitolo generale, Nov/2008, Hungria.
Colocações pessoais do autor.
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Extraído de http://ofsvilaclementinosp.blogspot.com/2009/04/senso-de-pertenca-ordem-franciscana.html acesso em 07 abr. 2009.
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