Por Frei Clemente Kesselmeier
Num de seus livros, Gabriel Garcia Marques fala de uma vila de pescadores, onde reinam o tédio, a monotonia, o vazio, cada novo dia já nascendo velho.
Acontece que num dia como todos os outros, o mar traz à praia um homem morto.
As mulheres preparam o cadáver em profundo silêncio. Mas, de repente, uma mulher fala:
- "Se tivesse vivido entre nós, teria de ter curvado sempre a cabeça ao entrar em nossas casas. Ele é muito alto..."
Uma outra mulher:
- "Fico pensando como teria sido a sua voz... Como o sussurro da brisa? Como o trovão das ondas? Será que conhecia a palavra secreta que faz com que uma mulher apanhe uma flor e a coloque no cabelo?".
De novo a voz de outra mulher:
- "Estas mãos... Que será que fizeram? Brincaram com crianças? Navegaram mares? Travaram batalhas? Construíram casas? Será que sabiam abraçar e acariciar o corpo de uma mulher?".
E todas se surpreendem ao perceber que o enterro está se transformando em ressurreição. Sonhos renascidos, cinzas virando fogo, desejos aparecendo, corpos acesos de novo. Os maridos pensam sobre os sonhos que nunca tiveram, os poemas que nunca escreveram, os mares que nunca navegaram, as mulheres que nunca abraçaram sequer na fantasia...
A história termina dizendo que a aldeia nunca mais foi a mesma. De repente os mortos-vivos ressuscitaram. O mesmo céu, o mesmo mar, as mesmas faces, mas tudo está transformado. Sua vida cotidiana, monótona... tudo é transfigurado.
Novos olhos, novos rostos, um novo sentido, um novo prazer, uma nova percepção e uma nova consciência acordam a beleza adormecida. Sonhos, desejos, visões, esperanças, saudades, palavras, imagens, pessoas se levantam do túmulo.
Falamos muito sobre a Ressurreição.
O que realmente aconteceu?
Como? - Quando? - Onde?
Existem argumentos sólidos?
Podemos provar o acontecido no domingo de Páscoa?
O que poderá significar a Ressurreição para nossa vida?
O que significa nossa fé na Ressurreição?
Sabemos que nossa vida é como uma semente, da qual vai brotar, a planta, a palmeira, o coqueiro, a roseira...
Não há comparação entre a semente e o resultado, a flor, o fruto, a colheita. Não há comparação entre o rio e o mar.
Quando morremos, vai nascer uma vida nova, diferente, espiritual, imortal, humana plena pela energia de Deus.
Somos como flores no tempo da primavera chamados à gloria da Ressurreição. A Ressurreição não é apenas o acontecimento do passado ou do futuro, mas a força existencial, atual e permanente de Cristo que atua e vence em nós e através de nós. É o novo sol da Vida e da Esperança. Os primeiros cristãos não tentaram provar ou explicar a Ressurreição.
Simplesmente viviam com alegria a mística da Ressurreição.
Era a LUZ para enxergar além dos horizontes.
O CAMINHO para escalar a montanha da Vida.
O FUNDAMENTO para construir o homem inteiro.
O DINAMISMO para fazer florescer o novo.
A CERTEZA de realizar nossas potencialidades.
A EXPERIÊNCIA da presença invencível de Cristo.
O SIGNIFICADO definitivo de nossa jornada.
O TESOURO que comunica a felicidade.
A GLÓRIA de viver na plenitude de Deus.
O SOL que não conhece o ocaso.
Não podemos separar a ressurreição da Cruz. Optar pela vida significa abraçar a cruz que nasce da luta contra os sofrimentos. A cruz é sempre o símbolo do amor pela vida, esta nossa vida sempre arriscada e ameaçada. Não é Deus quem nos faz sofrer. O sofrimento é consequência de nosso egoísmo, de nosso desamor.
A Páscoa é sempre existencial, ou ela não significa mais nada. À medida que lutamos contra as forças da morte, somos seres pascais.
Vale a pena meditar o que o poeta alemão Goethe disse no passeio de Páscoa de Fausto:
"Eles festejam a Ressurreição do Senhor, porque eles mesmos ressuscitaram".
Viemos de Deus. Somos de Deus.
Vivemos em Deus. Respiramos o sopro de Deus.
Voltaremos para Deus como o rio ao mar, nosso fim e nossa meta, nosso sonho e nossa bem aventurança, nosso renascer na pureza original.
Só em Deus somos plenamente nós mesmos.
Aqui tudo é passagem, êxodo, caminhada.
Nada está definido, realizado, terminado.
Tudo é provisório, efêmero e fugaz.
Estamos sempre a caminho.
Tudo passa. Nós passaremos.
Só o AMOR permanece.
Deus é nossa estação final. Por isso, nosso futuro é imensamente maior do que o passado e nosso presente.
"O que os olhos nunca viram, os ouvidos não ouviram, o coração humano nunca sentiu, Deus preparou para aqueles que O amam".(São Paulo)
"É impossível não crer em Ti,
É impossível não Ti encontrar,
É impossível não fazer de Ti meu ideal."
Frei Clemente Kesselmeier - Convento de Santo Antônio - Rio de Janeiro (RJ) - Páscoa/2004
Ilustração: Ressureição de Cristo / Rafael. 1499-1502
Extraído de http://www.franciscanos.org.br/v3/vidacrista/artigos/ref23.php acesso em 15 fev. 2009.
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