Por Pedro Paulo A. Funari
IFCH/Unicamp
http://lattes.cnpq.br/4675987454835364
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EHRMAN, Bart D. O que Jesus disse? O que Jesus não disse? Rio de Janeiro, Prestígio,
2008.
2008.
Bart D. Ehrman é catedrático do departamento de estudos religiosos da Universidade da Carolina do Norte, nos Estados Unidos. Estudioso com formação no campo teológico, embora ainda jovem, destaca-se por sua erudição, por um lado, e pelo esforço de divulgação científica, de outro. Publicou obras que logo se tornaram best-sellers, como A verdade e a ficção em o Código da Vinci (Rio de Janeiro, Record, 2005), assim como uma série de contribuições sólidas sobre Jesus (Jesus: apocalyptic prophet of the new millenium, Oxford, Oxford University Press, 2001), sobre o cristianismo inicial e sobre os padres da Igreja (The Apostolic Fathers, vol. 1 e 2, Harvard, Loeb, 2003).
O livro inicia-se com uma introdução, de caráter pessoal, sobre o interesse do autor na busca do texto bíblico original. Relembra como aprendeu o grego e o hebraico e descobriu que a Bíblia não era infalível e continha erros. Isto o levou a uma revisão radical da sua interpretação bíblica e a perceber que havia autores e pontos de vista diversos. A partir desta honesta apresentação da suas motivações, Ehrman parte para as origens dos textos sagrados cristãos e estabelece que tanto judaísmo como cristianismo são religiões fundadas no livro, ainda que as pessoas fossem, em sua imensa maioria, analfabetas. Começa pelos documentos mais antigos do Novo Testamento, as cartas de Paulo, a partir da Primeira Carta aos Tessalonicenses, epístola divulgada por volta de 49 d.C., pouco mais de vinte anos após a morte de Jesus. Lembra que as cartas eram ditadas a escribas e apenas assinadas pelo autor. Recebidas no destino, eram lidas em voz alta para a comunidade de iletrados. Após um exame do conjunto de textos cristãos iniciais, o autor conclui que os livros canônicos do Novo Testamento só foram consolidados e tratados como escrituras sagradas centenas de anos após terem sido escritos.
Dentre os cristãos iniciais, a maioria de analfabetos era complementada por uma nata de pessoas com algum estudo formal e a experiência comum dos fieis consistia em ouvir a leitura, de modo que, de forma paradoxal, uma fé baseada no texto era compartilhada por analfabetos. Isto o conduz aos copistas dos primeiros tempos do cristianismo. Como não havia meios de difusão de massa, como a imprensa, toda distribuição de escritos dependia da cópia à mão. A prática grega da scriptio continua, com a escrita das palavras sem pontuação e sem separação, dificultava muito a leitura, à diferença, devo dizer, da contemporânea cursiva latina, atenta à separação dos vocábulos, mas que não foi usada pelos primeiros cristãos. Neste contexto, abundavam os erros de transcrição. Mais importantes são os acréscimos dos escribas, como no caso de João 8,1-11, sobre a mulher adúltera e o desafio de Jesus: que a lapidasse quem não tivesse pecado. Não fazia parte do manuscrito original, mas podia ser uma nota de escriba que retomava uma tradição oral. Passou a fazer parte do cânone e tornou-se uma das passagens mais citadas, por sua beleza e generosidade.
Ehrman dedica-se, em seguida, às versões do Novo Testamento. O imperador Constantino, em 331 d.C, mandou fazer cinqüenta exemplares, encomenda conferida ao bispo de Cesaréia, Eusébio. No final do século IV, o papa Damaso pediu a Jerônimo que fizesse uma versão oficial para o idioma ocidental, o latim, no que viria a ser a Vulgata, muito mais copiada do que o Novo Testamento grego. Após a invenção da imprensa, as primeiras versões gregas tardaram a serem publicadas. A mais antiga data de 1522, a Poliglota Complutense, em Madri. Inventou-se, logo em seguida, a expressão textus receptus, a forma do texto grego, supostamente baseada nos melhores e mais antigos manuscritos. John Mill, docente em Oxford, publicou em 1707 a primeira versão com aparato crítico, que buscava registrar as diferenças nos manuscritos, em número de trinta mil. Hoje, com muitos mais manuscritos, muitas mais variações foram anotadas e as modificações podem ser atribuídas a fatores casuais ou intencionais.
A busca dos textos originais merece atenção especial, pois o caráter sagrado do Novo Testamento colocou questões teológicas importantes, a esse respeito. Alguns princípios são estabelecidos, como aquele, bem conhecido da Paleografia, que pressupõe que a leitura mais difícil deve ser sempre preferida. A identidade de leitura implica a identidade de origem e, portanto, é possível definir grupos familiares de manuscritos, com base na concordância textual entre os que chegaram até nós. Os métodos modernos de crítica textual partem de análises externa e interna. Um estudo de caso refere-se à apresentação de Jesus irritado (orgistheis) ou movido pela compaixão (splagnistheis) (Marcos, 1, 41) e Ehrman conclui que, como indica o princípio geral, a leitura mais difícil deve ser preferida e deve supor-se que o original “irritado” foi alterado, em algum momento, para “com compaixão”. Os argumentos são vários, a começar pelas referências várias, em Marcos, à ira de Jesus (Marcos 3,5; 10,14). Já Lucas constrói um Jesus imperturbável, omitindo as referências ou mesmo invertendo as informações de Marcos. Neste, Jesus, na cruz, grita, em aramaico, “meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?”, enquanto Lucas (23,34) conclui com “Pai, perdoe-os, pois não sabem o que fazem”.
Outros diversos casos são apresentados e discutidos, em sua maioria por cristãos ortodoxos que procuravam eliminar possíveis leituras heréticas, femininas, hebraicas ou pagãs. O capítulo seguinte, sobre o contexto social, trata de alguns temas candentes para as discussões teológicas atuais, a começar pelo papel das mulheres na Igreja inicial. Mulheres, pobres, doentes e marginalizados constituíam a maioria dos seguidores de Jesus. Em algumas igrejas, as mulheres tinham papel de destaque e as cartas originais de Paulo de Tarso reconhecem essa proeminência. Em seguida, surgiram alterações nos textos, de modo a restringir essa autonomia feminina, como no caso de Júnia (Romanos, 16), nomeada como uma entre os apóstolos. Alguns manuscritos alteraram o texto, a fim de evitar a inclusão de uma mulher entre os apóstolos. O caráter judaico de Jesus também foi atenuado ou excluído, de modo que ele parecesse nada compartilhar com aquele grupo étnico e religioso. Na conclusão, o autor volta a enfatizar a diversidade de pontos de vista no cristianismo inicial e a resultante variedade de interpretações da vida de Jesus e dos seus primeiros seguidores.
O livro de Ehrman constitui uma contribuição original para todos os que se interessam pelo cristianismo antigo e, em especial, para aqueles que se voltam para a leitura do Novo Testamento. Em primeiro lugar, permite observar como havia uma grande diversidade entre os seguidores de Jesus e a ortodoxia tardaria a impor uma única leitura. Em seguida, fica claro o papel da institucionalização da religião cristã ortodoxa, como parte do Imperium Romanun Christianum, na composição de um cânon. No que se refere à crítica textual, não menos importância reveste-se a análise das diversas opções de leitura, ao apresentar uma vida de Jesus muito diversa, de um autor a outro. Jesus ficava irado? Diante da morte, ficava transtornado? Deixou que uma adúltera fosse liberada? A doutrina da Trindade estava no Novo Testamento? Jesus foi chamado de Deus único? Sabia do fim do mundo? As perguntas acumulam-se, diante da diversidade de interpretações, a partir das diferentes lições dos manuscritos. No final, a grande mensagem do volume consiste em advertir para uma leitura crítica e aberta do texto bíblico, obra humana.
Srs., por favor me desculpem, mas este livro está cheio de equívocos e de controvérsias que há muito tempo não estão mais em discussão entre os críticos textuais. Considero um retrocesso o Sr. Bart tornar público polêmicas que somente podem ser entendidas na sua totalidade, e devidamente refutadas, por especialistas da baixa crítica textual. Com suas críticas tardias, o autor ofende o cristão genuíno ao sonegar a devida explicação de que as versões atuais (ao menos aquelas da SBB - Sociedade Bíblica do Brasil) estão livres das polêmicas levantadas pelo autor. Outro detalhe é que o autor se auto denomina "agnóstico", o que já é o bastante para o desqualificar - por completo - no empreendimento desta obra.
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