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sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Luiz Carlos Susin sobre Fratello Sole, Sorella Luna

Ficha Técnica

Título Original: Fratello Sole, Sorella Luna
Gênero: Drama
Tempo de Duração: 121 minutos
Ano de Lançamento (Inglaterra): 1972
Estúdio: Vic Films / Euro International Film S.A.
Distribuição: Paramount Pictures
Direção: Franco Zeffirelli
Roteiro: Suso Cecchi d'Amico, Kenneth Ross, Franco Zeffirelli e Lina Wertmüller
Produção: Dyson Lovell e Luciano Perugia
Música: Riz Ortolani e Donovan
Fotografia: Ennio Guarnieri
Desenho de Produção: Lorenzo Mongiardino, Carmelo Patrono e Gianni Quaranta
Figurino: Danilo Donati
Edição: Reginald Mills

Sinopse

A trajetória da vida de São Francisco de Assis (Graham Faulkner), que, quando jovem, era filho de comerciantes ricos e desfrutava de vinho, mulheres e canções sem ter nenhuma preocupação. Quando a guerra e a doença assolam a região onde vive, ele sofre uma grande transformação. Ao aparecer diante do bispo local e tirar suas roupas renuncia sua vida prévia para se dedicar a Deus. Mas sua pregação só iria chegar ao ápice ao ir para Roma, para ter uma audiência com o papa Inocêncio III (Alec Guinness).

Um verdadeiro clássico do cinema, Irmão Sol, Irmã Lua, dirigido em 1972 por Franco Zeffirelli, será exibido em 18 de novembro na programação do evento Idade Média e Cinema II, promovido pelo Instituto Humanitas Unisinos (IHU). Anote e participe: das 8h30min às 12h, na sala 1G119 do IHU. Quem conduz a discussão posterior à exibição do filme é o Prof. Dr. José Alberto Baldissera, da Unisinos.

"Para debater o assunto, a IHU On-Line propôs as duas entrevistas que seguem: a primeira, com o capuchinho gaúcho Luiz Carlos Susin, e a segunda com Baldissera, ambas realizadas por e-mail.

Susin é secretário executivo do Fórum Mundial de Teologia e Libertação (FMTL) e coordenou o primeiro Fórum Mundial de Teologia e Libertação, realizado em Porto Alegre, em 2005, às vésperas do Fórum Social Mundial. Entre suas inúmeras contribuições à IHU On-Line, destacamos a mais recente, na edição 175, de 10-04-2006, quando repercutiu uma entrevista concedida pelo teólogo espanhol José Maria Vigil, que critica o primeiro Fórum Mundial de Teologia e Libertação e tece comentários sobre o Fórum Social Mundial de Caracas, realizado em janeiro deste ano. A entrevista que inspirou a conversa foi publicada na página do Instituto Humanitas Unisinos – IHU, endereço www.unisinos.br/ihu, no dia 15-03-2006. Atualmente, Susin leciona na Pós-Graduação em Teologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). É teólogo graduado pela PUCRS, mestre e doutor em Teologia pela Pontifícia Universidade Gregoriana (PUG), Itália. Para Susin, a vida de São Francisco de Assis inquieta e fascina, inclusive em nossos dias, e é um “prato cheio para a psicanálise”. Confira."

“Uma biografia inquietante e fascinante também para nosso tempo”
ENTREVISTA COM LUIZ CARLOS SUSIN

IHU On-Line – Considerando o filme de Zefirelli, como é possível compreender os ideais franciscanos hoje, no século XXI?

Luiz Carlos Susin – Zefirelli era cenógrafo da Grande Ópera, e seu filme reflete um bocado a grande cena com estética refinada. A grandiosidade poderia ter obscurecido o espírito típico de Francisco. Mas ele contou com a consultoria de excelentes pesquisadores da história franciscana, sobretudo de Francisco e de Clara. O século XX se caracterizou por uma “volta às fontes” e o filme de Zefirelli se beneficiou disso. Os ideais franciscanos são recuperados de forma segura e humanamente compreensível, e traduzidos em linguagem cinematográfica de forma bastante convincente. No entanto, trata-se apenas dos anos agitados de juventude, não de todo o desdobramento da sua vida, que teve surpresas até o final.

IHU On-Line – O que o homem contemporâneo, muitas vezes pautado pelo consumismo e pelo imediatismo, pode aprender com a trajetória de São Francisco de Assis?

Luiz Carlos Susin – Em certa medida, como biografia pessoal e contexto cultural, a originalidade de Francisco não pode ser imitada. Alguns acontecimentos extremos de sua vida, desde a relação tumultuada com o pai, a educação para “saltar de classe social”, a vaidade e a mania de grandeza com a conseqüente frustração e depressão, tudo isso obrigou, de certa forma, a remédios extremos que não podem ser entendidos e menos ainda aplicados fora de sua biografia. Ele precisou elaborar com muito custo a sabedoria do equilíbrio, o “caminho do meio”. Mas exatamente por isso ele se torna um paradigma, um modelo amplificado, dos desequilíbrios e das possíveis buscas de soluções autênticas para uma cultura exacerbada em aparências e gostos. Por trás disso, ele já tinha, na figura de um pai mercador, o início de uma sociedade em que o dinheiro ganha poder e dá sustentação ao consumo. Ele foi mestre em experimentar, em entender a fundo, em desmascarar e reagir de forma saudável a isso. Por isso, tem uma biografia inquietante e fascinante também para o nosso tempo.

IHU On-Line – Como a peregrinação de Francisco e seu desprendimento aos bens materiais influenciou a espiritualidade franciscana e o surgimento das ordens mendicantes? Ainda hoje é possível ser um peregrino? E qual é o significado desse tipo de evangelização?

Luiz Carlos Susin – Tornar-se um “nômade” num mundo globalizado, em que há o incremento do turismo dos que têm dinheiro e a migração mais perturbadora dos que buscam o mínimo de recurso, é um dos grandes fenômenos antropológicos da ordem do dia. Mas ser “peregrino”, se tem algo em comum, tem um coração diferente: anda em busca de algo sagrado. O choque do despojamento, um choque não planejado que lhe veio por sobre a cabeça, e a descoberta da humanidade e do evangelho com os simples na periferia da sociedade cumpriu a primeira parte: a disposição a peregrinar de forma despojada. A segunda parte, a mendicância, além de ser uma terapia de choque para sua vaidade, tornou-se, mais essencialmente, um método de evangelização na busca de relacionamento em torno de uma “mesa comum”: os bens da criação para todos e o trabalho como uma dádiva e como contribuição para os que necessitam da mesa comum e não podem trabalhar – no caso dele, sobretudo os doentes. Francisco desconectou o trabalho do sagrado direito de propriedade sobre o produto do trabalho, por um lado, mas antes disso desidentificou “bens” e “propriedades”. Ao pedir esmola, mesmo depois de trabalhar e não receber nada pelo trabalho, ele estava revelando que não há razão para “o meu e o teu”, tudo é dom para todos. É sobre esta relação de socorro da necessidade, de carência exposta, confessada, que se solidifica a gratuidade da fraternidade.

IHU On-Line – Como o senhor explica a experiência de conversão de Francisco? E qual foi o impacto dessa decisão para a época, sobretudo no contexto social do qual provinha Francisco?

Luiz Carlos Susin – A personalidade extremada de Francisco tornou-se complicada para uma imitação posterior, como já sugeri. E não se trata de um “temperamento” inato, mas algo forjado no contexto familiar e social de seu tempo. Ele foi esmagado pela ambição e projeção paterna, foi uma bolha que primeiro inflou e depois rompeu. Nada foi programa, não se tratou de algo “voluntarista”. Ele viu na grande crise, na “resiliência” à qual foi submetido, e na grande transformação, a mão mesma de Deus. Outros jovens e mesmo pessoas mais adultas, inclusive mulheres bem mais jovens, como foi o caso de Clara, experimentavam algo muito próximo de sua experiência. Por isso houve um “boom” de seguidores, provindos inclusive de classes diferentes. Depois dos fatos narrados por Zefirelli, Francisco viveu somente mais vinte anos, sempre de forma muito intensa e criativa. Os que o seguiam não tinham sempre o mesmo impulso, e então veio cada vez mais a instituição, a regra, a formalidade. Mas ficou a “memória inquieta”.

IHU On-Line – O homem vem depredando seu próprio planeta. Em que aspectos o pensamento de Francisco poderia nos fazer mudar essa postura?

Luiz Carlos Susin – A figura de Francisco é facilmente engolida por uma espiritualidade romântica de unidade com a natureza. Isso não condiz com a experiência de Francisco. No tempo em que foi “ao fundo do poço” até a natureza o aborrecia. Quando ele a redescobriu, foi na forma de relacionamento fraterno e sororal: não são sítios para nosso prazer bucólico nem são parte de um organismo vivo sem alteridade. Todos os elementos são “outros”, numa relação que pode ser cordial se eu tomar iniciativa cordial, como o lobo ou o fogo. A distância antes da unidade, a renúncia e o despojamento antes da comunhão, tornam pura a relação de fraternidade. Francisco podia falar com o lobo, com as cotovias, com o céu sereno porque tinha aceitado também o céu nublado e “toda sorte de tempo com que às tuas criaturas dás sustento” (Cântico do Irmão Sol).

IHU On-Line – Gostaria de acrescentar algum aspecto não questionado?

Luiz Carlos Susin A filmografia sobre Francisco segue a de Jesus: sua rica personalidade, poeta por impulso místico, ecologista por espiritualidade fraternal, foi uma personalidade que passou pela complexidade para se revelar em simplicidade. Por isso é intrigante e paradoxal: meiga e viril, refinada e direta, humilde e cortês, com longo percurso de luto e integração para desembocar na perfeita alegria. É prato cheio para a psicanálise: um dos livros mais interessantes que buscam uma compreensão psicanalítica de Francisco se intitula De Narcisse à Jésus. La quête d’identité chez François d’Assise. Montréal et Paris: Éditions Paulines et Cerf, 1992 (De Narciso a Jesus), de Marc Charron.

Extraído de http://www.ihuonline.unisinos.br/index.php?option=com_eventos&Itemid=26&task=evento&id=44&id_edicao=223 acesso em 22 fev. 2010.

Foto: Franco Zeffirelli, cineasta italiano. Revista pajaro de fuego nro 6 abril 1978. Disponível em http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Francozeffirelli.jpg acesso em 22 fev. 2010.


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