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terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

CLara e suas irmãs vão estruturando sua vida

Frei Almir Ribeiro Guimarães, OFM 

Continuamos a acompanhar os passos de Clara e de suas irmãs. Sempre diante de nossos olhos a biografia da santa escrita por Chiara Giovanna Cremaschi (Chiara di Assisi. Un silenzio che grida). Hoje veremos como foram se esboçando as primeiras estruturas para a vida das irmãs. Bom seria que os leitores tomassem conhecimento dos textos publicados até o momento neste site (clique aqui). Assim, poderão melhor se situar no contexto desta página.

1. A vida das pobres irmãs de São Damião, das clarissas, precisou ganhar estruturas.  Normal que os primeiros momentos de um carisma, marcados por um entusiasmo  generoso,  não necessitem de leis e de enquadramentos mais explícitos. Aos poucos, em benefício do grupo, a vida precisa ir se estruturando, sendo instituída. Provavelmente nessa altura,  as irmãs fossem em número sete.  Pode ser que algumas tenham entrado e falecido e seus nomes não constem do Processo de Canonização que é a mais rica fonte dos tempos primeiros. Crescendo o número de irmãs, foram necessárias algumas modificações.  Não era mais possível simplesmente seguir a Regra dos Eremitérios com a alternância entre mãe e filhas. Permanece, no entanto, o esquema diário com muitas horas consagradas à contemplação.  Normal que um grupo  que vai crescendo necessite de uma pessoa responsável. A esta cabe ajudar as irmãs a viverem a obediência, dimensão profunda da pobreza, que se expropria da vontade própria para dá-la ao Senhor através da mediação humana que será a figura da responsável.  A plantinha do Seráfico Pai era uma autoridade viva que ensinava o caminho a ser percorrido simplesmente por seu exemplo.  Clara, na verdade, talvez não achasse necessário uma “superiora”.  O grupo não precisaria de uma autoridade jurídica.  Mas o bom senso apontava na linha da nomeação de uma abadessa.

2. A caridade que circula entre as irmãs,  parece a Clara,  como sendo o vinculo da perfeição, o estilo  evangélico que faz com que cada uma se sinta serva da outra, a viver o sentido profundo do lavar os pés umas das outras  pedido por Jesus. Clara está persuadida do apelo que lhe foi dirigido para servir e ser a última, vivendo até o fim aquele minorismo que via patenteado na vida de Francisco.  A experiência pessoal de Francisco  fez com que ele compreendesse que não se pode viver uma vida religiosa sem um ponto de referência definido. Está convencido de que a primogênita dos Favarone poderia muito bem ser a pessoa indicada para assumir este papel na nascente comunidade de São Damião. Clara tem suas reticências em aceitar o cargo. Francisco insiste e quase a obriga. Irmã Pacífica assim fala do assunto: “A testemunha  disse que, três anos depois que a sobredita Dona Clara entrou na religião, recebeu o regimento e o governo das irmãs, a pedido e por insistência de São Francisco, que praticamente o obrigou”  (Processo 1,6).  Tal  poderia se situar em 1214.

3. Tendo recebido este novo chamamento, representado pelo cargo de autoridade,  Clara descobre logo que assim terá possibilidade de servir melhor às irmãs, de dar-se sem reservas  a todas e a cada uma.  A mãe, e Clara será mãe até o final, será uma solicitude que sempre se dá, favorecendo o crescimento espiritual da outra. Melhor esse serviço amoroso do que mandar.  As irmãs aprendem com seu bom exemplo.  Clara exala “autoridade” em seu modo de ser e de agir.  No momento adequado fará  “suaves exortações” às irmãs (Processo  12,6).  Formava as irmãs no amor de Deus (Processo  8,3), incentivava no seguimento do Cristo pobre.  Quando a situação requeria, não hesitava em fazer a correção fraterna   (Processo 12,6).  A caridade de Clara era autêntica e amava as irmãs como a si mesma (Processo 4,18). Não acoberta  os desvios que fazem parte da fragilidade humana, mas coloca-os a descoberto para que tudo seja límpido e transparente  e tudo se oriente para a realização do desígnio do Pai. “Instruía as irmãs com muita mansidão e benevolência, mas quando era necessário, não deixava de repreendê-las” (Processo 6,4).  Não havia aspereza em suas exortações  porque Clara exalava a doçura que recolhia no colóquio constante com o Amado.  O ardor com que falava do Senhor, quando  se dirigia às irmãs, falando das exigências de uma vida sem outra posse senão o Senhor  nada  tinha de áspero. Queria as irmãs degustassem a doçura da intimidade com o Senhor.  Seu espirito materno se tornava mais forte quando uma irmã adoecia ou mostrava turbamento interior.  Ela se via possuída daquela misericórdia que sempre contemplara  em Cristo. Compadecia-se das irmãs que sofressem. “Tinha grande compaixão para com as aflitas; era bondosa e liberal para com todas as irmãs” (Processo  11,5).  Assim agia a abadessa de São Damião.

4. Detenhamo-nos agora na Igreja do tempo de Inocêncio III.  Os primeiros tempos da vida do mosteiro de São Damião coincidiram com  o pontificado do Papa Inocêncio III, grande pontífice  aberto aos sinais dos tempos, homem capaz de compreender e de abençoar a novidade evangélica franciscana.  Neste contexto nos perguntamos se houve, da parte do Papa, sinal de aprovação para a vida de Clara. Há uma alusão à pessoa de Inocêncio no Testamento de Clara. Ao falar da pobreza, ela escreve: “Para maior segurança, tive a preocupação de conseguir do senhor papa Inocêncio, em cujo tempo começamos, e dos outros seus sucessores que corroborassem com seus privilégios nossa profissão na pobreza...” (Processo 42). Os autores discutem se houve uma aprovação oficial. O que se pode dizer é que deve ter havido uma aprovação oral por parte de Inocêncio.

5. Em 1216, no tempo que morreu  Inocêncio III, houve  um prelado que veio do norte da Europa para ser ordenado bispo, Tiago de Vitry, que em seu país de origem havia seguido de perto a trajetória das beguinas. Alegrou-se  ao descobrir na Úmbria  a existência de um novo movimento evangélico que havia nascido do espírito de Francisco e pode mesmo ter visitado algum mosteiro das irmãs pobres. Tiago se mostra alegre com essa florescência evangélica.  O carisma de Clara vai se dilatando. Vai deixando São Damiao para surgir em outras regiões.  Era um fermento de renovação.  A fama de Clara começava a dilatar-se, sem dúvida, através dos frades menores. Os primeiros companheiros de Francisco  ficaram impressionados com a coragem e  a estatura espiritual desta jovem mulher e sempre encontraram nela um ponto de referência e profundo apoio em sua vida evangélica.

6. Em 1217,  ingressa em São Damião  Irma Balbina, filha de Martinho de Coccorano, sobrinha de Clara, que no seu testemunho por ocasião do Processo dirá: “por ser sobrinha carnal de Clara observava atentamente sua vida e costumes”  (Processo  7,11).  Os parentes  e os próximos passam a olhar com mais atenção essa que agora é abadessa. Não se sabe, com certeza, se ela assumiu este título  ou se o costume posterior é que a designou com esta palavra desde que entrou no mosteiro.  Clara nunca usará o título. Ela se designará de serva.   Deve-se dizer  que o aumento de pessoas ligadas por vínculos de sangue  ingressando em São Damião não parece ter criado problemas ao caminho da sororidade. A característica destas mulheres era a busca do seguimento de Cristo.  A proximidade do sangue talvez tenha mesmo facilitado.  Havia um cálida proximidade e estima recíproca.

Extraído de http://www.franciscanos.org.br/v3/almir/artigos/clara/12.php acesso em 05 fev. 2011.
Ilustração: Seal of Jacques de Vitry. Extraído de http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Seal_of_James_of_Vitry.jpgsso em 05 fev. 2011. ace

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