Frei Almir Ribeiro Guimarães, OFM
Continuamos a acompanhar o desenvolvimento do grupo de irmãs que passaram a viver em São Damião, junto de Clara no começo desta aventura toda original. Estamos fazendo este relato sempre tendo diante dos olhos o texto Chiara d’Assisi , Un silenzio che grida, de Chiara Giovanna Cremaschi, publicado pela Ed. Porziuncola, da cidade de Assis, na Itália. Veremos os passos dados depois dos primórdios, ou seja, o crescimento da comunidade (p.60-65)
1. O Senhor dá o crescimento - Fazendo a descrição dos inícios da vida em São Damião, Clara atribui ao Senhor o aumento numérico da sororità (fraternidade de irmãs). Olhando as coisas do lado humano vemos, na realidade, que pouco a pouco, foi se espalhando a notícia do novo estilo de vida abraçado por estas três mulheres. Depois de alguns meses, isto é, em setembro do ano da instalação, uma nova irmã chega para se agregar às outras: Benvinda (Benvenuta) de Perúgia, uma jovem que conhecera a primogênita dos Favarone durante o seu exílio perusino, quando moravam na mesma casa. Pelo fato de terem morado juntas nasceu entre ambas um laço de afeto que perdurava e haveria de ganhar uma nova dimensão com a marca do amor de Cristo. O relacionamento humano, acrescido de uma grande estima pela iniciadora da nova sororità, está muitas vezes na base do caminho de iluminação interior que levará muitas mulheres a São Damião.
2. A Forma vivendi dada por Francisco - No começo da germinação dessa vida nova indiscutivelmente o fundamento era o Evangelho, o seguimento de Cristo como vem proposto pelas páginas do Evangelho. Qualquer modalidade de consagração vivida por um grupo na Igreja, no entanto, tem necessidade de umas poucas indicações que orientem o ritmo cotidiano de vida por sobre sólida base espiritual. Com tal finalidade Francisco prepara para as irmãs uma breve Forma de vida. Evita-se usar o termo Regra por ter um significado jurídico. A intenção do Poverello é a de dar a Clara e a suas irmãs algumas linhas fundamentais sem a preocupação de descer a pormenores que as próprias necessidades da vida se encarregam de propor. Não temos a totalidade deste texto dado por Francisco que, provavelmente seguiu o mesmo itinerário do que conhecemos como Regra não bulada para os frades, desenvolvendo-se com as necessidades da vida e de maneira paralela com o caminho dos frades. Podemos afirmar que o sentido profundo dessa nova realidade se concentra nas palavras do Poverello que Clara, no final de sua vida inserirá, na sua própria Forma de vida. Por aquele momento as orientações de Francisco eram suficientes e constituíam uma síntese do que se vivia em São Damião.
3. Ouçamos as palavras de São Francisco mencionadas na Regra de Clara: “Visto que, por divina inspiração vos fizestes filhas e servas do Altíssimo e divino Rei, o Pai celeste, e desposastes o Espírito Santo, escolhendo viver segundo a perfeição do santo Evangelho, quero e prometo, por mim e por meus irmãos, ter sempre por vós diligente cuidado e especial solicitude, como tenho por eles” (RSC 6,3-4). Observamos imediatamente que Francisco procura ter para com as irmãs um cuidado e uma diligência especiais. Essa atitude brota da admiração que tem por essas irmãs, chamadas por Deus para esse caminho. Neste escrito, o mais antigo que possuímos de Francisco, ele emprega uma fórmula trinitária equivalente àquela usada, algum tempo depois, numa antífona que dirigiu à Mãe de Deus (Ofício da Paixão).
4. Chiara Giovanna Cremaschi desenvolve assim esse pensamento: “Daqui deriva uma afirmação de fundo: a vida de Clara e das irmãs renova a vida de Maria, é um colocar-se diante de Deus na mesma atitude da Serva do Senhor, acolhendo a Palavra na humildade e na pobreza, deixando-se impregnar por ela. Estas mulheres foram encaminhadas para esta trilha por divina inspiração. Foi a força do Espírito Santo que conduziu e iluminou o seu caminho. Francisco usa a expressão vós vos fizestes, que quer dizer vos pusestes numa atitude de disponibilidade total, porque filhas já pelo batismo, tornando-se agora filhas a um novo título, pela adesão sem reserva à sua vontade que as constituiu servas, numa pertença total ao Senhor. Esposas do Espírito Santo é uma expressão insólita, porque o Esposo é Jesus Cristo e Clara viverá sempre unida a ele em estreitíssimo vinculo nupcial. Esposa do Espírito Santo é Maria. Com isso Francisco afirma: vós vos fizestes Maria.
5. A escolha de viver segundo a perfeição do Evangelho não é outra coisa senão o seguimento de Cristo, mais precisamente do Cristo pobre, vivido num amor sem reserva que se traduz na altíssima pobreza. Convém colocar em destaque outro elemento importante: a fórmula trinitária exprime a realidade de uma vida de contemplação, que é penetrar sempre mais no mistério do Deus trino, é realizar a comunhão amorosa que, com Cristo e em Cristo, leva ao seio do Pai. Daqui nasce também a dimensão fraterna. Esta transborda do Amor no seio da Trindade. Estamos no universo do amor trinitário e transbordante. Compreende-se que sejam dispensáveis pequenas e particulares prescrições: a caridade que circula entre as irmãs, ou seja, o Espírito que as anima, se encarrega de indicar as modalidades concretas por meio das quais Clara é instrumento visível, Francisco o sustento e auxilio na contínua abertura ao desígnio de Deus.
6. O episódio do azeite - A centralidade da dimensão trinitária vive-se na confiança sem limite no Pai misericordioso que provê cuida dos pequenos. Em São Damião, o cotidiano é costurado com episódios de sabor evangélico, que indicam que a oração penetra espontaneamente no tecido cotidiano da vida. Certa vez, transcorrido mais ou menos um ano do início do caminho das primeiras irmãs, acontece faltar azeite. Clara chama um frade esmoler. Esse fato prova que desde o início, ela e as companheiras, levavam em São Damião um gênero de vida que não previa o sair de casa. O esmolar ficava a cargo dos frades. Eles constituem a mão visível da Providência. No que se refere à questão da falta de óleo, Irmã Pacífica assim se exprime: a bem-aventurada Madre chamou um frade da Ordem dos menores que ia pedir esmolas para elas, chamado Frei Bentevenga, e lhe disse que fosse procurar azeite. Fica evidente que ele era encarregado de esmolar para as irmãs. Clara pede que procure azeite e este respondeu que lhe preparassem um vasilhame. Ela lava um recipiente adaptado e colocou sobre uma mureta que se achava perto da saída da casa. A partir desta descrição é difícil dizer como era então São Damião. Pode-se bem imaginar que não se tratava de um muro alto, mas apenas algo que delimitava o lugar em que as irmãs habitavam. Trata-se de um espaço em que os frades se apresentavam para prestar serviço às irmãs, de maneira corrente e ordinária. Nesse tempo talvez a plantinha estava exercendo a função de Marta, ocupando-se das necessidades materiais. Cerca de uma hora depois Frei Bentevenga vem tomar o vaso para pedir que benfeitores o enchessem de azeite e o encontra completamente cheio. Diante do fato pensou que fosse uma brincadeira. Terminado o interrogartório não se sabe quem teria enchido o recipiente. Imagina-se que o milagre tenha acontecido devido à santidade de Clara e por isso Irmã Pacífica faz questão de relatá-lo no processo de canonização. Mesmo que, se por acaso, alguém que passasse tivesse ouvido a solicitação e enchido o vaso, podemos dizer que o episódio mostra como a providência divina cuidava das irmãs.
7. A “sororità” cresce - Traduzir sororitá por irmandade parece pouco. O grupo das irmãos crescia. Da resposta dada pela testemunha, ficamos sabendo quantas irmãs vivem em São Damião naquele momento: Irma Inês, irmã de Clara, irmã Balvina e Irmã Benvenuta (Benvinda) de Perugia. Nesse entretempo havia também entrado Irmã Balvina que, na época do Processo, já havia morrido. No ano seguinte, portanto, em 1914 chega Irmã Cecília de Spello que ingressa por meio de exortações de Clara e de Frei Filipe. Este é o companheiro que está junto de Francisco em seus colóquios reservados com a jovem filha dos Favarone. À moça que encontra ao acaso de sua pregação numa cidade bem perto de Assis, Francisco fala da novidade de São Damião e a leva a Clara. A respeito do que foi dito nada se sabe, mas se pode bem imaginar que se tenha falado do seguimento do Cristo pobre. Nesse mesmo período, segundo outras fontes, deve ter vindo integrar a sororitá também Ginevra di Giorgio di Ugone di Tebalduccio, que se tornou Irmã Bendita e que, depois da morte de Clara, levaria a comunidade das irmãs para dentro dos muros de Assis. Esta será a primeira abadessa a substituir Clara. Poucos meses depois chega também Filipa de Leonardo de Gislerio, nobre filha do senhor de Sassorosso que conhecia Clara desde a infância. Ela mesma conta como tomou a decisão de entrar em São Damião. Podemos, desta forma, compreender como Francisco fazia conhecida a “sororità” de São Damião: “... disse sob juramento que quatro anos depois que a santa veio para a Religião por pregação de São Francisco entrou na mesma religião porque a predita santa lhe fez ver como Nosso Senhor Jesus Cristo suportou a paixão e morreu na cruz para salvação do gênero humano. Assim, a testemunha, compungida, consentiu em estar na Religião e fazer penitência junto dela”
8. Observemos que o elemento essencial é o olhar voltado para o Crucificado, pelo dom de sua vida para nossa salvação. E isto que leva á decisão de fazer penitência, palavra chave para descrever o gênero de vida a ser levado que, até esse momento, não tem muitos elementos diferentes do caminho das mulheres penitentes. A expressão compungida indica a consciência da própria situação de pecadora que leva esta irmã a começar seu caminho de conversão, em comunhão fraterna com as outras que, juntas, já fizeram um pedaço desse caminho.
Extraído de http://www.franciscanos.org.br/v3/almir/artigos/clara/11.php acesso em 14 jan. 2011.
Ilustração: Den hellige Clara med ordenssøstre / Fotógrafo Gunnar Bach Pedersen. Assisi : San Damiano. 2007 (foto). Disponível em http://commons.wikimedia.org/wiki/File:SDamiano-Clara_og_s%C3%B8stre.jpg acesso em 14 jan. 2011.
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