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segunda-feira, 25 de julho de 2011

Uma mudança de paradigmas (quase) esquecido

O Concílio Vaticano II redescobriu, em “Lumen Gentium”, o povo de Deus como elemento característico da Igreja. Esta mudança paradigmática é um processo único para a época. A relação hierárquica dos cristãos passou por uma reviravolta. O papa, os bispos e os sacerdotes têm somente um papel de servidores, e os leigos têm a sua missão, a sua diginidade não devido à ordem dada pela hierarquia, mas sim por Cristo mesmo. Este fato também modifica a nossa imagem de Deus. Não veneramos um Deus dos cristãos, mas sim um Deus de todos os seres humanos, um Deus que quer livrar o Seu povo da escravidão, da opressão e da marginalização para o levar à “terra prometida” na qual todos possam viver em justiça e paz. Esta é a promessa de salvação feita por Deus.

Numa Igreja assim compreendida, a política e o humanismo (isto é, justiça, paz preservação da criação, direitos humanos, humanismo etc) são temas centrais. São as questões básicas da Igreja e os fundamentos inalienáveis quando se fala do Deus da Bíblia. Pois é Ele que chama o Seu povo para a conversão e é Ele que o liberta. O povo de Deus, portanto, consiste em pessoas que estão dispostas e que têm a coragem de testemunhar este sonho de Deus no mundo: o sonho de que Deus é Deus e nenhum ídolo, de que é um ser social que quer a vida de todos; que Ele é, entre eles, a justiça, que “enche de bens os famintos e despede os ricos de mãos vazias”, que “derruba os poderosos do trono e eleva os humildes” (Cântico de Maria - Lc 1, 46-55).

Esta é precisamente a nossa missão. Para sabermos o que isso significa concreta-mente, aqui e agora, precisamos – como diz Agostinho – ler dois livros: o livro da vida (sinais dos tempos) e a Bíblia. O Cardeal Aloisio Lohrscheider do Brasil, venerado na América Latina como “Doutor da Igreja” do nosso tempo, disse uma vez: “se hoje quisermos saber o que Deus quer de nós, então temos que ir à escola junto dos pobres, isto é, conhecer as necessidades concretas da esmagodora maioria das pessoas e ler a Bíblia a partir de sua ótica. Portanto, precisamos ter um olhar mais desperto para os problemas do nosso tempo. Daí se pode depreender o que hoje em dia devia fazer parte do campo central de ação dos cristãos“.

Em Março de 2010 o Conselho Católico Alemão de Missões (Deutscher Katholischer Missionsrat DKMR) publicou o “Apelo para uma Igreja Profética” pedindo amplo apoio ao mesmo. No DKMR está reunida a competência eclesiástica universal da igreja alemã: as grandes obras de auxílio, as ordens religiosas de missão e as secções da igreja universal das dioceses alemãs. De que se trata neste apelo? Quer dizer que a Igreja negligencia vergonhosamente a sua missão se não intervier nos problemas prementes e aflituosos do nosso tempo e se não se posicionar na primeira fila. A Igreja não pode tratar em primeiro lugar do bem estar dos cristãos construindo um muro contra o assim chamado “mundo mau”. Jesus amava os pobres; não foi o samaritano benevo-lente, não foi o pontífice, mas comeu com os publicanos e prostitutas e não quis ser instrumentalizado pelos ricos e poderosos.

Uma pessoa que compreendeu e vivenciou isto, é Francisco de Assis. Quando, num dia chegou com os seus primeiros sete irmãos a Poggio Bustone, situado no Vale de Rieti e viu a vasta planície, teve clareza: somos enviados ao imenso mundo. Por isso, chamou todos e falou-lhes do Reino de Deus e da vocação que todos deveriam cumprir. Depois dividiu-os em quatro grupos de dois irmãos e disse: “Ide, caríssimos, dois a dois para as diferentes regiões do mundo e anunciai aos homens o Evangelho da paz! (1Cel 29s). Assim, Francisco confia na sua ideia missionária – como na história da sua vocação – em sua convicção interior. A missão dos irmãos é anunciar a boa-nova da paz, quer dizer, a ideia do Reino de Deus. Somos enviados para todas as partes, todos os pontos cardeais. Não pensa de maneira nenhuma que, para isso, precisa duma ordem do Papa ou dos bispos: “Deus mesmo é que me conduziu”. Ele só manda confirmar esta convicção interior, mas não se prende aos costumes eclesiásticos da sua época. Se considerarmos isto, sabemos o que é a nossa tarefa – hoje em dia.

Andreas Müller OFM

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