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sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Da privação de toda consolação


Da privação de toda consolação

         Não é dificultoso desprezar as consolações humanas, quando gozamos das divinas. Grande coisa, porém, e de muito mérito, é poder estar sem nenhuma consolação, tanto divina como humana, sofrendo pacientemente o desamparo total do coração, sem em nada buscar-se a si mesmo, nem atender ao nosso próprio merecimento.

        Que maravilha será estar alegre e devoto, quando nos assiste a graça! Todos nós desejamos esta hora. É muito suave andar, levado pela graça de Deus. E que maravilha não sentir o peso da vida aquele que é sustentado pelo Onipotente e acompanhado do guia supremo!

         Gostamos de ter qualquer consolação, e é penoso para o ser humano despojar-se de si mesmo. O glorioso mártir São Lourenço venceu o mundo em união com seu pai espiritual, porque desprezou todos os atrativos do século e sofreu com paciência, por amor de Cristo, que o separassem do Supremo Pontífice São Xisto a quem ele muito amava! Assim, com o amor de Deus, ele subjugou o amor da criatura, e ao alívio humano preferiu o beneplácito divino. Daí devemos aprender a deixar, às vezes, por amor de Deus, um parente ou amigo querido. Nem tanto nos afligir se abandonar-nos algum amigo, sabendo que todos, finalmente, nos havemos de separar uns dos outros.

         Só com duro e longo combate interior aprende o ser humano a dominar-se plenamente e pôr em Deus todo o seu afeto. Quando o ser humano confia em si, facilmente desliza nas consolações humanas. Mas o verdadeiro amigo de Cristo e fervoroso imitador de suas virtudes não se inclina às consolações nem busca tais doçuras sensíveis; antes, procura exercícios austeros e sofre por Cristo trabalhos penosos.

         Quando, pois, Deus nos mandar consolação espiritual, devemos receber com ações de graças, mas lembrar-nos sempre que é favores de Deus, e não merecimento nosso. Com isto, porém, não nos desvaneceremos, nem nos entregaremos a excessiva alegria ou a vã presunção; seremos antes mais humilde pelo dom recebido, mais prudente e timorato em nossas ações, pois passará aquela hora e voltará a tentação. Quando nos for tirada a consolação, não desesperaremos logo, aguardaremos, pelo contrário, com humildade e paciência, a visita celestial; pois Deus é bastante poderoso para restituir-nos maior graça e consolação. Isto não é novo nem estranho aos que são experientes nos caminhos de Deus; porque nos grandes santos e antigos profetas houve muitas vezes esta mudança.

         Por isso um deles, sentindo a presença da graça, exclamava: Eu disse em minha abundância: não serei jamais abalado  (Sl 29,7). Sentindo, porém, retirar-se a graça, acrescenta: Desviastes de mim, Senhor, o vosso rosto, e fiquei perturbado (v.8). Entretanto não desespera, mas com mais instância roga ao Senhor, e diz: A vós, Senhor, clamarei, e ao meu Deus rogarei (v.9). Alcança, afinal, o fruto de sua oração e atesta ter sido atendido, dizendo: Ouviu-me o Senhor, e compadeceu-se de mim, o Senhor se fez meu protetor (v.11). Mas em quê? Convertestes, diz ele, meu pranto em gozo, e me cercastes de alegria (v.12). Se isto sucedeu aos grandes santos, não devemos desesperar nós mesmos, fracos e pobres, por nos sentirmos umas vezes com fervor, outras vezes com frieza porque vai e vem o espírito de Deus, segundo lhe apraz. Por isso diz o santo Jó: Senhor, visitais o homem na madrugada, e logo o provais (7,18).

         Em que podemos, pois, esperar ou em que devemos confiar, senão na grande misericórdia de Deus e na esperança da graça celestial? Porque, mesmo que nos assistam pessoas justas, irmãos devotos e amigos fiéis, ou livros santos e formosos tratados, ou cânticos e hinos suaves, tudo isso de pouco nos serve e pouco nos agrada, quando estamos desamparado da graça e entregue à nossa própria pobreza. Não há então melhor remédio que Deus.

         Nunca encontrei homem tão religioso e devoto, que não sofresse, às vezes, a retirada da graça e não sentisse o esfriamento do fervor. Nenhum santo foi tão altamente arrebatado e esclarecido que, antes ou depois, não fosse tentado. Porque não é digno da alta contemplação de Deus quem por Deus não sofreu alguma tribulação. Costuma vir primeiro a tentação, como sinal precursor da próxima consolação; porque aos provados pela tentação é prometido o celeste consolo. A quem tiver vencido, diz o Senhor, darei a comer o fruto da árvore da vida (Apc 2,7).

         Dá Deus a consolação, para fortalecer a pessoa contra as adversidades. Segue-se então a tentação, para que não se desvaneça a felicidade. O demônio não dorme, nem a carne está morta; por isso, não cessaremos nunca de preparar-mos para a luta, porque à direita e à esquerda estão nossos inimigos que nunca nos dá descanso.

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