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quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Francisco e a opção de servir os últimos

Artigo de Luigi Padovese, bispo capuchinho assassinado

"Quem, como Francisco, tirou as consequências do significado da encarnação de Cristo, ou seja, do seu fazer-se servo, sabe que o critério de valor das pessoas independe da sua pertença social e provém da incomensurável importância de cada um diante de Deus."
Publicamos aqui o artigo do ex-vigário apostólico da Turquia, Luigi Padovese, assassinado a facadas na quinta-feira passada, 03 de junho [2010], no jardim de sua residência em Iskenderun, uma localidade da província sulina de Hatay. Ele também era presidente da Conferência dos Bispos da Turquia e presidente do Instituto de Espiritualidade Pontifício Ateneu Antonianum.
Luigi Padovese era frei capuchinho.
O artigo foi publicado no jornal L`Unità, 19-12-2002. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.

Paulo de Tarso resume a vida terrena de Jesus, desde o nascimento até a morte na cruz, em duas expressões humanamente paradoxais: "esvaziou-se a si mesmo, assumindo a condição de servo" (Filipenses 2,7) e "tornou-se pobre por vossa causa, para com a sua pobreza vos enriquecer" (2 Coríntios 8,9).
Não entremos no mérito dos pressupostos teológicos a partir dos quais ele se move, mas certamente ele entendeu a experiência humana de Jesus nos termos de uma solidariedade manifestada na livre partilha com quem é servo e está em situação de pobreza.

Essa partilha aflora também nos Evangelhos. A um leitor atento dos textos sagrados como Francisco de Assis, esse aspecto pareceu ser de tal forma predominante que inspirou um novo gênero de vida, manifestado pela sua escolha e a dos seus companheiros de se chamarem "irmãos menores e servos". Essa qualificação, antes de se tornar uma sigla de identidade, foi uma experiência amadurecida em contato com os leprosos e com os mendigos. Junto deles, o santo de Assis entendeu o sentido exato de tornar-se servo e pobre por parte de Cristo. Da "em-patia" que entende, nasceu assim a "sim-patia" que une.

O que tornou Francisco e os seus companheiros "irmãos menores" de todos os homens não foi, por isso, a partilha de um mesmo credo ou a pertença a um grupo particular, mas sim a universalidade do sofrimento que compreende a todos e que se torna universalidade de compaixão. Na escolha de se colocar abaixo dos outros, Francisco, além disso, colocou em questão os equilíbrios da sociedade nas suas dimensões de grupo interno e de grupo externo, de cima e de baixo.

Essa atitude é refletida no ato do despojamento diante do bispo, que marca a passagem de uma relação parental com relação a uma universal, expressada com a substituição do "pai meu, Pedro de Bernardone" pelo "Pai nosso que estais no céu". São assim anuladas as distinções produzidas pela classe, pelo censo. Quem é sem pai e desvinculado do particularismo clânico torna-se livre com relação à pressão da sociedade que estabelece distinções como nós/eles, dentro/fora, superior/inferior, nobres/plebeus.

Ao próprio universo familiar, incapaz de realizar uma efetiva solidariedade, Francisco substituiu uma fraternidade eletiva universal que o liga a todo homem, ou melhor, a toda criatura, vista como irmã e irmão. Essas considerações nos permitem entender porque, na escolha de "minoridade" como renúncia ao status social anterior, ele combinou logicamente a vida em fraternidade. Os dois termos são inseparáveis e se remetem reciprocamente, já que o amor reconhece o valor que está no outro e se traduz em termos de serviço.

Certamente, na experiência do santo de Assis, há elementos que não podem ser propostos por causa do contexto histórico-cultural que mudou, porém, não há dúvida de que a sua intuição mantém sinais de verdade válidos também para hoje. Para exemplificar o seu conceito de "minoridade", como o delineamos, ele propõe novamente o compromisso de sensibilização e de proteção para com os grupos hoje socialmente frágeis. O difundido bem-estar produzido na chamada "sociedade de consumo" ajudou a esvaziar aquela que, no passado, foi a luta de classes, originada a partir da ideia de que a riqueza capitalista era dinheiro sujo de sangue e fruto do abuso de poder.

Hoje, aqueles que vivem em uma situação de pequena ou média burguesia não alimentam mais o ressentimento para com os ricos. Ao invés, alimentam contra aqueles que estão pior: os pobres, as minorias raciais, os imigrantes. Justamente porque estes não recorrem aos bens sobre os quais as "pessoas de bem" constroem sua própria vida, de de-privados como são, tendem a ser considerados depravados. É a brutalização da pobreza que às vezes se torna realmente brutal, mas por uma prévia falta de justiça.

A minoridade solidária com os pequenos, com os pobres e os excluídos de Francisco se coloca contra esse cruel princípio de seleção ou contra a lei do mais forte que nega aos outros o direito à sobrevivência. Ela é compaixão, ou seja, atenção ao sofrimento dos outros, que leva à partilha e que exige justiça e implicitamente denuncia a injustiça. Ser "menores" indica, por isso, a vontade de reagir à indiferença e à dessolidarização das nossas sociedades que ignoram os pobres, os intocáveis de hoje, ou que os marginaliza em "guetos de desespero" (L.M. Friedman), porque não são visíveis, exatamente como ocorria com os leprosos confinados do lado de fora das cidades de Assis.

A sua invisibilidade, de fato, não faz com que cresçam problemas de consciência, não gera perturbação, e nem aquela empatia que está na base da solidariedade. Os próprios meios de comunicação nos mantêm assepticamente protegidos das tragédias do nosso tempo, como, por exemplo, a das 40.000 crianças que diariamente morrem de fome ou por causas relacionadas à desnutrição. Os números não nos impressionam tanto quanto a miséria experimentada pessoalmente.

Se a sociedade ocidental não conhece o sistema de castas, conhece no entanto um sistema de enquadramento e de avaliação das pessoas, e hoje é o mercado que estabelece a diferenciação pessoal: há aqueles que produzem e consomem, depois os consumidores imperfeitos, e por fim a grande massa de pobres, inúteis como produtores, vãos como consumidores e, portanto, totalmente supérfluos, senão até mesmo nocivos, como parasitas que vivem nas costas daqueles que se inseriram no ciclo produtivo e pagam as taxas!

Em si mesma, a pobreza econômica não é uma tragédia, se as pessoas pertencem a uma sociedade com um forte senso de solidariedade. De fato, porém, o capitalismo industrial levou à desintegração social. Não se pode acreditar, por isso, que a reconstrução irá se produzir com uma distribuição mais justa da riqueza e por meio do crescimento econômico que, como vemos, não produz, mas sufoca os empregos por meio de projetos de racionalização dirigidas a reduzir a mão-de-obra com a consequência de aumentar o número dos desempregados, isto é, dos novos pobres. Mais desesperados do que os outros, porque anteriormente participavam do bem-estar do qual agora são inesperadamente excluídos.

A resolução dos problemas sociais não está ligada, enfim, apenas à distribuição justa das riquezas, mas também ao crescimento da solidariedade, que se obtém adquirindo uma noção comunitária e não individualista da dignidade da pessoa humana. Quem, como Francisco, tirou as consequências do significado da encarnação de Cristo, ou seja, do seu fazer-se servo, sabe que o critério de valor das pessoas independe da sua pertença social e provém da incomensurável importância de cada um diante de Deus.

Disso, surge o empenho de solidariedade e de atenção pelos mais fracos, mas também a obrigação de desmascarar as efêmeras seguranças da sociedade consumista. Quem pode esclarecer, de fato, que o progresso não está no desenvolvimento tecnológico ou no crescimento e na difusão dos bens de consumo senão aquele que escolheu ser solidário com os últimos e se mantém no limite do sistema, para não perder a força de uma crítica construtiva que serve a todos, especialmente aos que são vítimas inconscientes desse sistema?
Em uma sociedade que gera sonhos mas não os satisfaz, ou que cria frustração social e raiva porque venera o sucesso pessoal e tem o culto da celebridade, à qual depois permite que poucos tenham acesso, quem é capaz de demitizar esses pseudo-valores senão quem escolheu estar fora da disputa?

Apenas quem fez essa escolha pode neutralizar a vacuidade da cultura contemporânea ajudando aqueles milhões de "sem-teto" (em sentido metafórico), quase privados de raízes, ou seja, de referências na vida para encontrar uma casa, isto é, um sentido. Tempos trás, a teologia da libertação insistia nos pobres da América Latina. Hoje, há formas mais sutis, mais escondidas e mais generalizadas de opressão que requerem uma reflexão mais atenta.

Se, para muitos, a oferta comercial de ter bens de consumo é apresentada como uma maior oferta de liberdade, expressada pela satisfação imediata de necessidades, a tarefa de quem quer servir os outros está em ajudá-los a se libertar desse costume da gratificação instantânea. Se podemos falar da atualidade da proposta de Francisco, acredito que se deva procurá-la no seu ser, ao mesmo tempo sinal e denúncia de uma mentalidade que produz e se alimenta de ilusões, mas que, no fim, deixa um sabor amargo na boca.

A tradição vetero-testamentária e depois cristã ensina que a redenção vem dos pobres. São eles que nos despertam da ilusão de um mundo unido e mais justo. O caminho traçado pelo santo de Assis em querer ser "menor e servo" parte daqui: da consideração por quem nasceu sem teto, ele escolheu anunciar a sua mensagem de libertação aos pobres, libertando até Deus das malhas dos interesses humanos, e morreu em um madeiro como um escravo malfeitor qualquer.
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