O "pai nobre" da Teologia da Libertação foi valorizado por ocasião de uma apresentação oficial do livro doPapa Ratzinger sobre Jesus. Exatamente enquanto o seu nome é utilizado instrumentalmente nas manobras em torno da nomeação do próximo prefeito do ex-Santo Ofício.
A reportagem é de Gianni Valente, publicada no sítioVatican Insider, 20-12-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Ao arcebispo de Oristano, Ignazio Sanna, estimado por muitos pela liberdade e pela clarividência do seu olhar pastoral sobre as coisas da Igreja e do mundo, também deve ser reconhecida uma dose de coragem incomum. Foi possível ver isso durante a última etapa do ciclo de apresentações universitárias do livro Jesus de Nazaré, de Joseph Ratzinger-Bento XVI, coordenado pela Livraria Editora Vaticana e pelo professor Pierluca Azzaro (Università Cattolica del Sacro Cuore), que concluiu na Universidade de Sassari no dia 9 de dezembro passado.
Nessa ocasião, no seu rico discurso dedicado à obra ratzingeriana, o bispo da Sardenha também falou em termos de admiração e de reconhecimento sobre o teólogo peruano Gustavo Gutiérrez, por ele definido como "o pai nobre da Teologia da Libertação".
Em uma passagem da sua fala – que não foi retomada pelas notícias do L'Osservatore Romano nem pela síntese do relatório publicado no site da diocese de Oristano –, Dom Sanna repropôs a conexão captada por Gutiérrez entre os relatos evangélicos da Última Ceia e o lava-pés. No Evangelho de João, Jesus pede aos seus que repitam esse gesto de acolhida e de humildade – do qual se faz memória em todas as paróquias durante a missa da Quinta Feira Santa – com palavras semelhantes às por ele usadas nos Evangelhos sinóticos com relação à instituição da Eucaristia. "Servir o pobre", acrescentou Sanna, concordando com a sugestão de Gutiérrez, é "um modo de fazer memória de Cristo".
A reportagem é de Gianni Valente, publicada no sítioVatican Insider, 20-12-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Ao arcebispo de Oristano, Ignazio Sanna, estimado por muitos pela liberdade e pela clarividência do seu olhar pastoral sobre as coisas da Igreja e do mundo, também deve ser reconhecida uma dose de coragem incomum. Foi possível ver isso durante a última etapa do ciclo de apresentações universitárias do livro Jesus de Nazaré, de Joseph Ratzinger-Bento XVI, coordenado pela Livraria Editora Vaticana e pelo professor Pierluca Azzaro (Università Cattolica del Sacro Cuore), que concluiu na Universidade de Sassari no dia 9 de dezembro passado.
Nessa ocasião, no seu rico discurso dedicado à obra ratzingeriana, o bispo da Sardenha também falou em termos de admiração e de reconhecimento sobre o teólogo peruano Gustavo Gutiérrez, por ele definido como "o pai nobre da Teologia da Libertação".
Em uma passagem da sua fala – que não foi retomada pelas notícias do L'Osservatore Romano nem pela síntese do relatório publicado no site da diocese de Oristano –, Dom Sanna repropôs a conexão captada por Gutiérrez entre os relatos evangélicos da Última Ceia e o lava-pés. No Evangelho de João, Jesus pede aos seus que repitam esse gesto de acolhida e de humildade – do qual se faz memória em todas as paróquias durante a missa da Quinta Feira Santa – com palavras semelhantes às por ele usadas nos Evangelhos sinóticos com relação à instituição da Eucaristia. "Servir o pobre", acrescentou Sanna, concordando com a sugestão de Gutiérrez, é "um modo de fazer memória de Cristo".
Nestes tempos, até mesmo o simples consenso tributado às reflexões exegéticas de Gustavo Gutiérrez assume um caráter emblemático. Nas últimas semanas, o nome do teólogo peruano foi utilizado como arma contundente nas manobras em curso em torno da iminente nomeação do novo prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé.
Entre os possíveis sucessores do cardeal norte-americano William Joseph Levada, atualmente à frente do ex-Santo Ofício, o jogo de previsões de nomeações tinha inserido também o bispo de Regensburg, Gerhard Ludwig Müller, curador daOpera Omnia de Joseph Ratzinger. Os não entusiastas dessa hipótese, na tentativa de sabotar a candidatura do bispo-teólogo alemão, estão usando como principal argumento impeditivo a sua amizade e a sua jamais escondida proximidade comGustavo Gutiérrez, que também foi professor de Müller.
Em particular, como certificado de não idoneidade ao papel de guardião da doutrina católica, é lembrada a conferência pública proferida por Müller em Lima, em 2008, durante a cerimônia de entrega do doutorado honoris causa a ele concedida pelaPontifícia Universidade Católica do Peru. Nessa ocasião, o bispo de Regensburg havia definido como plenamente ortodoxa a teologia do seu mestre e amigo peruano.
Entre os possíveis sucessores do cardeal norte-americano William Joseph Levada, atualmente à frente do ex-Santo Ofício, o jogo de previsões de nomeações tinha inserido também o bispo de Regensburg, Gerhard Ludwig Müller, curador daOpera Omnia de Joseph Ratzinger. Os não entusiastas dessa hipótese, na tentativa de sabotar a candidatura do bispo-teólogo alemão, estão usando como principal argumento impeditivo a sua amizade e a sua jamais escondida proximidade comGustavo Gutiérrez, que também foi professor de Müller.
Em particular, como certificado de não idoneidade ao papel de guardião da doutrina católica, é lembrada a conferência pública proferida por Müller em Lima, em 2008, durante a cerimônia de entrega do doutorado honoris causa a ele concedida pelaPontifícia Universidade Católica do Peru. Nessa ocasião, o bispo de Regensburg havia definido como plenamente ortodoxa a teologia do seu mestre e amigo peruano.
A 40 anos da publicação do seu livro, Teología de la Liberación, que inaugurou a própria definição da conhecida corrente teológica latino-americana, o padre Gutiérrez – que entrou para a ordem dominicana em 1999 – poderia ser tentado por orgulho profissional a ver que ainda hoje a aproximação do seu nome é central para a seleção do novo guardião da ortodoxia católica. Na realidade, mais do que documentar a contínua influência do teólogo de 83 anos que foi aluno de gigantes do calibre de Henri de Lubac e Yves Congar, a "operação Gutiérrez" em curso nos palácios do outro lado do Tibre diz muito sobre os mecanismos que influenciam a cooptação de novos dirigentes nos dicastérios do Vaticano.
As obras de Gutiérrez foram avaliadas durante anos pelo exame rigoroso da Congregação para a Doutrina da Fé na sua longa fase ratzingeriana, sem jamais sofrer qualquer condenação. O longo discernimento visava sobretudo a obter do autor um distanciamento público de algumas interpretações errôneas da sua reflexão teológica – jamais posta em causa enquanto tal – e de alguns abusos pastorais que nela se diziam inspirar.
O longo discernimento, que durou de 1995 a 2004, também envolveu o episcopado peruano e se concretizou na escrita de um ensaio – intitulado La Koinonía eclesial – longamente retocado pelo próprioGutiérrez, em linha com as observações provenientes de Roma e publicado na sua versão final na revistaAngelicum em 2004. O próprio Ratzinger, no dia 17 de dezembro daquele ano, escreveu uma carta ao dominicano argentino Carlos Alfonso Azpiroz Costa – naquele tempo Mestre Geral da Ordem dos Pregadores – em que dava "graças ao Todo-Poderoso pela satisfatória conclusão deste caminho de esclarecimento e de aprofundamento".
As garantias certificadas pessoalmente por Joseph Ratzinger sobre a ortodoxia católica de Gutiérrez deveriam ser suficientes para tranquilizar aqueles que se mostram mais ansiosos com o destino da reta doutrina. A própria trajetória do teólogo peruano, com a sua constante disposição de fidelidade com relação ao magistério eclesial, poderia fornecer um ponto de referência concreto para reconhecer as válidas intuições que estiveram na origem da Teologia da Libertação e favorecer uma reconciliação pacificadora da memória no interior do catolicismo latino-americano e de toda a Igreja universal, depois do tempo das guerrilhas teológicas e das campanhas de "normalização".
Mas talvez, para alguns amantes do xadrez dos organogramas vaticanos, é mais cômodo que o nome de Gutiérrez continue sendo um espantalho para ser agitado ao ritmo dos velhos clichês, quando convém.
As obras de Gutiérrez foram avaliadas durante anos pelo exame rigoroso da Congregação para a Doutrina da Fé na sua longa fase ratzingeriana, sem jamais sofrer qualquer condenação. O longo discernimento visava sobretudo a obter do autor um distanciamento público de algumas interpretações errôneas da sua reflexão teológica – jamais posta em causa enquanto tal – e de alguns abusos pastorais que nela se diziam inspirar.
O longo discernimento, que durou de 1995 a 2004, também envolveu o episcopado peruano e se concretizou na escrita de um ensaio – intitulado La Koinonía eclesial – longamente retocado pelo próprioGutiérrez, em linha com as observações provenientes de Roma e publicado na sua versão final na revistaAngelicum em 2004. O próprio Ratzinger, no dia 17 de dezembro daquele ano, escreveu uma carta ao dominicano argentino Carlos Alfonso Azpiroz Costa – naquele tempo Mestre Geral da Ordem dos Pregadores – em que dava "graças ao Todo-Poderoso pela satisfatória conclusão deste caminho de esclarecimento e de aprofundamento".
As garantias certificadas pessoalmente por Joseph Ratzinger sobre a ortodoxia católica de Gutiérrez deveriam ser suficientes para tranquilizar aqueles que se mostram mais ansiosos com o destino da reta doutrina. A própria trajetória do teólogo peruano, com a sua constante disposição de fidelidade com relação ao magistério eclesial, poderia fornecer um ponto de referência concreto para reconhecer as válidas intuições que estiveram na origem da Teologia da Libertação e favorecer uma reconciliação pacificadora da memória no interior do catolicismo latino-americano e de toda a Igreja universal, depois do tempo das guerrilhas teológicas e das campanhas de "normalização".
Mas talvez, para alguns amantes do xadrez dos organogramas vaticanos, é mais cômodo que o nome de Gutiérrez continue sendo um espantalho para ser agitado ao ritmo dos velhos clichês, quando convém.
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