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sábado, 10 de janeiro de 2009

Por que um Fórum Mundial de Teologia e Libertação



"Há uma sutileza no título completo do Fórum Mundial, que pode passar despercebido: Teologia “e” Libertação. A conjunção “e” quer significar duas coisas", escreve Luiz Carlos Susin, frei capuchinho, doutor em Teologia pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma, professor na PUC-RS e na Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana (ESTEF), em Porto Alegre e secretário executivo do Fórum Mundial Teologia e Libertação - FMTL. Susin é autor de inúmeros livros, entre os quais, citamos o livro, organizado por ele, Teologia para outro mundo possível (São Paulo: Paulinas, 2006).

Eis o artigo.

Há uma sutileza no título completo do Fórum Mundial, que pode passar despercebido: Teologia “e” Libertação. A conjunção “e” quer significar duas coisas:

Em primeiro lugar: não se trata simplesmente da já consagrada Teologia “da” Libertação que nasceu e se expandiu na América Latina, tendo conhecido diversas etapas e muita controvérsia desde os anos ’60 do século passado e tendo produzido, sobretudo nos anos ’80, um grande impacto. Na Teologia da Libertação, ficou consagrado o método circular das três mediações: sócio-analítica, hermenêutica (bíblico-doutrinária), e prática-pastoral. Depois disso, a mesma Teologia da Libertação começou a ganhar novos matizes: cultural, de gênero, ecológica, queer, etc., que começaram a exigir novas abordagens e novos recursos de ordem antropológica, psicanalítica, etc.

Mas o título não pretende ser apenas um guarda-chuva desta pluralidade de teologias que vieram se firmando desde os anos ‘90. Visa antes à pluralidade de contextos globais, planetários, em termos de reflexão teológica, conectada com processos e lutas de libertações, tanto regionais quanto planetarizadas. O mundo todo está em dores de parto, emergindo dessas dores os mais diversos processos de libertação.

Assim, por exemplo, a Teologia Dalit na Índia, a Teologia Minjung, “do povo humilde” e sua dignidade na Coréia, ou a teologia que acompanha o movimento migratório atual e a teologia que, por toda parte, busca superar seu próprio fundamentalismo para se abrir ao diálogo inter-religioso e indicar a substância teológica no interior dos processos de libertação. A Teologia da Criação, tendo o cuidado de se posicionar ecologicamente diante da crise que envolve todo o planeta, busca recursos tanto na tradição cristã como nas ciências e na sabedoria das diferentes tradições religiosas: a terra clama por processos de libertação.

Na América Latina, há uma poderosa reflexão da Teologia Índia, que cresceu muito justamente na mesma medida em que os povos indígenas cresceram em seus ganhos políticos, no reconhecimento de seus espaços culturais e, inclusive, religiosos. Tanto a Teologia Índia como a Teologia Afro-descendente nas Américas tendem a se tornar teologias “interativas”, teologias de diálogo entre as formas tradicionais, ancestrais e a forma cristã de expressão religiosa e teológica.

Em conseqüência desta nova situação planetária, há uma complexidade maior e uma interação crescente dos discursos teológicos. O Fórum pretende ser um espaço para acolher e favorecer o diálogo destes variados discursos vindos das diversas regiões do planeta. Tem um aspecto de vitrines, mas também de mesas de debate.

Em segundo lugar, o Fórum pretende partir da estreita conexão da teologia com os contextos de libertações que emergem no planeta nas suas diversas regiões. Não é um fórum de especialistas de textos sagrados, de Escritura ou de Doutrina dogmática e sistemática. E embora os participantes tenham suas raízes eclesiais e seu sentido de pertença eclesial, com recursos das próprias comunidades eclesiais, o Fórum é ecumênico e não tem as Igrejas como foco de seus debates. Sem desprezar a importância vital das Igrejas, o Fórum abre-se para um horizonte mais amplo, ao mesmo tempo real e utópico: que este mundo se torne diferente, que mova todos os seus recursos, inclusive espirituais e teológicos, para se tornar diferente: “outro mundo é possível”.

Esta possibilidade escatológica e portadora de esperança, que o anúncio de Jesus chamou “Reino de Deus”, só pode se verificar em processos de libertações convergentes. Esta teologia quer ser paixão criativa do pensamento nesses processos de libertações convergentes. Quer também ajudar na convergência dos processos de libertação. De certa maneira, coloca-se na esteira do messianismo de Jesus como pensamento que ajuda a curar, a viver, a conviver, a verificar a justiça e a paz no mundo. Sem levar decididamente a sério os contextos de libertação, as aspirações e os ensaios de libertação, a teologia decai em formalismo acadêmico e eclesiástico, e isso é tudo o que o Fórum não quer.


Extraído de http://www.unisinos.br/ihu/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=19125 acesso em 10 Jan. 2008.

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