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quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

A experiência de "Frater Franciscus"

Frei Luís de Oliveira ofm


Três projectos de vida, uma pessoa! O pai queria que o filho fosse rico comerciante. A sociedade do seu tempo seduzia-o a ser glorioso cavaleiro. Deus chama-o a viver na sequela de Cristo, pobre e crucificado.

O itinerário de Francisco começa aqui, por detrás do balcão da loja das “vaidades do mundo”, às quais o seu pai, Pedro Bernardone, um dia, tentou, por palavras ou à pancada, reconduzi-lo [1].

Parecia, num primeiro momento, que este seria o seu projecto natural: ocupar o seu lugar na empresa comercial do pai, seguir o exemplo paterno, “comerciante sagaz e ambicioso”, que teria sido o artífice da fortuna familiar [2].

De facto, nas aspirações do pai, Francisco estava destinado a tomar as rédeas da grande empresa comercial da família [3]. Contudo, este não será o projecto assumido pelo Santo de Assis, o de ser um “alter Bernardone”, até porque Francisco é mais alegre e generoso [4], pouco identificado com o pai que era mais preocupado em acumular bens e aumentar os seus negócios e a sua fortuna [5], ainda que ocupasse uma “posição legalmente e juridicamente precisa, a de comerciante e mais ainda rico comerciante, tanto de ser de facto, se não de direito, agregado aos cavaleiros, à outra condição de que era privado de todo o status regularmente reconhecido” [6].

A ambição cavaleiresca de Francisco - expressão de uma das esperanças da burguesia medieval que era o acesso à nobreza e o desejo de aventura presente em toda a literatura cavaleiresca [7] - era possível de concretizar-se, não por pertença à classe social dos nobres, mas sim devido à condição económica da família de Francisco e do próprio Francisco. Tal condição diferenciava-os da nobreza apenas no plano social, pela distinção nítida, então existente, entre as três “ordens”, nas quais se dividia a sociedade. Mas, na medida em que os ricos burgueses acabavam por ter um teor de vida idêntico e muitas vezes superior ao da nobreza, por causa da sua capacidade financeira, esta distinção tinha tendência a perder os seus efeitos classicistas [8].

Apaixonado da glória das armas e na esperança de “se tornar cavaleiro às ordens do conde Gentil”, e sustentado pela riqueza do pai que lhe permitiu mandar fazer “as roupas mais ricas possível” [9], ei-lo que toma o caminho da Apúlia para juntar-se a um tal Gualter di Brienne, com quem pretendia ganhar honrarias e fama. Tratava-se de cumprir a visão sonhada do palácio grande e encantador, cheio de armas que resplendiam com tanto esplendor, e que seriam para Francisco e para os seus cavaleiros [10]. Era tanta a sua alegria que, a quem lhe perguntava qual a fonte desta alegria, ele respondia: “Sei que me tornarei um grande príncipe” [11]. Expressão de um idealismo que é confirmado por uma outra resposta que ele dera tempos antes quando prisioneiro em Perúsia: “Sabei que um dia hei-de ser venerado em todo o mundo”. Francisco aparece-nos então como um jovem à procura de ideais e cujas energias não estão ainda investidos numa causa, num projecto que a seu ver seja legítimo, tenha interesse e possa ser realizado [12].

Riqueza e glória eram o seu poder e a sua ambição. Mas chegado a Espoleto, um sonho marcará o início de uma reviravolta de todos os seus sonhos cavaleirescos, na qual a riqueza se converterá em pobreza e a glória das armas em cruz.

Deus interpela Francisco e convida-o a deixar o servo para seguir o Senhor. Ele deveria corrigir a interpretação que havia dado à visão do palácio grande e encantador cheio de armas. Não se tratava de satisfazer as suas ambições de prosperidade temporal, a glória do mundo, mas de conhecer a vontade de Deus, a qual, alcançada, haveria de mudar totalmente os seus desejos “segundo a carne” [13].

No silêncio da sua consciência, esperava que Deus lhe desse um sinal, que lhe fizesse saber qual a Sua vontade [14]. Procurava-O, não na confusão do mundo, mas no segredo da sua oração, no ínfimo da sua alma invadida pela doce presença do seu Senhor, Jesus Cristo. E tão forte era esta presença que Francisco a exprimia na grandeza da sua generosidade para com os pobres: ele que “desde longa data, era o benfeitor dos pobres, gravou mais profundamente no seu coração a resolução de nunca dizer não ao pobre, que lhe pedisse esmola em nome do Senhor, e distribuir esmolas mais abundantes que habitualmente” [15].

Lentamente e secretamente se preparava a natureza do servo de Deus capaz de não só dispor da sua riqueza a fim de partilhá-la com os desafortunados deste mundo, como aliás o fazia, mas também e sobretudo de dar-se a si mesmo para acolher o pobre na sua vida, abraçando-o e beijando-o fraternamente, como acontecerá no célebre encontro com o leproso!

Ainda que à sua vista a lepra lhe cause calafrios, no leproso está a pobreza na sua nudez material que o atrai e que Francisco, vencida a natural repulsa, abraça e beija no dia em que o Senhor o conduziu ao meio dos leprosos e com eles usou de misericórdia. A sua vida muda e “sai do mundo” [16].

A sua habitual atenção generosa aos pobres transforma-se em identificação com os pobres, pois o facto determinante deste encontro foi a caridade pelos leprosos, em vez do horror que antes sentia diante deles. “Dantes não apenas a companhia de leprosos, mas até o simples facto de os ver, mesmo de longe, já o enchia de horror: agora, perfeitamente despreocupado de si mesmo, prestava-lhes todos os serviços possíveis, com extrema humildade e delicadeza, por amor de Cristo crucificado, que segundo a expressão do Profeta, foi considerado desprezível como um leproso” [17].

A este propósito, e seguindo o pensamento de Manselli, vale a pena salientar que o momento central da conversão de Francisco não foi tanto de carácter pauperístico, isto é, uma opção pela pobreza, mas sobretudo um momento muito mais humanamente profundo e válido que é o da compreensão do duplo sofrimento da alma - a lepra da alma - e do corpo. Isto não quer dizer que a pobreza não tenha tido importância no itinerário espiritual e no momento da conversão de Francisco. O que se pretende afirmar com maior evidência é que no momento da conversão o que provocou a transformação decisiva não surge do ideal cristão e ascético da pobreza, mas de uma motivação ao mesmo tempo mais profunda e mais humana e cristã.

E é tanto assim, que embora na Regra sublinhe o rigor da pobreza, quando se trata de referir em síntese a história da sua vida no seguimento de Cristo, Francisco reconhece como momento culminante da conversão aquele no qual usou de misericórdia para com os leprosos [18]. Trata-se de comungá-los no seu coração, numa íntima relação nascida de uma serena intuição do divino.

Desde então, Francisco procurava mais insistentemente silêncio e o recolhimento escondido para melhor ouvir o Senhor que em breve haveria de instrui-lo sobre o que devia fazer [19].

Um dia, “movido sem dúvida pelo Espírito”, entrou na Igreja de São Damião para orar. Enquanto orava, uma voz vinda do crucifixo falou-lhe: “Francisco, não vês que a minha casa cai em ruínas? Vai e repara-ma” [20]. A resposta não se fez esperar: “ Vou fazê-lo prontamente, Senhor” [21]. A prontidão de quem estava convicto de ter ouvido a voz do próprio Jesus Crucificado. E se é verdade que inicialmente não teria compreendido bem a que casa se referia o apelo, dedicando-se de imediato à reconstrução dos edifícios, nem por isso este encontro com o Crucificado deixaria de ter uma importância excepcional no seu itinerário espiritual. “A partir deste dia, o seu coração ficou tão ferido e tão profundamente comovido com a lembrança da Paixão do Senhor que, durante toda a vida, guardou na alma a memória das Chagas do Senhor Jesus” [22]. Com efeito, é em Cristo na cruz que ele encontra a razão de ter deixado o mundo para colocar-se do lado dos leprosos, ser leproso entre os leprosos, ser marginalizado entre os marginalizados, um pobre entre os pobres. A dor de Cristo iluminava e justificava todas as dores dos homens [23].

O crucifixo de S. Damião faz ver a Francisco e indica-lhe a dor de Cristo, como valor sobre-humano na realidade da existência humana, como força única capaz de dar um significado e um sentido à dor dos homens, de tal modo a poder suscitar neles a vontade de procurá-Lo e aceitá-Lo com um acto de livre escolha, ao ponto mesmo de aproximar-se d´Ele [24].
Cada vez mais embrenhado na meditação das coisas do céu, o que se seguiria seria a consequência natural (quase diríamos sobrenatural!) do homem que tinha já verdadeiro desprezo pelas riquezas” [25], que antes sonhava princesas e cavaleiros, e agora encontrou o amor que o despertara para a vida, o Amor que não era amado e que ele queria amar para sempre de todo o coração, de toda a alma e de todo o entendimento, e com todas as suas forças! A venda do cavalo e dos panos finos em Folinho, para com o dinheiro arrecadado ajudar ao serviço divino na Igreja de S. Damião; a fuga da casa paterna e o despojamento total dos bens do pai na presença do Bispo de Assis, onde pronunciou o seu “discurso de adeus” diante de Pedro Benardone que era seu pai mas de quem Francisco já não era mais seu filho: “Até agora chamei a Pedro Bernardone meu pai. Mas, porque decidi servir a Deus, devolvo-lhe o dinheiro que atormentaria a sua alma e toda a roupa que dele recebi. De agora em diante, quero dizer: “Pai Nosso, que estais no céu “e não “meu pai, Pedro Bernardone” [26].
Francisco parte! Nada pode impedi-lo, pois tudo deixou para seguir o seu Senhor! “Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me” (Mt 16,24-26). E segue-O com o ardor de quem se considerava o arauto do Grande Rei, sem o temor dos assaltos das dúvidas e das incertezas que por vezes o pensamento tem e o coração percebe. O seguimento é em Francisco não apenas uma resposta às suas íntimas exigências vitais, mas particularmente a escolha definitiva e a adesão incondicional a uma Pessoa que o chama, que lhe fala, que o interpela e o conduz, e lhe manifesta a sua vontade.

É, pois, esta Pessoa que Francisco escuta, quando, um dia, na igreja da Virgem Mãe de Deus, a Porciúncula, participava na missa, e ouviu o evangelho no qual “Cristo envia os discípulos a pregar e lhes ensina a forma de vida evangélica: nada de ouro nem de prata, nem dinheiro nas algibeiras, nem saco de viagem, nem mudas de roupa, nem calçado, nem pau para se apoiarem ou defenderem” [27].

No entanto, Francisco pede ao sacerdote que lhe explique o sentido da passagem do Evangelho que acabara de ouvir, a fim de compreender melhor o significado daquelas palavras e ter a certeza de que era a resposta concreta de Deus que ele esperava desde o sonho de Espoleto. A mediação do sacerdote servia, por assim dizer, a evitar os perigos de uma “decisão impulsiva” ou de um “discernimento-decisão idealistas”, conduzindo a um “discernimento comprometido “, isto é, marcado pelo compromisso que torna a pessoa capaz de renunciar às satisfações imediatas, fortalecido por um factor importante: a vontade, e no qual se encontram dois pólos: o eu da pessoa e um segundo pólo que o anima, constituído por uma outra Pessoa: “Deus omnipotente, eterno, justo e misericordioso” [28]. Ouvido o comentário do sacerdote, Francisco, “cheio de indizível alegria, exclamou: “Eis o que quero realizar, com todas as minhas forças” [29].

Assim, movido por impulso divino e fortalecido pela mediação da Igreja, “mater et magistra”, Francisco percebe que não é chamado a viver como os eremitas, mas é enviado a reconstruir a Igreja, fazendo sua a obra iniciada por Cristo. Corno sinal exterior desta mudança, fruto da descoberta da sua missão, deixa o burel de eremita e escolhe um outro, à imagem da cruz [30] cingido com uma corda, que lhe foi sugerido quando escutava a referida passagem do Evangelho, enviando-o a continuar a missão dos apóstolos.

“Desde então, com grande fervor e júbilo, Francisco começou a pregar a penitência, a todos edificando com a simplicidade das suas palavras e a generosidade do seu coração” [31] saudando o povo com a saudação que uma revelação divina lhe ensinara: “O senhor te dê a Paz” [32].

A sua pregação pública feita com força persuasiva, e mais ainda o testemunho da sua vida, seduz e atrai de tal maneira, que alguns homens, fascinados, decidem juntar-se a ele pelo hábito e pela vida. Sabemos pelas fontes franciscanas que os seus primeiros companheiros foram: Bernardo de Quintavalle, rico e alta personalidade de Assis [33]; Pedro Catânio, jurista e cónego de S. Rufino [34]; Silvestre, padre da Igreja de S. Damião; convertido por graça do Altíssimo à forma de vida de Francisco e dos seus irmãos, com quem viveu de modo edificante [35]; Egídio, “um homem autenticamente cheio de Deus e digno de ser lembrado” [36], trabalhador da terra que, com dezoito anos, em 1209, é acolhido por Francisco no seu grupo, e vive na Ordem até à sua morte, em 23 de Abril de 1262; e outros como Filipe [37] Sabatino, Mórico e João da Capela [38].

Com estes irmãos, tem início a fraternidade que Francisco atribui a Deus no seu Testamento e cujo guia é o único Altíssimo que lhe mostrava o que devia fazer [39].

Desde então os irmãos seguem simplesmente a “forma vitae” [40], ou seja, vivem segundo a forma do santo Evangelho.

Aumentado o número dos irmãos, era chegado o momento oportuno de dirigirem-se a Roma e apresentarem-se ao Papa [41], a fim de obter um maior consenso, uma autorização para agir, que servisse também de permissão e apoio, segundo a vontade e as ordens do Soberano Pontífice, para continuar a obra começada de exortação à penitência.

Recebida a aprovação da regra escrita por Francisco, e concedida a autorização para pregar, por toda a parte, a penitência, deixaram Roma cheios de entusiasmo e de esperança e confiança no Salvador, percorrendo cidades e aldeias a anunciar com a virtude do Espírito Santo o reino de Deus [42].
____________________

[1] Cfr. Legenda dos Três Companheiros, 17 (3Comp), in Fontes Franciscanas, Ed. Franciscana, Braga, 1982, [NOTA: Sempre que nos referimos a esta edição, vem indicada com a sigla FF I.]

[2] CHARRON, J.-M., Da Narciso a Gesú - La ricerca dell´identità in Francesco d´Assisi, Ed. Messaggero Padova, 1995, p.50.

[3] Cfr. MANSELLI. R., San Francesco, Bulzoni, Roma 1980, p.41.

[4] Evidenciando a diferença de carácter entre pai e filho, TC 2, FF, p.694, refere: “Quando chegou à juventude, dotado de espírito vivo, exerceu o ofício de seu pai, o comércio, mas de modo muito diferente do dele: era mais generoso e mais alegre, entregava-se aos divertimentos e ao canto, e vagueava, dia e noite, pela cidade, com amigos da sua idade. Era tão liberal nos gastos, que dissipava em festins e outros folguedos tudo o que tinha ou ganhava”.

[5] Cfr.CHARRON, J.-M., Da Narciso a Gesú..., p. 50.

[6] MANSELLI R., Francesco e suoi Compagni, Col, Bibliotecca Seraphico-Capuccina, Istituto Storico dei Cappuccini, Roma, 1995, p. 187.

[7] Cfr. CHARRON, J. M., Da Narciso a Gesú... p.56.

[8] Cfr. MANSELII, San Francesco, p. 53.

[9] Cfr. TC, FF, p.696.

[10] Cfr. TC 5, FF, p.697: “Nessa noite, durante o sono, apareceu-lhe um homem; chamando-o pelo seu nome, conduziu-o a um palácio, grande e encantador, cheio de armas de guerra; havia, suspensos das paredes, escudos refulgentes e todos os outros objectos próprios do equipamento militar. Cheio de alegria, interrogava-se com espanto o que significaria aquilo. Depois perguntou: “A quem pertencem estas armas que brilham com tanto esplendor, e este palácio tão encantador?” Ouviu esta resposta: Todas estas armas, com o palácio, são para ti e para os teus cavaleiros”“.

[11] Cfr. TC 5, FF,p,697.

[12] CHARRON, J. -M., Da Narciso a Gesú... p.57.

[13] Cfr. TC 11, FF p. 700: “Um dia, em que ele orava ao Senhor com todo o fervor, falou-lhe uma voz: “Francisco, tudo o que tu amaste e desejaste possuir segundo a carne, tens agora que o detestar e desprezar, se queres conhecer a minha vontade. Quando o alcançares, o que outrora te parecia encantador e delicioso, ser-te-á insuportável e amargo; e no que antes te causava horror, colherás extrema doçura e suavidade ilimitadas.

[14] Cfr. TC 6, FF, p.698. “De manhã tomou o caminho de Assis, apressado, feliz e alegre em extremo. Esperou com confiança que Deus, depois de o honrar com esta visão, lhe desse a conhecer a sua vontade e o aconselhasse para a sua salvação. O seu coração mudara. Renunciou a ir à Apúlia. Não desejava mais que conformar-se com a vontade divina.”

[15] TC 8, FF, p.699.

[16] S. FRANCISCO DE ASSIS, Testamento, FF, p. 157 “Deus, nosso Senhor, quis dar a sua graça a mim, o irmão Francisco, para que começasse a fazer penitência; porque, quando eu estava em pecados, parecia-me muito amargo dar com os olhos nos leprosos; mas o mesmo Senhor, um dia, me conduziu ao meio deles e com eles usei de misericórdia. E ao afastar-me deles, o que antes me parecera amargo, converteu-se para mim em doçura de alma e de corpo: e em seguida, passado um pouco de tempo, saía do mundo.”

[17] S.BOAVENTURA, Legenda Maior 6, FF, p.541.

[18] Cfr. MANSELLI, R., San Francesco, pp.44-46.

[19] TC 13.

[20] Cfr. TC 13, FF, p.703. (“Francisce, nonne vides quod domus nica destnuitur? Vade igitur et repara illam mihi”)

[21] Cfr. TC 13, FF, p,703. (“Libenter faciam, Domine”)

[22] TC 14, FF, p.703.

[23] A propósito do episódio de S. Damião, vale a pena referir JEAN-MARC CHARRON que, no seu contributo psico-histórico a uma teologia da identidade cristã construída à volta da análise psicanalítica de um caso como o de Francisco de Assis, se distancia da opinião de Manselli que faz do encontro com o leproso o ponto de viragem da conversão de Francisco. Segundo Charron, sem negar que este encontro tenha sido determinante para Francisco, é necessário considerar que tal se situa num mais amplo contexto no qual a sensibilidade à miséria e ao sofrimento é exasperada e que, por outro lado, não é suficiente em si mesmo para explicar a mudança que se realiza então na vida de Francisco. Porquê imprevistamente, parafraseando os primeiros biógrafos, o que era amargo aos seus olhos, isto é a companhia dos leprosos, se torna uma fonte de doçura? Porque Deus lhe teria revelado. Responde a hagiografia tradicional. Mas seria por isto que também a amargura suscitada pela sua condição de sofrimento (a figura narcisista) aparece agora como uma realidade suportável? E essa pode ser suportável na medida em que alguém lhe dá um sentido, neste caso a figura de Cristo encontrado em S. Damião. Francisco vê em Jesus Crucificado a figura que abre o caminho a um reconhecimento e a uma integração da condição de sofrimento do ser humano. Esta conversão traduz-se de imediato numa prática de renúncia que caracteriza a sua nova identidade. Mas só este aspecto não pode esgotar toda a cristologia de Francisco. Se a sua identificação com Jesus se concentra antes de tudo sobre a sua humanidade sofredora, essa inclui também a perspectiva do Cristo glorificado, Filho do Pai e membro da Trindade. (cf Da Narciso a Gesú..., pp. 180-181)

[24] Cfr. MANSELLI, R., San Francesco, pp.62-63.

[25] TC, FF, p.705.

[26] TC 20, FF, p.707.

[27] S.BOAVENTURA, Legenda Maior, FF, pp,548-549.

[28] FORTUNA, ENZO, Discernere con Francesco d´Assisi - Le scelte spirituali e vocazionali, Ed. Messaggero, Padova, 1997, p. 187-188.

[29] TC 25, FF, p.71 1. (“Hoc, inquit, est quod cupio totis viribus adimplere”)

[30] Cfr. CELANO, T., Vida Primeira 22, FF, p.227. Este novo hábito não é, como às vezes se afirma, a roupa que os camponeses vestiam, mas sim o hábito com o qual se identificavam os pregadores (cfr, MONTORSI,FR, G., Ha senso per i frati minori Ia missione al popolo oggi?, Segretariato nazionale dei Frati minori per Ia Missione ai popolo, Rimni, 1997, p.5) [Pró Manuscripto fuori commercio)

[31] 1C 23, FF, p.227.

[32] TC 26, FF, p,712. (“Dominus det tibi pacem!”)

[33] Cfr, TC 27, FF,p.712.

[34] Cfr, TC 28, FF, p.713.

[35] Cfr. TC 30-31, FF pp.714-715.

[36] S.BOAVFNTuRA,LM4,FF,pp.550-551 (Cfr. TC32,FF,p.715,).

[37] 1 C 25, FF. p. 229.

[38] TC 35, FF, p,716.

[39] TF 14, in MANESTÓ, E. e BRUFANI, S. (a cura di), F4(Fontes Franciscani., Ed. Porziuncola, Assisi, 1995, p.228. (Edição crítica) “Et postquam Dominus dedit mihi de fratribus, nemo ostendebat mihi, quid deberem facere, sed ipse Altissimus revelavit mihi, quod deberem vivere secundem formam sancti Evangelii”.

[40] Cfr. Regula non Bullata 11,1 in MENESTÓ, E. e BRUFANI, S. (a cura di),Fontes Francescani, p. 186. “Si quis divina inspiratione volens accipere hanc vitam venerit ad nostros fratres...”.

[41] Cfr.TC46,FF,p.724.

[42] Cfr. TC 51-54, FF, pp.726-728.

Extraído de http://www.ofm.org.pt/designio/espiritdetalhe.asp?reg=5 acesso em 14 Jan. 2008.

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