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terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Quando o Altíssimo se torna um pequenino, um bambino

Frei Almir Ribeiro Guimarães,OFM (*)

Escrevo estas linhas nos primeiros dias de janeiro, depois da festa da Epifania, comemorada com mais realce na Europa, em quase todos os países no próprio dia 6 de janeiro. E com isso sentimos que vai terminando o belo e querido tempo do Natal. Desde começo de dezembro, os discípulos de Jesus vivem alegrias ternas com as festividades natalinas: o tempo da preparação, a figura de Maria, os fatos acontecidos em Belém. A Liturgia desse tempo, mormente o Oficio das Leituras da Liturgia das Horas, é riquíssima. Leão Magno lembra que não há lugar para tristeza no dia em que nasce a vida. São Bernardo afirma que Deus vem na carne aos olhos daqueles que são carne. Natal é manifestação de bondade, da bondade de Deus. Aos poucos, as cortinas se fecham e começa o tempo das coisas ordinárias, das coisas de todos os dias, o tempo em que simplesmente refletimos sobre o mistério do pequeno que nasceu no presépio para que pudéssemos nascer para a glória. Desde a segunda feira, dia 12 de janeiro, vivemos o cotidiano, o ordinário, o comum... Nada, no entanto, é comum depois que o Senhor fez chover o orvalho sobre a nossa terra, depois que o Altíssimo se aproximou de nós. Francisco tem razão ao se encantar diante do Menino.

Os europeus, como foi dito, festejam mais solenemente a Epifania do que nós. A Catedral de Koln tem até os corpos ou relíquias dos Magos. Logo depois da Festa do Reis as lojas exibem seus saldos das festas de Natal, deste Natal do ano da crise, do primeiro ano da crise. O comercio é esperto de verdade. Em todos cantos da terra o Natal foi se tornando a grande festa, o grande momento de festa e de comemorações dessa sociedade de consumo que anda meio envergonhada no tempo da crise. Depois da crise e na crise, somos todos forçados a consumir com comedimento e sobriedade. A Via Merulana, a Via del Corso ou a Via Veneto estão com suas vitrines cheias de saldos e anunciam até 50% de desconto. Talvez os promotores da festa do consumo esqueçam sem querer ou por querer das coisas principais. Um bambino nasceu...

Deus se torna criança, um pequenino, um menino. Natal nada mais é do que isso. Quando se olha para o presépio, quando se contempla a cena, salta aos olhos que a figura principal é o menino, o pequenino. Gosto da maneira italiana de designar criança: bambino...Os italianos sabem ampliar ao infinito o som da letra a de bambino (baaaaaaambino!!). Deus é um bambino... il bambino Gesù... A Palavra se torna carne, bambino. Gosto muito da antífona do Magnificat do dia 26 de dezembro que, não fala do bambino, mas da palavra que vem até nós, texto com fortes acentos sapienciais: “Enquanto o silêncio envolvia a terra e a noite estava no meio de seu curso, a vossa divina Palavra, Senhor, veio a nós de seu trono real”. Um autor refletindo sobre Greccio dizia mais ou menos o seguinte: Francisco entra na gruta, devagar. Sente uma alegria nunca antes experimentada. O sacerdote começa a missa do Natal. Francisco lê o Evangelho e o explica... Mais suspiros do que palavras, mais canto do que discurso. Francisco pega o menino, o bambino. Fé na presença de Deus no Menino das Palhas. A virgindade de Francisco tinha sido fértil. Havia nele lugar para Deus nascer. O Francisco do presépio tem tudo a ver com Maria, com aquela que acolhe em seu seio a Palavra. Podemos nos aproximar deste bambino sem medo. Deus tem muita confiança em suas criaturas. Confia-lhes seu filho, o bambino de Maria.

Encanta ver essas crianças na sala da casa, olhando a árvore, subindo numa cadeira para ver melhor o presépio. Há brilho no olhar da criança, festa em seu coração. “Pai, eu te dou graças porque escondeste estas coisas dos sábios e poderosos e as revelaste aos pequenos”.

Tive a graça de passar o Natal em Greccio. Antes, no ultimo domingo do advento, participei de momento de enlevo na esplendorosa Basílica do Latrão de um concerto natalino. Em muitas igrejas do mundo, também de Roma, são programados concertos natalinos no mês de dezembro. Penso que hoje, mais do que nunca, precisamos cultivar o belo e a música é alta expressão do belo. Nunca me esquecerei do concerto de um coral no Clube Petropolitano em Petrópolis. Talvez tivesse 12 anos... Aquelas vozes me marcaram para sempre... embora nem soubesse o que pudesse ser um concerto...Nem me lembro as músicas que cantaram...talvez até tivessem cantado sem perícia. O que me lembro é que, no meio da apresentação, tive um acesso irritante de tosse. Tentei controlar-me...Acho uma maravilha essas famílias de origem alemã, austríaca ou italiana que gostam de cantar, que se reúnem para cantar.

Na esplendorosa Basílica do Latrão houve um belíssimo concerto com orquestra em coro no domingo anterior ao Natal. Era uma noite fria, noite de inverno. O templo esplendoroso e brilhante, mais brilhante se tornou com as luzes, com as pessoas que chegavam até o último minuto, ávidas do Natal... Não sei... por vezes as igrejas e basílicas são antes de tudo espaços de admiração e êxtase estético e menos de contemplação do mistério. Penso sempre que os natais têm que ser celebrados com a música, com clássico e o popular, com o gregoriano, o orquestral e o polifônico...O mistério da encarnação pode ser lido de vários modos. Sempre me lembro de concertos de Natal dos Canarinhos de Petrópolis, as noites musicais da Porciúncula de Niterói dirigidas pela maestrina Maria Eunice Moço... A música desses autores de ontem e de hoje nos joga no abismo ... desse Deus que se encarnou...e se fez bambino... A verdadeira música do Natal nada tem a ver com o Natal consumista que inventamos...e do qual nos tornamos reféns.

Falar em Natal é falar em Greccio. Havia um sonho escondido dentro de mim. Viver uma vez o Natal em Greccio. Tomei o metrô na Estação Manzoni, perto do Antoniano, e fui até Roma Tiburtina e, numa manhã de sol, tomei um pulmann até Rieti. Não conhecia aquela região de Roma. Feia, suja, cheia de pichações, restos de lixo na beira da estrada, um ônibus lento... Paisagem sem interesse. Tentei cochilar, mas o ônibus era duro e o assento não reclinava. De repente, não longe de Rieti, vi neve no alto dos montes... e a paisagem se tornava mais doce, mais suave, mais delicada, mais bela. Rieti... lembrei da Cúria papal que andou por ali. Lembrei-me dos cuidados que um médico teve com os olhos de Francisco. Antes do ponto final do ônibus percorri com os olhos a paisagem, prédios, igrejas....de Rieti. Fiquei com vontade de voltar ao local. Como são belas essas cidades italianas, médias, com suas magníficas catedrais e tantas obras de arte... Imaginei que ali também deveria haver muitas representações em telas do Natal, da anunciação do anjo a Maria. O Natal de Jesus começa no seio quente de Maria que disse sim ao mensageiro.. a Virgem do Natal é um presépio ambulante...

Depois de esperar quase duas horas na Estação de Rieti vi que chegava o pulmetto que me levaria a Greccio. Pedi que o motorista, rapaz sério que não queria conversa, me deixasse na escadaria do Santuário... E, de repente, uma escada danada, alta.. e eu com uma bolsa pesada... lá em cima estava o santuário... Eu com as pontes safenas que vão completar dez anos de vida... Eram 2 horas da tarde... havia sol... Com coragem cheguei lá em cima... não havia frade... ninguém, um deserto... entrei na capela do presépio... olhei a cena... esperei que meu coração desacelerasse. Apresentei-me quando uma porta se abriu e apareceu Fra Renzo. Era o dia 23 de dezembro. Um quartinho aquecido me esperava. E, da janela, o vale de Rieti e, ao longe, junto da montanha, o vilarejo de Greccio.

Greccio, ou seja o eremitério, está bem cuidado. O local da gruta é encantador. Há um espaço para os fiéis se assentarem. Ali, na manhã de 24, celebramos a missa...Amanhã sabereis que a glória do Senhor vai se manifestar...Fechava os olhos e pensava.. pensava...em tantas coisas do Natal... de todos os natais da vida... Pensei no tempo do noviciado, quando, em 1958, como júnior da turma, me cabia fazer o sermão do Menino Jesus no refeitório...Talvez aquele momento da missa do dia 24 de manhã tenha sido o mais belo de toda a minha permanência no Santuário... Que bom celebrar, ali perto daquela rocha-mesa, tendo diante dos olhos as pinturas que representavam o Natal do Menino em Belém e o Natal de Francisco... E aquela Maria com um seio enorme, que parecia nascer no pescoço, colocado na direção da boca do Bambino. E toda a casa e em todos os cantos da casa de Greccio há presépios....E como foi bom ter rezado o oficio naquele coro tosco do século XVII e percorrer o corredor das celas, entrar no refeitório... E sempre os nomes de Boaventura, de Antônio de Pádua e Bernardino de Siena. Gostava de sempre voltar a esses lugares durante os dias que passei em Greccio.

Belíssimo foi o espetáculo da neblina... na manhã de 24 de dezembro. Rieti tinha desaparecido sob a névoa... Aos poucos, com a chegada do sol, a neblina se dissipava mostrando então no Alto do Terminillo espessas camadas de neve...

A municipalidade de Greccio organizou, no estacionamento ao pé do Santuário, uma representação do presépio vivo. A idéia não teria partido dos frades. Compreendo: Greccio não é dos frades, mas dos seus habitantes. Custou a começar... estive lá, com frio, enrolado... pensando sempre em depois subir a íngreme ladeira para poder participar da Missa do Galo. Assisti um pouco da representação que começara com 45 minutos de atraso. Queria participar da missa na nova igreja do santuário, belíssima, com uma Imaculada com estilo de La Robbia. A missa foi celebrada pelo bispo de Rieti. A igreja é grande, mas não muito grandes. Estava cheia....muitas pessoas acima dos sessenta anos... Pena, desculpem escrever isso, que a noite não fosse mais franciscana.... teria esperado que grupos de pessoas, de famílias, de jovens viessem de vários lugares do Vale de Rieti para a Missa do Bambino, gente de Fontecolombo ou de La Foresta, de Rietti ou de Poggio Bustone. Teria imaginado, durante a celebração, mais alusão ao mistério franciscano de Greccio, cantos, gestos...tochas, flores, cores, jubilações, canto do evangelho... Interiormente cantei a alegria de estar ali, mas penso que os franciscanos temos muito mais a dizer a respeito do Natal....Os tempos, no entanto, são outros, e a Itália não é Brasil.

Permaneci ainda o dia 25 no Eremitério...dia muito frio com missas mais ou menos concorridas e com peregrinos que vieram até ali... muitos, muitos, muitos com máquinas de fotografia digitais... Lembro-me de um jovem que entrou no local da gruta do presépio, olhou vagamente e saiu sem se dar conta do que havia se passado ali no Natal de 1223, fato tão importante que fizera com que eu tivesse o sonho de viver o Natal dos meus 50 anos de vida franciscana ali...Não sei o que se passava na cabeça daquele rapaz.

Nossa Juventude Franciscana do Sagrado, em Petrópolis, no tempo do Fr. Mateus ou do Fr. Ildefonso, com Fr. Burcardo Faria e outros freis tivemos a coragem de fazer um encenação de Greccio na Praça da Faculdade de Petrópolis nos idos de 1955 ou 1956. Lembro-me que Frei Constantino Koser, no meio da encenação, fez um sermão sobre Greccio... Talvez eu tivesse esperando alguma coisa assim, ali, naquele Greccio do Vale de Rieti. O meu Greccio, o Greccio dos meus 17 anos, estava ainda vivo dentro de mim. O Greccio do Vale de Rieti precisa gritar aos homens as maravilhas que Deus operou no mistério da Encarnação...Mais do que nunca, no tempo do Natal , ficamos extasiados diante da bondade, amabilidade de Deus, um Deus que por amor se torna próximo de nós.. Nunca me senti tão tocado interiormente por esta idéia: Deus está perto de Deus, nos ama, nos estima, se abeira de nós, pede licença para berber de nossas fontes, tomar de nosso leite e ficar entre nós. Não podemos absolutamente permitir que os shoppings centers usem a palavra Natal para vender, para convencer os que são adeptos da sociedade de consumo a consumirem de verdade. Alguma coisa precisa ser feita. Greccio franciscano pode salvar o Natal.

Percorri várias vezes, nos três dias em que estive, em Greccio, os presépios expostos no corredores e adjacências da Igreja da Imaculada... Belíssimos. esses ouros presépios das Igrejas de Roma. Cada um mais esmerado que outros, como belos também os que estavam expostos na Missionszentrale dos Franciscanos.. Francisco, franciscanos, plasticidade de representações da Encarnação do Verbo... E de repente conversando com Fr. Marcos Andrade e Fr. Estevão Ottembreit pensei nos presépios que estão em Guará, no Seminário, e pensei que nós, da Imaculada, poderíamos ter o nosso Greccio que seria em Guaratinguetá. Comecei então a sonhar de olhos abertos:
  • No pátio do Seminário haveria um como que réplica do altar de Greccio, da gruta com o painel de fundo.
  • Em salas da casa exposição de presépios se possível bem iluminados.
  • Na entrada, em azulejo, texto de Isaías, outro depois de uma epístola e o de Lucas....Um espaço de natal...
  • Haveria um livro de orações e textos natalinos, franciscanos e muitos cantos..
  • No tempo do Natal, um Greccio ao vivo.
  • Concertos natalinos no tempo do advento.
  • Em cada sábado e domingo do advento, reflexões e retiro sobre o tema da encarnação, sobre o jeito franciscano e escotista de ver a encarnação.
  • Belíssimas missas campais nos domingos do advento e no Natal e Epifania.
  • Na tarde 24 de dezembro, uma festa para os pobres, com doces, panettone, chocolate... a festa dos mendigos e dos pobres.
  • Os frades de Petrópolis, Rondinha participariam intensamente de tudo.
  • Precisamos de uma equipe e tenho certeza que a Missionszentrale nos ajudaria no que fosse possível.
E depois o sonho continuou... Imaginei que Rodinha seria La Verna, que aproveitaríamos o trabalho de Rochinski e faríamos lá um lugar do mistéiro pascal à maneira de Francisco.. Não entro em pormenores para não irritar alguns. Mas lá haveria uma via sacra...e gente amando o Cristo e dizendo com Francisco que o amor precisa ser amado... E o sonho foi parar em Agudos onde seria feita uma réplica da Porciúncula... Agudos seria lugar da missão, lugar para falar d' Angola, dos caminhos novos, da evanvelizaçao franciscana... Sim, nós podemos também ter nossos lugares franciscanos na Província... Eles não são privilegio dos queridos frades italianos... Francisco é maior do que tudo... Sonhei de olhos abertos...

Paz e todo os bens.
(*) Frei Almir Ribeiro Guimarães, OFM é Assistente Nacional para a OFS e Assistente Regional da OFS do Sudeste II

Extraído de http://www.franciscanos.org.br/v3/vidacrista/artigos/almir_070808/artigos_15.php acesso em 13 Jan. 2009.

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