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quarta-feira, 30 de setembro de 2009

São Francisco de Assis: O Trovador de DEUS

Sabemos que S. Francisco, nos tempos da sua juventude, em Assis, era conhecido como o «rei das festas», promovendo o convívio associado à poesia, à música e ao canto. As serenatas e os jograis dos trovadores encontravam nele um dos representantes mais entusiastas.

Após a sua conversão, ocorrida em 1208, não abdica da sua sensibilidade artística. Existe um episódio curioso, na vida do santo, que ilustra a sua predilecção pela música, como prolongamento natural do seu coração enamorado por Cristo.

Nas Fontes Franciscanas, lemos no Espelho de Perfeição: «A suavíssima melodia espiritual que botava dentro dele jorrava frequentemente para o exterior e encontrava expressão na língua francesa, e a poesia dos murmúrios divinos ouvidos por ele em segredo irrompia em cânticos de júbilo nesta mesma língua. Outras vezes colhia do chão um pedaço de madeira e colocava-o sobre o braço esquerdo; com a mão direita pegava outro pedaço à maneira de arco e passava-o e repassava-o sobre o primeiro, como se estivesse a tocar violino. Fazendo os gestos próprios, cantava em francês ao Senhor Jesus Cristo» (EP 93).

Noutra ocasião pediu a Fr. Pacífico, que no mundo fora tocador de cítara, que fosse pedir uma emprestada para alívio das suas dores, quando fazia o tratamento dos olhos (cf 2 C 126).

Francisco exprimia a alegria do seu coração enamorado por Cristo, associando a poesia e o canto à pregação. Deu largas à criatividade, representando o despojamento de Belém, através do presépio de Greccio. Mas como se isto ainda não bastasse, e porque a sua pregação é de alcance universal, Francisco não se contentando em pregar aos homens, dirige também a sua pregação às criaturas irracionais, correspondendo estas à sua presença e pregação, tendo ficado célebre a sua pregação aos pássaros.

S. Francisco, em 1225, compôs o Cântico do Irmão Sol, junto do Mosteiro de S. Damião, onde viviam S. Clara e suas irmãs. Este texto foi composto não para ser lido, mas para ser cantado. Composto na língua do povo (dialecto da Úmbria), este cântico, de singular musicalidade, é considerado a mais antiga e a mais preciosa pérola da poesia italiana. De tal modo, que S. Francisco é considerado o primeiro poeta de Itália, tendo-lhe dedicando Dante Alighieri, mais tarde, uma generosa referência na sua Divina Comédia.

No Cântico do Irmão Sol ou Cântico das Criaturas, o santo começa por se dirigir ao «Altíssimo, Omnipotente e bom Senhor», ao Pai de todas a Criação, para, logo depois, abraçar no seu louvor todas as criaturas nossas irmãs: o sol, a lua e as estrelas, o vento e as nuvens, a água e o fogo.

Importa realçar que o Cântico do Irmão Sol brota da profundidade do coração enamorado de Francisco por Jesus Cristo, após dois longos anos de provação ou «noite escura» no cimo do Monte Alverne, onde recebera os Estigmas. Associando-se, assim, à Paixão do seu Senhor, S. Francisco experimentou o abandono dos seus irmãos, a doença e a ausência sensível de Deus. Contudo, numa noite, quase cego e tolhido de dores, o Senhor dissipa-lhe toda a dúvida e toda a treva, revelando-lhe a certeza da sua salvação.

Então, de um jacto, compõe o Cântico do Irmão Sol. A luminosidade deste cântico expressa a alegria dessa noite, socorrendo-se do mesmo sempre que outras «noites» procuravam erguer a sua «voz», como o conflito que opunha o Bispo de Assis ao Podestá da cidade e a proximidade da morte (cf LP 44; 100). Tanto numa como noutra situação, pediu aos seus frades que entoassem e prolongassem este verdadeiro Hino da Alegria franciscana, tendo-lhe acrescentado duas estrofes: uma dedicada àqueles que constroem a Paz e outra à Irmã Morte.

Em S. Damião inicia-se esse novo e inesperado canto de louvor perene, quais Laudes da nova Criação. Contudo, adivinham-se outros mais, quando lemos, na Legenda Perusina, que «Francisco, depois de compor os Louvores de Deus pelas criaturas, ditou também um cântico, letra e música, para alegria das Irmãs Clarissas do Mosteiro de S. Damião» (LP 45).

O Poeta-Cantor, colocando em prática a afirmação de S. Agostinho, segundo a qual «cantar é rezar duas vezes», extravasa mediante a alegria do canto todo o seu sentir. Muitas vezes, «indo ele de longada pelo mundo, meditando e cantando a Jesus, interrompia e esquecia a caminhada para convidar as criaturas todas a louvarem com ele o Criador» (1C 155).

Ainda assim, Francisco, cultivando a estética do Amor, subordina a beleza do canto e da criação à sintonia com o Criador, pedindo aos seus irmãos que na recitação dos Salmos não atendam «tanto à melodia da voz, quanto à consonância do espírito, de modo que a voz sintonize com o espírito e o espírito sintonize com Deus, e assim possam agradar a Deus e não, pela melodia da voz, encantar os ouvidos do povo» (CO 41-42).

Deste modo, Deus constitui a Fonte de todo o Louvor, de todo o Canto e de toda a Música que brota do coração enamorado de Francisco pelo seu Senhor.

Dos seus cânticos e jograis, irradia uma positividade que contrasta com os movimentos heréticos do seu tempo, mais predispostos a condenar do que a salvar. Francisco quer renovar a Igreja e a sociedade do seu tempo não pela condenação, mas pela exaltação da Bondade e do Amor de Deus, presentes no coração de cada homem, no mais íntimo de cada criatura e de todo o Universo criado pela mão de Deus.

Frei Nélio Mendonça, ofm

Extraído de http://www.ofm.org.pt/designio/pubartigosdetalhe.asp?reg=4 acesso em 28 set. 2009.

Ilustração: Visão de São Francisco / Carlo Saraceni. Disponível em http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Saraceni_-_Vision_of_St_Francis.jpg acesso em 28 set. 2009.


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