Deu no Correio do Brasil:No seu artigo "Vencer ou vingar", publicado no dia 17/08/08 no jornal o Estado de São Paulo, que trata do debate que está ocorrendo no Brasil sobre o alcance da anistia política decretada pelo regime militar, o professor José de Souza Martins faz uma afirmação sobre a "nova esquerda de inspiração religiosa" que vale a pena refletirmos com calma.
Por Jung Mo Sung - Adital - de São Paulo
Para ele, uma das grandes transformações políticas ocorridas no Brasil, e também em outros países da América Latina, durante os anos das ditaduras foi a fragilização da velha esquerda materialista por causa das suas contradições internas e o fortalecimento e disseminação de uma nova esquerda fortemente enraizada no pensamento religioso, sob influência da Teologia da Libertação. Esquerda essa que nos últimos anos alcançou o poder em diversos países da A.L.
Após essa constatação, ele afirma: "A substancial diferença entre a velha esquerda e a nova esquerda está no abandono da concepção dialética da história e sua redução a uma concepção maniqueísta e caritativa da questão social. Em relação à velha esquerda, a nova esquerda desconhece completamente o princípio da superação como ponto referencial da prática política e desconhece, em decorrência, o primado do historicamente possível na orientação da ação política. Uma renúncia completa ao reconhecimento de que o historicamente possível se propõe no plano das condições sociais e políticas do agir histórico."
É claro que José de Souza Martins, com essa crítica, não está propondo um retorno à velha esquerda, mas apontando uma questão central nos discursos e práticas políticas de um setor importante da esquerda latino-americana.
Uma das características fundamentais dessa "nova esquerda enraizada no pensamento religioso" é a sua espiritualidade que lhe dá força, perseverança e mantém acesa a indignação ética frente às injustiças sociais. Sem essa espiritualidade, as práticas rotineiras (necessárias) nas lutas sociais e políticas nos levariam à acomodação ou letargia; e sem a força interior que brota da experiência espiritual não resistiríamos às tentações do poder, de "status" ou de vida mais "confortável" que a ascensão nas estruturas do Estado, das igrejas, dos sindicatos, dos movimentos sociais ou dos ONGs possibilita (como, infelizmente diversos companheiros parecem ter sucumbido).
Entretanto, não podemos esquecer que essa força espiritual tem necessidade de um discurso religioso que lhe dê uma "orientação" na vida pessoal e nas lutas sociais. A Teologia da Libertação é, ou deveria ser, um instrumento de orientação e também de discernimento crítico de si própria e de outros discursos, religiosos ou não, que dão senso de caminho a essa experiência espiritual. Se o discurso religioso-teológico se deixa levar pela paixão que vem junto com a indignação ética e a vontade de mudança, ele corre o perigo de se tornar um discurso pouco crítico frente aos nossos desejos idealistas e de se converter em um mero discurso ideológico de legitimação dos nossos desejos, vontades e esperanças político-sociais irrealistas. E isso é muito fácil porque o discurso religioso-teológico lida exatamente com uma noção que permite dar saltos aos limites históricos: a noção de Deus como realizador de todas as esperanças humanas, para além dos limites das condições objetivas da história e da condição humana.
Se a Deus tudo é possível e se há no mundo um grupo que é portador da vontade e do "projeto" divino, então facilmente podemos ver o mundo dividido em dois grupos: os que ainda se mantém na "pureza" do projeto de Deus e os que se desvirtuaram. E diante de um cenário global em que não há muitos sinais visíveis de uma mudança profunda e rápida em direção à sociedade que desejamos, a tentação de se encapsular em um discurso "radical" e romântico que não aceita os limites da ação histórica é muito grande. É sempre tentador e dá muito "ibope" propor soluções mágicas para problemas que não conseguimos vislumbrar soluções reais. (Nisso não há muita diferença entre alguns grupos de pregadores neopentecostais e de libertação.)
A introdução do uso das ciências sociais na Teologia da Libertação (a mediação sócio-analítica) foi exatamente para criticar as propostas historicamente não viáveis ou não efetivas dos discursos religiosos tradicionais ou de discursos políticos populistas. Foi o reconhecimento de que a história tem suas dinâmicas e limites próprios que não obedecem a lógicas (e desejos) teológicas que levou os/as teólogos/as da libertação a dialogarem com os pensadores marxistas e outros pensadores sociais. Nesse diálogo, os conceitos de dialética e superação e a noção de historicamente possível foram e ainda devem ser elementos fundamentais na nossa reflexão. É claro que devemos superar os diversos equívocos do marxismo, mas até nisso está implicada a noção de "superação".
Reconhecer as possibilidades e limites do agir político-social é também uma forma de assumir o mistério da encarnação, de um Deus-Inifinito que entra e aceita as possibilidades e limites do seu momento histórico e da própria história.
Jung Mo Sung é professor de pós-graduação em Ciência e autor de Cristianismo de Libertação e Sementes de esperança.
Extraído de http://www.correiodobrasil.com.br/noticia.asp?c=142379
acesso em 27 ago. 2008.
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