Deu no CCFMC-Boletín Janeiro de 2008:Considerando que os 300 multimilionários mais ricos deste mundo dispõem de mais capital do que metade da humanidade, e se nos lembrarmos de que mais de dois mil milhões de pessoas têm de viver com 3 dólares diários, aproximadamente, então fica patente que isto é uma injustiça gigantesca que viola a ordem da Criação de Deus. Sendo cristãos e, sobretudo, sendo franciscanos e franciscanas, nunca devemos contentar-nos com esta situação. Pois, a vida dos cristãos está ligada à causa dos pobres e dos próximos, isto é, às vítimas do anti-reino em vigor, e o neoliberalismo revela-se cada vez mais como tal. Nos Seus sermões centrais - na Sinagoga de Nazaré (Lc 4), nas bem-aventuranças (Mt 5) e no sermão sobre o Juízo Final (Mt 25) – Jesus fala inequivocamente. O núcleo de cristalização do Seu projeto é o Reino de Deus, e os seus protagonistas são as vítimas (os pobres, os prisioneiros, os cegos, os famintos, os oprimidos, os estrangeiros, os peregrinos, os miseráveis e os doentes). Estar a caminho com as vítimas de ontem e de hoje significa fazer ouvir as suas vozes, escutá-los e apoiá-los com uma solidariedade até à última conseqüência.
As vítimas não só são os primeiros destinatários do Projeto de Deus, mas também são o lugar no qual Deus mesmo aparece por excelência. ELE tem uma predileção pelos pobres. Por isso, a questão social e a fé autêntica estão interligadas estreitamente. Indiferença frente à exploração e frente à negligência dos pobres é pecado. Nos pobres, a Igreja reconhece a “imagem Daquele que a fundou e que foi mesmo pobre e sofreu” (LG 8c).
Não devíamos esquecer esta relação quando acusarmos, de vez em quando, a perda da fé e da credibilidade da Igreja. Só estando próxima dos pobres, a Igreja pode viver a sua missão de maneira autêntica. Existe uma estreita ligação entre a verdade e a pobreza. Na Bíblia, a pobreza de Deus tem muitos nomes: encarnação no presépio, Cruz e Sepulcro vazio, pão eucarístico. Os teólogos latino americanos inventaram a expressão “extra pauperes nulla salus” (= fora dos pobres não há salvação).
Francisco entendeu isso melhor do que quase ninguém. Mas, confessa abertamente que não foi capaz de entender isso por si. “...pois quando estava em pecado foi-me amargo ver os leprosos. E o Senhor mesmo levou-me entre eles, e eu pratiquei misericórdia para com eles.” (Test)
O que tinha acontecido nesta reviravolta da sua vida? A lepra foi uma doença generalizada – como hoje o cancro ou a sida. Os leprosos eram deformados, banidos socialmente e isolados. Francisco diz amargo. “O que me pareceu amargo, foi transformado em douçura da alma e do corpo.” Para ele nasce um mundo novo, o mundo do amor ao próximo; o seu mundo anterior desmorona-se, o mundo no qual há encima e em baixo, senhores e servos. Ele reconhece que este mundo não pode ser o mundo autêntico, o mundo como Deus o quis. Ele descobre o Evangelho como alternativa. Um mundo reconciliado, no qual os valores do homem não dependem do trabalho nem do salário. Nós podemos simplesmente utilizar a riqueza de Deus na Criação e no mundo.
Quando nos lembrarmos, em 2008, do início do seu movimento de há 800 anos, então o núcleo do seu testamento é o seguinte: a aliança com a pobreza e a solidariedade com os pobres. Até liga a nossa chance de sobrevivência a esta aliança. “Na medida em que os irmãos se afastarem da pobreza, também o mundo se há de afastar deles, e eles procurarão e não encontrarão”, disse ele. “Se, no entanto, abraçarão a minha senhora, a pobreza (127), o mundo alimentá-los-á, porque são entregues ao mundo para salvá-lo.... Existe um contrato entre o mundo e os irmãos; eles, por sua vez, devem ao mundo o bom exemplo, mas o mundo deve-lhes o abastecimento com os bens necessários. Se os irmãos não cumprirem a sua promessa, já não dando um bom exemplo, então o mundo retirará a mão como castigo justo.” (2 Cel 70)
Andreas Müller OFM
Extraído de http://www.ccfmc.net/wPortugues/cbcmf/cbcmf-news/2008/2008_01_News.shtml?navid=92 acesso em 31 ago. 2008.
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