Com tal experiência sobrenatural, a atuação divina faz-se presente na missão entregue a Francisco. Possui ele uma força interior misteriosa que, como se fora um ímã, atrai as pessoas a seguirem seu exemplo no seguimento de Nosso Senhor Jesus Cristo, “inspirador de sua vida com Deus e com os homens”. Isso acontece com os Irmãos ou Frades Menores, as senhoras Pobres e com os Irmãos e as Irmãs da Penitência. Os últimos são os leigos, que dele “receberam inspiração e orientação para viverem segundo o Evangelho” (Carta dos quatro gerais da família franciscana), o que constitui a maior originalidade de Francisco naquela época, pois a mentalidade medieval concebia a santidade como privilégio só dos que a buscassem nos mosteiros, conventos e eremitérios.
Assim, os leigos têm conversas, encontros periódicos com ele. Mais importante ainda é terem sido agraciados com um documento cujo conteúdo é o de um programa com intuitos pastorais. Trata-se da Carta aos fiéis, exortação escrita provavelmente entre 1215 e 1223. Constitui verdadeiro tesouro de espiritualidade bíblica, impregnado das palavras odoríferas de Nosso Senhor Jesus Cristo. Seu valor está nas idéias centrais com que Francisco vai concretizar a vida dos Irmãos e das Irmãs da penitência. Seu objetivo é, acima de tudo, promover a união entre os que são impulsionados pelo Espírito Santo ao mesmo ideal, “a fim de serem santificados na unidade” (Jo 17,25). Por isso, o estilo de vida em fraternidade caracteriza seus projetos, ilumina o plano e a organização de sua obra. Para os leigos, porém, que vivem em suas próprias casas, solteiros ou casados, pertencentes às diversas camadas sociais, Francisco planeja a Fraternidade mista, conforme se dirige aos destinatários da Carta aos Fiéis. Com certeza ele sonha com famílias, também vocacionadas para viverem o Evangelho, dos avós até os netos, pois considera esta forma de vida como um dom do Altíssimo.
O convívio entre os irmãos e as Irmãs, idosos e jovens, deve ser marcado pelo amor a Deus e aos irmãos: “Quão felizes e benditos são aqueles que amam o Senhor ‘de todo o coração, com toda a alma, com toda a mente e com todas as forças’ (Mc 12,30) e ao próximo como a si mesmos (cf. Mt 22,39), odiando seus corpos com seus vícios e pecados, recebendo o Corpo e Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo e produzindo frutos dignos de penitência. Felizes e benditos os que assim fazem e assim perseveram, porque sobre eles repousará o Espírito do Senhor’ (cf. Is 11,2) “(1CtFi 1-2).
Francisco explica com sabedoria o sentido do ódio ao corpo com seus vícios e pecados: “E odiemos o nosso corpo com seus vícios e pecados, porque quer viver carnalmente e privar-nos assim do amor de Nosso Senhor Jesus Crista e da vida eterna” (RNB 22,5). Aconselha, no entanto, aos irmãos a amarem a Deus com as forças do corpo: “Amemos todos, de todo o coração, com toda a alma, com todo o espírito, com toda nossa capacidade e força, com todas as virtudes do espírito e do corpo (Dt 6,5)...o Senhor nosso Deus que nos deu a nós.., todo o nosso corpo” (RNB 23,23-24).
Quanto aos que recebem o Corpo e Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo recomenda: “E assim, contritos e confessados, recebam o corpo e sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo, com grande humildade e respeito, recordando que o próprio Senhor disse: ‘Quem come e bebe meu sangue possui a vida eterna’ (Jo 6,55)”(RNB 20,7-8). A Eucaristia é, para Francisco, “nova Encarnação” (Adm 1,19-23).
Francisco, adorado “em espírito e verdade” (Jo 4,23-24), baseia a vida da fraternidade na co-participação da vida de Deus Pai, Filho e Espírito Santo, Trindade Una na pluralidade de Pessoas. Os Irmãos e as Irmãs são filhos do Pai celestial (Mt 5,45) cujas obras fazem e são esposos, irmãos e mães de Nosso Senhor Jesus Cristo pelo Espírito Santo (Mt 12,50). Somos seus irmãos quando fazemos a vontade do Pai que está nos céus (Mt 13,50). Somos mães, quando o trazemos em nosso corpo (1Cor 6,20) pelo amor divino e por uma consciência pura e sincera; e o damos à luz pelas obras santas que, pelo exemplo, devem ser luz para os outros (Mt 5,16) (cf. lCtFi 3-7). As citações dos evangelhos e de São Paulo fundamentam a importância das relações interpessoais e a riqueza que confere à existência humana o viver uns com os outros e para os outros, numa integração fraterna. Mas, de repente, Francisco interrompe o assunto e deixa extravasar sua sensibilidade mística. Explode em amor na mais alta e inefável contemplação: “Como é glorioso, santo e sublime ter um Pai nos céus! Como é santo, consolador, belo, admirável ter um tal esposo! Como é santo e dileto, agradável, humilde, pacifico, suave, amável e sobretudo desejável ter tal irmão e tal filho: Nosso Senhor Jesus Cristo. Ele entregou sua vida pelas suas ovelhas (cf. Jo 10,15)”(lCtfi 8-9).
Num dos parágrafos da Carta, retomando a oração sacerdotal de Jesus, fala da unidade (lCtFi 9-15).
Francisco dirige-se então aos Irmãos e Irmãs que não vivem em espírito de penitência. Não recebem o Corpo e o Sangue do Senhor. Conscientemente praticam o mal e perdem deliberadamente a salvação. Para estes e estas usa de drástica advertência, abrasado por zelo indescritível. Mas pede-lhes que recebam benignamente as palavras de Nosso Senhor Jesus Cristo que são espírito e vida, fazendo que cheguem ao conhecimento de todos.
Para quem tenta conhecer o pensamento e a criatividade apostólica de Francisco é possível ver claramente a coincidência de sua abertura aos leigos e a forma de vida que lhes dá com as orientações dadas pelo Concilio Vaticano II no momento atual.
Hoje, os Irmãos e as Irmãs da penitência são chamados franciscanos seculares. Procuram “voltar à origem, à experiência espiritual de Francisco de Assis e dos Irmãos e das Irmãs da penitência”. Tal propósito vem sugerido pela inserção da Carta aos fiéis na Regra da ordem Franciscana Secular.
Texto de Celina Braga de Campos, OFS – Belo Horizonte
Extraído de http://www.pvf.com.br/v3/carisma/ofs/artigos/fraternidade.php acesso em 18 nov. 2008.
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