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domingo, 16 de novembro de 2008

Sínodo dos Bispos atualizou o Concílio Vaticano II

Entrevista especial com Johan Konings

Johan Konings participou XII Assembléia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, realizada de 5 a 26 de outubro, no Vaticano. Ele classifica o evento como “fabuloso”. Na entrevista concedida por e-mail para a IHU On-Line, Konings afirma que o sínodo “foi uma oportunidade para conhecer a situação e os projetos das mais diversas regiões onde a Igreja está presente neste mundo globalizado”. E conclui que “não se deu um passo para trás em relação ao Concílio, mas que, pelo contrário, se mostrou uma vontade unânime de avançar”.

Johan Konings é professor no Instituto Santo Inácio - Centro de Estudos Superiores da Companhia de Jesus – ISI - CES, de Belo Horizonte, MG. Graduado em Filosofia e Teologia, Konings concluiu o doutorado em Teologia na Universidade Católica de Louvaina, na Bélgica. Entre seus livros publicados, citamos Ser cristão – Fé e prática (Petrópolis: Vozes, 2003) e Liturgia Dominical. Mistério de Cristo e formação dos fiéis (anos A – B – C) (Petrópolis: Vozes, 2003). È autor também do Cadernos Teologia Pública número 1, intitulado Hermenêutica da tradição cristã no limiar do século XXI.

Confira a entrevista.
IHU On-Line - Qual a avaliação geral que o senhor faz do Sínodo sobre a Bíblia realizado em Roma recentemente, considerando a sua importância no momento atual? Quais os principais avanços e quais os pontos que deixaram a desejar?

Johan Konings - O Sínodo é uma instituição para dar continuidade ao Concílio Vaticano II. Deve promover a recepção do Concílio pelo povo eclesial. A importância disso salta à vista quando se sabe que o Concílio de Trento levou quatrocentos anos para ser mais ou menos “recebido” no Brasil. Agora, estamos a mais de quarenta anos do Vaticano II (1962-1965), mas espera-se que a recepção não leve quatro séculos. As sucessivas Assembléias Gerais do Sínodo dos Bispos servem para fomentar e atualizar a realização na prática daquilo que o Concílio projetou. Assim, o Concílio fez um documento sobre a Revelação Divina: a constituição conciliar Dei Verbum, talvez o texto mais importante do Concílio. O último capítulo se intitulava: “A Palavra de Deus na vida da Igreja”. O Sínodo de 2008 teve como tema: “A Palavra de Deus na vida e na missão da Igreja”. Nota-se a intenção de continuar e de atualizar o Concílio, insistindo na “missão”, termo que não estava no texto do Concílio. Pois desde o Concílio percebeu-se que missão não é apenas ir aos indígenas da Amazônia, mas às tribos de nossa juventude urbana e aos pagãos de nossas avenidas e campi universitários. Olhando assim, achei o Sínodo fabuloso. Foi uma oportunidade para, através da voz de 253 bispos, eleitos por seu confrades de cada região, conhecer a situação e os projetos das mais diversas regiões onde a Igreja está presente neste mundo globalizado. E pode-se dizer que não se deu um passo para trás em relação ao Concílio, mas que, pelo contrário, se mostrou uma vontade unânime de avançar.

IHU On-Line - Como foi a participação das 25 mulheres e do rabino chefe de Haifa, Israel, Shear-Yashuv Cohen, neste sínodo? Como o senhor avalia a presença deles neste importante evento?

Johan Konings - A participação das mulheres foi, acho eu, uma coisa normal. Participaram como observadoras, pois os participantes com direito a voto eram somente os bispos. Claro, lamenta-se que a atual estrutura da Igreja não tenha mulheres na hierarquia. Algumas deram testemunho impressionante. Lembro-me de uma africana que falou das pequenas comunidades do povo sofrido na África, e de uma russa, professora de artes plásticas, que testemunhou sobre o impacto que os ícones com cenas bíblicas evocam entre seus colegas descristianizados. A própria madre geral das Paulinas, brasileira, falou com clareza sobre a pastoral bíblica popular. Quanto ao Rabino de Haifa, deu um testemunho da veneração profunda com que o povo judeu - pelo menos os piedosos - escuta e rumina a palavra de Deus na Torá e nos Profetas. Há algo que se percebia o tempo todo: as tensões no próximo e Médio Oriente pesam muito sobre a Igreja. Assim, logo depois do Sínodo, o Papa teve de explicitar junto aos líderes muçulmanos o pedido de respeito pela liberdade religiosa. Quanto a Israel, o problema é que os cristãos na região são quase sempre palestinos, isso sem falar das perseguições abertas na Indonésia e na Índia.

IHU On-Line - Como o senhor avalia o Sínodo no que diz respeito ao processo de reunir os avanços da leitura Bíblica Pastoral nos diversos continentes? Isso foi alcançado?

Johan Konings - O Sínodo não era para “decidir” novidades. Era uma reflexão, um curso de teologia fundamental em torno da Palavra de Deus. Mas nas proposições, ou seja, nas sugestões votadas em plenário para serem apresentadas ao Papa, aparecem claros avanços: o desejo de que a Bíblia seja mais divulgada, estudada com os devidos métodos científicos que a Igreja vem fomentando com toda a força nos últimos cinqüenta anos, claramente expostos no importantíssimo documento da Pontifícia Comissão Bíblica de 1993; o desejo de que o estudo leve à contemplação, à oração e à prática da comunhão fraterna; a valorização do trabalho dois leigos, dos agentes de pastoral bíblica, especialmente das mulheres, para as quais se pede seja estendida a ordenação ao ministério de leitorado; que os pobres sejam “artífices de sua própria história”, impulsionados pela Palavra de Deus acolhida nas suas comunidades; que a Bíblia esteja em todas as famílias, inclusive nas línguas dos povos pequenos e pobres; que a pastoral bíblica não seja uma pastoral ao lado das outras, mas a inspiração que permeie todas as pastorais; que finalmente se leve a sério o enriquecimento bíblico da Liturgia a partir do Vaticano II e o valor de uma homilia bem preparada pelo estudo e pela oração - além de bem proferida; essas e tantas outras foram expressões do desejo praticamente unânime dos bispos de avançar na linha do Concílio Vaticano II.

IHU On-Line - Por que os livros Apócrifos atraem tanto o público? Não está na hora de fazer uma leitura de como foram selecionados os livros que hoje formam a Bíblia e revisar os que ficaram de fora?

Johan Konings - Falou-se da Bíblia que temos. Esta é a consignação por escrito do “evento da Palavra de Deus” no seu momento culminante, quando a Palavra se fez carne em Jesus de Nazaré. A Bíblia é o documento escrito desse evento a partir das testemunhas de primeira mão, no tempo dos Apóstolos. Esse testemunho inclui as Escrituras de Israel, que lhe fornecem a linguagem e que em Jesus encontram sua plenitude. É o documento referencial da fé das testemunhas de Jesus. Com isso não se mexe. Seria como destruir um monumento para colocar outra coisa no lugar. É verdade que a Palavra de Deus é maior que a Bíblia. A Palavra de Deus é um diálogo conosco que começou com palavra da criação, como lembra São João no prólogo que anuncia a encarnação dessa Palavra em Jesus - encarnação situada no tempo e no espaço, e que continua na Sagrada Escritura, situada ela também no tempo e no espaço, participando das limitações históricas humanas, sem, contudo, perder sua “confiabilidade” divina. Assim, fica claro que a Palavra de Deus é maior que a Bíblia, que é sua expressão “autorizada”. E ninguém pode proibir a Deus de dar-se a conhecer em outras oportunidades, em escritos não oficiais, em outras religiões. Mas a Bíblia que temos é o monumento seguro do evento Jesus Cristo atestado por seus seguidores de primeira mão, “o que ouvimos, o que vimos com os nossos olhos e o que as nossas mãos apalparam da Palavra da vida”, como diz a primeira Carta de João. Quanto aos apócrifos, estou estudando todos os apócrifos do tempo do Antigo e do Novo Testamento, e posso dizer que não gostaria de complicar a vida dos fiéis com esses escritos, sobretudo os que dizem respeito ao Novo Testamento, escritos num código gnóstico impenetrável.

IHU On-Line - Que hermenêuticas o senhor apontaria como importantes hoje na leitura da Palavra, para não cair em fundamentalismos, literalismos ou leituras ideológicas?

Johan Konings - Quanto à hermenêutica ou interpretação, toda escuta e toda leitura é uma interpretação, pois senão, não se entende nada. Os fundamentalistas pensam que eles não interpretam, mas interpretam sem que saibam, e reforçam interpretações subliminares sem se darem conta disso. Ora, interpretação sempre tem uma dupla interface - por isso se chama “inter”-pretação: é interlocução, mediação entre o texto que representa o evento Jesus no seu momento fundador, abordado com métodos históricos e literários, e o nosso texto de hoje, o texto de nossa vida, em nossa sociedade, em nosso mundo político-econômico-social-cultural-ecológico etc., assimilado com a nossa psicologia pessoal e coletiva. Colocar tudo isso em diálogo é hermenêutica, é leitura. Também no caso da Bíblia.
Extraído de http://www.unisinos.br/ihu/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=18265 acesso em 16 nov. 2008.

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