Arquivo do blog

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Francisco de Assis e o cuidado

Por Aldir Crocoli, OFMcap
Testemunhos de cuidado de Francisco
Mística e identidade

1. Francisco não conseguia permanecer com uma roupa caso percebesse que alguém precisava mais do que ele, a tal ponto de que tiverem de proibi-lo de fazer isso sem a licença de seu guardião.

2. Certa feita, diante da queixa da mãe de dois frades que, entrando na ordem a deixaram sem possibilidade do auto-sustento, privada força de trabalho, manda entregar o único novo testamento que havia na casa, porque o evangelho manda ajudar os pobres (2Cel 91. Essa mãe não era esmoler. Apenas manifestara sua apreensão.

3. Embora lhe tenha custado muito no início, Francisco começa a cuidar dos leprosos, os chamados “irmãos cristãos”(CA 64). Foi um passo significativo porque teve de vencer o nojo e o medo de contaminação, além de infringir a norma de profilaxia social. Provavelmente é um dos motivos mais fortes de sua expulsão da família. Pensa o noviciado entre os leprosos (CA 9)

4. Do cuidado com as pessoas passou ao cuidado das demais criaturas. Contam os biógrafos que mandava dar mel e vinho às abelhas no inverno para que não morressem de fome. Solta uma lebre da arapuca. Compra dois cordeiros que estavam sendo vendidos no mercado para que não morressem e os devolve ao dono para criá-los. Pede para cortar as árvores acima do primeiro galho para que tivessem chance de continuar vivendo. Quer um canteiro na horta para as ervas daninhas para que elas possam louvar a Deus.

Razões desse cuidado

1. Francisco, por uma série de fatos de sua juventude, tomou consciência e assumiu sua pequenez e fragilidade, sentindo a necessidade do cuidado de outros. Perdeu a auto-suficiência que torna as pessoas cegas às necessidades dos demais. Quando alguém está de salto alto, os demais não são importantes para ele, a não ser enquanto o favorecem. Perdendo o estrado, sentiu-se um necessitado entre os necessitados. Convivendo com sua finitude vê a vida diferentemente.

Por isso Jesus diz que o rico (o auto-suficiente) tem maior dificuldade de entrar no Reino que um camelo passar pelo buraco de uma agulha.

2. Descobre a grandeza e a beleza de Deus que acolhe e cuida de todas as pessoas, indistintamente, sem excluir nem sequer quem o matava. O poder divino é percebido por Francisco não como um poder despótico que oprime e obriga à obediência, mas como uma proposta a ser acolhida com alegria. Dá-se conta de que ser cristão é seguir no mesmo dinamismo de Deus. Mais que ser batizado, de pertencer a uma instituição, trata-se de reproduzir na vida o modo de ser de Deus que inclui em seus cuidados ater os inimigos.

Provavelmente por volta de 1224, disse, que se pudesse, solicitaria do rei um decreto: que por ocasião do Natal todos tivessem de jogar trigo pelos caminhos para os pássaros comerem; que fosse dada ração em dobro aos animais e que os pobres fossem saciados em sua fome. Pois nesse dia nenhuma criatura tivesse de sofrer, já que Deus veio ao nosso encontro em seu filho Jesus de Nazaré.

3. Começa a construir uma fraternidade (irmãos menores) desde a periferia: com os pobres, com os leprosos, com os excomungados civis. São irmãos que deixam fluir o cuidado de Deus em suas vidas. E, portanto, tratam fraternalmente, de igual para igual, a todos. Na prática, para se viver isso é preciso sempre considerar o outro mais necessitado do que eu. E Deus está sempre interessado no bem de todos, seja quem quer que seja.

Aparece aqui a dinâmica de criação ou construção da fraternidade: a saída de si mesmo em direção ao outro, a todo o outro. Jesus parece colocar isso acima da própria fé e da prática religiosa com o exemplo do samaritano. Numa linguagem muito plástica, mas profundamente antropológica, Francisco recomenda que sejamos mães uns para os outros.

4. A qualidade de vida de uma sociedade não está em seu progresso econômico e nos avanços científicos. Está antes de mais nada na qualidade das relações que se estabelecem entre todos os participantes da sociedade: direitos preservados, necessidades atendidas. Somos todos vocacionados à convivialidade, a sermos comensais da mesma mesa, participantes do mesmo banquete.

A estratégia aqui apresenta duas facetas, que se reclamam mutuamente: o viver expropriado, o viver sem fazer valer o direito à apropriação, pois quem quer acumular começa manipular em proveito próprio; e o viver sem poder, o colocar-se a serviço dos outros.

Viver expropriado é outra maneira de afirmar a partilha em vista do banquete que Jesus tanto insiste em apresentar como figura privilegiada do Reino. Aprender a partilhar foi também uma das grandes provas que o povo bíblico teve de fazer no deserto, conforme nos conta o êxodo 16.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Firefox