Arquivo do blog

domingo, 23 de novembro de 2008

Legenda dos três companheiros (1)

Fr. Sílvio João Santos do Carmo, OFMcap
freisilviocarmo@hotmail.com
Depois de alguns dias, lendo e relendo, em minha meditação pessoal, a legenda dos três companheiros, obra que faz parte das fontes biográficas de são Francisco, compartilhando com Paul Sabatier, quando diz que a mesma é “o mais belo monumento franciscano e uma das produções mais deliciosas da Idade Média”(1), gostaria, eu também, de compartilhar através de três reflexões esta importante fonte.

Desde já, digo que a mesma não tem nenhum valor cientifico e não tem a intenção de olhar a obra como única, mas de servir de ajuda para os que sentem desejo de aprofundar nosso carisma franciscano através das leituras dos escritos, fontes, documentos, crônicas, como também, dos que vivem da espiritualidade franciscana na ordem capuchinha. Isso, acredito eu, pode servir também, para nossos jovens vocacionados e formandos nas diversas etapas de nossa formação, como também para os que desejam retornar ao fervor da espiritualidade de São Francisco.

Conhecemos, através da hagiografia – biografia de santos -, que também os santos tiveram seus grandes amigos. Há amizade sempre marca a vida das pessoas. São pessoas de relacionamento, do dialogo, dos encontros, do acolhimento, da escuta, da partilha, da solidariedade, mesmo que seja por algum tempo. Assim sendo, o bom relacionamento, acompanhado da amizade ajuda a preservar a memória. Sim, uma verdadeira amizade, faz bem e ajuda a lembrar momentos vividos que muitas vezes esquecemos e, aí o outro, com tanta facilidade, sem esconder nada, nos faz recordar coisas importantes do passado que às vezes não lembramos com tanta facilidade. Demonstrado, assim, interesse, fidelidade e respeito. Pois, sempre acreditei que, quando temos verdadeiros amigos o passado é sempre lembrado para mantermos sempre vivo o futuro, mantendo assim o verdadeiro sentido da amicitia/amizade: afeto, estima, dedicação recíproca entre pessoas. Arturo Graf(2), escreveu certa vez que: El que posee um amigo verdadero piede decir que posee dos almas / “quem tem um amigo verdadeiro pode afirmar que possui duas almas”. Acredito que ele tem toda a razão, pois, quando temos amicus/amigos, o outro – “outra alma” – sabe lembrar várias coisas vividas a dois. E quando acreditamos na amizade das pessoas, compartilhamos com dois, três ou mais nossa amizade. Aí a convivência se torna maior e tudo vai ganhado mais liberdade e temos assim vontade de viver nossos planos, projetos, desejos, futuro. Somos levados a revelar – pela convivência – até mesmo nossa transcendência, nossa espiritualidade, nosso desejo profundo de ir ao encontro de Deus. No companheirismo “uma boca amena multiplica os amigos, uma língua afável multiplica a afabilidade”(3) diz o Eclesiástico. Portanto, devemos aumentar nossas relações com todos, mas poucos são verdadeiramente fiéis e dignos de confiança. Assim, faz-nos pensar os que foram os primeiros companheiros de Francisco, ou seja, aqueles que participaram de sua vida, de suas ocupações, de seus sonhos, alegrias e tristezas, de suas aventuras. Por outro lado, Francisco, cheio de ternura do Senhor fez amigos verdadeiros, pois tal como ele era, assim eram seus amigos.

Na experiência do dia-a-dia, muitas pessoas passam em nossas vidas e não deixam nada de bom, passam como passa o vento. Com alguns, até compartilhamos “algumas coisas”. Depois, como o tempo, tudo o que foi vivido toma outro rumo e, tudo passa sem deixa algo de concreto que possa se lembrado com entusiasmo ou celebrado como memória. Outros por mais que se esforcem, fingem serem fiéis companheiros ou amigos, por acreditarem que podem tira proveito de alguma coisa. Quando não consegue, se afastam deixando seu rastro de destruição e incerteza. No futuro, com certeza, estes nunca serão lembrados, porque foram esquecidos, sem deixar uma semente para ser germinada.

Num mundo marcado pelo individualismo, a amizade para muitos se torno sinônimo de falsidade, de um sentimento que não existe. Todavia, a dúvida quanto aos maus e bons amigos invade a mente das pessoas a cada realidade vivida. Diante disso, “a dúvida não deve esta automaticamente ligada a uma negação da fé. Podemos confrontar-nos seriamente com várias questões que nos inquietam e, confiar em Deus no núcleo essencial da fé”(4). Quanto às contradições da vida, do tipo, como devemos nos posicionar frente às más amizades? Diríamos que não podemos tentar encontrar soluções para tudo, porém, podemos confiar em que se possa resolver o que muitas vezes não podemos solucionar. Dizia o então cardeal Joseph Ratzinger: “Sabe, em todo o caso não é possível amar as pessoas coletivamente. Existe pessoas que temos grandes dificuldades. E às vezes até podemos começar a duvidar da bondade do Homem e interrogar-nos se o Criador não perdeu demasiadamente o controle sobre isso, ao ponto de Sua criatura ir tornando-se perigosa e deixar de ser digna de ser amada. Mas então é preciso assumir a seguinte atitude: algumas eu não conheço, portanto não me cabe julga-los; outros, tenho de os deixar tais como são. E as pessoas boas que conheço vão me dando a certeza de que o Criador sabe bem o que fez”(5).

Dos três companheiros de Francisco, podemos ter a certeza de que a philia/amizade foi maior do que as normas e as leis. Pois, todo conhecimento do outro é o resultado de um diálogo: um conhece o outro, o outro conversa com o outro e, aí o conhecimento dos outros será sempre uma construção de conhecimento sempre renovado. A vivência, portanto, é fundamental no desenvolvimento do indivíduo. O sentido da vida fraterna está justamente na intensiva e genuína interação entre os irmãos.

A qualidade das relações fraternas segundo a psicologia religiosa, deve assim, “proporcionar o equilíbrio entre os interesses individuais e os coletivos, garantido, a diversidade e a individualidade nas relações”(6). O que os três companheiros viveram e contaram de seu grande amigo nunca será esquecido, porque o bem não morre e, a verdadeira amizade é sem fronteira e eterna. Assim sendo, os verdadeiros amigos acreditam no que a gente diz. E, como duvidar deste sentimento? Se não podemos dividir o coração em duas partes para agradecer, podemos expressar pela gratidão por todos os momentos fraternos que viveram juntos os freis Francisco, Leão, Ângelo e Rufino. Portanto, ao longo destas reflexões teremos a oportunidade de aprofundar um pouco mais esta rica fonte biográfica, onde três caros companheiros de nosso pai Francisco nos proporcionam com sua verdadeira amizade, um maior conhecimento de sua vida entre nós. Que o Senhor nos abençoe e nos guarde hoje e sempre. Amém!

Notas:

(1) Cf. SABATIER. Paul. Vida de São Francisco de Assis. Bragança Paulista, São Paulo. Universitária, 2006, p.64

(2) Arturo Graf (1848 – 1913), escrito e poeta italiano. Cf. Palavras mágicas de amizade. V&R editoras. Cotia, São Paulo, 2005, p. 66

(3) Cf. Eclo 6, 5

(4) Cf. RATZINGER, Joseph. O Sal da Terra: O Cristianismo e a Igreja no século XXI: um diálogo com Peter Seewald, Rio de Janeiro, Imago, 2005, p. 12

(5) Id. Ibid. p. 26

(6) Cf. JUNG. C.G. Psicologia e religião. Petrópolis, Vozes: 1995. p. 57

Extraído de http://www.promapa.org.br/2006/index.php?pag=artigos&exibartigo=69 acesso em 23 nov. 2008.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Firefox