A propósito dos Santos Mártires de Marrocos, apresentamos um pequeno texto do historiador franciscano Frei Henrique Pinto Rema que nos resenha a vida destes primeiros mártires da Ordem Franciscana e a sua íntima ligação a Portugal:
«Os santos Berardo, Pedro, Otão, Acúrsio e Adjuto, são os primeiros mártires franciscanos e, segundo as palavras do próprio São Francisco, os primeiros “cinco verdadeiros irmãos menores”. Na verdade, o seu corajoso testemunho da fé, regado com o sangue do martírio, está na base da vocação do primeiro franciscano português, Santo António de Lisboa, e constitui o gérmen do franciscanismo em território luso.
No Capítulo Geral do Pentecostes de 1219 decidiu-se que os discípulos de Francisco de Assis partissem em missão para os então chamados “infiéis”. O próprio Poverello parte com os Cruzados e encontrou-se com o Sultão de Damieta. Entusiasmado com o sonho de levar o Evangelho sem a espada também aos filhos de Maomé, envia a Marrocos seis frades: Frei Vital, Frei Berardo, Frei Pedro, Frei Otão, todos sacerdotes, Frei Acúrcio e Frei Adjuto, ambos irmãos leigos.
Rumaram a Espanha, e quando já se encontravam no reino de Aragão, Frei Vital, o prelado, caiu doente, tendo cedido o lugar a Frei Berardo, treinado na língua árabe. Os cinco prosseguiram viagem até Coimbra, então a capital do Reino de Portugal.
Em Coimbra ter-se-ão acolhido no eremitério de Santo Antão dos Olivais. Correu célere a notícia da sua chegada, e dela ouviu dizer a rainha D. Urraca, que os chamou à Corte para os ouvir falar. Deles terá porventura também ouvido falar Frei Fernando Martins (o futuro Santo António de Lisboa), recolhido no Mosteiro de Santa Cruz.
A Rainha pretendeu saber da boca deles o seu próprio futuro. Começaram por se escusar, mas, perante a sua insistência, rezaram a Deus, que lhe terá revelado a sua morte antes da do marido, e o sinal era o martírio deles em Marrocos.
Os cinco frades saíram de Coimbra com a recomendação de passarem por Alenquer, onde vivia D. Sancha, irmã do rei D. Afonso II. Ali, a Princesa trocou-lhes o hábito religioso por veste comum, e assim disfarçados rumaram a Sevilha, terra de mouros, onde se esconderam durante oito dias em casa dum cristão. Impelidos por santo zelo missionário, um dia saíram de casa e tentaram entrar na mesquita, dizendo-se embaixadores do rei dos reis, o Senhor Jesus Cristo. Levados perante a autoridade, esta pensou primeiro matá-los, mas acabou por apenas os prender e depois enviar para Marrocos, como aliás eles desejavam.
Em Marrocos havia uma colónia portuguesa, à frente da qual estava o Infante D. Pedro, a quem os frades terão apresentado as cartas de recomendação de D. Urraca e D. Sancha. O irmão do rei português recebeu-os o melhor possível e proveu-os do necessário.
Uma vez em Marrocos, tomaram a sério a missão a que se destinavam. A sua voz começou a ressoar intemeratamente por toda a parte com a Palavra do Senhor Jesus Cristo. O Miramolim não apreciou a loucura destes Religiosos e deu ordens para os expulsar da cidade.
O infante D. Pedro, em face da delicada situação destes fervorosos arautos do Evangelho, entendeu por bem dar-lhes protecção na viagem até Ceuta, donde passariam a terras cristãs. Os santos frades não aceitaram a oferta, e regressaram à cidade e à pregação aos mouros que estavam no mercado.
O Miramolim, ao saber do facto, mandou-os encerrar no cárcere, onde os mantém por vinte dias sem comer nem beber e, depois, entregou-os aos cristãos, com o fim de os remeterem para a Europa. Mas Frei Berardo e Companheiros acharam que a sua missão não estava cumprida e regressaram à cidade. Então o Infante D. Pedro reteve-os em sua casa e pôs-lhes guardas, a fim de não poderem sair para entre os mouros.
Apesar de tudo, contam-se-lhes algumas saídas da casa do Infante. Um dia, numa saída para recontro entre facções rivais, faltou a água, e a intercessão de Frei Berardo encontrou uma fonte, da qual beberam os homens e os animais de carga e se encheram os odres.
Em nova saída, os servos de Deus apresentaram-se diante do Miramolim, a quem destemidamente Frei Berardo pregou a doutrina de Jesus Cristo. O chefe muçulmano mandou-os atormentar, atando-lhes as mãos e os pés, arrastando-os por terra, açoitando-os violentamente, lançando sobre as chagas azeite e vinagre e deitando-os em cima de vidros partidos. Assim passaram a noite inteira.
No dia seguinte, o rei quis vê-los e interrogá-los. Achou-os firmes na fé cristã. Uma última tentativa para os demover consistiu em levar-lhes mulheres, que lhas dariam em casamento, e em oferecer-lhes muitas coisas e honras, se se convertessem à fé muçulmana.
Naturalmente a resposta foi negativa e a sentença de morte executada imediatamente. O Miramolim pega do cutelo ou cimitarra e a cada um dos cinco abre a cabeça. Era o dia 16 de Janeiro de 1220.
Os restos mortais destes cinco “verdadeiros Frades Menores”, assim se referiu a eles S. Francisco de Assis, foram recolhidos religiosamente pelo Príncipe D. Pedro e entregues ao seu capelão, o Cónego Regrante de Santa Cruz de Coimbra, D. João Roberto, que tratou de os colocar na igreja de Santa Cruz.
A notável epopeia missionária franciscana entre infiéis vai prosseguir com Santo António de Lisboa, que da morte dos Santos Mártires de Marrocos tira pretexto para mudar de ordem religiosa. Troca o famoso e rico mosteiro de Santa Cruz pelo eremitério pobre de Santo Antão dos Olivais e o nome de Fernando Martins pelo de Frei António, com a condição expressa de seguir para a Missão de Marrocos, o que realmente aconteceu, embora por pouco tempo.
Os Proto-Mártires da Ordem Franciscana, canonizados em 1481, têm um culto especial na Ordem Franciscana. Em todas as dioceses de Portugal, o papa Bento XIV (1740- 1758) autorizou a celebração da festa litúrgica no dia 16 de Janeiro. A restaurada Província Portuguesa da Ordem Franciscana tomou-os oportunamente como seus padroeiros e também os festeja a 16 de Janeiro.»
Fonte: http://www.ofm.org.pt/designio/fran_quemsomos.asp acesso em 19 nov. 2008.
Em cima: SANTOS MÁRTIRES DE MARROCOS (Igreja «Velha» da Venerável Ordem Terceira de S. Francisco, Porto). Imagens desses cinco mártires franciscanos a serem degolados pelo Miramolim de Marrocos, com a ajuda de um carrasco.
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