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sexta-feira, 29 de maio de 2009

Fraticelli

Por Pedro Ravazzano

Na Idade Média, a Idade da Luz, várias heresias se desenvolveram influenciadas por heterodoxias gnósticas resgatadas do tempo patrístico e aprofundadas por heresiarcas medievais. Os fraticelli surgiram da corrupção do carisma franciscano, abraçando teses condenadas pela Igreja para ratificar seus devaneios teológicos. Separados da OFM tornaram-se massa de manobra nas crises entre o Papado e o poder do Imperador germânico. Atualmente, muitas das atitudes e irresponsabilidades dos frades fraticelli estão sendo resgatadas com uma nova roupagem por heresias modernas.

Os gnósticos, já no séc. II, se empenhavam em fazer uma dicotomia entre a Igreja visível e invisível. Para estes a predestinação era presente aos grupos que se colocavam em oposição ao crescimento estrutural da Esposa de Cristo. Essa heresia influenciou diversos grupos, como os catáros, valdenses, bogomilos, hussitas, diversos reformadores protestantes, e os fraticelli.

Todo frade fraticello acreditava na existência de duas Igrejas, uma profana, ligada ao mundo e sua decadência, liderada pelo clero e tendo a frente o Romano Pontífice, e outra desprovida de todo e qualquer bem, movida pelo desprendimento total de posses, que dentro da concepção fraticelli geraria a mais tenra virtude, vivenciada unicamente entre eles. A pobreza de Cristo e dos Apóstolos passou a ser interpretada pelos franciscanos hereges como um silogismo prático que alimentava a revolta, tornando-os além de um problema religioso uma crise social, como ocorrera com os catáros, valdenses, entre outros gnósticos medievais.

O Papa João XXII condenou a heresia dos fraticelli, afirmando entre outras que coisas que “O primeiro erro forjado na tenebrosa oficina desses homens foi, portanto, imaginar duas Igrejas.” A questão acabou se desenvolvendo porque envolvia o poder imperial. O Sacro Império via com bons olhos os hereges. Além de serem um problema para o Papa, a heterodoxia dos fraticelli defendia um combate aos bens da Igreja, o que sinalizou a aliança entre os frades e o Imperador.

Os fraticelli foram bastante influenciados por Joaquim de Fiore, um abade da Ordem Cisterciense. Suas heresias trinitárias foram condenadas no IV Concílio de Latrão, mas foi a sua concepção histórica que teve mais notoriedade, pelo grau de influência que conquistou entre as diversas heterodoxias. O heresiarca afirmava que o tempo era regido pelo Pai, pelo Filho e pelo Espírito Santo, cada um em determinada época. A era do Espírito Santo, que ainda estaria por surgir, seria o reino do amor, visto de forma relativista, onde o Evangelho triunfaria, interpretado hereticamente, defendendo a condenação aos bens e posses. Essa heterodoxia deu mais embasamento para que os fraticelli afirmassem que a Igreja era carnal e corrupta, e que a verdadeira Esposa de Cristo, invisível, subsistiria com eles e os seus.

O interessante é que essas diversas heresias se interrelacionavam. Valdenses, catáros, beguinos, joaquimitas, paterinos, arnaldistas, sequazes do livro espírito, luciferinos, mesmo sendo heterodoxias distintas, acabavam criando ligações devido a rotatividade que os hereges tinham em aprofundar o erro.

Muitas das heresias continuaram a existir mesmo depois da condenação da Igreja, mas em proporções bem pequenas ou em grupos cismáticos. A reforma protestante também serviu como válvula de escape para os heterodoxos, que usaram os preceitos calvinistas e luteranos para que suas seitas se estruturassem.

Atualmente, se percebemos com atenção, a heresia dos fraticelli se desenvolve ao nosso redor. Hoje muitos religiosos condenam veementemente os bens materiais, e exaltam a pobreza na sua forma crua, sem a compreensão e vivência da fé cristã. Para piorar, assim como no passado houvera a união entre os hereges e o império, nos tempos modernos esses novos fraticelli criam vínculos sólidos e estreitos com políticos que comungam da mesma metodologia. O marxismo ainda forneceu uma nova base de sustentação, conseguindo com sucesso uma (falsa) comunhão entre a doutrina católica e a luta de classes.

Essa visão além de anticristã, traz consigo a semente da gnose e do milenarismo. Primeiramente existe uma interpretação obtusa sobre a pobreza, enaltecem a pobreza pela pobreza, não o amadurecimento espiritual que vem em conjunto. Esse aprofundamento na fé é justamente o que faz da mendicância, miséria, uma piedade digna e sublime. O mileranismo surge de uma visão errada a respeito da redenção. Os ‘novos fraticelli’ interpretam e reduzem o Reino de Deus a transitoriedade na terra, a um igualitarismo utópico, ou seja, fazem da Revelação uma mera felicidade material. A redenção passa a ser o sucesso obtido no final da luta de classes.

Lavoisier em 1789 disse que “Na natureza nada se perde, nada se cria, tudo se transforma”, é bem oportuna essa afirmação analisada no âmbito teológico. Hoje, o esoterismo nova era, o espiritismo e similares, as próprias seitas protestantes, e essas heresias dentro do catolicismo, não dizem e revelam nada de novo, apenas reafirmam com novas roupagens heterodoxias que já foram condenadas pela Igreja.
Realmente, nem há mais criatividade para desenvolver heresias...

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