Atualizado em 18 maio 2009.
PEREGRINAÇÃO
DO SANTO PADRE BENTO XVI
À TERRA SANTA
(8-15 DE MAIO DE 2009)
ENCONTRO COM AS ORGANIZAÇÕES
PARA O DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO
DISCURSO DO PAPA BENTO XVI
Auditório de Notre Dame no Jerusalem Center
Segunda-feira, 11 de Maio de 2009
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Amados Irmãos Bispos
Ilustres Chefes religiosos
Estimados amigos
É para mim motivo de grande alegria encontrar-me convosco nesta tarde. Desejo agradecer a Sua Beatitude o Patriarca Fouad Twal1 as suas gentis palavras de boas-vindas, expressas em nome de todos os presentes. Retribuo os calorosos sentimentos manifestados e, cordialmente, saúdo todos vós e os membros dos grupos e das organizações que representais.
"O Senhor disse a Abrão: "Sai da tua terra, do meio dos teus parentes e da casa de teu pai, e vai para a terra que Eu te indicarei"... Então, Abrão partiu... e levou consigo a sua esposa Sarai" (Gn 12, 1-5). A inesperada chamada de Deus, que assinala os primórdios da história das tradições da nossa fé, foi ouvida no meio da comum existência quotidiana do homem. E a história que daqui derivou foi plasmada, não no isolamento, mas através do encontro com as culturas egípcia, hitita, sumera, babilónia, persa e grega.
A fé é sempre vivida dentro de uma cultura. A história da religião demonstra-nos que uma comunidade de crentes procede por graus de fidelidade plena a Deus, haurindo da cultura que encontra e plasmando-a. Esta mesma dinâmica encontra-se nos crentes individuais das três grandes tradições monoteístas: em sintonia com a voz de Deus, como Abraão, respondemos à sua chamada e partimos em busca do cumprimento das suas promessas, esforçando-nos por obedecer à sua vontade, traçando um percurso na nossa cultura particular.
Hoje, cerca de quatro mil anos depois de Abraão, o encontro de religiões com a cultura realiza-se não simplesmente num plano geográfico. Determinados aspectos da globalização e em particular o mundo da internet criaram uma vasta cultura virtual cujo valor é tão diversificado quanto as suas inúmeras manifestações. Indubitavelmente, muito se realizou para criar um sentido de proximidade e de unidade no interior da família humana universal. No entanto, ao mesmo tempo, o uso ilimitado de portais através dos quais as pessoas têm fácil acesso a fontes indiscriminadas de informação pode tornar-se facilmente um instrumento de fragmentação em crescimento: a unidade do conhecimento é fragmentada e as complexas habilidades de crítica, discernimento e discriminação, apreendidas das tradições académicas e éticas, são por vezes eludidas ou até descuidadas.
A pergunta que depois surge naturalmente é, que contribuição a religião oferece às culturas do mundo, que se oponha à recaída de uma globalização tão rápida? Enquanto muitos estão prontos para indicar rapidamente as aparentes diferenças entre as religiões, como crentes ou pessoas religiosas nós somos postos diante do desafio de proclamar com clareza aquilo que temos em comum.
O primeiro passo de Abraão na fé, e os nossos passos rumo à e da sinagoga, igreja, mesquita ou templo percorrem a senda da nossa história humana individual, preparando o caminho, poderíamos dizer, para a Jerusalém eterna (cf. Ap 21, 23). De modo semelhante, cada cultura com a sua capacidade específica de dar e de receber confere expressão à única natureza humana. Todavia, o que é próprio do indivíduo nunca é expresso plenamente através da sua cultura, mas sobretudo transcende-a na busca constante de algo que está mais além. Queridos amigos, a partir desta perspectiva nós vemos a possibilidade de uma unidade que não depende da uniformidade. Enquanto as diferenças que analisamos no diálogo inter-religioso podem, por vezes, parecer barreiras, todavia elas não exigem o ofuscamento do sentido comum de temor reverencial e de respeito pelo universal, pelo absoluto e pela verdade que impele as pessoas religiosas, antes de tudo, a estabelecer relacionamentos umas com as outras. É, ao contrário, a convicção participada que estas realidades transcendentes encontram a sua fonte no Omnipotente e dele têm vestígios aquele Omnipotente que os crentes elevam uns diante dos outros, às nossas organizações, à nossa sociedade e ao nosso mundo. Deste modo, nós não só enriquecemos a cultura, mas também a podemos plasmar: vidas de fidelidade religiosa ressoam a presença impetuosa de Deus e assim formam uma cultura não definida pelos limites do tempo e do lugar, mas fundamentalmente plasmadas pelos princípios e pelas acções que provêm da fé.
A fé religiosa pressupõe a verdade. Quem acredita é aquele que procura a verdade e vive com base nela. Embora o meio através do qual nós compreendemos a descoberta e a comunicação da verdade difira parcialmente de uma religião para outra, não devemos desanimar-nos nos nossos esforços por dar testemunho do poder da verdade. Juntos, podemos proclamar que Deus existe e que pode ser conhecido, que a terra é sua criação, que nós somos suas criaturas e que Ele chama cada homem e cada mulher a um estilo de vida que respeita o seu desígnio para o mundo. Amigos, se julgamos que temos um critério de juízo e de discernimento que é divino na sua origem, e destinado a toda a humanidade, então não podemos cansar-nos de levar tal conhecimento a influenciar a vida civil. A verdade deve ser oferecida a todos; ela é útil para todos os membros da sociedade. Ela lança luz sobre a fundação da moralidade e da ética, enquanto permeia a razão com a força de ir além dos próprios limites para dar expressão às nossas mais profundas aspirações comuns. Longe de ameaçar a tolerância das diferenças ou da pluralidade cultural, a verdade torna possível o consenso e mantém razoável, honesto e verificável o debate público, e abre o caminho para a paz. Com efeito, promovendo a vontade de ser obedientes à verdade, amplia o nosso conceito de razão e o seu âmbito de aplicação, enquanto torna possível o diálogo genuíno das culturas e das religiões, de que hoje há particularmente necessidade.
Contudo cada um de nós aqui presentes sabe que hoje a voz de Deus é ouvida menos claramente, e a própria razão em tão numerosas situações chegou a tornar-se surda ao divino. Porém, aquele "vazio" não é um vazio de silêncio. Pelo contrário, é a confusão de pretensões egoístas, de promessas vazias e de esperanças falsas, que tão frequentemente invadem o próprio espaço em que Deus nos procura. Então, podemos nós criar espaços, oásis de paz e de profunda reflexão, onde a voz de Deus possa ser novamente ouvida, onde a sua verdade possa ser descoberta no interior da universalidade da razão, onde cada indivíduo, sem distinção de morada ou de grupo étnico, ou de cor política, ou de credo religioso, possa ser respeitado como pessoa, como ser humano, como um nosso semelhante? Numa época de acesso imediato à informação e de tendências sociais que geram uma espécie de monocultura, a profunda reflexão que contrasta o afastamento da presença de Deus há-de revigorar a razão, estimulará o génio criativo, facilitará a avaliação crítica dos costumes culturais e sustentará o valor universal do credo religioso.
Prezados amigos, as instituições e os grupos que vós representais comprometem-se no diálogo inter-religioso e na promoção de iniciativas culturais num vasto âmbito de níveis. Das instituições académicas e aqui quero fazer uma menção especial das conquistas extraordinárias da Universidade de Belém aos grupos de pais em dificuldade, das iniciativas através da música e das artes ao exemplo corajoso de mães e pais comuns, dos grupos de diálogo às organizações caritativas, vós diariamente demonstrais a vossa convicção de que o nosso dever diante de Deus não se exprime somente no culto, mas inclusive no amor e na atenção à sociedade, à cultura, ao nosso mundo e a todos aqueles que vivem nesta terra. Alguém gostaria que nós acreditássemos que as nossas diferenças são necessariamente causa de divisão e, portanto, no máximo deveriam ser toleradas. Alguns chegam mesmo a afirmar que as nossas vozes devem simplesmente ser silenciadas. Mas nós sabemos que as nossas diferenças jamais devem ser erroneamente representadas como uma inevitável fonte de atrito ou de tensão, quer entre nós mesmos, quer mais vastamente na sociedade. Pelo contrário, elas oferecem uma maravilhosa oportunidade para pessoas de diferentes religiões de viver juntas em profundo respeito, estima e apreço, encorajando-se reciprocamente nos caminhos de Deus. Impelidos pelo Omnipotente e iluminados pela sua verdade, possais vós continuar a caminhar com coragem, respeitando tudo aquilo que nos diferencia e promovendo tudo quanto nos une como criaturas abençoadas pelo desejo de levar esperança às nossas comunidades e ao mundo. Deus nos oriente ao longo deste caminho!
Extraído de http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/speeches/2009/may/documents/hf_ben-xvi_spe_20090511_dialogo-interreligioso_po.html acesso em 18 maio 2009.
Ilustração: Bamberg, Dom St. Peter und St. Georg Adamspforte : Papstwappen Benedikts XVI / photo: Andreas Praefcke. Sept. 2008. Disponível em http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Bamberg_Dom_Adamspforte_Papstwappen.jpg acesso em 12 maio 2009.
Nota de Eugenio Hansen, OFS:
1 Patriarca Latino de Jerusalém.
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