Publicamos a seguir um trecho do livro do vaticanista norte-americano John L. Allen Jr. (foto), intitulado "The Future Church: How Ten Trends Are Revolutionizing the Catholic Church" [A Igreja do futuro: Como dez tendências estão revolucionando a Igreja católica] (Ed. Doubleday Religion, 2009). O texto foi publicado no sítio National Catholic Reporter, 10-11-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
O jesuíta e sociólogo norte-americano Pe. John Coleman observou que, apesar de seus ricos recursos intelectuais e humanos, o Catolicismo desempenhou um curioso papel "subalterno" em grande parte dos debates contemporâneos sobre globalização, com a única exceção talvez no Jubileu do ano 2000, com a campanha pelo cancelamento da dívida. Na tentativa de dar conta desse desajuste entre o potencial da Igreja e seu impacto real, Coleman cita um estudo sobre ONGs de 1998, intitulado "Activists Beyond Borders" [Ativistas além das fronteiras], de Margaret Keck e Kathryn Sikkink, que defende que hoje os atores mundiais de sucesso geralmente são redes políticas frouxamente organizadas e sem múltiplas camadas de comando. Talvez, sugere Coleman, o modelo de organização hierárquico do Catolicismo não possui a flexibilidade necessária para se manter no intenso ritmo em que as coisas mudam em um mundo globalizado.
Para ser franco, o Catolicismo tem sim uma ampla variedade de atores horizontais de sucesso, na forma de ordens religiosas, movimentos leigos e uma ampla variedade de coalizões de base. Quando esses sujeitos somam forças, eles podem produzir resultados surpreendentes. Um exemplo disso surgiu nos debates nos Estados Unidos sobre o destino de Terri Schiavo, a mulher da Flórida em um estado vegetativo persistente que morreu em 2005 depois que seu suporte vital foi removido. Grande parte da energia católica em favor de manter Schiavo viva veio não das lideranças oficiais da Igreja, mas sim de uma ampla variedade de grupos pró-vida e movimentos formados largamente pela Internet para esse fim. Independentemente do posicionamento que se possa ter sobre essa instância, o fato ilustra a capacidade de um Catolicismo horizontal energizado mobilizar opiniões e obter resultados. Nesse caso, o movimento não evitou a morte de Schiavo, mas gerou um exame de consciência nacional em torno de questões sobre o fim da vida, que ainda é um trabalho em andamento.
Porém, Coleman indica que essa dimensão horizontal do ativismo católico continua subdesenvolvida, pelo menos em comparação com as estruturas verticais da Igreja. Remediar esse déficit não é primeiramente uma tarefa para a hierarquia. De fato, em muitos casos, sua contribuição mais valiosa pode ser ficar fora do caminho. A construção de um setor horizontal mais convincente e articulado na Igreja sobre questões esboçadas acima depende de uma parcela crescente de católicos leigos, especialmente da ampla maioria que não pertence a nenhum movimento ou grupo formais, que assumam sobre si a tradução de sua fé em ação. O autêntico Catolicismo horizontal não pode vir à existência por meio de um "fiat" hierárquico. Ele deve brotar das bases, refletindo uma determinação popular para que algo seja feito.
Esperar que o Vaticano ou os bispos ajam, ou culpá-los por fazer da forma errada, não é suficiente. É o cúmulo do clericalismo acreditar que tudo na Igreja depende de seu clero, ou que nada de útil pode ser feito até que Roma vire uma nova página. Essa posição lê erroneamente tanto a teoria quanto a prática de como a mudança funciona na Igreja. Quando todo o resto é removido, a responsabilidade principal da hierarquia é assegurar que, quando Cristo voltar, a fé ainda possa ser encontrada sobre a Terra. Por definição, de muitas maneiras, esse é um papel conservador, cauteloso, defensivo. Esperar também que a hierarquia seja o "agente de mudança" primordial no Catolicismo, a fonte principal de sua visão e de sua nova energia, é tanto injusto quando irreal. Emprestando-me de uma metáfora esportiva, é como esperar que a defesa marque todos os pontos. Quando um bispo se apresenta como um visionário, deveríamos receber isso como uma graça, mas esperar que isso seja o curso normal dos fatos é uma prescrição de azia.
Na realidade, a mudança no Catolicismo infiltra-se tipicamente pelas bases e então é sujeita a um longo período de discernimento teológico e espiritual em múltiplos níveis, bem antes de ser ratificada e assimilada pela hierarquia. A Igreja gerou ordens medicantes nos séculos XII e XIII, por exemplo, não por causa de um decreto papal que assim determinou, mas porque indivíduos criativos como São Domingos e São Francisco viram uma necessidade emergente e responderam a ela. Da mesma forma, a grande explosão de novos ensinamentos e ordens missionárias no século XIX foi o trabalho de católicas e católicos visionários que aproveitaram a iniciativa, geralmente lutando pelas suas vidas com superiores e bispos recalcitrantes, preocupados sobre aonde as coisas iriam parar.
A realidade simples é que, se o Catolicismo deve gerar a imaginação requerida para enfrentar os desafios das tendências que pesquisamos, essa não é principalmente uma tarefa para a hierarquia. Ela deve ser desenvolvida em comunhão com as lideranças da Igreja, claro, mas não pode depender delas. Pensar de outra forma é sucumbir a uma espécie de "eclesiologia lilás", na qual a Igreja é reduzida aos seus bispos. Sim, os bispos às vezes podem abusar de sua autoridade e podem reprimir artificialmente energias criativas. Sua precaução natural às vezes se traduz em rigidez ou fechamento. Em última instância, porém, o tempo e as marés não podem ser parados, e as boas ideias irão perdurar independentemente de qual seja a sua recepção inicial pelos poderes.
A questão real, entretanto, não é se os bispos estão à altura dos desafios do século XXI. A questão é se o resto de nós está.
Extraído de http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=27687 acesso em 21 nov. 2009.
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sábado, 21 de novembro de 2009
A dimensão horizontal da Igreja
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