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segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Viver a Pobreza em Fraternidade

Frei Miguel de Negreiros.OFMCAP - (freifrancesco.ofmcap@bol.com.br): in Cadernos de Espiritualidade Franciscana, nº 9, pp. 24-33. Conferência proferida no Curso Complementar de Formação Franciscana. Fátima, Julho de 1997.


Sendo a pobreza evangélica um dos aspectos principais da nossa vida franciscana, lembrei-me de a comparar a uma casa espiritual que devemos edificar, no ambiente da nossa fraternidade.


E logo me ocorreu o que disse Jesus: Quem escuta as minhas palavras e as põe em prática é como o homem prudente que edifica a sua casa sobre a rocha... Quem ouve as minhas palavras e não as põe em prática é semelhante ao homem néscio que edifica a sua casa sobre a areia (Mt 7,24-27).


Se compararmos esta casa com o nosso projecto de pobreza evangélica, também podemos afirmar: aquele que ouve o convite do Senhor vem e segue-Me e, na verdade, deixa tudo e todos para seguir os passos de Jesus, esse edifica a casa do seu voto de pobreza, sobre a rocha!


Aquele, porém, que ouve o convite do Senhor: vem, e vai, mas sem partir da sua terra, ou seja, sem abandonar tudo quanto o envolve - família, parentela, amizades, posição social, a casa paterna e toda aquela teia das suas relações de cidadão deste mundo, etc., esse edifica a sua pobreza sobre a areia!


Do mesmo modo, aquele que ouve o convite de Jesus: segue-Me, e dispõe-se a segui-Lo mas sem deixar radicalmente todos os seus bens e tudo quanto tem, quanto adquiriu, quanto herdou, ganhou e recebeu, ou virá a adquirir, a herdar e a receber, esse edifica a sua pobreza sobre a areia.


Assim, também, o que ouve o convite do Senhor: vem e segue-me mas não se resolve decididamente a renunciar a si mesmo: aos seus critérios, aos seus pontos de vista, à sua mentalidade, à sua mundivisão, às suas inclinações naturais, ao seu amor próprio e à idolatria do seu eu, esse edifica a casa da pobreza sobre a areia.


Aquele, porém, que edifica a pobreza sobre o seguimento da pessoa adorável de Jesus que ele conhece, ama, e a quem se entrega apaixonadamente de alma e coração, esse resiste a todas as intempéries.


Cai a chuva da sociedade de consumo que inunda todos os escaparates da nossa praça.


Engrossam os rios dos bens supérfluos que nos alagam com a sua abundância. Sopram os ventos de todas as vaidades e de todas as modas, e de tudo quanto reluz e encanta os sentidos.


Mas a casa da pobreza não cai porque está fundada sobre a rocha.


Aquele que edifica o seu projecto de pobreza, unicamente sobre uma certa simpatia por um estilo de vida pobre que outros colegas ou amigos já adoptaram e que segundo as leis implica uma certa renúncia ou parcimónia no comer, no vestir e no habitar, mas sem uma referência inspiracional e vital, e profunda à pessoa de Jesus pobre e crucificado, esse não resiste às intempéries e investidas da riqueza.


Cai a chuva da sociedade de consumo, e ele deixa-se tentar por tantas coisas que seduzem aqueles que ainda são presa fácil dos bens materiais.


Engrossam os rios da abundância dos bens supérfluos, que estão muito para além das verdadeiras necessidades e reais carências da vida humana, e ele deixa-se enredar por um sem número de objectos pessoais de que não precisa para viver mas de que não se consegue libertar!


Sopram os ventos de todas as novidades e curiosidades que vêm rechear o nosso teor de vida - no comer, no vestir, no calçar, no passear, no divertir-se, no conviver - e lá somos nós atraídos para dar nas vistas e perdemos muito da nossa simplicidade e austeridade, devorados pelos últimos gritos da moda.


E a nossa Casa da Pobreza desmorona-se e é grande a sua ruína.


Concluímos que viver a pobreza em fraternidade é, antes de mais, seguir a doutrina e exemplo de Nosso Senhor Jesus Cristo, que diz: Se queres ser perfei­to, vai e vende quanto tens e dá o seu preço aos pobres, e terás um tesouro no Céu, e vem e segue-me. (Mt 19,2 1; 1 Reg. 1,2).


Continuando a comparar a nossa pobreza à casa que devemos construir e onde queremos viver, podemos atender a cinco aspectos fundamentais da mesma casa: a planta, a cor, as janelas, as portas e o telhado.


Se a vemos de longe, é a configuração do telhado que primeiramente nos é dado observar. Se a vemos de perto, o que mais imediatamente nos fere a sensibilidade é a luminosidade da sua cor: mais clara ou mais escura; mais viva ou mais mortiça; mais agressiva ou mais discreta, ou, então, a total ausência de cor!


Em segundo lugar, damo-nos conta das linhas da sua planta: maior ou mais pequena; mais linear ou complicada; mais tradicional ou mais ousada; com ou sem varandas e escadas!


A seguir, reparamos nas suas janelas: mais rasgadas ou menos abertas; mais desenhadas ou mais rectangulares; em maior ou menor número, em proporção à medida da planta.


Finalmente, detemo-nos a observar as portas: se largas ou mais estreitas; mais altas ou mais baixas; mais fortes ou mais frágeis; com desenhos de alto relevo ou mais lisas.


Vendo-a de fora, não conseguimos apercebermo-nos do recheio e da mobília. Mas tanto de fora como de dentro, há uma coisa que não conseguimos ver: os seus alicerces. O mais fundamental não se vê. E nos alicerces há um elemento ainda mais importante: a pedra angular.


Se o mais fundamental não se vê, nem por fora nem por dentro, o mais precioso só se vê por dentro: a beleza da decoração e a preciosidade da mobília.


Comparando a pobreza a esta casa, podemos dizer que a pedra angular que dá coeo aos alicerces e firmeza a todo o edifício é a pessoa adorável de Jesus! É Ele quem toma possível e dá fundamento à pobreza evanlica! Quem usufruir da sua amizade pessoal encontrou o tesouro escondido cujo valor supera infinitamente todos os outros valores.


A decoração e o recheio da mobília que só se vêem penetrando no interior da casa, significam a pobreza espiritual com todo o recheio das bem-aventuranças. É toda a riqueza dos dons do Espírito Santo. A felicidade e a alegria que estes dons nos transmitem fazem com que nos sejam supérfluas e incómodas todas as riquezas materiais. O Esrito de Jesus que nos inunda e se nos oferece enche-nos de vida, e vida em abundância!


Assim como quem se deleita com a beleza e a maravilha interior da casa ­ aposentos próprios, cozinha, lareira, dispensa recheada, sala dei jantar, sala de estar, conforto físico e acolhedor, alimenta<


Extraído de http://www.promapa.org.br/2006/index.php?pag=artigos&exibartigo=153 acesso em 21 nov. 2009.

Ilustração: São Francisco de Assis / Raffaello Sanzio. ca. 1504. Dulwich Picture Gallery, London, UK. Disponível em http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Raffaello_Sanzio_-_St._Francis_of_Assissi.jpg acesso em 21 nov. 2009.

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